{"id":10425,"date":"2015-09-15T16:10:28","date_gmt":"2015-09-15T16:10:28","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=10425"},"modified":"2015-09-15T16:10:28","modified_gmt":"2015-09-15T16:10:28","slug":"pequenos-grandes-momentos-ilustrados-da-historia-da-recombinacao-plunderfonia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2015\/09\/15\/pequenos-grandes-momentos-ilustrados-da-historia-da-recombinacao-plunderfonia\/","title":{"rendered":"Pequenos Grandes Momentos Ilustrados da Hist\u00f3ria da Recombina\u00e7\u00e3o: Plunderfonia"},"content":{"rendered":"

\"fony\"<\/a><\/p>\n

Como muitas crian\u00e7as da d\u00e9cada de 1950 no Canad\u00e1, John Oswald<\/a> cresceu ouvindo r\u00e1dio na casa de seus pais. Formava imagens somente a partir do barulho que vinha daquele aparelho grande, e com elas criava cenas, personagens, pequenas narrativas que n\u00e3o iam muito adiante – sua aten\u00e7\u00e3o dispersa sobre uma hist\u00f3ria logo se transferia pra outra, e outra, e indefinidamente.<\/p>\n

Mas de tanto escutar pegou gosto pelo som. Passou a experimentar com os discos de m\u00fasica cl\u00e1ssica de seus pais: pegava os discos de 78 RPM, com uma s\u00f3 m\u00fasica em cada lado, e passava para 33 RPM, e vice-versa, diminuindo e aumentando a velocidade conforme a rota\u00e7\u00e3o do aparelho. Assim, ia descobrindo sons diferentes daqueles usuais, paisagens sonoras que ia contando hist\u00f3rias que pareciam trazer significados opostos aqueles apresentados para quem ouvia “normalmente”.<\/p>\n

N\u00e3o temos como saber se nessas brincadeiras de inf\u00e2ncia e adolesc\u00eancia j\u00e1 estava a raiz do trabalho posterior de Oswald. Mas que algo tem que ver com a plunderfonia<\/i>, certamente. Se n\u00e3o, vejamos a defini\u00e7\u00e3o que o pr\u00f3prio canadense deu para a palavra, criada anos antes e apresentada ao p\u00fablico pela primeira vez em 1985, no texto “Plunderphonics, or Audio Piracy as a Compositional Prerogative<\/em>“, na Confer\u00eancia EletroAc\u00fastica da Wired Society, em Toronto:<\/p>\n

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“Um plunderfone \u00e9 uma cita\u00e7\u00e3o sonora reconhec\u00edvel, usando o som real de algo familiar que foi gravado. Assobiar um compasso de Density 21.5<\/i> \u00e9 uma cita\u00e7\u00e3o musical tradicional. Pegar Madonna cantando Like a Virgin<\/i> e regrav\u00e1-la de tr\u00e1s pra frente ou mais lento \u00e9 plunderfonia, contanto que voc\u00ea possa reconhecer razoavelmente a fonte. A pilhagem tem de ser evidente”.<\/p>\n<\/blockquote>\n

\"burrows\"<\/a><\/p>\n

Parece bobagem falar da pr\u00e1tica de pilhagem sonora<\/i> que \u00e9 a plunderfonia hoje, tempos de remix, DJs e toda (ou quase) a m\u00fasica do mundo dispon\u00edvel na internet. Mas em 1985, quando Oswald lan\u00e7ou seu manifesto, n\u00e3o era. Nesta \u00e9poca j\u00e1 fazia 10 anos que ele mantinha uma organiza\u00e7\u00e3o fict\u00edcia chamada “Mistery Laboratory”, que fazia experimentos de colagem sonora com fitas-cassetes (chamada de “Mistery Tapes<\/a>“), utilizando refer\u00eancias de m\u00fasica concreta com elementos surrealistas e dada\u00edstas. Um de seus primeiros registros foi “Burrows<\/a>“, em 1974, em que produziu pal\u00edndromos fon\u00e9ticos em com trechos das obras lidas (e escritas) por William Burroughs, n\u00e3o por acaso um dos criadores do cut-up na literatura e inspirador da t\u00e9cnica plunderf\u00f4nica.<\/p>\n

J\u00e1 com bagagem de experimenta\u00e7\u00e3o sonora anal\u00f3gica, em 1985 \u00e9 que Oswald ganha de vez reconhecimento p\u00fablico e relev\u00e2ncia na \u00e1rea musical com seu texto “Plunderphonics”, em que d\u00e1 nome a esta conceito de s\u00f3 trabalhar com materiais sonoros de outros, recortando e colando trechos diversos, sempre esclarecendo que seu intuito n\u00e3o era uso comercial. (Ainda que sem licen\u00e7a nenhuma, talvez fosse um antepassado prim\u00e1rio de certas licen\u00e7as Creative Commons de hoje.)<\/p>\n

