{"id":12932,"date":"2019-08-22T13:29:52","date_gmt":"2019-08-22T13:29:52","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=12932"},"modified":"2019-08-22T13:29:52","modified_gmt":"2019-08-22T13:29:52","slug":"um-empurrao-para-sair-das-redes-sociais","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2019\/08\/22\/um-empurrao-para-sair-das-redes-sociais\/","title":{"rendered":"Um empurr\u00e3o para sair das redes sociais"},"content":{"rendered":"
<\/p>\n
Quantas horas voc\u00ea passa no celular por dia? Ver, ler, publicar, comentar, curtir e compartilhar nas redes sociais, e nos respectivos aplicativos nos dispositivos m\u00f3veis, ocupam hoje em dia uma grande parte de nosso tempo. Seja do primeiro artefato que olhamos ao abrir os olhos ao \u00faltimo que levamos para nossas camas antes de dormir, nossos olhos est\u00e3o sempre voltados para alguma tela. S\u00e3o aproximadamente 9 horas por dia para o brasileiro m\u00e9dio, geralmente dedicadas a alimentar redes sociais ou responder mensagens. Por meio de mecanismos que sequestram nossa aten\u00e7\u00e3o e moldam nosso conte\u00fado para ficarmos o m\u00e1ximo de tempo poss\u00edvel por l\u00e1, sofremos uma epidemia de procrastina\u00e7\u00f5es e ansiedades fabricadas por esse modelo. O quanto estar\u00edamos perdendo fora destas plataformas? \u00c9 realmente poss\u00edvel se relacionar sem uma rede social? Neste texto, Victor Veloso relata o que descobriu pensando nestas quest\u00f5es e, por fim, excluindo seu Facebook. \u00c9 um empurr\u00e3ozinho para os que possuem esse desejo mas n\u00e3o encontram motivos para faz\u00ea-lo.<\/p>\n
Victor Veloso \u00e9 atualmente mestrando em Rela\u00e7\u00f5es Internacionais pela Universidade de S\u00e3o Paulo. Fez parte da equipe de Direitos Digitais no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), no qual esteve envolvido com t\u00f3picos de privacidade, transpar\u00eancia de algoritmos e acesso a Internet. Estuda atualmente a guerra cibern\u00e9tica entre Estados Unidos e China pelo controle da Internet e escreve no blog\/Medium P\u00edlula Tecnol\u00f3gica<\/a>.<\/p>\n <\/p>\n Se voc\u00ea j\u00e1 pensou em excluir suas redes sociais, aqui vai um empurr\u00e3ozinho<\/strong> Esse texto n\u00e3o \u00e9 apenas a resenha de um livro. Ele tamb\u00e9m \u00e9 um desabafo. \u00c9 o resultado de um caminho mental que percorri com uma ideia gestada j\u00e1 h\u00e1 alguns anos. Desde que iniciei meus estudos sobre as rela\u00e7\u00f5es entre tecnologia e sociedade, a parte que percebi quase onipresente na maioria dos debates contempor\u00e2neos foi referente a prote\u00e7\u00e3o de nossa privacidade em plataformas na internet, principalmente as redes sociais.<\/p>\n Ao conhecer o lado nocivo das transforma\u00e7\u00f5es que o modelo de neg\u00f3cios e estrat\u00e9gias utilizadas por estas marcas trazia, o caminho natural seria de deleta-las. Afinal, ao tomar conhecimento das consequ\u00eancias de nossas a\u00e7\u00f5es, pode ser o suficiente para guiarmos as mesmas em outra dire\u00e7\u00e3o, certo? Por\u00e9m, foi mais complicado do que eu pensei.