{"id":10647,"date":"2012-08-17T16:01:01","date_gmt":"2012-08-17T16:01:01","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=10647"},"modified":"2012-08-17T16:01:01","modified_gmt":"2012-08-17T16:01:01","slug":"a-literatura-sampleada-do-mixlit","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2012\/08\/17\/a-literatura-sampleada-do-mixlit\/","title":{"rendered":"A literatura sampleada do mixlit"},"content":{"rendered":"
Psic\u00f3logo de forma\u00e7\u00e3o e escritor e tradutor por profiss\u00e3o, Leonardo Villa-Forte<\/a> \u00e9 o cara por tr\u00e1s do blog. Escreve\/remixa pequenos contos, publicados de forma peri\u00f3dica no MixLit<\/a>, em que coloca para conversar diversos autores distintos, as vezes de g\u00eanero, nacionalidades e estilos completamente diferentes. Ao final, indica todas as refer\u00eancias dos trechos que usou, que depois s\u00e3o agrupados em tags no blog.<\/p>\n A aplica\u00e7\u00e3o dos princ\u00edpios do remix na fic\u00e7\u00e3o liter\u00e1ria ainda \u00e9 uma pr\u00e1tica rara, que tem paralelos recentes na escrita n\u00e3o-criativa de Kenneth Goldsmith<\/a> e no Manifesto da Poesia Sampler<\/a>, de Fred Coelho e Mauro Gaspar, e mais antigos no cut-up de William Burroughs e Brion Gysin<\/a>.\u00a0Coincid\u00eancia ou n\u00e3o, em todos estes textos que publicamos aqui sobre o assunto mencionamos como um exemplo da ideia de samples na literatura o caso do MixLit. Chegou, ent\u00e3o, a ver de falar dele.<\/p>\n A iniciativa tem tido boa cobertura da imprensa tradicional. Tamb\u00e9m por conta disso, Leonardo passou a dar oficinas sobre remix liter\u00e1rio em alguns eventos, o que certamente tem contribu\u00eddo para a reflex\u00e3o inteligente sobre a pr\u00e1tica (e tudo o mais) que ele mostra na entrevista abaixo.<\/p>\n Segue abaixo a conversa na \u00edntegra, realizada via rede:<\/p>\n Curiosidade: quanto tempo tu leva pra produzir um conto novo MixLIT? Muita gente diz que o \u201ccopiar e colar\u201d \u00e9 mais f\u00e1cil do que criar, mas o copiar, colar E rearranjar de modo a fazer sentido n\u00e3o \u00e9 ainda mais dif\u00edcil do que \u201csomente\u201d criar? Quanto \u00e0s diferen\u00e7as de dificuldades, \u00e9 um tipo de avalia\u00e7\u00e3o bastante dif\u00edcil de se fazer. Estou certo de que n\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil rearranjar fragmentos de modo a construir um sentido, e n\u00e3o s\u00f3 um sentido, mas um sentido com o qual eu me satisfa\u00e7a. Parto da regra de que n\u00e3o posso escrever nada com minha pr\u00f3pria m\u00e3o e por isso \u00e0s vezes \u00e9 bastante angustiante ver que dois trechos poderiam se ligar e cair bem juntos, mas falta algo entre eles, algo que n\u00e3o estou encontrando nos livros. Nessa ocasi\u00e3o, \u00e9 preciso repensar todo o texto. Por outro lado, existe a tranquilidade que vem da ideia de que tudo est\u00e1 em algum lugar, e que s\u00f3 \u00e9 preciso encontrar \u2013 a ideia de que n\u00e3o ser\u00e1 preciso partir do zero. Na cria\u00e7\u00e3o de m\u00e3o pr\u00f3pria muitas dificuldades podem ser resolvidas com um planejamento pr\u00e9vio ou com o pr\u00f3prio aquecimento da m\u00e3o, ir escrevendo e escrevendo, at\u00e9 a coisa acabar andando por si, a narrativa se desenhar.