{"id":1004,"date":"2009-01-07T22:12:53","date_gmt":"2009-01-07T22:12:53","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=1004"},"modified":"2009-01-07T22:12:53","modified_gmt":"2009-01-07T22:12:53","slug":"as-historias-pertencem-a-todos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2009\/01\/07\/as-historias-pertencem-a-todos\/","title":{"rendered":"As hist\u00f3rias pertencem a todos"},"content":{"rendered":"
Este post inaugura mais uma trincheira na discuss\u00e3o sobre cultura livre. A partir deste m\u00eas, sem periodicidade definida mas sem intervalo no afinco, passaremos a publicar tradu\u00e7\u00f5es de textos que contribuam para o debate, e que ainda n\u00e3o tenham encontrado voz em nossa cultura. Na estr\u00e9ia, retomamos o assunto deste post<\/a>, a curiosa a\u00e7\u00e3o do coletivo italiano de escritores Wu Ming<\/strong>.<\/p>\n O que se segue \u00e9 a tradu\u00e7\u00e3o de uma confer\u00eancia (um trecho dela, na verdade) proferida por Wu Ming 1 numa mesa sobre Intelig\u00eancia Coletiva em Berlim, 2001. A tradu\u00e7\u00e3o foi feita do ingl\u00eas, n\u00e3o do italiano, da vers\u00e3o disponibilizada aqui<\/a>. O foco da fala do escritor \u00e9 a necessidade de inser\u00e7\u00e3o do autor no eixo dos debates autorais, e a maneira como isso s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel a partir da conscientiza\u00e7\u00e3o de que o conhecimento, inclusive o liter\u00e1rio, possui uma origem social, n\u00e3o individual. \u00c9 um ponto de vista ousado considerando o peso que a id\u00e9ia de originalidade possui no establishment liter\u00e1rio, e isso talvez basta para assegurar sua relev\u00e2ncia.<\/p>\n Agrade\u00e7o a Bruno Azev\u00eado<\/a>\u00a0pela colabora\u00e7\u00e3o, ele traduziu o conte\u00fado da patente no segundo par\u00e1grafo. E os links n\u00e3o constam no original.<\/p>\n [Reuben da Cunha Rocha.<\/strong>]<\/p>\n As hist\u00f3rias pertencem a todos: Narradores, Multid\u00f5es e a Recusa \u00e0 Propriedade Intelectual<\/strong><\/p>\n Trecho de uma confer\u00eancia realizada por Wu Ming 1 em Berlim, 2001<\/em><\/p>\n Tradu\u00e7\u00e3o: Reuben da Cunha Rocha\u00a0<\/em><\/p>\n […] Quase duas d\u00e9cadas se passaram desde que “pl\u00e1gio” deixou de ser sin\u00f4nimo de “roubo” e deu os primeiros passos como nome representativo de um movimento cultural. Certamente alguns de voc\u00eas se lembram do Festival of Plagiarism<\/a><\/em> [Festival do Pl\u00e1gio] ocorrido em Londres e Glasgow (1988 e 1989). Desde ent\u00e3o se tornou trivial o fato de que toda legisla\u00e7\u00e3o de propriedade intelectual \u00e9 obsoleta e inadequada, e que cultura e cria\u00e7\u00e3o s\u00e3o sempre produtos e processos de coletividade. A cada minuto incont\u00e1veis exemplos surgem diante de nossos olhos, estando entre os mais promissores a economia da d\u00e1diva<\/a> e o senso de comunidade sugeridos no avan\u00e7o dos sistemas abertos e dos softwares livres.<\/p>\n Ainda assim, as leis de copyright nunca se mostraram t\u00e3o agressivas, repressivas e tolas. Patentes s\u00e3o criadas para virtualmente tudo, desde gestos banais como usar um archote para brincar com o seu gato (patente #5443036 nos EUA: “um m\u00e9todo para induzir exerc\u00edcio em gatos consiste em apontar um raio de luz invis\u00edvel produzido por um laser de m\u00e3o no ch\u00e3o, parede ou outra superf\u00edcie opaca que esteja perto do gato, da\u00ed mover o laser de modo a fazer com que o padr\u00e3o de luz se mova de maneira irregular, fascinando o gato ou qualquer animal com instinto de ca\u00e7a.”) at\u00e9 esp\u00e9cies vivas que habitam este planeta h\u00e1 muitas eras. Isto n\u00e3o \u00e9 menos que guerra, capitalismo vs. intelig\u00eancia coletiva, imp\u00e9rio vs. multid\u00e3o, n\u00f3s o terceiro planeta a partir do sol vs. os parasitas devastando a vida do meio ambiente.