<\/p>\n Eu vivi nestes anos uma sensa\u00e7\u00e3o estranha que algo al\u00e9m dessa parte racional agia sobre mim e me impedia de n\u00e3o utilizar essas plataformas. Era mais vis\u00edvel em alguns comportamentos e sentimentos que, analisados de maneira fria, eu achava bizarros. Exemplos:<\/p>\n Se voc\u00ea j\u00e1 alguma vez teve sensa\u00e7\u00f5es parecidas e sentiu a mesma culpa pela improdutividade ou o mesmo desespero pela insanidade dos tempos atuais, aqui vai uma boa not\u00edcia: Talvez a culpa n\u00e3o seja sua. E talvez esse ambiente digital que voc\u00ea vive todos os dias esteja projetado para outros interesses do que para um conv\u00edvio saud\u00e1vel. Leia esse texto como um empurr\u00e3ozinho para experimentar uma din\u00e2mica diferente de suas rela\u00e7\u00f5es.<\/strong> Se voc\u00ea est\u00e1 feliz com essas plataformas, as reflex\u00f5es deste texto podem te ajudar a mudar de ideia.<\/p>\n Sendo assim, aqui vai o meu desabafo.<\/p>\n (E tamb\u00e9m, uma breve resenha do livro 10 Argumentos para voc\u00ea deletar agora suas redes sociais,<\/a> do tecnol\u00f3go Jaron Lanier, que explora as estrat\u00e9gias obscuras das empresas do Vale do S\u00edlicio e consequ\u00eancias do uso destas redes em nossas vidas. Se gostar deste texto, vale a leitura do livro)<\/p>\n<\/div>\n<\/section>\n Acho que a melhor resposta para essa pergunta seja contando a mentira impl\u00edcita nela. \u00c9 imposs\u00edvel que uma empresa bilion\u00e1ria, com valores que rondam a casa do 500 bilh\u00f5es de d\u00f3lares<\/a>, esteja oferecendo algo \u2018de gra\u00e7a\u2019. E qual seria essa f\u00f3rmula t\u00e3o inovadora pra lucrar oferecendo algo sem custo? Bem, na verdade, o modelo de neg\u00f3cios do Facebook, como de qualquer outra rede social, n\u00e3o \u00e9 novo.<\/p>\n Por mais que seja hoje um dos espa\u00e7os de m\u00eddia que recebe mais aten\u00e7\u00e3o, a receita pro sucesso \u00e9 mais antiga que as plataformas. Explorar comercialmente, por meio de an\u00fancios, a aten\u00e7\u00e3o de uma audi\u00eancia, geralmente atra\u00edda por entretenimento, j\u00e1 era algo utilizado pela televis\u00e3o e pelo jornal h\u00e1 d\u00e9cadas. Entretanto, diferente de seus antecessores, o valor destas novas plataformas n\u00e3o recai em seu conte\u00fado e nas intera\u00e7\u00f5es que os consumidores do conte\u00fado possuem. As intera\u00e7\u00f5es que n\u00f3s usu\u00e1rios temos entre n\u00f3s e com a plataforma permite a estas empresas conhecerem nossos h\u00e1bitos e prever nossos comportamentos. Mas para que isso serviria?<\/p>\n A obsess\u00e3o no passado das ag\u00eancias de publicidade sempre foi a busca de uma mensagem que tocasse a maior parcela poss\u00edvel de uma popula\u00e7\u00e3o. Afinal, quanto mais afetados, maior o sucesso da propaganda. Tendo em vista nossas individualidades, o desafio seria superar as experi\u00eancias subjetivas que cada um de n\u00f3s possu\u00edmos, muito em parte do recorte social que\u00a0participamos. Para complicar mais ainda, somam-se todas estas influ\u00eancias com nossa viv\u00eancia individual. Como criar uma mensagem t\u00e3o complexa que abranger tanto assim?