<\/p>\n Nenhuma das duas s\u00e3o sa\u00eddas para o MixLit: n\u00e3o posso planejar previamente, nem posso ir aquecendo a m\u00e3o. S\u00e3o dificuldades diferentes. O prazer tamb\u00e9m \u00e9 diferente. Na cria\u00e7\u00e3o de m\u00e3o pr\u00f3pria posso guiar a frase como bem entender, desde suas m\u00ednimas at\u00e9 as m\u00e1ximas unidades, estabelecer um ritmo e levar a narrativa para onde eu quiser. No MixLit, apesar da ideia de que posso levar para onde eu quiser, na verdade n\u00e3o posso, pois estou restrito \u00e0quilo que oferecem os livros que tenho. Assim, apesar de as duas a\u00e7\u00f5es resultarem em texto, sinto que a melhor resposta \u00e9 dizer que as dificuldades s\u00e3o de naturezas diferentes.<\/p>\n Como voc\u00ea produz os contos remixados? Seleciona o que acha interessante num banco de dados, depois vai reconstruindo e misturando de forma algo aletat\u00f3ria? ou o m\u00e9todo \u00e9 mais ca\u00f3tico? Como \u00e9 produzir um trabalho em colabora\u00e7\u00e3o com textos novos ou cl\u00e1ssicos da literatura? Dada a natureza normalmente solit\u00e1ria da literatura, seria esta forma uma \u201cliteratura colaborativa\u201d? Nas Oficinas de Remix Liter\u00e1rio que dou, essa parte da a\u00e7\u00e3o f\u00edsica sobre os textos \u00e9 uma das preferidas, as pessoas realmente parecem gostar e sentir o texto se construindo atrav\u00e9s delas pelo meio do recorte, arranjo e colagem. Al\u00e9m de divertido, \u00e9 intrigante. Ainda consigo ter a sensa\u00e7\u00e3o de que \u00e9 algo esquisito. Por mais que tenha algu\u00e9m teoricamente no controle, nunca sei onde a coisa vai dar. Preciso confiar na capacidade de tornar os fragmentos um texto integral, e entender que aquilo pode virar algo meu, que diga respeito a mim. Isso \u00e9 o que geralmente acontece.<\/p>\n Quanto ao termo \u201cliteratura colaborativa\u201d, parece-me que tem sido mais aplicado a iniciativas de coletivos de pessoas que se agrupam para escrever. Penso j\u00e1 ter ouvido falar de sites ou livros digitais que est\u00e3o sendo ou foram escritos assim, com v\u00e1rias pessoas inserindo frases suas, sem a figura de um \u00fanico c\u00e9rebro no controle. Se voc\u00ea lembrar das comunidades no Orkut, as conversas se davam assim. Uma pessoa lan\u00e7ava um t\u00f3pico e ent\u00e3o abaixo dela assist\u00edamos a uma crescente inser\u00e7\u00e3o de coment\u00e1rios vindos de conhecidos (se frequent\u00e1vamos aquela comunidade) ou desconhecidos. Quem se prestasse a ler um t\u00f3pico inteiro, poderia encontrar, quase ao vivo, a forma\u00e7\u00e3o de sentido sendo operada coletivamente, a partir dos fragmentos inseridos. O MixLit tem alguma semelhan\u00e7a com esse formato. Se ele seria a forma mais aproximada da express\u00e3o \u201cliteratura colaborativa\u201d, eu n\u00e3o sei. \u00c9 uma boa quest\u00e3o, que me leva a pensar em diferen\u00e7as de m\u00e9todo, procedimento e resultado.<\/p>\n N\u00e3o sei se o MixLit \u00e9 mais ou menos \u201cliteratura colaborativa\u201d do que esses sites ou artigos ou hist\u00f3rias que as pessoas escrevem em conjunto. O caso de Borges com Bioy Casares, por exemplo, com livros que escreviam sob um pseud\u00f4nimo \u00fanico, o recente O ver\u00e3o de Chibo<\/a>, de Vanessa Barbara e Emilio Fraia, tamb\u00e9m escrevendo em dupla, o #24H<\/a> de Bernardo Gutierrez, um livro que nunca termina e incorpora coment\u00e1rios de leitores\u2026 enfim, s\u00e3o muito variadas as iniciativas destes tempos que vivemos, inserir uma ou outra sob certo termo depende mais do qu\u00e3o precisa \u00e9 a defini\u00e7\u00e3o desse termo.