USP – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Mon, 18 Jun 2012 14:09:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg USP – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Stallman – Ao vivo no Brasil (2012) https://baixacultura.org/2012/06/18/stallman-ao-vivo-no-brasil-2012/ https://baixacultura.org/2012/06/18/stallman-ao-vivo-no-brasil-2012/#respond Mon, 18 Jun 2012 14:09:07 +0000 https://baixacultura.org/?p=6717

Richard Stallman, o bruxo remixador inicial do conceito de software livre e do copyleft, esteve em turnê pelo Brasil nas últimas semanas.

Pelas contas oficiais, ficamos sabendo que ele esteve na USP, em São Paulo, na Unicamp, em Campinas, e na UNB, em Brasília, onde foi recebido pelos departamentos de física, matemática e computação e falou a alunos e professores em disputadas palestras. E em Porto Alegre, no único lugar onde foi recebido por governos – foi o convidado especial no aniversário de 1 ano do Gabinete Digital, louvável iniciativa de cidadania e política digital no governo gaúcho.

O fato de somente no RS ele ter tido diálogo com o poder político diz muito sobre o quanto o software (e a cultura) livre NÃO está na pauta de interesses da política. Steve Jobs (se vivo) e Bill Gates, dois dos principais nomes da informática “proprietária”, seriam recebidos com louvor até mesmo pela presidente Dilma. Stallman, que é tão (ou muito mais?) influente para a cultura digital que estes dois, mal é recebido.

[Não vamos entrar aqui em delongas sobre a personalidade difícil de Stallman, que provavelmente falaria em público coisas que políticos só (e se) ouvem no privado, e de qual o real interesse dele em conversar com os políticos brasileiros] .

Lotação máxima na USP para ver a fala do pai do projeto GNU

Vimos Stallman em uma de suas paradas brasileiras, na USP, no Centro de Competência em Software Livre da USP, alocado no Instituto de Matemática e Estatística, ao lado do belo prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

A informalidade do encontro chegou até a espantar: a única sala disponível para a fala de Stallman foi uma pequeníssima (foto acima), que obviamente lotou de gente, sem nenhum microfone a disposição. Ele falou sobre as patentes de software em um inglês pausado, mas as vezes de difícil compreensão por conta da péssima acústica da sala.

Depois de cerca de uma hora de papo, o programador americano fez um curioso leilão do mascote do GNU para arrecadar fundos para a Free Software Foundation. O bichinho de pelúcia, homônimo do GNU projeto, era abraçado carinhosamente toda vez que o guru, como um leiloeiro experiente, pedia para a plateia fazer mais lances, para delírio e risadas do público presente, em sua maioria estudantes das exatas e/ou ativistas do software livre.  No fim das contas, o GNU de pelúcia saiu por pouco mais de R$100 reais – além de aplaudido por todos.

Descalço, Stallman respondeu a questões de todos os tipos na USP

Houve ainda mais de meia hora dedicada à perguntas de todos os tipos, realizadas por professores, alunos, curiosos, sentados nas cadeiras, no chão, em pé, ou mesmo do lado de fora, colados na janela. Stallman, já sem os sapatos, respondeu todas, algumas em tom mais enfático (ou seria em tom descortês?), sempre deixando claro sua posição de proteção ao software livre e realçando, quando possível, a posição de que as patentes são extremamente prejudiciais ao desenvolvimento de software em qualquer país.

Entre outras posições firmes e frases impactantes, ele disse:

Grandes corporações possuem milhares de registros. Os advogados descobrirão que muitas ideias usadas no software pertencem à companhia e ameaçarão processar o desenvolvedor”.

 “Tudo que tira o poder do Estado e transfere aos negócios é nocivo para a sociedade e à democracia”.

Stallman finalizou a palestra afirmando que a comunidade de desenvolvedores precisa pensar em uma solução completa para combater o uso de patentes no desenvolvimento de software. “Algumas pessoas pensam apenas em ideias parciais. Um país sem patentes é um local mais seguro”. [Agradecemos a Info pela recuperação das falas].