<\/p>\n Com a passagem de nossa aten\u00e7\u00e3o da tela da TV para o smartphone, a busca se tornou quase oposta. Ao inv\u00e9s de abrang\u00eancia, se buscava especificidade na transmiss\u00e3o da mensagem. Afinal, \u00e9 mais efetivo que se encontre o cliente certo para o seu produto do que o seu produto ser encontrado pelo cliente certo.<\/p>\n Essa especificidade s\u00f3 foi poss\u00edvel por um fato novo que a migra\u00e7\u00e3o para as plataformas digitais abriu: O poder de rastrear toda e qualquer a\u00e7\u00e3o de qualquer usu\u00e1rio ou usu\u00e1ria, estando ele dentro ou fora da plataforma. Poder este, claro, consentido pelo usu\u00e1rio \u00e0 plataforma pela leitura rigorosa e atenta dos termos de uso que todo bom cidad\u00e3o digital faz e da qual nem eu (e muito provavelmente voc\u00ea tamb\u00e9m) n\u00e3o faz parte.<\/p>\n Quando agregamos dos elementos mais expl\u00edcitos, como, idade, g\u00eanero ou regi\u00e3o, aos mais pequenos detalhes, como hor\u00e1rio de uso da plataforma, tempo de leitura das publica\u00e7\u00f5es, termos escritos em coment\u00e1rios e publica\u00e7\u00f5es e at\u00e9 conversas privadas<\/a>, \u00e9 poss\u00edvel construir um gigantesco banco de informa\u00e7\u00f5es, individual e coletivo, para a companhia.<\/p>\n (Ainda que fosse relevante falar sobre a quantidade e a variedade de dados que s\u00e3o coletados, isto ocuparia muito espa\u00e7o. Se voc\u00ea nunca se preocupou com isso e quer tomar um susto, eu recomendo este,<\/a> este<\/a> e este<\/a> link. E um aviso: A paranoia s\u00f3 cresce depois de um tempo)<\/em><\/p>\n Se algum momento voc\u00ea se sentiu familiarizado com essa conversa, deve estar esperando o famoso \u201cSe voc\u00ea n\u00e3o paga, voc\u00ea \u00e9 o produto\u2019\u2019. Este texto gostaria de ir um pouco mais longe. Voc\u00ea n\u00e3o est\u00e1 apenas entregando sua privacidade em troca de um servi\u00e7o. Voc\u00ea est\u00e1 se sujeitando a uma m\u00e1quina de manipula\u00e7\u00e3o comportamental, que est\u00e1 aos poucos deixando seu livre arb\u00edtrio de lado.<\/p>\n A entrega de dados pessoais em troca de servi\u00e7os n\u00e3o parece ser, \u00e0 primeira vista, uma rela\u00e7\u00e3o perigosa. Porque dar meu CPF, que n\u00e3o serve para nada no meu dia a dia, para um desconto na farm\u00e1cia possa ser algo ruim<\/a>?\u00a0Na\u00a0verdade, os preju\u00edzos podem ser bem maiores que um desconto em seu desodorante favorito.<\/p>\n Incluindo a j\u00e1 citada coleta, o tratamento de dados na era digital tamb\u00e9m assumiu outro patamar. Al\u00e9m da grande quantidade e variedade, \u00e9 poss\u00edvel fazer cruzamentos entre diferentes bases, encontrando rela\u00e7\u00f5es que ach\u00e1vamos antes imposs\u00edveis. Imagine-se h\u00e1 algumas d\u00e9cadas atr\u00e1s, fu\u00e7ando em um ba\u00fa velho com \u00e1lbuns de fotos de fam\u00edlia. Se voc\u00ea encontrasse uma foto de seu tio com um copo de cerveja na m\u00e3o em uma festa no bar, sua rea\u00e7\u00e3o provavelmente seria apenas rir das roupas e cabelos usados por aquele pessoal naquela \u00e9poca. Por\u00e9m, na Internet isso \u00e9 diferente.