{"id":13880,"date":"2022-01-20T15:51:40","date_gmt":"2022-01-20T15:51:40","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=13880"},"modified":"2022-01-20T15:51:40","modified_gmt":"2022-01-20T15:51:40","slug":"de-quem-afinal-e-a-cultura","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2022\/01\/20\/de-quem-afinal-e-a-cultura\/","title":{"rendered":"De quem, afinal, \u00e9 a cultura?"},"content":{"rendered":"
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Imagem de \u0416<\/a>, Filme-designer, educador e programador.<\/p><\/div>\n

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Victor Barcellos, doutorando em Comunica\u00e7\u00e3o e Cultura na ECO\/UFRJ e pesquisador no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), escreveu uma resenha<\/a> sobre o “A Cultura \u00e9 Livre” na revista da Eco-P\u00f3s. A resenha tem o t\u00edtulo de “De quem \u00e9 a Cultura? Obras Culturais entre o privado, o p\u00fablico e o comum<\/strong>” e faz um \u00f3timo panorama do livro – inclusive permitindo novas interpreta\u00e7\u00f5es do tema e di\u00e1logos com outros pensadores\/as, como McKenzie Wark e Maur\u00edzio Lazaratto, o que \u00e9 sempre um sinal positivo quando se fala de resenha e constru\u00e7\u00e3o de conhecimento cr\u00edtico.<\/p>\n

Abaixo, reproduzo alguns trechos, com algumas edi\u00e7\u00f5es, coment\u00e1rios e supress\u00f5es, para seguir fomentando o debate sempre necess\u00e1rio (achamos) sobre propriedade e cultura. Vale a pena ler todo a edi\u00e7\u00e3o, um Dossi\u00ea sobre Apropria\u00e7\u00f5es e Ressignifica\u00e7\u00f5es na arte e no pensamento<\/a>, editado por Ciro Lubiner e Lucas Murari.<\/p>\n

“A hist\u00f3ria da liberdade da cultura tem a pot\u00eancia de nos lembrar que a cultura, uma vez produzida e usufru\u00edda coletivamente como um bem comum, transmitida livremente de gera\u00e7\u00e3o em gera\u00e7\u00e3o, circula hoje majoritariamente em forma de mercadoria. Justamente no momento em que as possibilidades t\u00e9cnicas permitiram \u00e0 cultura que circulasse rapidamente, sem barreiras e com baixo custo \u2013\u00e9 exatamente o momento em que ela se encontra mais limitada. Percebeu-se o potencial de lucratividade da cria\u00e7\u00e3o de escassez artificial precisamente neste tempo de abund\u00e2ncia informacional que \u00e9 como o presente.<\/p>\n

Em uma par\u00e1frase a Jean-Jacques Rousseau, Mckenzie Wark afirma sobre a informa\u00e7\u00e3o o mesmo que se poderia afirmar a respeito da cultura: \u201cA informa\u00e7\u00e3o quer ser livre mas por toda parte se v\u00ea acorrentada<\/strong>“. [Em “A Hacker Manifesto<\/a><\/strong>“, \u00f3timo livro de McKenzie Wark que reflete sobre tecnologia, propriedade intelectual e filosofia em um texto que remete, principalmente na forma, ao cl\u00e1ssico “A Sociedade do Espet\u00e1culo<\/a>“, de Guy Debord – sem tradu\u00e7\u00e3o para o portugu\u00eas ainda<\/em>]<\/p>\n

O capitalismo, sabidamente estruturado sobre contradi\u00e7\u00f5es, encontrou formas de modular essa rela\u00e7\u00e3o entre liberdade e priva\u00e7\u00e3o de forma a rentabilizar o processo. Para compreend\u00ea-lo, \u00e9 \u00fatil a distin\u00e7\u00e3o feita por Maurizio Lazzarato entre \u201ccria\u00e7\u00e3o\u201d e \u201cprodu\u00e7\u00e3o\u201d. De acordo com o autor, o primeiro est\u00e1 mais ligado \u00e0 cria\u00e7\u00e3o de novos mundos, enquanto o segundo diz respeito \u00e0 replica\u00e7\u00e3o de c\u00f3pias desses mundos efetuados para sua monetiza\u00e7\u00e3o na forma de mercadoria. Assim, afirma: o \u201cnascimento do capitalismo \u00e9 sobretudo uma luta contra a infinidade de mundos poss\u00edveis que o precederam e o ultrapassaram<\/em>\u201d (Lazzarato em\u00a0 “As revolu\u00e7\u00f5es no Capitalismo<\/strong>“, p. 188, PDF<\/a>). E qual a melhor forma de falar dessa liberdade da cultura, sen\u00e3o demonstrando que historicamente, apesar das diversas tentativas de seu enclausuramento, sempre houve movimentos contr\u00e1rios que advogaram sua liberdade?<\/p>\n

