{"id":12171,"date":"2018-03-15T19:08:06","date_gmt":"2018-03-15T19:08:06","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=12171"},"modified":"2018-03-15T19:08:06","modified_gmt":"2018-03-15T19:08:06","slug":"um-pacote-semanal-de-arquivos-offline","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2018\/03\/15\/um-pacote-semanal-de-arquivos-offline\/","title":{"rendered":"Um pacote semanal de arquivos offline"},"content":{"rendered":"
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Quatro anos atr\u00e1s hospedei em minha casa por alguns dias um programador cubano, que veio \u00e0 Porto Alegre para um evento internacional de software livre, o FISL<\/a>. Ele aproveitou a ocasi\u00e3o tamb\u00e9m para acompanhar alguns jogos da Copa do Mundo de 2014, ent\u00e3o depois de Porto Alegre andou por v\u00e1rias outras cidades do Brasil, inclusive esteve no Rio de Janeiro quando ocorreu a final, aquele Alemanha X Argentina vencido pela primeira com um gol na prorroga\u00e7\u00e3o. Por conta das viagens, ele veio com uma mala grande, carregada com roupas para uma estadia longa e tamb\u00e9m com algumas lembran\u00e7as de seu pa\u00eds, entre elas algumas garrafas de Rum para presentear seus anfitri\u00f5es. Festeiro e alegre como boa parte dos cubanos que conheci, adorava sair pra dan\u00e7ar \u00e0 noite; nos “aquecimentos” em nossa casa, ensinava a fazer mojitos com o rum que trouxe, completados com a\u00e7\u00facar, \u00e1gua com g\u00e1s e muita “hierbabuena” – como \u00e9 chamado o hortel\u00e3 em espanhol.<\/p>\n Al\u00e9m da bagagem f\u00edsica, ele tamb\u00e9m trouxe uma bagagem consider\u00e1vel de arquivos em seu HD. Compartilhava com quem quisesse seu acervo: mais de 10 gigas de m\u00fasica e ouros tantos de filmes cubanos. Ainda que tivessem alguns cl\u00e1ssicos de f\u00e1cil circula\u00e7\u00e3o na internet, boa parte era material mais raro de conseguir, m\u00fasicas e filmes que n\u00e3o est\u00e3o no YouTube ou em outro servi\u00e7o de streaming, e que talvez s\u00f3 seja encontrado na internet em clubes de download, ainda os melhores espa\u00e7os para se baixar qualquer coisa na rede. O fato da velocidade de conex\u00e3o em Cuba ser muito lenta torna bem mais dif\u00edcil o compartilhamento de arquivos online e na “nuvem”, um dos motivos pelos quais nosso amigo programador usou constantemente nossa (meia boca) internet de 15 megas para baixar os mais diversos arquivos enquanto esteve em casa.<\/p>\n Soube depois, conversando com ele, que carregar arquivos digitais em pastas (em pendrives, HDs, etc) para compartilhar \u00e9 um h\u00e1bito comum em Cuba, onde a rede \u00e9 acessado por uma minoria do pa\u00eds: algumas estimativas internacionais falam em 5%<\/a> de pessoas com acesso na ilha em casa, enquanto que a “Oficina Nacional de Estad\u00edstica de Cuba” disse que, em 2014, eram 27%, embora essa estat\u00edstica reflita os conectados \u00e0 intranet local<\/a>. Mesmo estes 5%, o acesso ainda \u00e9 lento e caro: na maioria das casas, a velocidade \u00e9 56 kbits, como nos velhos modens dos anos 1990, e h\u00e1 restri\u00e7\u00f5es de horas (a de meu amigo cubano \u00e9 de 30h por m\u00eas). H\u00e1 zonas de wifi p\u00fablicas presentes em algumas das principais cidades cubanas e cybercaf\u00e9s p\u00fablicos, mas ambos s\u00e3o caros: dados de 2016<\/a> dizem que a primeira sa\u00eda em torno de US$2 d\u00f3lares por hora e o segundo entre US$6 e 10 por hora – sendo que o sal\u00e1rio m\u00e9dio no pa\u00eds gira em torno de U$$20 mensais. As torres de dados para telefonia m\u00f3vil est\u00e3o sendo implantadas e, por enquanto, o acesso ocorre apenas para algumas pessoas do governo ou de (poucas) institui\u00e7\u00f5es privadas, segundo me contou o programador da ilha.<\/p>\n S\u00e3o dois modos os mais comuns de receber o material de “El Paquete”. O primeiro \u00e9 pagar entre U$1 e U$2 (ou CUC, o peso convertible cubano, usado mais por turistas; diferente do CUP, o peso cubano usado no dia a dia) e receber em sua casa, toda semana (segunda ou ter\u00e7a, dependendo da cidade), alguma pessoa com os arquivos em HDs port\u00e1teis ou em mem\u00f3rias flashs (cart\u00f5es de mem\u00f3rias de m\u00e1quinas fotogr\u00e1ficas, por exemplo), que copia para o seu computador o que voc\u00ea escolher. A outra \u00e9 comprar nas mais diversas lojas pelo pa\u00eds, especialmente a de aparelhos para smartphones, que revendem para outros clientes. Da\u00ed ele se espalha de m\u00e3o em m\u00e3o, tal qual um arquivo na internet.