<\/p>\n A mesma foto postada em um \u00e1lbum de qualquer rede pode ser escaneada, identificando o rosto de seu tio, o copo e vendo a localiza\u00e7\u00e3o de onde a foto foi tirada. Isso \u00e9 muito interessante para companhias de seguro<\/a>, j\u00e1 quem frequenta bares e bebe pode tanto morrer mais r\u00e1pido quanto tem mais chances de bater o carro. J\u00e1 imaginou uma seguradora entrando na sua casa, revirando seu ba\u00fa de fotos at\u00e9 achar uma foto comprovando que seu tio bebe? \u00c9 mais ou menos isso que acontece. Seria justo que h\u00e1bitos t\u00e3o \u00edntimos possam ser expostos para outros agentes desta forma? Nossa privacidade tem pre\u00e7o?<\/p>\n Pode at\u00e9 ser justo, dadas algumas condi\u00e7\u00f5es<\/a>, mas essa discuss\u00e3o pode ficar para outro texto. Voltando pra bizarrice, a estrat\u00e9gia mais sci-fi destas plataformas est\u00e1 no chamado \u201cbehaviorismo\u201d, uma \u00e1rea de pesquisa da psicologia que tem como principio geral o \u201caprendizado por refor\u00e7o\u201d. Ou seja, \u00e9 poss\u00edvel educar (ou adestrar) algu\u00e9m por meio de incentivos e recompensas para as a\u00e7\u00f5es que o educador considere corretas. \u00c9 o petisco do cachorro quando ele faz o truque certo.<\/p>\n No caso das redes sociais, o petisco n\u00e3o \u00e9 na barriga e sim no seu ego. Nossa expectativa nestas redes \u00e9 de que ao nos expressarmos, teremos aten\u00e7\u00e3o de alguma maneira, seja por likes, coment\u00e1rios ou compartilhamentos de sua publica\u00e7\u00e3o. H\u00e1 uma raz\u00e3o para sua foto de perfil nova ficar em evid\u00eancia no newsfeed de seus amigos assim que voc\u00ea a troca: a sua expectativa de afagos e de aprova\u00e7\u00e3o social \u00e9 a maior naquele momento. E faz com que a cada retorno seu a plataforma seja com a expectativa de mais likes e mais coment\u00e1rios sobre voc\u00ea surjam. Uma microdose de prazer \u00e9 recebida pelo seu sistema nervoso. Nada melhor do que sua expectativa casando com a realidade.<\/p>\n Essa estrat\u00e9gia de manipular desejos \u00e9 apenas uma das diversas feitas para literalmente viciar voc\u00ea nestas aplica\u00e7\u00f5es. A \u00f3tima reportagem<\/a> da revista 1843<\/em>, parte da The Economist<\/em>, conta a hist\u00f3ria e traz outras estrat\u00e9gias como essas. Dela, cabe destacar uma cita\u00e7\u00e3o que resume bem o modus operandi <\/em>dessa artimanha (tamb\u00e9m destacada pelo engenhoso Podcast Tecnocracia<\/a>):<\/p>\n \u201cN\u00e3o vamos nos distrair pelas nebulosas e imposs\u00edveis coisas de se observar como pensamentos e sentimentos, mas focar simplesmente em como o ambiente onde o usu\u00e1rio est\u00e1 inserido influencia o que ele faz. Entenda a caixa e voc\u00ea entender\u00e1 o comportamento. Crie a caixa certa e voc\u00ea controlar\u00e1 o comportamento\u201d<\/p>\n<\/blockquote>\n Importante tamb\u00e9m entender que essa \u201ccaixa certa\u201d \u00e9 constru\u00edda especialmente pra voc\u00ea. O algoritmo da plataforma n\u00e3o funciona de forma uniforme para todos. \u00c9 dessa forma que o meu feed pode parecer muito diferente do seu ou do que uma pessoa de outra parte do complexo tecido social. A caixa possui, entre muitos, dois alicerces que gostaria de explorar: Manter<\/strong> e Engajar<\/strong>.