{"id":13856,"date":"2021-11-30T20:49:27","date_gmt":"2021-11-30T20:49:27","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=13856"},"modified":"2021-11-30T20:49:27","modified_gmt":"2021-11-30T20:49:27","slug":"os-argumentos-em-defesa-da-cultura-livre-no-nexo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2021\/11\/30\/os-argumentos-em-defesa-da-cultura-livre-no-nexo\/","title":{"rendered":"Alguns argumentos em defesa da cultura livre"},"content":{"rendered":"

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Para diretor (sic*) do bra\u00e7o brasileiro da ONG Creative Commons<\/a>, compartilhamento de obras intelectuais constr\u00f3i uma sociedade mais igualit\u00e1ria. T\u00edtulo est\u00e1 dispon\u00edvel para download gratuito**<\/em><\/p>\n

Criar um ambiente em que a cultura \u00e9 compartilhada livremente \u00e9 essencial para a constru\u00e7\u00e3o de uma sociedade mais justa, na vis\u00e3o do jornalista Leonardo Foletto, autor do rec\u00e9m-lan\u00e7ado livro \u201cA cultura \u00e9 livre: Uma hist\u00f3ria da resist\u00eancia antipropriedade<\/strong><\/a>\u201d, da editora Autonomia Liter\u00e1ria, em parceria com a Funda\u00e7\u00e3o Rosa Luxemburgo.<\/p>\n

Foletto \u00e9 um dos diretores do bra\u00e7o brasileiro do Creative Commons, ONG internacional que estabelece regras para o livre compartilhamento de textos, v\u00eddeos e imagens na internet. Com uma vers\u00e3o impressa vendida pela editora, \u201cA cultura \u00e9 livre\u201d tamb\u00e9m est\u00e1 dispon\u00edvel gratuitamente para download em formato digital neste link.<\/p>\n

Neste texto, o Nexo<\/a> fala sobre os principais argumentos do livro, que tamb\u00e9m tem pref\u00e1cio do compositor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, e como eles se encaixam na hist\u00f3ria da internet.<\/p>\n

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\nA ideologia californiana<\/strong><\/p>\n

Quando a internet surgiu, na d\u00e9cada de 1990, havia entre os usu\u00e1rios um senso rebelde, beirando o revolucion\u00e1rio, com a ideia de que a rede poderia ser a ferramenta mais transformadora da hist\u00f3ria da humanidade \u2013 uma forma dos pa\u00edses e seus cidad\u00e3os romperem com modelos tradicionais de vida e constru\u00edrem novas formas de exist\u00eancia.<\/p>\n

Esse esp\u00edrito, muito inspirado pelos hippies dos anos 1960 e pelos punks dos anos 1970, acabou se perdendo com a chegada da chamada \u201cideologia californiana\u201d.<\/p>\n

O termo foi criado em um ensaio de 1995 pelos pesquisadores de m\u00eddia Richard Barbrook e Andy Cameron, da Universidade de Westminster, no Reino Unido, e designa a absor\u00e7\u00e3o dos rebeldes e hippies dos prim\u00f3rdios da ind\u00fastria tecnol\u00f3gica pelos lemas do capitalismo tradicional em meio \u00e0 costa da Calif\u00f3rnia. O texto completo pode ser lido em portugu\u00eas gratuitamente<\/a>.<\/p>\n

\u201cA ideologia californiana, simultaneamente, reflete as disciplinas da economia de mercado e as liberdades do artesanato hippie\u201d, definiram os autores.<\/p>\n

O mundo pensado pela ideologia californiana, de acordo com os pesquisadores, \u00e9 um mundo de \u201csurfe, comida saud\u00e1vel, espiritualidade \u2018nova era\u2019, m\u00fasica pop, drogas recreativas, m\u00eddia comunit\u00e1ria e a tradi\u00e7\u00e3o da boemia cultural\u201d, tudo catapultado por empresas privadas que, dentro de um livre mercado liberal, podem operar sem restri\u00e7\u00f5es e burocracias dos \u201cantiquados\u201d sistemas de controle estatal.<\/p>\n

Duas figuras s\u00e3o centrais para o pensamento da ideologia californiana: Thomas Jefferson, um dos \u201cpais fundadores dos EUA\u201d, e a escritora russo-americana Ayn Rand. Jefferson, na Declara\u00e7\u00e3o de Independ\u00eancia americana de 1776, chamou os cidad\u00e3os (brancos, dado que os EUA mantinham o sistema escravocrata) \u00e0 liberdade e \u00e0 democracia, afirmando que esses dois fen\u00f4menos dependiam de uma liberdade de express\u00e3o irrestrita.<\/p>\n