<\/p>\n Como a cria\u00e7\u00e3o art\u00edstica influencia e tem sido influenciada pela cultura do compartilhamento das redes digitais? No meu caso espec\u00edfico penso que a quest\u00e3o do compartilhamento me levou a ver mobilidade e movimento (f\u00edsicos, n\u00e3o s\u00f3 mentais) em coisas que pareciam estanques. Mas esse tipo de atravessamento parece t\u00e3o natural que \u00e9 uma daquelas coisas que a gente n\u00e3o consegue determinar uma \u00fanica fonte. A cria\u00e7\u00e3o muda na medida em que o criador est\u00e1 em contato ou n\u00e3o com a nova cultura. Voc\u00ea pode pensar em alguns escritores, como Michel Laub, que em seu Di\u00e1rio da Queda<\/a> usa par\u00e1grafos bem curtos e numerados, um forma de organizar o texto que, a meu ver, dialoga muito, e de maneira inteligente, com a cultura digital. Mas voc\u00ea pode ir at\u00e9 livros tempos pr\u00e9-internet, como o Arcades Project<\/a>, de Walter Benjamim, ou quadros cubistas de Picasso, e ver que a compartimenta\u00e7\u00e3o, a fragmenta\u00e7\u00e3o e a mobilidade j\u00e1 estavam no olhar do artista.<\/p>\n Voc\u00ea pode pensar simplesmente que esses trabalhos prefiguraram e indicaram os tempos por vir, ou, o que acredito ser mais interessante, considerar que esses trabalhos n\u00e3o s\u00f3 indicaram, mas constru\u00edram e participaram ativamente da forma\u00e7\u00e3o de um certo tipo de olhar contempor\u00e2neo. Isso pode ser sentido muito vivamente pela leitura\/experimenta\u00e7\u00e3o de alguns dos poemas concretistas de Haroldo de Campos<\/a> ou D\u00e9cio Pignatari<\/a>. Ali, a maior constru\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 a obra, mas a constru\u00e7\u00e3o de um pr\u00f3prio leitor, do qual se demanda procedimentos incomuns de leitura. Voc\u00ea pode pensar em livros de aforismos, como o de Karl Krauss<\/a>, ou de poemas curtos, como o 1 de Gon\u00e7alo Tavares, ou o Rilke Shake<\/a>, de Ang\u00e9lica Freitas, ou O sil\u00eancio como contorno da m\u00e3o<\/a>, de Elaine Pauvolid, e pensar que poderiam caber muito bem como posts de uma rede social, um Twitter. Mas os aforismos de Karl Krauss foram escritos muito antes disso tudo.<\/p>\n O que acontece \u00e9 que nossa cultura, hoje, est\u00e1 muito prop\u00edcia para que esse tipo de trabalho (textos breves) retorne. O romance com mais de mil p\u00e1ginas est\u00e1 de dif\u00edcil aprecia\u00e7\u00e3o, como bem fala Italo Calvino em seu “Se um viajante numa noite de inverno<\/a>“, livro tamb\u00e9m muito adequado a entrar nessa conversa e temporalmente n\u00e3o muito distante de n\u00f3s. O caldo que ferve a cultura privilegia, em tempos, certos tipos de express\u00e3o, e em outros tempos, outros tipos de express\u00e3o. O romance est\u00e1 vivo \u2013 h\u00e1 um prazer muito espec\u00edfico em imergir dentro de um universo, dentro de uma hist\u00f3ria, e acompanhar seus desdobramentos, um prazer pouco substitu\u00edvel, digamos assim \u2013 o que acontece \u00e9 que um criador, hoje, precisa estar muito ciente do tempo que ir\u00e1 demandar do seu leitor. O que, fazendo uma revis\u00e3o ao que falei acima, n\u00e3o necessariamente se mede em p\u00e1ginas, pois h\u00e1 livros que, com poucas p\u00e1ginas, pedem uma degusta\u00e7\u00e3o concentrada, como os de Raduan Nassar, e outros que, com muitas p\u00e1ginas, s\u00e3o lidos rapidamente, como muitos romances policiais e de mist\u00e9rio.