<\/p>\n Manter<\/strong> \u00e9 o que n\u00f3s podemos traduzir como aquele constante reflexo de bater a m\u00e3o nos bolsos para ver se o celular est\u00e1 vibrando ou checar o celular ao acordar de madrugada. Um tipo espec\u00edfico de ansiedade, presente em pelo menos metade dos usu\u00e1rios<\/a>. Tem nome: Fear of Missing Out <\/em>(Medo de estar por fora, na sigla em ingl\u00eas FOMO). \u00c9 a sensa\u00e7\u00e3o de estar perdendo o pr\u00f3ximo meme, a not\u00edcia bomb\u00e1stica ou a pr\u00f3xima vaga de emprego, somada a curiosidade de algum like, coment\u00e1rio ou mensagem, esperando a pr\u00f3xima dose de dopamina. A ansiedade e a tens\u00e3o por estar fora desses meios apenas cresce, sendo quase inevit\u00e1vel n\u00e3o acessarmos o celular a toda hora.<\/p>\n Estando na plataforma, entram estrat\u00e9gias muito ligadas a ind\u00fastria dos jogos de azar. Puxe a alavanca. Espere pelo pr\u00eamio. Puxe seu feed para baixo. Espere por conte\u00fado personalizado por voc\u00ea ou aten\u00e7\u00e3o em forma de intera\u00e7\u00f5es na plataforma. O feed intermin\u00e1vel tamb\u00e9m d\u00e1 a impress\u00e3o de existe algo para ser descoberta, j\u00e1 que o conte\u00fado da plataforma \u00e9 produzido em escala massiva pelos pr\u00f3prios usu\u00e1rios, tamb\u00e9m presos pelas mesmas armadilhas.<\/p>\n Engajar<\/strong> \u00e9 manter essa m\u00e1quina girando. \u00c9 manter os usu\u00e1rios produzindo mais intera\u00e7\u00f5es, reagindo, comentando e compartilhando. H\u00e1, por\u00e9m, dois tipos de conte\u00fado que engajam de forma mais efetiva o usu\u00e1rio do que o comum: o medo e o \u00f3dio<\/a>. S\u00e3o sentimentos que apelam ao nosso lado animalesco de autoprote\u00e7\u00e3o e sobreviv\u00eancia. Nossa hiperexposi\u00e7\u00e3o a publica\u00e7\u00f5es como essas tem nos feito reagir exatamente da mesma forma.<\/p>\n N\u00e3o que o engajamento feito desta maneira seja exclusivamente culpa da plataforma. Estudos em psicologia social<\/a> tem indicado que h\u00e1 dois comportamentos que geralmente tendemos a seguir: o de lobo solit\u00e1rio e ou de alcateia. Os dois est\u00e3o presentes em n\u00f3s, podendo ser acessados e expressos, por\u00e9m apenas um tem espa\u00e7o por vez que pensamos e agimos.<\/p>\n Quando estamos como lobos, temos mais espa\u00e7o para pensar, criar e improvisar. Existem maior cautela por falta de prote\u00e7\u00e3o, mas tamb\u00e9m maior liberdade para tomada de decis\u00e3o. Quando estamos em alcateia, isso muda. Estar conectado e fazer parte do grupo ganha mais import\u00e2ncia, podendo at\u00e9 superar a realidade objetiva que se apresenta para n\u00f3s. Experimente colocar o esp\u00edrito de alcateia em uma estrutura hier\u00e1rquica e competitiva, como por exemplo em uma grande corpora\u00e7\u00e3o, e observe para onde vai o senso de empatia e solidariedade dos indiv\u00edduos dali.<\/p>\n N\u00f3s n\u00e3o escolhemos estar em uma alcateia no mundo digital. O algoritmo que faz a curadoria da informa\u00e7\u00e3o que escolheu por n\u00f3s. E por isso sua linha do tempo est\u00e1 abarrotada com gente que concorda com voc\u00ea ou que pelo menos te provoca a ponto de voc\u00ea de ligar o modo text\u00e3o. \u00c9 um equil\u00edbrio t\u00eanue, “n\u00e3o te provocar tanto para que voc\u00ea n\u00e3o abandone a plataforma de vez”, mas que pode ser muito efetivo para que voc\u00ea continue se engajando e provocando outros usu\u00e1rios tamb\u00e9m.