<\/p>\n Eu acredito que qualquer intelectual deveria desafiar o atual estado das coisas no campo da lei autoral, a come\u00e7ar do seu pr\u00f3prio trabalho. Estou falando do ponto de vista de um contador de hist\u00f3rias, eu e outras pessoas trabalhamos com palavras, imagens, cores e sons colhidos da vida comum, da hist\u00f3ria e da paisagem midi\u00e1tica, e com elas escrevemos fic\u00e7\u00e3o. Toda uma comunidade escreve conosco, ainda que inconscientemente. Isso vale para cada<\/em> autor e artefato cultural, em qualquer era. Os \u00e9picos de Homero foram co-escritos por membros an\u00f4nimos de antigas sociedades mediterr\u00e2neas. O teatro elizabetano \u00e9 inteiramente baseado em releituras, varia\u00e7\u00f5es, improvisa\u00e7\u00e3o coletiva e interven\u00e7\u00e3o do p\u00fablico. Os folhetins dos s\u00e9culos 18 e 19 eram constantemente reelaborados pelos leitores dos jornais.<\/p>\n Hoje, a s\u00e9rie Star Trek e todo o seu universo cultural nos fornecem o melhor exemplo de coopera\u00e7\u00e3o social direcionada para o ato de contar hist\u00f3rias: os f\u00e3s (os chamados “trekkies”) vivem adicionando novos elementos a um mundo cheio de aparelhos, romances, sites, conven\u00e7\u00f5es anuais, dicion\u00e1rios Klingon etc. F\u00e3s-clubes at\u00e9 revisam os roteiros dos epis\u00f3dios e votam pela aprova\u00e7\u00e3o de mudan\u00e7as na s\u00e9rie.<\/p>\n Contadores de hist\u00f3rias (romancistas, dramaturgos, roteiristas, diretores etc.) reelaboram mitos, pe\u00e7as de referencial simb\u00f3lico que certas comunidades reconhecem, aceitam ou discutem. As comunidades necessitam de suas hist\u00f3rias. Todos narram, \u00e9 assim que chegamos a conhecer nossa hist\u00f3ria e nos relacionamos com outras pessoas. Nisso h\u00e1 qualidade de vida. No entanto, um narrador transforma isso em atividade profissional, uma “especializa\u00e7\u00e3o” totalmente complementar ao fa\u00e7a-voc\u00ea-mesmo. Qualquer um p\u00f5e pregos num peda\u00e7o de madeira, mas nem todos s\u00e3o carpinteiros.<\/p>\n Ao inv\u00e9s de posar de grandes artistas ou se enterrar em empregos cretinos, ao inv\u00e9s de escrever lixo auto-referencial ou triviais porcarias mercadol\u00f3gicas, ao inv\u00e9s de se fazerem de bobos como convidados de talk shows ou gastar suas vidas escrevendo falas para apresentadores de talk shows, narradores deveriam desempenhar um papel t\u00e3o importante na sociedade quanto os griots<\/em> (historiadores orais) nas vilas africanas, os bardos na cultura c\u00e9ltica ou os poetas no antigo mundo grego.<\/p>\n \u00c9 claro que contar hist\u00f3rias \u00e9 um trabalho peculiar, com benef\u00edcios e vantagens para quem o desempenha, no entanto ainda \u00e9 um trabalho, n\u00e3o menos integrado na vida comunit\u00e1ria que apagar inc\u00eandios, arar a terra ou ajudar os necessitados. Em outras palavras, contar hist\u00f3rias deveria pertencer a “artes & of\u00edcios”, n\u00e3o a Arte. Deveria ser algo social, n\u00e3o algo completamente narcisista, e eu n\u00e3o estou falando de conte\u00fado, estou falando de mentalidade. Narradores devem conhecer os lugares, pessoas e processos de onde deriva sua “arte”. N\u00e3o importa qu\u00e3o “radical”, experimental” ou mesmo “incompreens\u00edvel” seja o seu trabalho: quando perceberem que muitas outras pessoas s\u00e3o co-autoras das obras que escreveram, os narradores deixar\u00e3o de solipsismo e se tornar\u00e3o \u00fateis para os demais, aptos ent\u00e3o a ajudar outros intelectuais a desafiar a as leis autorais […]<\/p>\n<\/blockquote>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Este post inaugura mais uma trincheira na discuss\u00e3o sobre cultura livre. 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