{"id":13093,"date":"2020-01-20T14:11:35","date_gmt":"2020-01-20T14:11:35","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=13093"},"modified":"2020-01-20T14:11:35","modified_gmt":"2020-01-20T14:11:35","slug":"ja-passou-o-tempo-de-repensar-o-movimento-pelo-aberto-livre","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2020\/01\/20\/ja-passou-o-tempo-de-repensar-o-movimento-pelo-aberto-livre\/","title":{"rendered":"J\u00e1 passou da hora de repensar o movimento pelo aberto & livre"},"content":{"rendered":"
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Os \u00faltimos meses de 2019 foram de muita discuss\u00e3o dentro dos movimentos do aberto (que inclui principalmente software e dados, mas n\u00e3o s\u00f3) e do livre – em especial, do software livre e da cultura livre.\u00a0Nas \u00faltimas semanas, um texto publicado no Medium “A bee with a blog<\/a>“, lan\u00e7ado em uma lista de emails de discuss\u00e3o por Mandy Hank, causou certo furor nesse grupo. Antes de ir ao conte\u00fado, cabe explicar um tanto do contexto que tem provocado esses debates, uma das muitas consequ\u00eancias que envolvem o investidor ped\u00f3filo Jeffrey Epstein e boa parte do mundo da tecnologia baseado na costa leste dos Estados Unidos, tendo como refer\u00eancia central o MIT [se voc\u00ea j\u00e1 conhece o caso pode passar para o t\u00f3pico 2].<\/p>\n 1. O EFEITO EPSTEIN PARA STALLMAN E LESSIG Richard Stallman, criador do software livre<\/p><\/div>\n Epstein<\/a>, como amplamente divulgado no mundo da tecnologia digital, morreu em agosto de 2019 em um aparente suic\u00eddio na cadeia enquanto enfrentava acusa\u00e7\u00f5es federais grav\u00edssimas de tr\u00e1fico e explora\u00e7\u00e3o sexual. Os promotores federais em Nova York afirmaram que ele, que j\u00e1 tinha hist\u00f3rico de crimes sexuais, explorou e abusou sexualmente de dezenas de meninas menores de 14 anos entre 2002 e 2005. A partir de suas funda\u00e7\u00f5es, Epstein,\u00a0havia financiado cerca de 7,5 milh\u00f5es de d\u00f3lares em projetos no MIT. Fez fortuna e ganhou fama como consultor financeiro, depois teve sociedade na New York Magazine e participa\u00e7\u00e3o em fundos que investiram milh\u00f5es em startups mundo afora. Era pr\u00f3ximo de pol\u00edticos como Bill Clinton e Donald Trump, entre muitos outros em v\u00e1rios lugares do mundo.<\/p>\n Logo ap\u00f3s a morte de Epstein, e de forma algo semelhante ao movimento #metoo no cinema dos EUA a partir dos abusos do produtor Harvey Weinstein<\/a>, v\u00e1rias den\u00fancias e discuss\u00f5es relacionadas come\u00e7aram a aparecer. Uma delas envolveu Richard Stallman, criador do software livre e do copyleft, uma das figuras mais importantes da hist\u00f3ria da computa\u00e7\u00e3o. Em uma discuss\u00e3o sobre o t\u00f3pico dos crimes sexuais numa lista de e-mail interna do MIT, Stallman sugeriu que “o cen\u00e1rio mais plaus\u00edvel” \u00e9 que as v\u00edtimas menores de idade estavam “totalmente dispostas”. A conden\u00e1vel defesa da pedofilia por Stallman no t\u00f3pico envolvia outro cientista do MIT, Marvin Minsky, em uma acusa\u00e7\u00e3o de ass\u00e9dio sexual com a ent\u00e3o estudante do MIT Virginia Giuffre, de 17 anos, que tamb\u00e9m foi v\u00edtima de Epstein. Em resposta a uma estudante que apontou que Giuffre tinha 17 anos quando foi for\u00e7ada a fazer sexo com Minsky