<\/p>\n S\u00e3o estes alguns dos mecanismos que nos promovem horas de distra\u00e7\u00e3o ininterruptas. No Brasil, a m\u00e9dia \u00e9 de mais de 3 horas em redes sociais e 9 horas na internet por dia<\/a>. \u00c9 mais do que a m\u00e9dia global nas duas categorias. Estamos no foco de uma epidemia de distra\u00e7\u00e3o, acompanhada de uma ansiedade e tens\u00e3o generalizadas. Quem est\u00e1 ganhando com isso?<\/p>\n Voltando ao exemplo da \u201ccaixa certa\u201d, novamente destaco que estas estrat\u00e9gias s\u00e3o utilizadas para todos, por\u00e9m n\u00e3o de maneira uniforme. Indiv\u00edduos podem ter rea\u00e7\u00f5es diferentes a est\u00edmulos iguais, da mesma forma que est\u00edmulos diferentes podem chegar a um mesmo resultado.<\/p>\n O algoritmo funciona da mesma forma. Ele se adapta a maneira que voc\u00ea responde ao est\u00edmulos oferecidos por ele. O \u201cpetisco\u2019\u2019 dado a voc\u00ea n\u00e3o funciona de primeira? Tudo bem, vamos mudar de agrado. N\u00e3o funcionou novamente? Vamos ver com quem voc\u00ea est\u00e1 trocando mais mensagens em sua lista de contatos usando um aplicativo da mesma companhia. Que interesses estas pessoas possuem? Ser\u00e1 que se eu recorrer aos milh\u00f5es de parceiros comerciais que compartilham seus dados comigo<\/a>, eu posso ter alguma ideia?<\/p>\n Neste ritmo de tentativa e erro, a plataforma alguma hora acertar\u00e1. Seja por voc\u00ea ter ficado um minuto ou dois a mais na plataforma, reagido a um outro compartilhamento, acessado mais de uma vez ao dia, n\u00e3o importa. Esse ser\u00e1 o caminho a ser seguido e novos testes ser\u00e3o feitos.<\/p>\n Com cada nova descoberta, uma teoria individual de como voc\u00ea funciona dentro da rede \u00e9 criada. \u00c9 dada luz a quais cordas o algoritmo precisa puxar para que voc\u00ea se movimente da maneira que ele queira. Quem define essa maneira s\u00e3o todos aqueles que alugam essa m\u00e1quina. Nesse instante, o algoritmo age al\u00e9m do Manter e Engajar. <\/strong>Ele assume o papel que o contratante quiser. Os testes agora se voltaram para entender que conte\u00fado e sentimentos s\u00e3o necess\u00e1rios para os objetivos designados por quem est\u00e1 pagando. E daqui que comportamentos n\u00e3o t\u00e3o \u00e9ticos podem surgir.<\/p>\n Saber seu ciclo menstrual para te incentivar a comprar artigos de moda?<\/a> Claro! Explorar a vulnerabilidade emocional de jovens com depress\u00e3o para uma apresenta\u00e7\u00e3o para um banco?<\/a> Com certeza! Negligenciar o vazamento de dados de 87 milh\u00f5es de pessoas para propaganda de desinforma\u00e7\u00e3o direcionada de uma das elei\u00e7\u00f5es mais importantes do s\u00e9culo?<\/a> Sim!