{"id":12965,"date":"2019-09-06T12:24:46","date_gmt":"2019-09-06T12:24:46","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=12965"},"modified":"2019-09-06T12:24:46","modified_gmt":"2019-09-06T12:24:46","slug":"charlatanismo-revolucionario-e-a-destruicao-do-estado","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2019\/09\/06\/charlatanismo-revolucionario-e-a-destruicao-do-estado\/","title":{"rendered":"Charlatanismo Revolucion\u00e1rio e a destrui\u00e7\u00e3o do estado"},"content":{"rendered":"
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H\u00e1 algumas semanas chegou em nosso email uma mensagem, de autor an\u00f4nimo, perguntando se gostar\u00edamos de publicar um pequeno livro sobre a mentira como estrat\u00e9gia de guerrilha contra o poder (mais precisamente, o Estado). Junto do e-mail, criptografado, veio dois anexos: um texto resumindo a obra, com o sugestivo nome “texto para blog” e o livro em PDF, intitulado “Uma Ode \u00e0 Mentira para Destrui\u00e7\u00e3o do Estado”. Achamos curioso; costumamos receber sugest\u00f5es de pauta, pedidos para esclarecer algumas d\u00favidas (a maioria t\u00e9cnicas), fazer contatos, pedir zines, informa\u00e7\u00f5es sobre os cursos, ou simplesmente coment\u00e1rios aleat\u00f3rios criticando ou nos elogiando, mas nunca um email n\u00e3o assinado com um material completo para publica\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Fomos ler o livro em anexo e nos pareceu interessante; bem diagramado, curto (70 p\u00e1ginas), havia uma s\u00e9rie de refer\u00eancias \u00e0 guerrilha da comunica\u00e7\u00e3o que trabalhamos em oficinas, cursos e textos para esta p\u00e1gina, como Wu Ming<\/a>, The Yes Men<\/a> e Luther Blisset<\/a>, e outras tantas cita\u00e7\u00f5es \u00f3timas, como de Malatesta, Chomsky, Ranciere e at\u00e9 Dairan Paul, que defendeu uma monografia sobre Luther Blisset j\u00e1 comentada por aqui<\/a>. Havia ideias um tanto confusas (propositadamente?), mas outras sacadas e cita\u00e7\u00f5es deveras interessantes; ap\u00eandices com um \u00f3timo conto popular russo do s\u00e9culo XX e outro conto de um escritor anarquista espanhol do s\u00e9culo XIX. De autoria, algumas pistas: se tratava de um trabalho final de uma gradua\u00e7\u00e3o, em artes visuais, de algu\u00e9m que mora em S\u00e3o Paulo – percebe-se pelos agradecimentos da obra – e dois nomes: Patrik e Berth Pool, tido como autores da obra e que tamb\u00e9m assinava o outro arquivo enviado como anexo, “texto para blog”. Na rede, nenhuma refer\u00eancia a estes nomes, juntos ou separados.<\/p>\n Resolvemos publicar. Segue, abaixo, o conte\u00fado deste arquivo; ao final, a obra para download, de onde tamb\u00e9m tiramos as imagens que ilustram esse post.<\/p>\n “A partir da observa\u00e7\u00e3o da capacidade do Estado em cooptar todas as formas de artes contra-hegem\u00f4nicas para delimitar sua seguran\u00e7a, notou-se que uma das a\u00e7\u00f5es que as classes dominantes e o governo mais praticam \u00e9 o ato de mentir. A mentira do Estado sustenta os ideais de nacionalismo, mascara o racismo e ilude o consumidor atrav\u00e9s da publicidade.<\/p>\n Diante do quadro de ascens\u00e3o das for\u00e7as neoliberais e fascistas no mundo na atualidade, e reconhecendo a necessidade de encontrar novas formas de a\u00e7\u00e3o contra essas pot\u00eancias \u2013 pois alguns m\u00e9todos tradicionais de luta j\u00e1 s\u00e3o, em certo ponto, facilmente interrompidos pelo Estado \u2013 o livro enxerga na utiliza\u00e7\u00e3o da mentira pelos dissidentes desse sistema, uma capacidade de provoca\u00e7\u00e3o \u00e1cida das autoridades.<\/p>\n Esse recurso abre caminho para a infiltra\u00e7\u00e3o de outras a\u00e7\u00f5es rebeldes que miram a destrui\u00e7\u00e3o do Estado. Portanto, parte da ideia do livro, n\u00e3o coloca como fim e tampouco pinta como salvadora a utiliza\u00e7\u00e3o da mentira como a\u00e7\u00e3o contra-hegem\u00f4nica, mas ela resgata na hist\u00f3ria do mundo a\u00e7\u00f5es individuais e coletivas de natureza semelhante e estimula a exalta\u00e7\u00e3o da criatividade por uma perspectiva da rebeldia.<\/p>\n \u00c9 importante ressaltar que a valoriza\u00e7\u00e3o da mentira neste livro se d\u00e1 pelo vi\u00e9s de manifesta\u00e7\u00e3o art\u00edstica, onde os mentirosos s\u00e3o poss\u00edveis performers e suas mentiras podem se materializar em qualquer que seja a linguagem mais adequada para faz\u00ea-las explodir. \u00c9 nesse ponto que se conclama a invers\u00e3o do objetivo usual do of\u00edcio do charlat\u00e3o \u2013 mentia anteriormente para manipular consumidores; agora, mente para desmascarar as mentiras do capitalismo. Sendo assim, a mentira pode ser reconfigurada pelos educadores \u2013 e aqui atribui-se uma rever\u00eancia ao contador de hist\u00f3rias \u2013 a fim de se criarem ensejos de uma sociedade que n\u00e3o corresponda aos crit\u00e9rios do capitalismo. As mentiras podem inventar causos exemplares de rea\u00e7\u00e3o dos oprimidos ao Estado e incitar a subvers\u00e3o criativa rumo a liberta\u00e7\u00e3o dos povos, e serem contempladas seguramente por uma perspectiva da esfera da Educa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Por fim, adverte-se aos interessados que este livro foi escrito para a consagra\u00e7\u00e3o do ritual de forma\u00e7\u00e3o de um curso de gradua\u00e7\u00e3o em Artes Visuais. Sustentado pela descri\u00e7\u00e3o de performances mentirosas e literatura duvidosa, a pretens\u00e3o da queda do Estado \u00e9 reduzida metodologicamente \u00e0 pr\u00f3pria composi\u00e7\u00e3o liter\u00e1ria deste trabalho para efeitos comparativos a cargo do leitor. Nesse contexto, tamb\u00e9m n\u00e3o deixa de se fazer uma autocr\u00edtica ao reconhecer as limita\u00e7\u00f5es da mentira no espectro da transforma\u00e7\u00e3o social, mas assente sobre sua capacidade de inflama\u00e7\u00e3o do esp\u00edrito revolucion\u00e1rio entre os dissidentes do capitalismo.<\/p>\n Patrik e Bert Pohl<\/p>\n<\/p>\n
\nEm um segundo momento do livro, reconhece-se a import\u00e2ncia do of\u00edcio do contador de hist\u00f3rias nos processos educativos em espa\u00e7os configurados ou n\u00e3o como institui\u00e7\u00f5es de ensino. O contador conta fic\u00e7\u00f5es, farsas, mentiras, mas isso n\u00e3o confere para suas narrativas uma problem\u00e1tica anti\u00e9tica, sendo que muitas vezes os contos carregam valores morais e \u00e9ticos nesse ambiente l\u00fadico propositalmente instaurado. As hist\u00f3rias s\u00e3o potentes. As mentiras tamb\u00e9m.<\/p>\n