{"id":13677,"date":"2021-06-16T17:41:55","date_gmt":"2021-06-16T17:41:55","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=13677"},"modified":"2021-06-16T17:41:55","modified_gmt":"2021-06-16T17:41:55","slug":"um-resgate-do-ciberfeminismo-a-partir-da-interseccionalidade-e-da-tecnopolitica","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2021\/06\/16\/um-resgate-do-ciberfeminismo-a-partir-da-interseccionalidade-e-da-tecnopolitica\/","title":{"rendered":"Um resgate do ciberfeminismo a partir da interseccionalidade e da tecnopol\u00edtica"},"content":{"rendered":"
Descri\u00e7\u00e3o da Imagem: Uma mulher negra\u00a0 com um celular numa m\u00e3o e a outra levantada dando play em uma tela andando por um campo com imagens de redes sociais. Ilustra\u00e7\u00e3o por Neema, GenderIT. Creative Commons BY-NC-SA<\/em><\/p><\/div>\n A BaixaCharla de maio de 2021 resgatou um tema que volta e meia \u00e9 debatido por aqui: o ciberfeminismo. Foi a primeira edi\u00e7\u00e3o que contou com a nova integrante do BaixaCultura, Tatiana Balistieri, que discutiu junto com Leonardo Foletto e a convidada Graciela Natansohn, professora da UFBA, coordenadora do Grupo de pesquisa em g\u00eanero, Tecnologias Digitais e Cultura (<\/span>GIG@<\/span><\/a>) e uma das principais refer\u00eancias latino-americanas na \u00e1rea. Escolhemos como pretexto do debate o livro Ciberfeminismos 3.0, lan\u00e7ado ainda este ano pelo grupo e organizado por Graciela, que traz textos escritos por diversas autoras (maioria) e autores – algumas estudantes e participantes do grupo de pesquisa –\u00a0 al\u00e9m de pesquisadoras estrangeiras convidadas. O livro [que pode ser <\/span>baixado aqui<\/span><\/a>] tem como tema central o ciberfeminismo n\u00e3o mais da web 2.0, mas da Web 3.0, que traz caracter\u00edsticas de um feminismo interseccional que questiona a perda da inoc\u00eancia da neutralidade da tecnologia, compreende as brechas e viol\u00eancias digitais e elucida a episteme perversa colonial dominante que se datatificou por algoritmos.\u00a0<\/span><\/p>\n Ciberfeminismos: \u201cque palavra antiga n\u00e9?\u201d, diz Graciela. Ela fala tamb\u00e9m de outras palavras para representar os diversos movimentos de luta, como hackfeministas, transhackfeministas, que remetem ao hackativismo, pr\u00e1tica ativista do uso de aparatos t\u00e9cnicos – softwares, hardwares e redes diversas – para promover certas causas. Graciela diz que a palavra \u201cciber\u201d sozinha significa tudo e nada, e remete ao uso pioneiro pelo coletivo de mulheres australianas <\/span>VNS (VeNuS) Matrix<\/span><\/a>\u00a0 na d\u00e9cada de 90, que desenvolviam pr\u00e1ticas art\u00edsticas feministas pela internet. A internet naquela \u00e9poca era de mais restrito acesso, portanto mais elitista, mas tamb\u00e9m muito mais aberta e livre de controle e de vigil\u00e2ncia. Portanto o ciberfeminismo daquele per\u00edodo estava mais ligado a correntes brancas hegem\u00f4nicas e ocidentais – quem de fato tinha acesso \u00e0 internet, computadores e a tecnologia digital na \u00e9poca.