*

Em sua tour pelo Brasil, Richard Stallman tratou também de fazer política – claro que a sua maneira. Escreveu para o eminente José Sarney, presidente do Senado, uma lúcida carta que defende a legalização da prática de compartilhamento na rede e explica, de forma bastante detalhada, sua proposta de partilha de direitos autorais em redes P2P.

A carta tem diversas sacadas interessantíssimas e é uma mostra potente do pensamento de Stallman – ainda que direcionada a pessoa errada, já que Sarney não é propriamente alguém que entenderá de compartilhamento de arquivos na rede.

 Leia-a abaixo (via Zona Livre, blog da Info):

Caro Senador José Sarney,

Conhecemo-nos em 2003 quando abrimos juntos o seminário “O Software Livre e o Desenvolvimento do Brasil” no Congresso Brasileiro. Estou escrevendo a Vossa Excelência porque o debate no Brasil sobre a lei de direitos autorais criou uma oportunidade única.

A Comissão Parlamentar de inquérito para investigar as associações de gestão coletiva (“CPI do ECAD”) descobriu a existência de corrupção nas sociedades de arrecadação de direitos autorais no Brasil. Mais importante, verificou que o sistema de arrecadação de direitos autorais no Brasil é disfuncional: carece de transparência, eficiência e a boa governança.

O Brasil está agora pronto para reformar esse sistema. A CPI do ECAD elaborou uma proposta legislativa para exigir que as sociedades sejam transparentes e eficientes e utilizem as possibilidades da era da Internet para melhorar os serviços oferecidos aos seus membros e à sociedade em geral.

Como seria possível ao sistema de arrecadação de direitos autorais beneficiar a sociedade como um todo? Gostaria de aproveitar esta oportunidade para sugerir ir além: legalizar o compartilhamento de obras publicadas em troca de uma taxa fixa coletada dos usuários de Internet ao longo do tempo.

Quando eu digo “compartilhamento”, quero especificamente dizer a redistribuição não- comercial de cópias exatas de obras publicados – por exemplo, por meio de redes peer- to-peer. O caso principal é aquele em que os que estão compartilhando não recebem nenhum rendimento por fazê-lo; casos limítrofes, como o do Pirate Bay (que recebe dinheiro de publicidade), não precisam ser incluídos.

Reconhecer a utilidade para a sociedade do compartilhamento entre cidadãos de arquivos na Internet será um grande avanço, mas esse plano levanta uma segunda pergunta: como usar os fundos recolhidos? Se usados corretamente, os recursos podem fornecer um segundo grande avanço – de apoio às artes.
Editoras (num sentido geral, de livros ou outros meios) normalmente propõem usar o dinheiro para “compensar” os “titulares de direitos” – duas más ideias juntas. “Titulares de direitos” é uma forma dissimulada de direcionar o dinheiro principalmente a empresas intermediárias, com apenas poucos resíduos chegando aos artistas. Quanto a “compensar”, o conceito é inadequado, pois significa pagar alguém para realizar um trabalho ou compensá-lo por ter lhe “tomado” algo. Nenhuma dessas descrições aplica-se à prática do compartilhamento de arquivos, uma vez que ouvintes e espectadores não contratam editores ou artistas para realizar um trabalho e o compartilhamento de mais cópias não toma qualquer coisa deles.

Quando eles afirmam ter “perdido” dinheiro, é em comparação aos seus sonhos sobre quanto poderiam ter conseguido.) Editoras usam o termo “compensação” para desviar a discussão a seu favor.
Não há nenhuma razão ética para “compensar” o compartilhamento de arquivo pelos cidadãos, mas apoiar artistas é útil para as artes e para a sociedade. Assim, a melhor maneira de implementar um sistema de taxação por licenças de compartilhamento é projetar a distribuição do dinheiro arrecadado de modo a apoiar as artes com eficiência. Com esse sistema, artistas se beneficiarão ainda mais quando as pessoas compartilharem seu trabalho e favorecerão o compartilhamento.

Qual é a maneira mais eficiente de apoiar as artes com esses recursos?