<\/p>\n Foram estes e muitos outros esc\u00e2ndalos que aos poucos tiraram, para mim, a casca de inova\u00e7\u00e3o e solucionismo m\u00e1gico que o Vale do Sil\u00edcio sempre utilizou como trunfo. Foi um processo lento, que acompanhou muitas desilus\u00f5es at\u00e9 que esse texto sa\u00edsse. O primeiro deles foi o \u201cengajamento\u201d e a participa\u00e7\u00e3o social que as redes promoveram. Fiquei encantando em como estas redes estavam sendo utilizadas no come\u00e7o da d\u00e9cada com as revolu\u00e7\u00f5es que aconteciam em pa\u00edses do Oriente M\u00e9dio, a chamada Primavera \u00c1rabe<\/a>. Junho de 2013, ent\u00e3o, era quase um \u201cagora \u00e9 nossa vez\u2019\u2019 aqui no Brasil. Triste pensar no caos pol\u00edtico que esses movimentos desembocaram e que parecem sem horizonte para terminar.<\/p>\n A verdade \u00e9 que n\u00e3o importa o qu\u00e3o importante e interessante uma comunidade possa se tornar, sempre haver\u00e1 um trabalho para que seus membros e antagonistas entrem em modo alcateia. A polariza\u00e7\u00e3o \u00e9 sempre lucrativa nesse contexto. Um dos exemplos mais interessantes que Lanier traz em seu livro \u00e9 sobre o Black Lives Matter, movimento que denuncia os abusos de autoridades policiais contra jovens negras e negros nos Estados Unidos.<\/p>\n Enquanto todo aquele movimento crescia de maneira org\u00e2nica, tudo era estudado, armazenado e compreendido. Aos poucos, toda arquitetura que poderia trazer maias \u201cengajamento\u2019\u2019 era constru\u00edda e adaptada para novas identidades que se formavam a partir dali. Como criar narrativas que pudessem estimular o uso da rede dos que poderiam concordar com o movimento? Como engajar os que tinham a propens\u00e3o de serem contra?<\/p>\n No Brasil, n\u00e3o foi diferente. Se daqui a 50 anos te pedirem uma foto para traduzir o que foi a elei\u00e7\u00e3o de 2018 em nosso pa\u00eds, eu recomendaria a mosrada abaixo. Ela \u00e9 o estudo<\/a> produzido pelo Oxford Internet Institute<\/a> das intera\u00e7\u00f5es e consumo de not\u00edcias de usu\u00e1rios no Twitter um m\u00eas antes do primeiro turno elei\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Pare por um momento e observe o abismo entre uma massa de convertidos que essa imagem representa. Todas as bolinhas azuis e verdes est\u00e3o sendo alimentadas por um contexto pr\u00f3prio, que transmite e reafirma um contexto negativo do qual o outro lado faz parte. O di\u00e1logo e a pol\u00edtica se tornam quase imposs\u00edveis dessa maneira. N\u00e3o importa o que voc\u00ea diga, a mensagem chegar\u00e1 ao outro lado fora de contexto, provavelmente adaptada ao que a algoritmo possa achar de mais interessante para o \u201cengajamento\u2019\u2019.<\/p>\n Se, em um exerc\u00edcio hipot\u00e9tico, pud\u00e9ssemos pin\u00e7ar algu\u00e9m de uma bolha e jogar em outra, essa pessoa provavelmente seria estra\u00e7alhada. Talvez por humanos. E talvez por rob\u00f4s<\/a>. E, novamente, eu n\u00e3o gostaria de esse texto ficasse mais longo do que est\u00e1, ent\u00e3o recomendo a sele\u00e7\u00e3o de leituras que o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio<\/a> fez para entender essa quest\u00e3o.<\/p>\n \u00c9 claro, existem \u00f3timos grupos e p\u00e1ginas em redes sociais, com bom conte\u00fado e que fugiam do que geralmente se via na plataforma. Muitas vezes, esses bons grupos sofriam com ataques de rob\u00f4s e trolls, que sem uma modera\u00e7\u00e3o dedicada, faziam com o que grupo morresse. Mas grande parte sobreviveu e eles foram por muito tempo um motivo de estar no Facebook. Por\u00e9m, essa conta parou de fechar. A balan\u00e7a de preju\u00edzos ficou muito grande.