Rand, na fic\u00e7\u00e3o cient\u00edfica \u201cA revolta de Atlas\u201d (1957), afirma que o \u00fanico sistema econ\u00f4mico que est\u00e1 alinhado com o objetivo moral dos seres humanos \u2013 a busca incessante pela felicidade, apresentada por ela como \u201cego\u00edsmo racional\u201d \u2013 \u00e9 o capitalismo liberal, com pouca participa\u00e7\u00e3o p\u00fablica, capitaneado pela iniciativa privada.<\/p>\n

\u00c9 a ideologia californiana que estava, na \u00e9poca do ensaio, por tr\u00e1s da Apple e da Microsoft, e que, posteriormente, guiaria Google, Facebook e todas as grandes empresas do Vale do Sil\u00edcio, localizado na Calif\u00f3rnia \u2013 a ideia de que o progresso tecnol\u00f3gico \u00e9 inevit\u00e1vel, mesmo quando h\u00e1 consequ\u00eancias negativas, e que o mercado capitalista sempre vai conseguir administrar a vida cotidiana melhor do que qualquer Estado, mesmo que isso signifique condi\u00e7\u00f5es prec\u00e1rias de trabalho, perda de direitos e acentuamento de desigualdades.<\/p>\n

\u201cPor todo o mundo, a ideologia californiana foi aceita como uma forma otimista e emancipadora de determinismo tecnol\u00f3gico\u201d, afirma. \u201cPor\u00e9m, esta fantasia ut\u00f3pica da costa oeste [americana] depende de sua cegueira frente \u00e0 \u2013 e depend\u00eancia de \u2013 polariza\u00e7\u00e3o social e racial da sociedade em que nasceu. Apesar de sua ret\u00f3rica radical, a ideologia californiana \u00e9 totalmente pessimista a respeito de mudan\u00e7as sociais estruturais.\u201d<\/p>\n

\u201cSe apenas algumas pessoas podem ter acesso \u00e0s novas tecnologias da informa\u00e7\u00e3o, a democracia jeffersoniana pode se tornar uma vers\u00e3o de alta tecnologia da economia de latif\u00fandios do Velho Sul. Refletindo esta profunda ambiguidade, o determinismo tecnol\u00f3gico da ideologia californiana n\u00e3o \u00e9 simplesmente otimista e emancipador. \u00c9 simultaneamente, tamb\u00e9m, uma vis\u00e3o profundamente pessimista e repressiva do futuro\u201d, diz o texto.<\/p>\n

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\nA defesa da livre circula\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n

A defesa da cultura livre capitaneada por grupos na internet como o Creative Commons<\/a> \u00e9 uma forma de combater as ra\u00edzes capitalistas da ideologia californiana que se emaranhou no meio digital. Em \u201cA cultura \u00e9 livre\u201d, Leonardo Foletto argumenta que o livre compartilhamento n\u00e3o necessariamente antagoniza com a ideia de lucro e remunera\u00e7\u00e3o pelo trabalho intelectual.<\/p>\n

O cerne do argumento est\u00e1 no fato de que n\u00e3o existe escassez nos arquivos digitais, como existiria em um livro f\u00edsico, que precisa de materiais como papel e tinta e processos como impress\u00e3o, armazenamento e distribui\u00e7\u00e3o. No digital, um mesmo arquivo pode ser copiado milh\u00f5es ou bilh\u00f5es de vezes sem precisar de um material finito para existir.<\/p>\n

\u201cEste livro investiga a cultura livre tamb\u00e9m entre dois lados conhecidos: o da remunera\u00e7\u00e3o aos criadores, que deveria garantir a continuidade na produ\u00e7\u00e3o de suas obras, e o do acesso, (re)uso e circula\u00e7\u00e3o das obras, que prometeria \u00e0 humanidade o direito de fru\u00ed-las e recri\u00e1-las. Nesses dois p\u00f3los, muitas vezes colocados como antag\u00f4nicos, h\u00e1 nuances e questionamentos\u201d, escreve.<\/p>\n

Para ele, um modelo ideal que conciliaria a reprodu\u00e7\u00e3o livre de cria\u00e7\u00f5es intelectuais e a remunera\u00e7\u00e3o de seus autores envolve o estabelecimento de um contrato social entre autores e p\u00fablico.<\/p>\n