Em primeiro lugar, se o objetivo é apoiar artistas, não dê os recursos para editoras. Apoiar as editoras faz pouco pelos artistas. Por exemplo, as gravadoras pagam à maioria dos músicos pouco ou nada do dinheiro que vem da venda de discos: contratos de venda de álbuns são escritos ardilosamente de modo que os músicos não comecem a receber a “sua” parte até que um álbum venda um número enorme de cópias. Se fundos de compartilhamento de arquivos fossem distribuídos para as gravadoras, não atingiriam os músicos. Contratos editoriais literários não são tão ultrajantes, mas até mesmo autores de best-sellers podem receber pouco. O que a sociedade deve fazer é apoiar melhor os artistas e autores, não as editoras.

Proponho, por conseguinte, distribuir os recursos exclusivamente aos participantes criativos e garantir em lei que os editores não possam tomá-los nem deduzi-los do dinheiro devido aos autores ou artistas.

O imposto serai cobrado inicialmente pelo provedor de serviços de Internet do usuário. Como ele seria transferido para o artista? Ele pode passar pelas mãos de uma Agência de Estado; pode até mesmo passar por uma sociedade de gestão coletiva, desde que as sociedades arrecadadoras sejam reformadas e que qualquer grupo de artistas possa começar a sua própria.

Artistas não devem ser compelidos a trabalhar por meio das sociedades de gestão coletiva existentes, porque elas podem ter regras antissociais. Por exemplo, as sociedades de gestão coletiva de alguns países europeus proíbem seus membros de publicar qualquer coisa sob licenças que permitam o compartilhamento (proíbem, por exemplo, o uso de qualquer uma das licenças Creative Commons). Se o fundo do Brasil para apoiar artistas incluir artistas estrangeiros, eles não deveriam ser obrigados a juntar-se às sociedades de gestão a fim de receber suas parcelas dos fundos brasileiros.

Qualquer que seja o caminho que o dinheiro siga, nenhuma das instituições na cadeia (provedores de internet, Agência de Estado ou entidade de gestão) pode ter qualquer autoridade para alterar a parcela que vai para cada artista. Isto deve ser firmemente definido pelas regras do sistema.

Mas quais devem ser estas regras? Qual é a melhor maneira para repartir o dinheiro entre todos os artistas?

O método mais óbvio é calcular a quota de cada artista em proporção direta à popularidade da sua obra (popularidade pode ser medida convidando 100.000 pessoas escolhidas aleatoriamente para fornecer listas de obras que têm escutado, ou por medição da partilha de arquivos peer-to-peer). Isso é o que normalmente fazem as propostas de “compensação dos detentores de direitos”.

Entretanto, esse método de distribuição não é muito eficaz para promover o desenvolvimento das artes, pois uma grande parte dos fundos iria para alguns poucos artistas muito famosos, que já são ricos ou pelo menos têm uma situação confortável, deixando pouco dinheiro para dar suporte a todos os artistas que realmente precisam de mais.

Em vez disso, proponho pagar cada artista de acordo com a raiz cúbica de sua popularidade. Mais precisamente, o sistema poderia medir a popularidade de cada obra, dividir essa medida entre os artistas envolvidos na obra para obter uma medida para cada artista e, em seguida, calcular a raiz cúbica dessa medida e fixar a parte do artista em proporção ao valor resultante.

O efeito da fase de extração da raiz cúbica seria aumentar as participações dos artistas moderadamente populares, reduzindo as participações dos grandes astros. Cada superstar individual ainda iria obter mais do que um artista comum, até mesmo várias vezes mais, mas não centenas ou milhares de vezes mais. Transferir fundos para artistas moderadamente populares significa que uma determinada soma total oferecerá suporte adequadamente a um número maior de artistas. Além disso, o dinheiro beneficiará mais as artes porque vai para os artistas que realmente precisam dele.

Promover a arte e a autoria apoiando os artistas e autores é uma meta adequada para uma taxa de licença de compartilhamento, pois é a própria finalidade dos direitos autorais.

Uma última pergunta é se o sistema deveria apoiar artistas e autores estrangeiros. Parece justo que o Brasil demande reciprocidade de outros países como uma condição para dar suporte a seus autores e artistas, porém acredito que seria um erro estratégico. A melhor maneira de convencer outros países a adotarem um plano como esse não é pressioná-los através de seus artistas – que não vão sentir a falta desses pagamentos, por que não estão acostumados a receber qualquer pagamento —, mas sim educar seus artistas sobre os méritos deste sistema. Incluí-los no sistema é a maneira de educá-los.