<\/span><\/p>\n Uma das preocupa\u00e7\u00f5es atuais do que se chama ciberfeminismo 3.0 tamb\u00e9m \u00e9 algo que ocorre no feminismo sem o \u201cciber\u201d: a despolitiza\u00e7\u00e3o de discursos como o feminismo liberal, que sup\u00f5e que al\u00e7ando o mesmo estatuto dos homens est\u00e1 tudo resolvido. O conceito de feminismo passa pelo conceito de humano; sendo assim, quem foram as pessoas exclu\u00eddas do termo humano? Negros, ind\u00edgenas e transexuais, principalmente. Portanto, um termo como o feminismo n\u00e3o pode excluir pessoas negras e trans; deve-se abranger o todo humano de quem tamb\u00e9m \u00e9 merecedor de estar na luta a partir desta palavra. Incluir ao inv\u00e9s de excluir. Isso faz parte das guerras ideol\u00f3gicas e de narrativas, como qualquer movimento social tem.\u00a0<\/span><\/p>\n O feminismo, na vis\u00e3o de Graciela, pode ser aquele que faz uma leitura hist\u00f3rica focada no poder, como os coletivos feministas j\u00e1 vem atuando em entidades como a Associa\u00e7\u00e3o para o Progresso das Comunica\u00e7\u00f5es – que foram essenciais para a articula\u00e7\u00e3o global das mulheres, na \u00e9poca da IV Confer\u00eancia Mundial das Mulheres, em Pequim, 1995. Durante a con\u00adfer\u00eancia, conhecida por ser a primeira a chamar aten\u00e7\u00e3o formalmente sobre a comunica\u00e7\u00e3o ser um direito humano das mulheres, a APC disponibilizou forma\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica para mais de 1.700 mulheres, e que hoje elas se popularizaram a partir da edi\u00e7\u00e3o do peri\u00f3dico <\/span>Gender It<\/span><\/a> , um \u00f3rg\u00e3o transnacional, que desde a d\u00e9cada de 90 estuda feminismo e tecnologia.<\/span><\/p>\n Descri\u00e7\u00e3o da imagem: Ilustra\u00e7\u00e3o que mostra quatro mulheres diferentes com os punhos erguidos. Fonte: Princ\u00edpios de FRIDA para orientar dados e tecnologia<\/em><\/p><\/div>\n \u201cH\u00e1 uma apropria\u00e7\u00e3o da internet pelos movimentos feministas de uma forma fant\u00e1stica. Quando se fala em 1.0, 2.0, 3.0 n\u00e3o estou falando de etapas lineares, pois coexistem os projetos 1.0, 2.0\u00a0 e agora o experimento 3.0 coexiste com as tr\u00eas posi\u00e7\u00f5es anteriores, a partir do giro ciberfeministas, do jeito que nos apropriamos da internet\u201d, diz Graciela. As discuss\u00f5es n\u00e3o s\u00e3o mais baseadas somente em redes sociais – Twitter, Instagram, Facebook – mas tamb\u00e9m em formas de hackear o sistema, que significa sair da ponta do \u201ciceberg digital\u201d e pensar em outras formas de constituir tecnologia e resist\u00eancia pol\u00edtica.\u00a0<\/span><\/p>\n Na diferencia\u00e7\u00e3o entre os termos ciberfeminismo e o hackfeminismo, muitos coletivos aderem ao ciber e n\u00e3o se identificam como hackerfeministas. Graciela explica a facilidade para escolher o termo ciberfeministas e complementa que o termo hackerfeminismo vem dos valores da cultura hacker aderidos ao feminismo digital, de um mergulho com mais profundidade nos princ\u00edpios e pr\u00e1ticas hackers e n\u00e3o \u201cficar apenas na superf\u00edcie\u201d. Estar somente na superf\u00edcie da rede \u00e9 depender somente da parte \u201cindexada\u201d da internet, usar softwares, canais, sites e navegadores privados pertencentes \u00e0s chamadas Big Techs, caso de Google, Facebook, Amazon. Abaixo da superf\u00edcie seria um uso mais pol\u00edtico e consciente da internet e das tecnologias digitais, a partir de redes criptografadas e que garantem a privacidade como o <\/span>Tor<\/span><\/a>, i2p (<\/span>Internet \u201cinvis\u00edvel<\/span><\/a>) e a <\/span>Freenet<\/span><\/a>.