\u201cNos casos de obras est\u00e9ticas e que informam o pensamento de algu\u00e9m, ter a liberdade de fazer c\u00f3pias j\u00e1 seria suficiente para que qualquer pessoa pudesse compartilhar como e onde bem quisesse, vetando o uso comercial e certas possibilidades de modifica\u00e7\u00e3o da obra que pudessem alterar ou deturpar a vis\u00e3o proposta pelo seu autor.\u201d<\/p>\n

Nele, o pagamento seria espont\u00e2neo pelo p\u00fablico, como uma doa\u00e7\u00e3o, ou obrigat\u00f3rio, em circunst\u00e2ncias como a exibi\u00e7\u00e3o de um filme dentro de uma empresa privada, por exemplo. \u201cAos trabalhadoras\/es, por exemplo, seria permitido o uso, inclusive comercial, da obra cultural, mas n\u00e3o \u00e0queles que explorem o trabalho assalariado, que seriam obrigados a negociar o acesso\u201d, diz o livro.<\/p>\n

O modelo se aproxima ao que \u00e9 defendido pelo sistema Creative Commons, que d\u00e1 ao respons\u00e1vel por textos, imagens e obras a possibilidade de escolher entre algumas op\u00e7\u00f5es que permitem a reprodu\u00e7\u00e3o, comercial ou n\u00e3o, da obra intelectual.<\/p>\n

A organiza\u00e7\u00e3o n\u00e3o governamental criadora do sistema foi criada nos EUA em 2001. As licen\u00e7as surgiram como uma maneira de adaptar e discutir as legisla\u00e7\u00f5es j\u00e1 existentes sobre direitos autorais de forma a abra\u00e7ar as mudan\u00e7as impostas pela populariza\u00e7\u00e3o da internet. Por meio de uma licen\u00e7a tradicional, um titular de direitos \u201centra em uma rela\u00e7\u00e3o espec\u00edfica com outra pessoa para autorizar determinados usos\u201d, segundo cartilha da ONG. Elas se baseiam na legisla\u00e7\u00e3o do pa\u00eds. J\u00e1 com as licen\u00e7as Creative Commons, que s\u00e3o p\u00fablicas, \u00e9 o propriet\u00e1rio da obra que estabelece os termos de autoriza\u00e7\u00e3o de utiliza\u00e7\u00e3o de uma cria\u00e7\u00e3o pelo p\u00fablico geral. No mundo, mais de 1,4 bilh\u00e3o de arquivos como fotos, m\u00fasicas, textos e v\u00eddeos possuem licen\u00e7as Creative Commons.<\/p>\n

No Brasil, os direitos autorais s\u00e3o protegidos pela lei 9.610<\/a>, sancionada pelo ent\u00e3o presidente Fernando Henrique Cardoso em 1998. Defensores das leis do direito autoral consideram a distribui\u00e7\u00e3o livre de obras culturais uma forma de pirataria. Jana\u00edna Costa, advogada especializada em direito digital e pesquisadora do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) do Rio de Janeiro, considera no entanto que a pr\u00e1tica de tentar criminalizar o download de obras protegidas por direitos autorais \u00e9 ineficaz.<\/p>\n

\u201cO fomento da inova\u00e7\u00e3o e de novos modelos de neg\u00f3cios \u00e9 a estrat\u00e9gia mais promissora de combate \u00e0 pirataria. Conforme fartamente demonstrado, facilitar o acesso para aqueles que buscam o consumo parece ser o m\u00e9todo mais eficiente\u201d, disse ao Nexo em agosto de 2021<\/a>.<\/p>\n

A afirma\u00e7\u00e3o dela j\u00e1 foi demonstrada com evid\u00eancias no estudo \u201cMedia Piracy in Emerging Countries<\/a>\u201d, do qual participou a Funda\u00e7\u00e3o Getulio Vargas. Na pesquisa, seis pa\u00edses foram estudados, e em nenhum deles houve diminui\u00e7\u00e3o expressiva no n\u00famero de downloads de obras protegidas por direitos autorais ap\u00f3s a cria\u00e7\u00e3o de novas leis ou modifica\u00e7\u00f5es em textos vigentes.<\/p>\n

\u201cO estudo demonstra que a batalha contra a pirataria ser\u00e1 vencida n\u00e3o no campo da repress\u00e3o, mas sim no campo econ\u00f4mico, com a oferta de produtos cujos pre\u00e7os sejam compat\u00edveis com a renda e o poder de compra local\u201d, afirmou o advogado Ronaldo Lemos, parte do estudo, \u00e0 \u00e9poca do lan\u00e7amento da pesquisa.<\/p>\n

*Coordenador geral \u00e9 o nome correto.
\n** Reprodu\u00e7\u00e3o de
Mat\u00e9ria publicada no site Nexo<\/a>.<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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