<\/p>\n No site de “El Paquete<\/a>” \u00e9 poss\u00edvel ver uma lista detalhada dos arquivos de cada semana, divididos por pastas e sub-pastas; na da segunda semana de mar\u00e7o de 2018, por exemplo, havia 5 gigas de document\u00e1rios, curtas, novelas e longas cubanos em “Cinemateca Cubana”; quase 4 GB de aplica\u00e7\u00f5es para Android e Iphone em “Aplicaciones para M\u00f3viles”; 20 GB em “M\u00fasica MP3 2018”, com sub-pastas como “Top UK 40 Singles”, “Unreleased Puerto Rico”, “Temas de Estreno Internacionales”, “Top de Febrero”, entre outras; 30 GB de s\u00e9ries de pa\u00edses de l\u00edngua inglesa em “Series en Transmision”, de “Outlander” a “Grey’s Anatomy”, de Law & Order” a “Arquivo X”; 4GB de revistas em ingl\u00eas e espanhol, atualizadas semanalmente; entre muitos outros arquivos – lembrando que \u00e9 quase 1 TB, a capacidade m\u00e9dia de boa parte dos HDs que vem nos computadores port\u00e1teis hoje vendidos.<\/p>\n Al\u00e9m destes arquivos, “El Paquete” cont\u00e9m tamb\u00e9m os arquivos de um mercado digital chamado Revolico<\/a>, que funciona de modo semelhante ao Craigslist: as pessoas compram e vendem todo tipo de coisas, de bicicletas \u00e0 aulas de matem\u00e1tica, incluindo o pr\u00f3prio acesso \u00e0 Internet a um pre\u00e7o com desconto. \u00c9 considerado o principal mercado negro de Cuba, mas tem uma particularidade: \u00e9 oficialmente bloqueado na ilha desde 2007, quando foi come\u00e7ado por expatriados cubanos na Espanha. Ainda assim, alguns conseguem acessar porque os fundadores do site criaram uma s\u00e9rie de servidores proxy, solu\u00e7\u00f5es de DNS, endere\u00e7os web privados e espelhos que mant\u00e9m o site no ar em Cuba – h\u00e1, inclusive, se\u00e7\u00f5es inteiras sobre o como acessar o site no pr\u00f3prio Revolico<\/a>. <\/span><\/span><\/p>\n Os que n\u00e3o conseguem, que s\u00e3o a maioria dos usu\u00e1rios, <\/span><\/span>baixam os arquivos de “El Paquete” e depois usam offline. Uma vez baixado do pacote, Revolico pode ser navegado normalmente em um navegador da Web, de modo que voc\u00ea poder\u00e1 entrar em contato com os vendedores com um telefonema, assim como voc\u00ea faria se voc\u00ea encontrou o an\u00fancio em um jornal. Em uma reportagem da Vice de 2015<\/a>, um artista cubano que vive em Havana e consome o “El Paquete” diz que o Revolico \u00e9 conhecido por todos no pa\u00eds, e \u00e9 essencial para muita gente. *<\/p>\n A realidade de uma internet lenta e de pouca penetra\u00e7\u00e3o n\u00e3o explica sozinha, claro, a escala e o alcance de “El Paquete”. No in\u00edcio dos 1970, cerca de dez anos ap\u00f3s a revolu\u00e7\u00e3o cubana e a nacionaliza\u00e7\u00e3o dos meios de comunica\u00e7\u00e3o social, uma economia baseada no aluguel de material de entretenimento come\u00e7ou a florescer em escala na ilha<\/span>.\u00a0 <\/span>Com o desenvolvimento de novas m\u00eddias, o com\u00e9rcio se adaptou: <\/span>passou de revistas para as fitas de v\u00eddeo VHS e Betacam, depois CDs, VCDs e DVDs e hoje os HDs e pendrives. O <\/span>Pacote Semanal \u00e9 o resultado do desenvolvimento gradual dessas redes por mais de quatro d\u00e9cadas. N\u00e3o h\u00e1 informa\u00e7\u00e3o precisa de quantos pacotes s\u00e3o distribu\u00eddos semanalmente. At\u00e9 pouco tempo atr\u00e1s, n\u00e3o se conhecia publicamente os distribuidores dos pacote. Muitos perguntam como, semanalmente, \u00e9 poss\u00edvel baixar 1 TB de arquivos com a conex\u00e3o lenta que existe em Cuba; alguns j\u00e1 especulam que ele vem diretamente dos Estados Unidos. No v\u00eddeo abaixo, produzido em 2015 pela CiberCubaTV, “El Transportador”, conhecido como criador de “El Paquete” d\u00e1 mais detalhes de como funciona o esquema.<\/p>\n<\/p>\n
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