nas Ilhas Virgens, Stallman disse que \u201c\u00e9 moralmente absurdo definir ‘estupro’ de uma maneira que depende de pequenos detalhes, como em qual pa\u00eds<\/span> estava ou se a v\u00edtima tinha 18 anos ou 17 anos.” [A Vice detalhou o caso aqui<\/a>] Por conta dessa declara\u00e7\u00e3o desastrosa, Stallman foi afastado do MIT<\/a>, onde ainda era cientista visitante no Laborat\u00f3rio de Ci\u00eancia da Computa\u00e7\u00e3o e Intelig\u00eancia Artificial (CSAIL), e da presid\u00eancia da Free Software Foundation<\/a> (FSF), organiza\u00e7\u00e3o que ele criou em 1985. Em sua curta defesa<\/a>, comentou que o que houve foi uma s\u00e9rie de mal-entendidos. \u00c0 frente da FSF, ele – figura genial, que muitas vezes esteve nestas p\u00e1ginas<\/a> – era tido como uma pessoa problem\u00e1tica, com declara\u00e7\u00f5es preconceituosas e\/ou desagrad\u00e1veis que muitas vezes n\u00e3o representavam a comunidade do software livre. Tamb\u00e9m \u00e9 diagnosticado com S\u00edndrome de Asperger, uma perturba\u00e7\u00e3o do desenvolvimento caracterizada por dificuldades significativas a n\u00edvel dos relacionamentos sociais e comunica\u00e7\u00e3o n\u00e3o verbal.<\/p>\n A pol\u00eamica com Stallman suscitou algumas discuss\u00f5es na comunidade da cultura e do software livre mundo afora. Uma delas foi a carta de Denis “Jaromil” Roio<\/a>, CTO e co-founder da Dyne, uma organiza\u00e7\u00e3o que trabalha desenvolvendo aplica\u00e7\u00f5es com software livre para o mundo todo h\u00e1 quase 20 anos. Diz ele na carta, que circulou por diversas listas e grupos: “A era dos “ditadores benevolentes” em projetos de software livre provavelmente est\u00e1 chegando ao fim. E seremos aliviados e fortalecidos por isso: agora \u00e9 a nossa vez de permanecermos fortes, unidos como um movimento, defender nossos valores sem comprometer e melhorar a qualidade de nossas intera\u00e7\u00f5es. Agora \u00e9 a nossa vez de reconhecer que, se um contexto \u00e9 envenenado por bullying, machismo e comportamento sexista, n\u00e3o \u00e9 apenas culpa de uma \u00fanica pessoa, mas de todos aqueles que toleram e apoiam essas condutas.”<\/span><\/span><\/p>\n Lawrence Lessig, criador do Creative Commons<\/p><\/div>\n Por sua vez, outra figura importante no movimento da cultura livre, Lawrence Lessig, um dos criadores do Creative Commons e professor de direito em Harvard, se envolveu numa pol\u00eamica envolvendo o legado nefasto de Epstein<\/a>. Ele entrou com um processo de difama\u00e7\u00e3o contra o The New York Times por uma entrevista que ele mesmo concedeu sobre o caso Epstein. A entrevista, publicada em setembro de 2019<\/a>, tinha como t\u00edtulo \u201cUm professor de Harvard se dobra: se voc\u00ea pegar o dinheiro de Epstein, fa\u00e7a isso em segredo<\/em>\u201d. Ele afirma que a manchete deturpa sua entrevista, em que ele condena a doa\u00e7\u00e3o, mas diz que \u201cse voc\u00ea estiver indo pegar o dinheiro [de Epstein], \u00e9 melhor torn\u00e1-lo an\u00f4nimo”.<\/p>\n Quando Joi Ito, ex-diretor do MIT e amigo de Lessig, admitiu no ano passado secretamente receber cerca de US$ 800 mil de Epstein, Lessig assinou uma carta de apoio e argumentou que aceitar doa\u00e7\u00f5es secretas era melhor do que lavar publicamente a reputa\u00e7\u00e3o de um criminoso – embora ele tenha dito que aceitar o dinheiro de Epstein estava, em retrospecto, errado. Lessig est\u00e1 acusando o NY Times de \u201cclickbait defamation\u201d (difama\u00e7\u00e3o “ca\u00e7a-cliques”).