Outra opção é incluir autores e artistas estrangeiros, mas reduzir seu pagamento para 1/10 do valor original se seus países não praticarem a cooperação recíproca. Imagine dizer a um autor que “você recebeu
US$50 de taxa de licença de compartilhamento do Brasil. Se seu país tivesse uma taxa de licença de compartilhamento semelhante e fizesse um acordo de reciprocidade com o Brasil, você teria recebido US$500, mais o montante arrecadado em seu próprio país”. Esses autores e artistas começariam a defender o sistema brasileiro em seu próprio país, além da reciprocidade com o Brasil.

Eu sei de um impedimento possível à adoção deste sistema: Tratados de Livre Exploração, como aquele que estabeleceu a Organização Mundial do Comércio. Estes são projetados para fazer os governos agirem em benefício dos negócios, e não das pessoas; eles são os inimigos da democracia e do bem-estar da maioria (agradecemos a Lula por salvar a América do Sul da ALCA). Alguns deles exigem “compensação para titulares de direitos” como parte de sua política geral de favoritismo dos negócios.

Felizmente este impedimento não é intransponível. Se o Brasil encontrar-se compelido a pagar pela meta equivocada de “compensar os titulares de direitos”, pode mesmo assim adotar o sistema apresentado acima *adicionalmente*.
O primeiro passo em direção ao fim de um domínio injusto é negar sua legitimidade. Se o Brasil for compelido a “compensar os titulares de direitos”, deve denunciar essa instituição como falha e render-se a ela somente até que possa ser abolida. A denúncia poderia ser disposta no preâmbulo da própria lei, da seguinte maneira:
Considerando que o Brasil pretende incentivar a prática útil e benéfica do compartilhamento de obras publicadas na Internet.

Considerando que o Brasil é compelido pela Organização Mundial do Comércio a pagar aos titulares de direitos pelo resgate dessa liberdade, mesmo que ao fazer isto promova principalmente o enriquecimento de editores, ao invés de apoiar artistas e autores.

Considerando que o Brasil ainda não está pronto para romper com a Organização Mundial do Comércio e não está no momento em condições de substituí-la por um sistema justo.

Considerando que o Brasil deseja, paralelamente ao requisito imposto, apoiar artistas e autores de forma mais eficiente do que o atual sistema de direitos autorais é capaz de fazer.
O plano ineficiente e mal direcionado da “compensação” não precisa excluir o objetivo útil e eficiente de apoiar as artes. Assim, que se implemente o plano sugerido acima para apoiar diretamente os artistas, pelo bem da sociedade; e que se implemente paralelamente a “compensação” exigida pela OMC, porém somente enquanto a OMC detiver o poder de impô-la. A lei poderia até dizer que o sistema de “compensação” será descontinuado logo que nenhum tratado o exija.
Isso vai começar a transição para um novo sistema de direitos autorais adaptado à era da Internet.

Obrigado por considerar estas sugestões.

Richard Stallman

P.s: A palestra realizada no Gabinete Digital, em Porto Alegre, está disponível na íntegra.

Créditos foto: 1 (Gabinete Digital), 2, 3 (Leonardo Foletto), 4 (Guardian).
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Por dentro do caso Livros de Humanas X ABDR https://baixacultura.org/2012/06/05/por-dentro-do-caso-livros-de-humanas-x-abdr/ https://baixacultura.org/2012/06/05/por-dentro-do-caso-livros-de-humanas-x-abdr/#comments Tue, 05 Jun 2012 10:07:51 +0000 https://baixacultura.org/?p=6667

A esta altura, quem acompanha este blog no Twitter e no Facebok já está sabendo do fechamento do site do Livros de Humanas, biblioteca digital que mantinha um rico acervo dedicado às ciências humanas (linguística, literatura e filosofia, principalmente).

Já sabe também que um grupo cada vez maior de pessoas (professores, escritores, estudantes) está manifestando seu apoio em um site chamado Direito de Acesso, que, por enquanto, tem compilado matérias, artigos e entrevistas sobre o caso.

