{"id":13188,"date":"2020-05-04T12:51:58","date_gmt":"2020-05-04T12:51:58","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=13188"},"modified":"2020-05-04T12:51:58","modified_gmt":"2020-05-04T12:51:58","slug":"a-ideologia-do-solucionismo-tecnologico","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2020\/05\/04\/a-ideologia-do-solucionismo-tecnologico\/","title":{"rendered":"A ideologia do solucionismo tecnol\u00f3gico"},"content":{"rendered":"
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Ilustra\u00e7\u00e3o: Ben Jennings\/The Guardian<\/p><\/div>\n

Desde meados de mar\u00e7o, o novo coronav\u00edrus tem chacoalhado o sistema e mandado o capitalismo para a unidade de cuidados intensivos. Muitos pensadores t\u00eam manifestado sua esperan\u00e7a de que isso nos leve a um sistema econ\u00f4mico mais humano; outros alertam que a pandemia anuncia um futuro sombrio de vigil\u00e2ncia estatal tecno-totalit\u00e1ria. O bierolorusso Evgeny Morozov, habitante frequente por aqui<\/a>, avisa para um \u201cpolicial bonzinho\u201d nessa novela dist\u00f3pica apocal\u00edptica de encruzilhada que vivemos hoje: a ideologia do \u201csolucionismo<\/a>\u201d.<\/p>\n

De origem no Vale do Sil\u00edcio, como bem apontado (e criticado) em \u201cA Ideologia Californiana\u201d (ainda temos o zine em estoque e enviamos na quarentena, procure saber<\/a>), o solucionismo tem feito a cabe\u00e7a de muita gente, sobretudo as elites dominantes. Ele se manifesta, por exemplo, numa quest\u00e3o como levantada por Morozov no texto, publicado em ingl\u00eas<\/a> no The Guardian e traduzido para o Outras Palavras<\/a> (mais trechos abaixo): por que um governo investiria na reconstru\u00e7\u00e3o dos arruinados sistemas de transporte p\u00fablico, tendo a op\u00e7\u00e3o de simplesmente usar Big Data para criar incentivos personalizados para cada passageiro, a fim de desencoraj\u00e1-los a fazer viagens em hor\u00e1rios de pico?<\/p>\n

O solucionismo tecnol\u00f3gico est\u00e1 intimamente ligado com o neoliberalismo. \u201cSe o neoliberalismo \u00e9 uma ideologia proativa, o solucionismo \u00e9 reativo: ele desarma, desativa e descarta toda alternativa pol\u00edtica. O neoliberalismo encolhe os or\u00e7amentos p\u00fablicos; o solucionismo encolhe a imagina\u00e7\u00e3o coletiva. O maior objetivo do solucionismo \u00e9 convencer o p\u00fablico de que a forma leg\u00edtima de uso das tecnologias digitais \u00e9 perturbar e revolucionar tudo \u2014 com exce\u00e7\u00e3o da institui\u00e7\u00e3o central da vida moderna: o mercado<\/strong>.\u201d<\/p>\n

O mundo est\u00e1 fascinado pela tecnologia solucionista; desde um aplicativo polon\u00eas, que exige que os pacientes com coronav\u00edrus tirem selfies regularmente<\/a> para provar que est\u00e3o dentro de casa, at\u00e9 o app chin\u00eas de avalia\u00e7\u00e3o da sa\u00fade em cores e c\u00f3digos<\/a>, que rastreia quem pode sair de casa. Governos t\u00eam procurado companhias como a Amazon e a Palantir para obter infraestrutura e modelagem de dados, enquanto Google e Apple unem suas for\u00e7as para habilitar solu\u00e7\u00f5es de \u201cpreserva\u00e7\u00e3o da privacidade\u201d no rastreamento de dados.”<\/p>\n

