{"id":13196,"date":"2020-05-11T11:03:26","date_gmt":"2020-05-11T11:03:26","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=13196"},"modified":"2020-05-11T11:03:26","modified_gmt":"2020-05-11T11:03:26","slug":"todas-as-musicas-em-dominio-publico","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2020\/05\/11\/todas-as-musicas-em-dominio-publico\/","title":{"rendered":"Todas as m\u00fasicas em dom\u00ednio p\u00fablico"},"content":{"rendered":"

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Em 1997, uma banda chamada The Verve lan\u00e7ou a m\u00fasica “Bittersweet Symphony<\/a>“, hit dos anos noventa indicado e vencedor de v\u00e1rios pr\u00eamios de m\u00fasica pop. Um extremo sucesso, tanto que \u00e9 executada em r\u00e1dios do mundo at\u00e9 hoje. A m\u00fasica come\u00e7a com uma orquestra tocando um riff que est\u00e1 na cabe\u00e7a de todo mundo que j\u00e1 ouviu pelo menos uma vez.<\/p>\n

Este riff foi feito pelos Rolling Stones em 1965, em uma m\u00fasica qualquer deles, chamada “The Last Time<\/a>“. O The Verve usou um sample de uma vers\u00e3o orquestrada da m\u00fasica, feita em outra ocasi\u00e3o para um songbook dos Stones. A gravadora da banda, sabendo que usariam um sample na m\u00fasica, pediu e recebeu a autoriza\u00e7\u00e3o para usar o trecho da original no seu sucesso. No entanto, tendo em vista o desempenho comercial estrondoso do single, um executivo cresceu o olho.<\/p>\n

O ex-empres\u00e1rio dos Stones, detentor dos direitos das m\u00fasicas da banda (percebam, o cara n\u00e3o \u00e9 nenhum artista) processou o The Verve, alegando que o sucesso do hit era devido aos Rolling Stones, e que a banda tinha usado “mais que o autorizado” na m\u00fasica. O empres\u00e1rio ganhou e todos os direitos sobre a m\u00fasica, independente de ela ser completamente nova, passaram a ser dos Rolling Stones. Somente em 2019 Richard Ascroft (foto acima), co-fundador e vocalista do Verve, teve o direito pela m\u00fasica recuperado<\/a>.<\/p>\n

A ind\u00fastria da m\u00fasica, talvez por ser o meio art\u00edstico mais popular da sociedade, \u00e9 terreno da maioria dos casos de processo por direito autoral que conhecemos. As limita\u00e7\u00f5es criativas que o pr\u00f3prio meio da arte imp\u00f5e em melodia tamb\u00e9m propiciam argumentos: s\u00e3o doze notas na m\u00fasica, sete tons e cinco semitons, e a partir disso podemos imaginar que existe uma quantidade limitada de coisas novas que se pode criar em termos de can\u00e7\u00e3o e melodia. Por maiores que sejam as possibilidades, elas t\u00eam um limite – menor que na literatura, por exemplo, onde as letras e palavras permitem mais combina\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

Poder\u00edamos estender essa argumenta\u00e7\u00e3o por mais par\u00e1grafos. Parece meio estranho, pra dizer o m\u00ednimo, que um artista diga “ei, eu inventei este peda\u00e7o de sons nesta sequ\u00eancia e por isso ele \u00e9 meu”, ou “ei, esta frequ\u00eancia e timbre s\u00e3o exatamente da minha guitarra e por isso esta m\u00fasica \u00e9 toda minha”, mas \u00e9 o que acontece.<\/p>\n

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Apesar de artistas buscarem expandir as barreiras impostas pela melodia atrav\u00e9s de novos recortes, ritmos e arranjos, mesmo assim a ind\u00fastria consegue fechar novas cria\u00e7\u00f5es em velhos modelos, como j\u00e1 reportamos em casos de “pl\u00e1gio” por aqui<\/a>, o que incitou tamb\u00e9m rebeldia musical, caso da plunderfonia<\/a>, um dos momentos ilustrados da hist\u00f3ria da recombina\u00e7\u00e3o trouxemos aqui.<\/p>\n