Se tu já sabe o que de fato aconteceu, pule para o asterisco. Se não, continue aqui e confira uma breve retrospectiva do caso.

O que você encontra se for acessar o Livro de Humanas hoje

A informação completa, postada inicialmente, dentre outros lugares, no blog da repórter da Folha Raquel Cozer, jornalista requisitadíssima por escritores brasucas:

O site livrosdehumanas.org saiu do ar anteontem (quinta, 17/5) após ser notificado de ação judicial movida pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos. Com 2.322 livros em PDF gratuitos, o blog que se descreve como “difusor de conhecimento produzido pelas humanidades” representa, para a ABDR, “o maior caso de pirataria de livros digitais em dez anos”. Na quinta, iniciou-se no Twitter campanha em defesa do blog e contra as editoras Forense e Contexto, destacadas na notificação. A ABDR afirma que a ação partiu dela própria e que só usou títulos das casas como exemplos. Pelo número de livros, o site poderia ter de pagar mais de R$ 200 milhões, mas em geral chega-se a acordo. A instituição destaca o prejuízo ao autor e diz usar o dinheiro arrecadado em campanhas antipirataria –o valor arrecadado no ano passado não foi divulgado.

A ação movida pela ABDR pedia inicialmente que fossem removidos links de dois livros, um da editora Forense e outro da editora Contexto. Mas, como explica o texto da seção Entenda o Caso do Direito de Acesso, o juiz deferiu o pedido liminar, ordenando a retirada, e, em um acréscimo ao pedido inicial, a ABDR pleiteou que todos os links para os mais de 2000 livros que estavam na biblioteca fossem igualmente removidos, argumentando que os 2 livros mencionados a princípio eram apenas exemplos – pedido que o juiz atendeu, sem maiores considerações, simplesmente estendendo a ordem inicial, não atentando nem que grande parte deles foram publicados por editoras não-associadas à ABDR, que, portanto, não tinha sequer legitimidade para pedir sua retirada, nem que muitas obras estava lá por autorização expressa ou tácita de seus autores e editores.
[Vale ressaltar que não foi a primeira vez que o Livros de Humanas foi “atacado”. Na outra situação, ainda como Letras USP, o site foi desativado duas vezes, e suas 2.496 postagens – com links para arquivos de livros digitalizados – foram para o brejo. O fato inclusive nos motivou a escrever um artigo no jornal Diário de Santa Maria chamado “Páginas Digitalizadas“, em que ressaltávamos a necessidade de ser desmistificada a ideia de que o livro digital e o livro impresso são concorrentes, dentre outras questões exacerbadas nesse contínuo debate.]
Depois da notificação e da saída do ar do site, uma das primeiras matérias a ser veiculada sobre o assunto foi “Suspensão de site gera indignação no meio acadêmico, do site Opinião e Justiça. Nela, se repercutia a, de fato, indignação de um grupo de escritores, professores, alunos e intelectuais – entre eles nomes conhecidos com o Eduardo Viveiros de Castro, Pablo Ortellado, Eduardo Sterzi, Ricardo Lísias, Idelber Avelar – com a retirada de todo o site do ar sob a alegação do blog ser o “maior caso de pirataria de livros da história recente”.

Capa da revista Sopro, da editora Cultura e Barbárie

Como consequência quase imediata, saiu um manifesto da editora Cultura e Barbárie, escrito pelo seu editor, Alexandre Nodari, em apoio ao Livros e contrário a ABDR. A editora tinha três livros no site, que constavam também na lista das obras cujos direitos estariam sendo “violados pela sua reprodução no Livros de Humanas” – sendo que a Cultura e Barbárie nunca foi filiada a ABDR e autorizava expressamente a reprodução de seus livros no site.
Thiago Cândido, acadêmico de Letras da USP e principal responsável pela manutenção do site, deu, em seguida, uma entrevista a jornalista da Folha Josélia Aguiar, do blog Livros & ETC. Ali, ele disse, dentre outras coisas, que “quem baixava no livrosdehumanas.org é basicamente o mercado consumidor destas editoras. O PDF não substitui o livro impresso”. É um caso parecido ao clássico Metallica X Napster, em que aquele que se sente lesado processa aqueles que fazem a sua fama. Tiro no pé total.
Formou-se um grupo de trabalho para discutir e apoiar o caso do Livros de Humanas, inclusive com um grupo de advogados amigos que passaram a trabalhar no caso e preparar a contestação, que vai acontecer até dia 11 deste mês. Como situação nova no direito nacional, interessa e muito a nossos queridos advogados que, a pretexto da defesa do Livros de Humanas, podem preparar um contra-ataque mais forte do que o ataque, exigindo que se abra diversos dados das editoras e das “pesquisas” que dizem que quem baixa pdf não compra livro.