<\/p>\n Sinto que, na cultura de compartilhamento, voc\u00ea est\u00e1 sempre com muito material e pouco tempo. Quando voc\u00ea l\u00ea um livro, aquilo \u00e9 tudo que voc\u00ea tem \u00e0 sua frente. Ao computador, qualquer arquivo aberto \u00e9 mais um entre milhares que est\u00e3o atr\u00e1s dele, logo ali no seu desktop e no seu navegador. H\u00e1 uma sensa\u00e7\u00e3o de ac\u00famulo e variedade que dificulta a imers\u00e3o e privilegia a circula\u00e7\u00e3o. Esse tipo de leitura \u00e9 o que uso quando vou fazer um MixLit. Fico feliz em conseguir realizar mais de um modo de leitura.<\/p>\n A cultura do compartilhamento tamb\u00e9m interferiu, obviamente, na no\u00e7\u00e3o de autoria. Com o compartilhamento um certo documento ou arquivo adquire vida pr\u00f3pria, independente do seu autor ou do formato original em que foi lan\u00e7ado ao mundo. A cerim\u00f4nia, no sentido de um respeito excessivo perante um material ou uma ideia, vai-se extinguindo aos poucos nesse lastro. E, como o avesso dessa mudan\u00e7a, revelou-se ainda mais a alegria de se desenhar um trajeto, tra\u00e7ar um percurso de leitura, apresentar o passo-a-passo, inventoriar o ambiente, desvendar as pe\u00e7as do interior da m\u00e1quina. Quando o caminho fica turvo, clare\u00e1-lo \u00e9 um prazer. Da\u00ed surgem at\u00e9 mesmo poemas, como \u201cDirectory<\/a>\u201d, de Robert Fitterman, que tra\u00e7o o trajeto de uma pessoa dentro de um shopping.\u00a0No caso do MixLit, que trabalha mais com prosa, tento desfrutar de procedimentos, vis\u00f5es e ideias pr\u00f3prios de uma \u00e9poca digital, sem que isso seja uma perda em termos de narrativa. Fazer com que a chamada \u201cexperimenta\u00e7\u00e3o\u201d seja uma aliada, e n\u00e3o um obst\u00e1culo.<\/p>\n O que sinto \u00e9 que a cultura digital mudou o homem. E que aquele rio, onde o mesmo homem n\u00e3o conseguia se banhar, torna-se outro cada vez mais rapidamente. Ao menos em certa camada do homem, pois h\u00e1 definitivamente uma camada onde a mudan\u00e7a ocorre de maneira muito lenta, ou simplesmente n\u00e3o ocorre. Hoje podemos ter a diversidade de encontrar criadores em maior e menor di\u00e1logo com a est\u00e9tica da cultura digital, uma diversidade que, me parece, ser\u00e1 cada vez menor, pois est\u00e1 acontecendo uma passagem, talvez an\u00e1loga \u00e0 passagem que sofreram os autores de televis\u00e3o, meio em que a gera\u00e7\u00e3o mais velha de roteiristas \u00e9 mais afeita \u00e0 influ\u00eancia do r\u00e1dio e hoje h\u00e1 uma gera\u00e7\u00e3o que viveu mais as s\u00e9ries e o cinema.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Psic\u00f3logo de forma\u00e7\u00e3o e escritor e tradutor por profiss\u00e3o, Leonardo Villa-Forte \u00e9 o cara por tr\u00e1s do blog. Escreve\/remixa pequenos contos, publicados de forma peri\u00f3dica no MixLit, em que coloca para conversar diversos autores distintos, as vezes de g\u00eanero, nacionalidades e estilos completamente diferentes. Ao final, indica todas as refer\u00eancias dos trechos que usou, que […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":10652,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[122,212,126],"tags":[454,1111,1119,181,1121,228,1522,1758,150],"post_folder":[],"jetpack_featured_media_url":"","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/10647"}],"collection":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=10647"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/10647\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=10647"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=10647"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=10647"},{"taxonomy":"post_folder","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/post_folder?post=10647"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}<\/a><\/p>\n
