{"id":10085,"date":"2015-01-26T13:08:03","date_gmt":"2015-01-26T13:08:03","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=10085"},"modified":"2015-01-26T13:08:03","modified_gmt":"2015-01-26T13:08:03","slug":"o-fim-da-privacidade-e-a-etica-da-transparencia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2015\/01\/26\/o-fim-da-privacidade-e-a-etica-da-transparencia\/","title":{"rendered":"O fim da privacidade e a \u00e9tica da transpar\u00eancia"},"content":{"rendered":"
Ano passado, o jornalista Renato Cruz, do Estad\u00e3o, escreveu uma coluna chamada “A \u00e9tica da transpar\u00eancia”<\/a> que passou despercebida por aqui. Eis que em 2015 ela reapareceu pra n\u00f3s, sabe-se l\u00e1 como, e c\u00e1 estamos para comentar falando dele.<\/p>\n O texto come\u00e7a com Marshall McLuhan<\/a>, te\u00f3rico-prof\u00e9tico da comunica\u00e7\u00e3o, que j\u00e1 falava do fim da privacidade em sua obra, em especial a dos anos 1970 e 1980. “Todas as paredes v\u00e3o cair”, ele teria dito a Derrick de Kerckhove<\/a>, seu assistente durante a d\u00e9cada de 1970. Kerchkove veio ao Brasil para participar do evento IT Forum\/Black Hat Brasil<\/a>, em S\u00e3o Paulo, em novembro de 2014, e foi entrevistado por Renato.<\/p>\n McLuhan apostou que os computadores – nos anos 1970 rudimentares e “gigantes”, bem diferentes dos de hoje –\u00a0 estariam ligados em rede como a fase final das extens\u00f5es do homem, chamada por ele de \u201csimula\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica da consci\u00eancia\u201d, \u201cpela qual o processo criativo do conhecimento se estender\u00e1 coletiva e carnalmente a toda a sociedade humana”, disse ele em seu cl\u00e1ssico “Understanding Media<\/strong>” (Os Meios de Comunica\u00e7\u00e3o Como Extens\u00f5es do Homem, aqui em pdf pra baixar<\/a>).<\/p>\n O canadense defendia a ideia de que os indiv\u00edduos s\u00e3o modificados por suas t\u00e9cnicas de comunica\u00e7\u00e3o; as telecomunica\u00e7\u00f5es, por exemplo, acabam sendo n\u00e3o apenas extens\u00f5es do sistema nervoso central como t\u00e9cnicas que nele rebatem e produzem uma nova sociedade. Nesse sentido, a tecnologia contempor\u00e2nea \u2013 na \u00e9poca de McLuhan sobretudo a tecnologia eletr\u00f4nica da televis\u00e3o e a eletricidade \u2013 seria a respons\u00e1vel pela cria\u00e7\u00e3o de um novo mundo, da mesma maneira que outras tecnologias durante a hist\u00f3ria, como a escrita e a imprensa de Gutemberg, foram respons\u00e1veis pela transforma\u00e7\u00e3o do pensamento humano.<\/p>\n Este novo mundo criado pela tecnologia el\u00e9trica e eletr\u00f4nica, ainda n\u00e3o digital, seria n\u00e3o mais uma vila isolada, mas uma aldeia global<\/em>, a “grande fam\u00edlia humana em uma s\u00f3 tribo<\/em>“, como ele escreveu. Precisamente aqui \u00e9 que muitos pesquisadores da comunica\u00e7\u00e3o tratam do lado vision\u00e1rio de McLuhan. Se a ideia de \u201caldeia global\u201d e de uma integra\u00e7\u00e3o total dos sentidos j\u00e1 era v\u00e1lida para um mundo que se conectava mundialmente \u00e0 televis\u00e3o na d\u00e9cada de 1960, ela se torna ainda mais v\u00e1lida com o desenvolvimento dos microprocessadores (que v\u00e3o resultar nos computadores pessoais) e a chegada da internet.<\/p>\n \u00c9 ent\u00e3o que o pensamento de McLuhan encontra as possibilidades vastas da internet que ele n\u00e3o viu se desenvolver. A partir deste encontro, a “grande fam\u00edlia unida em uma s\u00f3 tribo<\/em>” se cruza com a quest\u00e3o da conectividade generalizada e do acesso coletivo a todo tipo de informa\u00e7\u00e3o que a rede proporciona. Num ambiente transformado pela tecnologia, com informa\u00e7\u00e3o em abund\u00e2ncia e com diversas aldeias globais conectadas e acess\u00edveis a poucos cliques, como ficaria a privacidade?<\/p>\n *<\/p>\n N\u00e3o fica: desaparece. \u00c9 o fim da privacidade, dizia Mcluhan. “Eu discordava dele e dizia que ainda \u00e9ramos capazes de manter sil\u00eancio sobre as coisas<\/em>\u201d, afirmou Kerckhove \u00e0 Cruz. \u201cMcLuhan dizia que n\u00e3o, que era como um tsunami: “voc\u00ea pode nadar, mas n\u00e3o vai servir para nada<\/em>“. A ideia do big data – combina\u00e7\u00f5es infinitas de bancos de dados digitalizados diversos, estruturados para produzir novos significados – e as redes digitais acabaram por terminar o trabalho iniciado pela eletricidade. Todos estamos conectados e querendo compartilhar cada momento em redes sociais. Ou compartilhando sem saber, ao usar servi\u00e7os de empresas que, a qualquer momento, podem entregar tuas informa\u00e7\u00f5es pra NSA, como o caso Snowden mostrou e o Wikileaks continua mostrando<\/a>.