{"id":12462,"date":"2018-07-09T14:52:22","date_gmt":"2018-07-09T14:52:22","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=12462"},"modified":"2018-07-09T14:52:22","modified_gmt":"2018-07-09T14:52:22","slug":"ressaca-da-internet-espirito-do-tempo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2018\/07\/09\/ressaca-da-internet-espirito-do-tempo\/","title":{"rendered":"Ressaca da Internet, esp\u00edrito do tempo"},"content":{"rendered":"

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Escrevo e acompanho as discuss\u00f5es, avan\u00e7os e retrocessos da internet e do que se convencionou chamar de cultura digital desde 2008, quando nasceu o BaixaCultura. J\u00e1 se foram 10 anos e tanto mudou nesse per\u00edodo que posso apontar, n\u00e3o apenas quest\u00f5es pontuais, mas todo um esp\u00edrito<\/i> do tempo (como dizem os alem\u00e3es, zeitgeist<\/i>) diferente hoje. Que pode ser resumido numa express\u00e3o que tenho usado faz alguns meses por a\u00ed: ressaca da internet. Depositamos tantas possibilidades de liberta\u00e7\u00e3o (da informa\u00e7\u00e3o de grandes grupos midi\u00e1ticos, de liberdade de falar o que bem quiser, de criar tecnologias e mundos novos) que nos descuidamos, ou n\u00e3o conseguimos, prestar aten\u00e7\u00e3o na ascens\u00e3o dos monop\u00f3lios das empresas de tecnologia, na constru\u00e7\u00e3o de bolhas de informa\u00e7\u00e3o que confirmam pontos de vista e na cada vez mais real possibilidade da internet virar uma TV a Cabo, com o j\u00e1 proclamado fim da neutralidade da rede<\/a>. Tomamos um porre de otimismo. E agora – ou melhor, desde pelo menos 2016 – estamos na fase de ressaca, ref\u00e9m dos monop\u00f3lios da internet, da comercializa\u00e7\u00e3o de qualquer dado deixado na rede, das fake news<\/i> chegando de todos os lados. Distopia pura.<\/p>\n

O cerceamento da internet por empresas privadas como o Google, Facebook, Amazon e Apple \u00e9 um dos elementos principais na constru\u00e7\u00e3o desse esp\u00edrito. O que resta da internet hoje se n\u00e3o as plataformas, softwares e dispositivos dessas empresas? Para a maioria da popula\u00e7\u00e3o brasileira e mundial, pouco. Cerca de 70% dos brasileiros acessam a rede pelo celular e, n\u00e3o raro, s\u00f3 entram em servi\u00e7os como o Facebook, WhatsApp e Instagram quando conectados, todos da mesma empresa. Existem outras op\u00e7\u00f5es de buscadores ao Google, por exemplo (o DuckDuck<\/a> \u00e9 o principal deles), e de sistemas operacionais de smartphones ao Android e o IoS da Apple, mas olhe para o lado e veja quantas pessoas de fato usam estas alternativas? A internet j\u00e1 \u00e9 hoje o que muitos de n\u00f3s ativistas por uma internet livre tem\u00edamos: um grande jardim murado, onde cada vez mais quem d\u00e1 as cartas do que e como acessar s\u00e3o grandes empresas privadas com sede nos EUA.<\/p>\n

Lembro bem, no final de 2011, quando escrevi um relato sobre a luta pela defesa dos princ\u00edpios da internet<\/a>, como a neutralidade da rede, a partir da fala de Yochai Benkler na abertura do Festival Cultura Digital.br. J\u00e1 naquela \u00e9poca o questionamento sobre o fim da neutralidade da rede e o crescimento dos grandes monop\u00f3lios era assunto corrente, embora n\u00e3o com tanta presen\u00e7a quanto hoje. Na \u00e9poca, comecei o texto com a pergunta: \u201c\u00e9 utopia pensar em uma internet democr\u00e1tica e livre, sem privil\u00e9gios de acesso e tr\u00e1fego de dados para nenhum lado, assim como foi definido nos princ\u00edpios do desenvolvimento da rede?\u201d Partindo da\u00ed, contei um causo que presenciei em sala de aula, numa das in\u00fameras vezes que falei de cultura e licen\u00e7as livres para alunos de comunica\u00e7\u00e3o, em que um aluno perguntou se manter a internet livre n\u00e3o seria uma utopia, ou ent\u00e3o uma ingenuidade. Respondi, na \u00e9poca, que n\u00e3o: \u201cA internet foi criada assim, como uma rede descentralizada e aut\u00f4noma. E n\u00e3o estamos falando de uma utopia, mas de uma realidade; a internet, hoje, funciona deste jeito\u201d. O aluno estava certo?<\/p>\n

Em 2011, a luta por uma internet livre era menos ingrata a que de a hoje, e eu mesmo acreditava que conseguir\u00edamos, enquanto sociedade civil, manter a internet tal qual ela foi criada, ou pelo menos garantindo alguns de seus princ\u00edpios b\u00e1sicos como a neutralidade. Passados quase sete anos, fa\u00e7o um mea culpa<\/i>. \u00a0N\u00e3o sabia, ou n\u00e3o queria acreditar, ou n\u00e3o queria escrever nem falar publicamente que n\u00e3o acreditava, que os grandes atores da internet transformariam a internet no que ela \u00e9 hoje, um espa\u00e7o fechado onde n\u00f3s estamos presos em bolhas algor\u00edtmicas privadas das quais pouco ou nada sabemos do seu funcionamento – e s\u00f3 de um ano pra c\u00e1, com Trump e Brexit, come\u00e7amos a ver as potencialdiades nefastas para a pol\u00edtica desse arranjo entre pessoas e sistemas t\u00e9cnicos como o Facebook. Como muitos, duvidei e n\u00e3o quis ver que o capitalismo se reinventa e se apropria de tudo que enxerga pela frente, inclusive uma rede que nasceu libert\u00e1ria como a internet.<\/p>\n