A afirma\u00e7\u00e3o categ\u00f3rica e precisa do t\u00edtulo deixa evidente sua posi\u00e7\u00e3o: a cultura \u00e9 livre, e essa caracter\u00edstica quase ontol\u00f3gica, ainda que negada de tempos em tempos, n\u00e3o se deixa sucumbir por completo.<\/p>\n

A cultura pode ser compreendida como o \u00faltimo limite adentrado pelo crescente processo de commoditiza\u00e7\u00e3o<\/em> da vida<\/strong>. A gradativa transforma\u00e7\u00e3o dos diversos aspectos da experi\u00eancia em propriedade privada se iniciou na terra, passou pelo capital e hoje encontra na cultura sua commodity<\/em> central. Isso porque, em um processo de crescente abstra\u00e7\u00e3o da forma-mercadoria, nota-se o incr\u00edvel potencial de extra\u00e7\u00e3o de valor em uma coopta\u00e7\u00e3o parasitaria da produ\u00e7\u00e3o de cultura. Ao inv\u00e9s de precisar investir na produ\u00e7\u00e3o, agora se torna poss\u00edvel capturar a cultura, que \u00e9 produzida naturalmente pelo intelecto geral (general intellect<\/em>) e lucrar com sua circula\u00e7\u00e3o. “Seu poder reside no monop\u00f3lio da propriedade intelectual \u2013patentes, direitos autorais e marcas registradas \u2013e os meios de reproduzir seu valor \u2013os vetores de comunica\u00e7\u00e3o. A privatiza\u00e7\u00e3o da informa\u00e7\u00e3o se tornou o aspecto dominante, e n\u00e3o subsidi\u00e1rio, da vida \u2018commoditizada\u2019 <\/em>(Wark, 2004, p. 25, tradu\u00e7\u00e3o nossa)”.<\/p>\n

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Capa do Livro de McKenzie Wark, de 2004<\/p><\/div>\n

Por meio de uma s\u00e9rie de exemplos, Foletto nos mostra como boa parte daqueles que at\u00e9 hoje s\u00e3o reconhecidos como g\u00eanios inventores das maiores tecnologias n\u00e3o foram os respons\u00e1veis propriamente pelas inven\u00e7\u00f5es, mas apenas tiveram o capital financeiro e pol\u00edtico para obter sua patente para produ\u00e7\u00e3o em escala. Logo, deve-se desmistificar a vis\u00e3o de g\u00eanios solit\u00e1rios trabalhando em suas oficinas quando, por ilumina\u00e7\u00e3o sobrenatural, obtiveram \u00eaxito na cria\u00e7\u00e3o de inven\u00e7\u00f5es. A hist\u00f3ria real \u00e9 menos solit\u00e1ria e muito mais social, tem pouco de inspira\u00e7\u00e3o espiritual e muito mais de disputas materiais<\/strong>.<\/p>\n

A China, em especial at\u00e9 a modernidade e por influ\u00eancia do confucionismo, valorizava-se a tradi\u00e7\u00e3o que incentivava, na educa\u00e7\u00e3o infantil, a memoriza\u00e7\u00e3o e a c\u00f3pia, o que colocou em contradi\u00e7\u00e3o os direitos de propriedade intelectual com os valores morais tradicionais. Por essa valoriza\u00e7\u00e3o maior da transmiss\u00e3o do que da inova\u00e7\u00e3o, chegava-se a atribuir a aus\u00eancia da percep\u00e7\u00e3o de uma c\u00f3pia n\u00e3o pela aus\u00eancia de atribui\u00e7\u00e3o da autoria, mas por ignor\u00e2ncia daquele que consome a obra.<\/p>\n

Em outras culturas, como algumas amer\u00edndias estudadas por antrop\u00f3logos como Marcel Mauss e Eduardo Viveiros de Castro, tamb\u00e9m se pode encontrar cosmovis\u00f5es que se colocam radicalmente em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0s concep\u00e7\u00f5es de direitos autorais. Como proteger obras em contextos em que a cria\u00e7\u00e3o \u00e9 entendida como um processo que envolve inclusive agentes n\u00e3o-humanos? E em que a concep\u00e7\u00e3o de que as transa\u00e7\u00f5es n\u00e3o se esgotam na troca f\u00edsica de moedas ou mercadorias, mas representam apenas uma etapa de uma rela\u00e7\u00e3o duradoura entre os agentes?<\/strong> Essa diferen\u00e7a radical apresentada por Foletto nos ajuda a tomar consci\u00eancia do qu\u00e3o arbitr\u00e1rias e contingentes s\u00e3o as concep\u00e7\u00f5es que sustentam os direitos autorais tradicionais.<\/p>\n

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