E \u00e9 uma luta unicamente econ\u00f4mica. Se eu tivesse feito uma m\u00fasica, ano passado, exatamente igual ao novo hit da Anitta desta semana, eu poderia process\u00e1-la? Sim, se eu fosse capaz de arcar com as despesas. Eu ganharia? Provavelmente n\u00e3o. Ou se sim, em uns 30 anos. Agora, se experimentarmos o contr\u00e1rio pra ver o que acontece: lan\u00e7amos uma m\u00fasica que se parece com algum hit da Anitta. Em tr\u00eas minutos recebemos uma intima\u00e7\u00e3o da Sony Music, ou Disney, ou sei l\u00e1 qual gravadora, mandando tirar do ar ou pagar os royalties, al\u00e9m da difama\u00e7\u00e3o por ter copiado outro artista.<\/p>\n

Acontece que, por mais que algum dia quisermos ser originais em se tratando de m\u00fasica, esbarrar\u00edamos no n\u00famero de notas limitado, no n\u00famero de frequ\u00eancias aud\u00edveis limitado e nas regras harm\u00f4nicas, que nos conduzem por caminhos pr\u00e9 determinados. Cientistas estudam sequ\u00eancias de acordes e por que algumas nos d\u00e3o a sensa\u00e7\u00e3o de inacabadas ou acabadas; por que uma nota menor parece triste, e outra maior parece alegre. A coisa \u00e9 t\u00e3o reativa para nossos sentidos que boa parte da m\u00fasica pop foi escrita a partir das mesmas sequ\u00eancias<\/a> e nem por isso n\u00f3s comparamos “In the Airplane Over the Sea<\/a>” do Neutral Milk Hotel com Friday da Rebecca Black.<\/p>\n

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Foi pensando nestas limita\u00e7\u00f5es e neste cen\u00e1rio mercadol\u00f3gico predat\u00f3rio que dois programadores resolveram propor uma solu\u00e7\u00e3o para evitar que qualquer m\u00fasico seja inibido a compor pela possibilidade de ser processado por alguma gravadora ou artista oportunista. Damien Riehl e Noah Rubin se uniram para gerar um c\u00f3digo que registrasse todas as possibildades de melodias. Eles tomaram as oito notas dentro de uma oitava (um intervalo de frequ\u00eancia definido) e todos os doze intervalos poss\u00edveis (a cada trecho do intervalo \u00e9 marcado um tom ou semitom) para comp\u00f4-las, e registraram estas melodias em arquivos .midi – um formato que registra todas as caracter\u00edsticas das m\u00fasicas (mas n\u00e3o como \u00e1udio), o equivalente digital a uma partitura.<\/p>\n

Depois de gravar todos os arquivos em um HD externo, as m\u00fasicas foram registradas pelos autores como sua propriedade sobre licen\u00e7a Creative Commons Zero – o que significa que elas est\u00e3o em dom\u00ednio p\u00fablico, e ningu\u00e9m pode reinvidicar direitos patrimoniais (de explora\u00e7\u00e3o comercial) sobre a obra – e disponibilizadas no site All the Music<\/a>.<\/p>\n

Qualquer artista agora pode escrever qualquer m\u00fasica, e se for processado, alegar que na verdade estava sendo influenciado por Damien e Noah. \u00c9 uma defesa v\u00e1lida. Ao mesmo tempo, a partir da data em que as melodias foram registradas, os dois passam a ser detentoras destas, e nenhuma m\u00fasica nova pode ser plagiada por outra mais nova ainda.<\/p>\n

Juristas est\u00e3o se perguntando se isso funcionaria em um caso real, mas a verdade \u00e9 que o que os dois criadores do All the Music demonstraram \u00e9 que n\u00e3o faz sentido nenhum alegar propriedade sobre uma sequ\u00eancia de sons. O projeto j\u00e1 est\u00e1 sendo expandido para uma quantidade maior de oitavas, at\u00e9 eventualmente zerar o problema.<\/p>\n