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O TED, aquele famoso formato de confer\u00eancias r\u00e1pidas gravadas em v\u00eddeos que se espalhou pelo mundo, teve uma \u00faltima edi\u00e7\u00e3o importante em abril de 2018, no Canad\u00e1. Duas falas manifestaram esse zeitgeist<\/i> de ressaca da internet. Com a palavra Jaron Lanier, um dos criadores da ideia de realidade virtual, m\u00fasico e cientista da computa\u00e7\u00e3o. \u201cN\u00f3s cometemos um erro em especial no in\u00edcio. A cultura digital nascente acreditava que tudo na internet deveria ser p\u00fablico, gratuito. Ao mesmo tempo, am\u00e1vamos nossos empreendedores de tecnologia. Am\u00e1vamos este mito nietzchiano do homem de tecnologia que transforma o universo. Como celebrar empreendedorismo se tudo \u00e9 gratuito? Um modelo baseado em publicidade. Da\u00ed que o Google nasceu gratuito, o Facebook nasceu gratuito. Os an\u00fancios no princ\u00edpio eram para seu dentista local ou algo assim. S\u00f3 que os algoritmos melhoram. E o que come\u00e7ou como propaganda n\u00e3o pode mais ser chamado de propaganda. Hoje \u00e9 modifica\u00e7\u00e3o de comportamento. N\u00e3o chamo mais essas coisas de redes sociais. S\u00e3o imp\u00e9rios de modifica\u00e7\u00e3o de comportamento. Esta \u00e9 uma trag\u00e9dia global nascida de um gigantesco erro. E me permitam acrescentar outra camada. No behaviorismo, voc\u00ea oferece a uma criatura, um rato ou uma pessoa, pequenos presentes ou puni\u00e7\u00f5es dependendo do que fazem. Nas redes, puni\u00e7\u00e3o social e pr\u00eamios sociais ocupam esta fun\u00e7\u00e3o. Voc\u00ea fica todo feliz \u2014 \u2018algu\u00e9m gostou das minhas coisas\u2019. Os consumidores destes imp\u00e9rios de modifica\u00e7\u00e3o de comportamento recebem o retorno de tudo o que fazem, percebem o que funciona, fazem mais daquilo. E respondem mais a emo\u00e7\u00f5es negativas, porque estas despertam rea\u00e7\u00f5es mais r\u00e1pidas. Assim, at\u00e9 os mais bem-intencionados alimentam a negatividade: os paran\u00f3icos, os c\u00ednicos, os niilistas. Estas s\u00e3o as vozes amplificadas pelo sistema. E n\u00e3o d\u00e1 para pagar a estas empresas para que fa\u00e7am o mundo melhor ou consertem a democracia pois \u00e9 mais f\u00e1cil destruir do que construir. Este \u00e9 o dilema no qual nos encontramos.<\/p>\n

“O maior perigo que a democracia liberal enfrenta \u00e9 que a revolu\u00e7\u00e3o na tecnologia da informa\u00e7\u00e3o far\u00e1 com que ditaduras sejam mais eficientes do que democracias”. Essa foi a afirma\u00e7\u00e3o que a Folha de S. Paulo resolveu destacar<\/a> na palestra do historiador israelense Yuval Noah Harari no TED. Para prevenir a ascens\u00e3o do fascismo e evitar novas ditaduras, o historiador prop\u00f4s a engenheiros que encontrem maneiras de impedir que informa\u00e7\u00f5es fiquem concentradas nas m\u00e3os de poucos e se certifiquem de que o processamento de informa\u00e7\u00e3o distribu\u00eddo seja t\u00e3o eficiente quanto o centralizado. “Essa ser\u00e1 a principal salvaguarda da democracia”, diz.<\/p>\n

Talvez n\u00e3o seja novidade para voc\u00ea o chamado para a a\u00e7\u00e3o da fala de Harari. A quest\u00e3o \u00e9 o como <\/i>fazer: de quais maneiras pr\u00e1ticas os engenheiros de computa\u00e7\u00e3o podem tornar o processamento da informa\u00e7\u00e3o mais descentralizado? Ser\u00e1 que eles (ou elas) querem fazer isso? Ser\u00e1 poss\u00edvel ainda enfrentar os grandes hubs<\/i> de informa\u00e7\u00e3o das redes sociais a partir de pequenas iniciativas descentralizadas? Ou devemos concentrar nossos esfor\u00e7os – n\u00f3s e todxs aqueles que n\u00e3o somos engenheiros – em n\u00e3o permitir sermos manipulados por aqueles que controlam a informa\u00e7\u00e3o? Trago aqui mais perguntas que respostas porque, claro est\u00e1, tudo est\u00e1 acontecendo agora; enquanto buscamos sair da ressaca, continuamos a fazer perguntas e tatear princ\u00edpios de certeza para, daqui a pouco, agir. Ou para agirmos com mais clareza, j\u00e1 que muitos j\u00e1 est\u00e3o agindo mundo afora. Nas pr\u00f3ximas semanas falo um pouco mais desses muitos.<\/p>\n

Leonardo Foletto,
\neditor do BaixaCultura<\/p>\n

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Cr\u00e9dito foto: KYM<\/a><\/h6>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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