<\/p>\n Mark Zuckerberg recentemente falou:”estamos construindo uma internet onde o padr\u00e3o \u00e9 ser soci\u00e1vel<\/a>“. \u00c9 uma realidade que, assustadoramente, se aproxima da fic\u00e7\u00e3o. Em especial, de um lan\u00e7amento recente da fic\u00e7\u00e3o, chamado “O C\u00edrculo<\/strong>“, livro escrito por Dave Eggers que j\u00e1 tem vers\u00e3o brasileira<\/a>, espanhola e em outros pa\u00edses. \u00c9 a hist\u00f3ria de Mae Holland, uma jovem que come\u00e7a a trabalhar numa empresa gigante chamada “O C\u00edrculo”, situada no vale do sil\u00edcio dos EUA. A empresa incorporou todas as empresas de tecnologia conhecidas e conecta e-mail, m\u00eddias sociais, opera\u00e7\u00f5es banc\u00e1rias e sistemas de compras de cada usu\u00e1rio em um sistema operacional universal, que cria uma identidade on-line \u00fanica com a promessa de “uma nova era de civilidade e transpar\u00eancia”.<\/p>\n A empresa \u00e9 dirigida por um grupo de pessoas de elevado desempenho – n\u00e3o por acaso inspirados em Sheryl Sandberg, diretora do Facebook e eleita a 9\u00bamulher mais poderosa do mundo pela revista Forbes<\/a>, numa lista encabe\u00e7ada por Angela Merkel e com Dilma Roussef em 4\u00ba lugar. E tem como fundadores misteriosos futurologistas que defendem a ideia de que o compartilhamento total e global do conhecimento \u00e9 uma realidade necess\u00e1ria.<\/p>\n Mae, a princ\u00edpio, se d\u00e1 bem na empresa, mas quando come\u00e7a a questionar e lutar por sua privacidade come\u00e7a a enfrentar problemas. E ent\u00e3o chega-se a um ponto culminante do livro. Eamon Bailey, um dos fundadores, op\u00f5e-se \u00e0 concep\u00e7\u00e3o ultrapassada de Mae sobre a vida privada. Surge, ent\u00e3o, esse di\u00e1logo orwelliano*<\/em>:<\/p>\n _ Percebo [tinha declarado Mae] que temos a obriga\u00e7\u00e3o, enquanto seres humanos, de partilhar o que vemos e sabemos, e que todo o conhecimento deve estar democraticamente acess\u00edvel. **<\/p>\n Nesse cen\u00e1rio (dist\u00f3pico, real?), como os indiv\u00edduos podem proteger sua privacidade de governos e grandes empresas? \u201cN\u00e3o podem\u201d, diz Kerckhove. Ele n\u00e3o acredita em criptografia e defende, sim, uma “\u00e9tica da transpar\u00eancia”. “No lugar de tentar proteger sua privacidade com criptografia e senhas, que acabam quebradas mais cedo ou mais tarde, as pessoas deveriam passar a exigir dos governos e das empresas a mesma transpar\u00eancia a que suas vidas est\u00e3o expostas<\/em>“.<\/p>\n Seria uma mudan\u00e7a em massa, como diz o canadense. “Precisamos sentir orgulho de pagar os impostos, e n\u00e3o orgulho de n\u00e3o pag\u00e1-los. Nosso governo ser\u00e1 limpo, porque precisar\u00e1 mostrar para todo mundo as suas a\u00e7\u00f5es. Se queremos evitar a tirania, temos de votar em governos que aceitem transpar\u00eancia sim\u00e9trica e igualit\u00e1ria”. Ele n\u00e3o v\u00ea o fim da privacidade como amea\u00e7a. \u201c\u00c9 a solu\u00e7\u00e3o para um problema que ir\u00e1 piorar antes de melhorar.\u201d<\/p>\n Ano passado, o jornalista Renato Cruz, do Estad\u00e3o, escreveu uma coluna chamada “A \u00e9tica da transpar\u00eancia” que passou despercebida por aqui. Eis que em 2015 ela reapareceu pra n\u00f3s, sabe-se l\u00e1 como, e c\u00e1 estamos para comentar falando dele. O texto come\u00e7a com Marshall McLuhan, te\u00f3rico-prof\u00e9tico da comunica\u00e7\u00e3o, que j\u00e1 falava do fim da privacidade […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":10092,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[359,126],"tags":[1754,1866,1867,1868,627,492,1452,1869,1870,661,570],"post_folder":[],"jetpack_featured_media_url":"","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/10085"}],"collection":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=10085"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/10085\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=10085"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=10085"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=10085"},{"taxonomy":"post_folder","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/post_folder?post=10085"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}<\/a><\/p>\n
<\/a><\/p>\n
\n
\n_ Ser livre \u00e9 o estado natural da informa\u00e7\u00e3o.
\n_ Concordo.
\n_ Todos temos o direito de saber tudo o que \u00e9 poss\u00edvel. Somos todos, coletivamente, donos do conhecimento acumulado do mundo.
\n_ Muito bem, declarou Mae. Ent\u00e3o que acontece se eu privar algu\u00e9m de uma coisa que eu saiba? estou a roubar o meu semelhante, certo?
\n_Isso mesmo, confirmou Bailey, com ar grave.
\n_ A vida privada \u00e9 um roubo.<\/p>\n<\/blockquote>\n
\n* Di\u00e1logo copiado da edi\u00e7\u00e3o de janeiro de 2014 da edi\u00e7\u00e3o portuguesa da Courrier Internacional<\/a>, que n\u00e3o tem edi\u00e7\u00e3o online.<\/address>\n\u00a0<\/address>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"