{"id":13211,"date":"2020-07-17T16:09:36","date_gmt":"2020-07-17T16:09:36","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=13211"},"modified":"2020-07-17T16:09:36","modified_gmt":"2020-07-17T16:09:36","slug":"breque-dos-apps-e-as-alternativas-para-o-trabalho-digitalizado","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2020\/07\/17\/breque-dos-apps-e-as-alternativas-para-o-trabalho-digitalizado\/","title":{"rendered":"Breque dos APPs e as alternativas para o trabalho digitalizado"},"content":{"rendered":"
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Foto: Rafael Vilela\/M\u00eddia Ninja<\/p><\/div>\n

A pandemia exacerbou a j\u00e1 vis\u00edvel explora\u00e7\u00e3o de trabalhadores por parte de plataformas digitais como Rappi, iFood e Uber Eats. O Breque dos APPs, realizado em 1 de julho de 2020, foi um come\u00e7o de organiza\u00e7\u00e3o da luta desses profissionais, que se espalhou Brasil afora e promete seguir forte. Criou-se o cen\u00e1rio para refazer uma pergunta feita h\u00e1 tempos: h\u00e1 alternativas \u00e0 estas plataformas?<\/em><\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 nenhuma novidade que o distanciamento social como medida p\u00fablica de sa\u00fade para conter o avan\u00e7o do covid-19 aumentou a demanda pela entrega de refei\u00e7\u00f5es e alimentos em casa. Ao mesmo tempo, na outra curva da equa\u00e7\u00e3o, com a economia estagnada e taxas de desemprego que j\u00e1 vinham crescendo e agora explodiram<\/a>, a quantidade de desempregados migrando para a fun\u00e7\u00e3o de \u201caut\u00f4nomos\u201d tamb\u00e9m aumentou.<\/p>\n

No meio destas duas vari\u00e1veis ascendentes, est\u00e3o as plataformas digitais, embutidas de algoritmos supostamente neutros que servem para conectar ofertantes e demandantes. Mas \u00e9 sabido que n\u00e3o \u00e9 apenas para fazer essa rela\u00e7\u00e3o que as plataformas funcionam. Nesta fun\u00e7\u00e3o de conex\u00e3o, as empresas donas dos aplicativos s\u00e3o propriet\u00e1rias do c\u00f3digo que liga o cliente ao prestador e determinam o pre\u00e7o cobrado pelo servi\u00e7o baseado em uma l\u00f3gica interna desconhecida tanto dos usu\u00e1rios quanto de quem o utiliza para trabalhar.<\/p>\n

No caso dos apps <\/i>de entregas, durante a pandemia foi percebida a queda no valor recebido por entrega, possivelmente devido ao aumento no n\u00famero de pessoas que passaram a trabalhar como entregadores<\/a>. Ou seja: diminui o n\u00famero de entregas por entregador e o valor pago por entrega, fazendo com que trabalhadores passem agora mais de doze horas por dia rodando para receber o sustento necess\u00e1rio. Ningu\u00e9m al\u00e9m das pr\u00f3prias empresas sabem com qual raz\u00e3o \u00e9 calculada a diminui\u00e7\u00e3o da comiss\u00e3o por entrega e o quanto a quantidade de entregas ou de pedidos por dia influencia nesta composi\u00e7\u00e3o. A mesma coisa acontece com aplicativos de motoristas e outras categorias.<\/p>\n

A paralisa\u00e7\u00e3o dos entregadores de aplicativos (Breque dos Apps<\/a>, em 1\/7) escancarou a rela\u00e7\u00e3o explorat\u00f3ria entre plataformas e trabalhadores. Como diz Paulo Lima,<\/a> conhecido como Galo (@galodeluta<\/a>), j\u00e1 uma figura requisitada na m\u00eddia (alternativa) brasileira, \u201cA alimenta\u00e7\u00e3o \u00e9 a coisa que mais d\u00f3i, ter que trabalhar com fome carregando comida nas costas\u201d (em \u201cSuperexplorados em plena pandemia, entregadores de aplicativos marcam greve nacional\u201d).<\/p>\n