<\/a><\/p>\n
\n<\/strong>
\nO tempo que levo para produzir um novo conto MixLit pode variar desde duas horas horas a quatro ou cinco dias. Essa varia\u00e7\u00e3o depende principalmente dos livros que utilizo para fazer o conto em quest\u00e3o: se s\u00e3o livros que conhe\u00e7o \u2013 que j\u00e1 li anteriormente \u2013 ou se s\u00e3o novos para mim. Dos livros que j\u00e1 li, sei qual \u00e9 o universo, o tempo, a pessoa do narrador, o estilo da escrita, lembro de determinadas passagens ou cenas. Esse conhecimento pr\u00e9vio ajuda a encontrar mais rapidamente poss\u00edveis continua\u00e7\u00f5es entre os textos. Quando trabalho com livros que ainda n\u00e3o li, preciso de algum tempo para estabelecer familiaridade e intuir se funciona em liga\u00e7\u00e3o aos outros textos.<\/p>\n
\n<\/strong>
\nO m\u00e9todo \u00e9 mais artesanal. N\u00e3o construo um banco de dados pr\u00e9vio. Tudo acontece na hora em que resolvo produzir um texto. Cerco-me de alguns livros escolhidos j\u00e1 intuindo que sejam poss\u00edveis de apresentarem conex\u00f5es. Leio trechos de cada um, marco passagens que podem render liga\u00e7\u00f5es e assim vou passando de um livro a outro, enquanto transcrevo para o computador as passagens que seleciono. Nisso j\u00e1 tenho a no\u00e7\u00e3o de qual passagem pode ser um bom in\u00edcio, qual pode ser um bom final, qual pode preparar certa situa\u00e7\u00e3o. Depois fa\u00e7o com elas um arranjo. \u00c0s vezes funciona de primeira. \u00c0s vezes n\u00e3o, e nessas horas tenho duas op\u00e7\u00f5es: mudar os livros, cercar-me de outros, ou avan\u00e7ar na (re)leitura dos que escolhi, ler p\u00e1ginas e p\u00e1ginas, at\u00e9 encontrar alguma passagem que pare\u00e7a de fato encaixar com as outras, acrescentando algo ao texto. Quando vejo que a coisa n\u00e3o est\u00e1 caminhando bem, paro e vou terminar o texto no dia seguinte. Frequentemente misturo livros que venho lendo ou li recentemente com outros que est\u00e3o h\u00e1 anos nas minhas estantes.<\/p>\n
\n<\/strong>
\n\u00c9 divertido. Sinto como se colocasse os livros para conversar e fosse, aos poucos, construindo um livro infinito, um livro que transborda suas p\u00e1ginas, como se certa linha de uma livro escapasse do limite do seu papel e fosse se esticando e esticando at\u00e9 repousar em outra linha, de uma outra p\u00e1gina, de um outro livro. Uma linha infinita que poderia nunca acabar, e pela qual todos os livros pudessem dar as m\u00e3os. Gosto da imagem, do mapa que venho tra\u00e7ando. Por outro lado, menos mental, \u00e9 uma a\u00e7\u00e3o bastante f\u00edsica, de um prazer quase infantil, entre o destruir e o construir. Retirar, recortar, picotar par\u00e1grafos estabelecidos e criar os meus, mudar o concreto de lugar e fazer dos textos impressos pe\u00e7as m\u00f3veis, construir blocos que fiquem em p\u00e9, ver o texto quase como um Lego, um Tetris, uma conversa virtual onde sempre se est\u00e1 aberto \u00e0 participa\u00e7\u00e3o de um novo convidado, isso tudo me entusiasma.<\/p>\n
\n<\/strong>
\nCreio que os criadores da minha gera\u00e7\u00e3o formam um terreno especialmente particular, pois devemos ser os \u00faltimos a lembrar de um tempo sem internet, ao mesmo tempo que entramos nela n\u00e3o muito tarde. De certa maneira, isso gera uma cis\u00e3o interessant\u00edssima entre os discursos, o f\u00edsico e longevo, e o digital e passageiro.<\/p>\n<\/a><\/p>\n