<\/p>\n 2. SERIA HORA DE “CANCELAR” O MOVIMENTO ABERTO E LIVRE?<\/strong><\/p>\n AfroPhyton, uma das iniciativas que tem buscado pensar a equidade na tecnologia e no livre<\/p><\/div>\n Suscitado pelas recentes atitudes desses dois nomes \u00e9 que o texto que falamos inicialmente, “Open is Cancelled”, surgiu. Nele, h\u00e1 uma critica \u00e0 postura de figuras ligadas aos movimentos aberto e open, pessoas “t\u00f3xicas”, segundo o texto, com comportamentos atroz que “n\u00e3o devem ser entendidos como falhas pontuais de homens espec\u00edficos, mas como um reflexo de falhas mais profundas na filosofia subjacente por tr\u00e1s do open”. Ela ent\u00e3o aponta que “precisamos mais que software” e que \u00e9 hora de repensar estas ideias com foco n\u00e3o somente na liberdade (de informa\u00e7\u00e3o), mas tamb\u00e9m na justi\u00e7a social.<\/p>\n O texto faz uma cr\u00edtica que ignora certas atitudades de alguns grupos ligados ao livre & aberto em prol de mais justi\u00e7a social. Como \u00e9 o caso da comunidade KDE no Brasil, que adotou um c\u00f3digo de conduta r\u00edgido contra qualquer tipo de discrimina\u00e7\u00e3o<\/a>;\u00a0ou da recente a\u00e7\u00e3o da comunidade do Phyton, que aboliu os termos “master\/slave” de sua linguagem de programa\u00e7\u00e3o<\/a>; ou ainda de iniciativas em prol de igualdade de g\u00eanero e ra\u00e7a que ocorrido Brasil e mundo afora, como o AfroPhyton<\/a>, PyLadies<\/a>, entre outras iniciativas ciberfeministas que j\u00e1 listamos por aqui<\/a> – que, ali\u00e1s, j\u00e1 parecem ter os preceitos de justi\u00e7a social, equidade e igualdade como t\u00e3o ou mais importantes que o do aberto & livre de informa\u00e7\u00e3o. “H\u00e1 a impress\u00e3o de que nada tem funcionado e somente esse texto teve a clareza de ver e propor algo novo”, como apontou Fred Guimar\u00e3es, integrante da comunidade KDE e da Rede de Produtoras Colaborativas<\/a>. Fabianne Balvedi<\/a>,\u00a0 diretora do filme livre “Olhar Contestado<\/a>” e pesquisadora de m\u00eddias livres, tamb\u00e9m integrante da Rede, aponta que “\u00e9 meio aquela coisa de jogar fora a \u00e1gua suja do banho junto com a crian\u00e7a lavada, uma ofensa \u00e0s pessoas do movimento que tentam manter ele \u00e9tico”.<\/p>\n Ademais das cr\u00edticas acima, das quais concordamos, e tamb\u00e9m da mistura de entendimento entre o livre e o aberto, movimentos que compartilham de alguns princ\u00edpios mas apresentam bastante diferen\u00e7as<\/a>, o texto traz boas quest\u00f5es para se repensar estas duas \u00e1reas. Resolvemos traduzir algumas partes aqui abaixo para propor o debate em torno de um ponto central: n\u00e3o seria a liberdade de informa\u00e7\u00e3o e a abertura do c\u00f3digo princ\u00edpios “neutros”? Ao n\u00e3o dar a devida aten\u00e7\u00e3o em quem<\/em> est\u00e1 abrindo, de que forma<\/em> e para quem<\/em>, a oposi\u00e7\u00e3o aberto X fechado n\u00e3o estaria “sugando o oxig\u00eanio” da discuss\u00e3o sobre justi\u00e7a social e equidade na rede e ajudando a perpertuar preconceitos de ra\u00e7a, g\u00eanero e orienta\u00e7\u00e3o sexual no mundo da tecnologia digital, como aponta a autora?<\/strong><\/p>\n
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