O ensaio, que pode ser lido aqui na \u00edntegra<\/a>, em ingl\u00eas, apresenta as possibilidades de se fazer som tamb\u00e9m com equipamentos que reproduzem som, como r\u00e1dios, gravadores de fitas. Faz uma defesa do sampling quando essa t\u00e9cnica era quase restrita a Djs de Hip-Hop, falando que uma grava\u00e7\u00e3o de um som – emitido por qualquer coisa, inclusive um aparelho que reproduz som de discos, fitas, r\u00e1dios – \u00e9 “simultaneamente um dispositivo de documenta\u00e7\u00e3o e um dispositivo criativo”. E aborda, por fim, a quest\u00e3o do pl\u00e1gio, dizendo que ele pode ocorrer com uma obra apenas se o original “n\u00e3o for superado” pelo copiador, de acordo com o escritor John Milton. Oswald acrescenta ainda uma cita\u00e7\u00e3o do compositor Stravinsky, hoje bastante conhecida, de que “um bom compositor n\u00e3o imita, mas rouba”.<\/p>\n

\"plunderphoniccapa\"<\/a><\/p>\n

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Como resultado pr\u00e1tico de seus testes plunderf\u00f4nicos, em 1988 nasce seu EP de estreia, chamado “Plunderphonics”, que \u00e9 distribu\u00eddo para alguns jornalistas e esta\u00e7\u00e3o de r\u00e1dios na Am\u00e9rica do Norte. Continha 4 faixas, cada uma “refeita” a partir de varia\u00e7\u00f5es de andamento, loops e samples rudimentares dispon\u00edveis na \u00e9poca, com Oswald explicando em detalhes o que propunha com as altera\u00e7\u00f5es. A primeira faixa, por exemplo, se chamava “Pretender<\/em>“, e era feito a partir de um single da cantora Dolly Parton, bastante conhecida no cen\u00e1rio de country music dos EUA, chamado “The Great Pretender<\/em>“. Oswald deixou mais lento o andamento da m\u00fasica fazendo Dolly eventualmente soar como um homem, provocando quest\u00f5es de g\u00eanero a partir de modifica\u00e7\u00f5es na voz da cantora, uma “sex symbol” da \u00e9poca. A explica\u00e7\u00e3o did\u00e1tica sobre o experimento est\u00e1 dispon\u00edvel neste link<\/a>.<\/p>\n

Um ano depois, em 1989, surge “Plunderphonics”, o disco, com 24 faixas utilizando das mesmas t\u00e9cnicas plunderf\u00f4nicas de alterar o som apenas com efeitos anal\u00f3gicos, sem, no entanto, deixar de fazer o ouvinte reconhecer de quem era o sampling principal – caracter\u00edstica que diferencia a plunderfonia do sampling usado no hip-hop, por exemplo. O disco (baixe aqui o arquivo zipado<\/a>) traz experimenta\u00e7\u00f5es com faixas de grandes nomes da m\u00fasica, como Beatles, The Doors, Elvis Presley, James Brown e Michael Jackson – este n\u00e3o s\u00f3 na m\u00fasica, como tamb\u00e9m na capa (imagem acima), em que O Rei do Pop vira hermafrodita.<\/p>\n

Claro que Oswald n\u00e3o passaria inc\u00f3lume sem a pol\u00edcia do copyright o incomodar. Mais do que a m\u00fasica “Bad” virar “Dab” no disco, o que chamou aten\u00e7\u00e3o mesmo da associa\u00e7\u00e3o da ind\u00fastria fonogr\u00e1fica canadense da \u00e9poca foi a capa do disco. Michael Jackson, inclusive, dep\u00f4s pessoalmente no processo penal instaurado de viola\u00e7\u00e3o de direitos autorais contra “Plunderphonics”. Sem ter como competir com o poderio financeiro de Jackson, Oswald evitou de pagar multas estratosf\u00e9ricas aceitando retirar de circula\u00e7\u00e3o o disco, destruindo a fita m\u00e1ster e as c\u00f3pias que tinha – mas a\u00ed j\u00e1 havia distribu\u00eddo milhares por Estados Unidos e Canad\u00e1, de modo que o disco mesmo assim se espalhou. O caso ganhou repercuss\u00e3o da imprensa e uma das poucas mat\u00e9rias ainda dispon\u00edveis na rede, na ent\u00e3o\u00a0novata revista Wired, de 1995, d\u00e1 o tom do que foi falado, a come\u00e7ar pelo t\u00edtulo: “The Man Who Stole Michael Jackson’s Fac<\/a>e”.<\/p>\n

\"plunder<\/a><\/p>\n

Depois do disco de 1989, John Oswald seguiu fazendo suas plunderfonias por a\u00ed. Foi convidado a produzir “Grayfolded<\/em>” (1996), um disco duplo do Grateful Dead<\/a> que consiste de um quebra cabe\u00e7a de mais de 100 performances da banda em “Dark Star<\/em>“, gravadas de 1968 a 1993. Saca a\u00ed como soa angelicalmente doido o lado 1 do primeiro disco, “Transitive Axis<\/em>“:<\/p>\n