Em \u201cBig Tech \u2013 A Ascens\u00e3o dos Dados e a Morte da Pol\u00edtica<\/a>\u201d, Morozov alerta que \u201co Vale do Sil\u00edcio destruiu a nossa capacidade de imaginar outros modelos de gest\u00e3o e de organiza\u00e7\u00e3o da infraestrutura da comunica\u00e7\u00e3o. Podemos esquecemos os modelos que n\u00e3o se baseiam em publicidade e que n\u00e3o contribuem para a centraliza\u00e7\u00e3o de dados em servidores particulares instalados nos Estados Unidos. Quem sugerir a necessidade de considerar outras op\u00e7\u00f5es \u2013 talvez at\u00e9 mesmo modelos j\u00e1 publicamente dispon\u00edveis \u2013 corre o risco de ser acusado de querer \u201cquebrar a internet\u201d.<\/p>\n

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Ilustra\u00e7\u00e3o: Sarah Grillo\/Axios<\/p><\/div>\n

[Estamos cegos pela ideia de que n\u00e3o h\u00e1 op\u00e7\u00e3o<\/strong>. Por todos os lados, a l\u00f3gica do servi\u00e7o mais c\u00f4modo faz com que os usu\u00e1rios comuns busquem cada vez menos dificuldades, e a famoso conceito da inclus\u00e3o digital passa a ser deturpado: a inclus\u00e3o \u00e9 junto as Big Techs, e n\u00e3o ao digital. Falamos disso no BaixaCultura nesse pequeno tutorial de \u201cComo compartilhar conte\u00fado e fazer backup por torrent<\/a>\u201d, uma op\u00e7\u00e3o que, adem\u00e1s de t\u00e9cnica, \u00e9 tamb\u00e9m pol\u00edtica]<\/p>\n

Uma das fun\u00e7\u00f5es do estado solucionista \u00e9 desencorajar programadores, hackers e aspirantes a empreendedores a experimentar formas alternativas de organiza\u00e7\u00e3o social<\/strong>. Que o futuro seja das startups n\u00e3o \u00e9 um fato natural, mas um resultado pol\u00edtico. Nessa perspectiva, empreendimentos baseados em tecnologia mais subversivos, que poderiam impulsionar economias solid\u00e1rias, n\u00e3o baseadas no mercado, morrem no est\u00e1gio de prot\u00f3tipo. H\u00e1 uma raz\u00e3o por tr\u00e1s do fato de n\u00e3o termos visto surgir nenhuma outra Wikipedia nos \u00faltimos vinte anos.<\/p>\n

Uma pol\u00edtica \u201cp\u00f3s-solucionista\u201d, conclui Morozov, deveria come\u00e7ar acabando com o bin\u00e1rio artificial entre a \u00e1gil startup e o ineficiente governo que limita nossos horizontes pol\u00edticos. A quest\u00e3o n\u00e3o deveria ser qual ideologia consegue aproveitar e domesticar melhor as for\u00e7as da concorr\u00eancia, mas de que institui\u00e7\u00f5es precisamos para aproveitar as novas formas de coordena\u00e7\u00e3o social e inova\u00e7\u00e3o oferecidas pelas tecnologias digitais. \u201cNossa primeira meta deve ser a de tra\u00e7ar um caminho p\u00f3s-solucionista, que nos d\u00ea soberania p\u00fablica sobre as plataformas digitais. Caso contr\u00e1rio, nos queixarmos sobre a resposta autorit\u00e1ria, por\u00e9m eficaz, da China ao Covid-19, n\u00e3o ser\u00e1 s\u00f3 pat\u00e9tico, como tamb\u00e9m hip\u00f3crita\u201d. Se escolher um modo de vida (?) digital entre a vers\u00e3o neoliberal Made in Syllicon Valley ou a tecno-autorit\u00e1ria do Extremo Oriente s\u00e3o nosso \u00fanicos caminhos hoje, ta\u00ed um sinal urgente de que precisamos ampliar nossos horizontes.<\/p>\n

[Seguimos nossa campanha de financiamento cont\u00ednuo no Apoia.se<\/a>. Buscamos recursos mensais para manter o BaixaCultura e seguir propagando a cultura livre & cobrindo tecnopol\u00edtica e cultura livre. A partir de R$5 mensais voc\u00ea j\u00e1 apoia nossa continuidade, colabora para a manuten\u00e7\u00e3o de uma das mais antigas iniciativas desse tema no Brasil<\/strong> (vamos completar 12 anos em setembro de 2020) e recebe recompensas diversas, de zines \u00e0 adesivos, livros e oficinas.<\/em>]<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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