Grupos de entregadores de aplicativos em diversas cidades do pa\u00eds e de outros pa\u00edses da Am\u00e9rica Latina se uniram para reivindicar condi\u00e7\u00f5es mais justas de trabalho<\/a>: refei\u00e7\u00f5es, EPIs e \u00e1lcool gel para atender clientes durante a maior pandemia do s\u00e9culo, e maior comiss\u00e3o por entrega, que permita trabalhar menos horas, entre outras reivindica\u00e7\u00f5es por condi\u00e7\u00f5es melhores (que deveriam ser b\u00e1sicas) de trabalho.<\/p>\n

Desde o in\u00edcio, as plataformas mant\u00eam o mesmo argumento: n\u00e3o s\u00e3o empregadores, portanto n\u00e3o tem obriga\u00e7\u00e3o com os ofertantes. Conectam pessoas que querem um servi\u00e7o com outras que oferecem o servi\u00e7o, e s\u00f3. Mas se s\u00e3o apenas atravessadores, como podem, por exemplo, definir o pre\u00e7o praticado online<\/i>, debitar despesas da conta dos entregadores e motoristas, e at\u00e9 mesmo praticar o boicote velado a seus ditos \u201ccolaboradores\u201d? H\u00e1 mais vari\u00e1veis neste servi\u00e7o que apenas a conex\u00e3o.<\/p>\n

Em um paralelo com a gest\u00e3o competitiva e manipuladora que j\u00e1 era feita no Brasil com revendedoras por empresas de cosm\u00e9ticos, a pesquisadora Ludmila Ab\u00edlio (2020) sintetiza a intera\u00e7\u00e3o dos entregadores, motoristas e demais prestadores de servi\u00e7o com as plataformas digitais: \u201csubmetido a um gerenciamento obscuro e cambiante que define\/determina quanto ele pode ganhar e quanto tempo ter\u00e1 de trabalhar para tanto, o trabalhador estabelece estrat\u00e9gias de sobreviv\u00eancia e adapta\u00e7\u00e3o, visando ao mesmo tempo decifrar, adequar-se \u00e0 e beneficiar-se da forma como o trabalho \u00e9 organizado, distribu\u00eddo e remunerado\u201d. Em resumo: precarizado, o trabalhador adere, n\u00e3o \u00e9 contratado. Como diz Galo<\/a>: \u201cQuem faz nossos hor\u00e1rios s\u00e3o nossas d\u00edvidas\u201c.<\/p>\n

A urg\u00eancia do tema n\u00e3o \u00e9 novidade. O capitalismo de plataforma introduziu uma nova roupagem \u00e0 precariza\u00e7\u00e3o do trabalho, agora rebatizado de \u201cempreendedorismo\u201d, barrando at\u00e9 mesmo a possibilidade de trabalhadores reivindicarem direitos judicialmente. Mas a percep\u00e7\u00e3o que os aut\u00f4nomos t\u00eam do funcionamento destas plataformas v\u00eam mudando conforme o entendimento sobre a rela\u00e7\u00e3o injusta com o aplicativo aumenta.\u00a0Em diversos pa\u00edses surgem iniciativas de organiza\u00e7\u00e3o entre os trabalhadores de\u00a0 aplicativos<\/a>, em n\u00edveis de articula\u00e7\u00e3o regional, nacional e internacional.<\/p>\n

Tanto as paralisa\u00e7\u00f5es programadas quanto as a\u00e7\u00f5es destas novas organiza\u00e7\u00f5es de trabalhadores ainda n\u00e3o podem ser consideradas como bem articuladas em suas propostas e a\u00e7\u00f5es. Rafael Grohmann e Paula Alves, do DigiLabour, dizem em mat\u00e9ria na Jacobin Brasil<\/a> que \u201c\u00e9 in\u00fatil, e contraproducente, exigir um movimento pronto \u2013 fast food<\/em> \u2013 sem contradi\u00e7\u00f5es ou com todas as solu\u00e7\u00f5es \u201cpara ontem\u201d. O movimento real est\u00e1 em plena constru\u00e7\u00e3o.\u201d.<\/p>\n