\u00a0<\/span><\/p>\n As diferen\u00e7as sociais e culturais de como o feminismo se constituiu globalmente pode ser enxergada tamb\u00e9m na constru\u00e7\u00e3o das lutas, caracter\u00edsticas e hist\u00f3rias do ciberfeminismo no hemisf\u00e9rio sul. O \u201cCiberfeminismo 3.0\u201d vem ent\u00e3o para abranger diferentes formas e ondas surgidas at\u00e9 aqui, mas com posicionamento mais claro sobre a vigil\u00e2ncia, cultura livre e os males da tecnologia em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s \u2018minorias\u2019. Al\u00e9m das quest\u00f5es machistas e homof\u00f3bicas, h\u00e1 tamb\u00e9m agora um maior entendimento sobre ra\u00e7a e classe, no que se convencionou chamar de \u201cinterseccionalidade\u201d, o que potencializa a luta contra a discrimina\u00e7\u00e3o do atual mercado neoliberal que suprime cada vez mais as mulheres, principalmente negras e ind\u00edgenas.<\/span><\/p>\n A diferen\u00e7a do ciberfeminismo 3.0 para outros se d\u00e1 sobretudo em como se pensa a economia pol\u00edtica na internet. Graciela cita na charla, como exemplo, uma conversa com companheiras chilenas sobre a extra\u00e7\u00e3o de l\u00edtio, um recurso essencial para a produ\u00e7\u00e3o de computadores. \u00c9 um trabalho predominantemente de mulheres, que ocorre em lugares t\u00f3xicos, em f\u00e1bricas fechadas, com pouca circula\u00e7\u00e3o de ar e sem equipamentos adequados de acesso \u00e0s trabalhadoras. \u00c9 uma amostra de um tipo de causa que, mesmo n\u00e3o sendo \u201cdigital\u201d, passou a ser incorporada no ciberfeminismo atual.\u00a0<\/span><\/p>\n H\u00e1 diversas diferen\u00e7as tamb\u00e9m entre o ciberfeminismo latino-americano. Entre o M\u00e9xico e o Brasil, por exemplo, h\u00e1 duas distin\u00e7\u00f5es fundamentais: enquanto que no M\u00e9xico, a partir de uma tradi\u00e7\u00e3o ativista que remete ao autonomismo do movimento zapatista, os grupos ciberfeministas n\u00e3o lutam por interven\u00e7\u00e3o do Estado contra o fim do feminic\u00eddio, mas pelo apoio m\u00fatuo entre as coletivas e movimentos de mulheres, no Brasil os movimentos feministas querem que o Estado intervenha, atue para de fato combater o feminic\u00eddio e outros crimes praticados contra \u00e0s mulheres.<\/span><\/p>\n Outro tema abordado na charla foi o tema da cr\u00edtica da colonialidade dos dados. A exemplo de termos e apropria\u00e7\u00f5es, existem as \u201chackatonas\u201d- para substituir a palavra hackathons -, feito por grupos de feministas que se apropriam de espa\u00e7os predominantemente masculinos. Graciela cita uma primeira hackatona que ocorreu na UFBA em Salvador, tamb\u00e9m fala do primeiro batalh\u00e3o policial feito somente de mulheres para atender casos de viol\u00eancia contra a mulher, a <\/span>Ronda Maria da Penha<\/span><\/a>, comenta da \u201c<\/span>Beta<\/span><\/a>\u201d, rob\u00f4 que auxilia por meio de abaixo assinados nas decis\u00f5es pol\u00edticas e informa sobre os tr\u00e2mites legislativos de projetos de lei relacionado a vida das mulheres. Por fim, tamb\u00e9m cita outras autoras latino americanas ciberfeministas e projetos liderados por mulheres, como o Internetlab, PretaLab, MariaLab, Vedeta – alguns desses podem ser encontrados em <\/span>Iniciativas tecnopol\u00edticas feministas para conhecer e inspirar \u2013 BaixaCultura<\/span><\/a>.<\/span><\/p>\n Confira a charla como podcast abaixo. Voc\u00ea tamb\u00e9m pode escutar no Anchor<\/a>, Spotify, Apple Podcasts, entre outras plataformas de streaming.<\/span><\/p>\n\n