<\/p>\n Esse texto \u00e9 uma contribui\u00e7\u00e3o para aqueles que, assim como eu, j\u00e1 tiveram a vontade de se livrar de suas redes. N\u00e3o \u00e9 uma tarefa f\u00e1cil, por tudo que escrevi acima. Mas se voc\u00ea tiver a mesma vontade, aproveito o momento e exclua as redes que voc\u00ea participa. E, se achar interessante, espalhe este texto por a\u00ed antes de fazer isso tamb\u00e9m. Nunca se sabe se quem est\u00e1 pr\u00f3ximo de voc\u00ea pode precisar desse empurr\u00e3ozinho.<\/p>\n Uma das grandes funcionalidades que as redes proporcionam \u00e9 a facilidade agregar conte\u00fados e conhecer novidades. Pra muita gente, o FOMO maior vem da\u00ed, de perder todo um conte\u00fado que voc\u00ea acompanha com frequ\u00eancia. Pra contornar essa situa\u00e7\u00e3o, aqui v\u00e3o algumas dicas:<\/p>\n Podcasts – <\/strong>S\u00e3o uma \u00f3tima forma de absorver conte\u00fado, principalmente se voc\u00ea \u00e9 uma pessoa que se desloca diariamente para o trabalho ou estudo. \u00c9 \u00f3timo tamb\u00e9m caso voc\u00ea tenha pregui\u00e7a de lavar a lou\u00e7a. Para acessa-los, baixe um agregador de podcasts na sua loja virtual.<\/p>\n Newsletters –<\/strong> \u00c9 uma \u00f3tima ferramenta para acompanhar not\u00edcias da m\u00eddia tradicional ou independente. Quase todo site deste tipo tem. Tem alguns tamb\u00e9m com conte\u00fados pr\u00f3prios, como o Canal Meio<\/a>, que todo dia envia um resumo de tudo que voc\u00ea precisa saber no dia, e o Brasil Real Oficial<\/a>, que faz um resumo semanal das principais decis\u00f5es do di\u00e1rio oficial da uni\u00e3o, al\u00e9m da nossa, feita em parceria com a CCD POA<\/a>, onde quinzenalmente te mostramos o que de mais interessante ocorre no mundo da tecnopol\u00edtica e da cultura livre. Profissionalmente, muitas empresas tamb\u00e9m possuem newsletters sobre suas atividades e vagas. Vale a pena se inscrever nestas<\/p>\n Este (e outros) sites – <\/strong>Se voc\u00ea gostou deste texto e gostaria de conte\u00fados que fossem interessantes e mais densos para voc\u00ea, por que n\u00e3o valorizar o trampo de quem toma um tempo pra fazer esse conte\u00fado pra voc\u00ea? Se voc\u00ea se interessa por temas sobre tecnopol\u00edtica e cultura livre, experimente tamb\u00e9m nos apoiar em nosso financiamento recorrente<\/a>; a partir de R$5 voc\u00ea j\u00e1 ajuda o BaixaCultura a semanter e pode ganhar diversas recompensas. Se te interessa tecnologia e sociedade, o P\u00edlula Tecnol\u00f3gica<\/a> pode ser tamb\u00e9m um conte\u00fado interessante pra voc\u00ea<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Quantas horas voc\u00ea passa no celular por dia? Ver, ler, publicar, comentar, curtir e compartilhar nas redes sociais, e nos respectivos aplicativos nos dispositivos m\u00f3veis, ocupam hoje em dia uma grande parte de nosso tempo. 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\nVictor Veloso<\/em><\/p>\n\n
<\/p>\n
Porque o Facebook \u00e9 de gra\u00e7a?<\/h1>\n
<\/p>\n
Viciar para manipular<\/h1>\n
<\/p>\n
\n
Manipular para vender (e algumas desilus\u00f5es)<\/h1>\n
PS: Aqui v\u00e3o algumas dicas<\/h1>\n