Este movimento desponta em tempo real para tr\u00eas frentes. A primeira, claro, para novas paraliza\u00e7\u00f5es<\/strong>: h\u00e1 outra nacional marcada para o dia 25\/7<\/a>, que continua exigindo o aumento do valor por km, do valor m\u00ednimo da entrega, o fim dos bloqueios do entregador nos aplicativos, o fim da pontua\u00e7\u00e3o e restri\u00e7\u00e3o de local, seguro de roubo, de acidente e vida, e equipamentos de prote\u00e7\u00e3o contra a covid-19. Se for do mesmo tamanho da primeira, que ocorreu em capitais como S\u00e3o Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Fortaleza, Belo Horizonte, Recife e algumas cidades do interior, fortalecer\u00e1 uma revolta que teve apoio popular e alguns resultados expressivos<\/a> nos reviews e notas dos principais apps, que nesse dia tiveram um pico negativo.<\/p>\n

A segunda diz respeito \u00e0 organiza\u00e7\u00f5es representativas dos trabalhadores para reivindicar direitos junto ao poder P\u00fablico<\/strong>; j\u00e1 h\u00e1 conversas na C\u00e2mara dos Deputados sobre isso<\/a>. Aqui h\u00e1 uma grande inc\u00f3gnita (e uma certa esperan\u00e7a, especialmente na esquerda) de como ser\u00e1 a rela\u00e7\u00e3o destas organiza\u00e7\u00f5es com os sindicatos, de modo geral engessados no s\u00e9culo XX em seus m\u00e9todos de representa\u00e7\u00e3o e em muitos casos subordinados \u00e0 partidos pol\u00edticos. Grohmann e Alves citam, no texto da Jacobin, a Asociaci\u00f3n de Personal de Plataformas (APP), na Argentina, Independent Workers\u2019 Union of Great Britain (IWGB), na Inglaterra, e #NiUnRepartidorMenos, do M\u00e9xico, como alguns exemplos de como os trabalhadores est\u00e3o se organizando de maneira pr\u00f3xima a de sindicatos. No mesmo texto, h\u00e1 a informa\u00e7\u00e3o de que no Brasil, s\u00f3 entre os motoristas, j\u00e1 h\u00e1 18 sindicatos e associa\u00e7\u00f5es, o que denota tamb\u00e9m um crescimento de organiza\u00e7\u00e3o dos entregadores por aqui.<\/p>\n

Outro movimento que mostra esse crescimento foi realizado em junho de 2020: a primeira confer\u00eancia digital global de trabalhadores<\/a> da chamada \u201ceconomia de plataforma\u201d (ou capitalismo de plataforma, entre outros nomes). Foi organizada por, entre outros, a Taxi Project 2.0, uma iniciativa de origem espanhola<\/a> que est\u00e1 agregando diversos outros grupos do pa\u00eds e da Europa ligado aos servi\u00e7os de transporte de passageiro, como Uber e Cabify, mas tamb\u00e9m dos apps <\/em>de entrega.<\/p>\n

A terceira<\/strong> frente surgida a partir da movimenta\u00e7\u00e3o dos entregadores de apps \u00e9 a que mais nos interessa aqui: solu\u00e7\u00f5es para o trabalho digitalizado<\/strong>. H\u00e1 as solu\u00e7\u00f5es de alternativas organizacionais em que, por exemplo, a plataforma \u00e9 autogerida ou cooperativa. Nesse aspecto, o cooperativismo de plataforma (da qual j\u00e1 falamos aqui<\/a>) surge como alternativa ao modelo das plataformas privadas. Aproveita-se a tecnologia mas redefine-se a propriedade sobre o algoritmo e sobre os dados: s\u00e3o os pr\u00f3prios ofertantes e demandantes que s\u00e3o donos e operam a plataforma, sem a necessidade de atravessadores com interesses pr\u00f3prios e propostas injustas.<\/p>\n