*

A partir do fato inicial, muita gente tem manifestado apoio ao Livros – vá ao Direito de Acesso (imagem acima) e veja quem, quando e como manifestou seu apoio, e como tu pode fazer o mesmo. Das inúmeras manifestações apresentadas, remixamos trechos de algumas que nos ajudam a entender o caso e o embate que está por trás: a oposição entre compartilhamento de informações e a dita “pirataria”, e que tipo de alterações são necessárias na legislação de direitos autorais para fazer frente à realidade da cultura digital.
Entrevista com Ronaldo Lemos, no blog Mundo Livro, da Zero Hora (por Carlos André Moreira):
“Há na verdade um problema de relação públicas que é também um problema jurídico, porque o site foi retirado contendo livros que podem não estar cobertos pelos direitos representados pela ABDR como entidade. O repertório total do site tem livros sobre os quais ela não comprovou nenhum direito de representação.”
ML – O fato de todo o site ter sido tirado do ar mosta que a Justiça ainda não encontrou a medida justa e sutil para julgar demandas típicas da contemporaneidade altamente tecnológica?
Lemos – A questão principal é que a lei de direitos autorais brasileira é uma das mais restritivas do mundo. Ela praticamente veda quaisquer condutas que não seja a compra integral do livro. Ela proíbem inclusive a disponibilização dos chamados “livros órfãos”, aqueles fora de catálogo há muito tempo, esgotados ou com representações incertas ou que não se pode encontrar. Em outras leis de outros países, há exceções que incluem a liberdade de publicação de livros nessa categoria.

Entrevista com Eduardo Sterzi, poeta e professor da Unicamp, no mesmo Mundo Livro:

“Há tempos, simpatizo e, na medida do possível, apoio o site Livros de Humanas, no qual reconheço uma das mais democráticas bibliotecas públicas do nosso país. Conheço vários estudantes e professores brasileiros e estrangeiros que encontraram nessa biblioteca textos fundamentais para a realização de suas dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos e livros: textos esgotados ou simplesmente não encontráveis nas bibliotecas físicas dos lugares onde moram. Eu mesmo já digitalizei e enviei links de vários textos, meus e alheios, para serem disponibilizados no Livros de Humanas”

“Há um descompasso trágico entre o desejo de conhecimento e cultura de nossos estudantes e pesquisadores e os meios de que dispõem para satisfazer tal desejo. Foi essa carência de boas bibliotecas que levou à formação de toda uma estrutura alternativa de fotocópias, cujas matrizes são realizadas, na maioria das vezes, a partir de livros dos acervos pessoais dos professores. Vale lembrar que o Livros de Humanas surgiu de uma situação específica envolvendo a central de fotocópias do prédio de Letras da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP): de um dia para outro, a cópia de uma página, que custava R$ 0,10, passou para R$ 0,15. Ou seja, já se trata de uma alternativa à alternativa.

“Temos que revisar as leis de direitos autorais, mas temos também de criar uma política consistente de formação de bibliotecas públicas – e, sobretudo, precisamos discutir os preços dos livros no Brasil. Também temos de ver com clareza, na discussão sobre “direitos autorais”, o papel das editoras de livros didáticos na perseguição aos sites de livre compartilhamento. A ABDR, que move o processo contra o Livros de Humanas, está dominada por tais editoras. O livro didático é um negócio milionário em nosso país, um negócio cujo principal financiador são os governos federal, estaduais e municipais. O que o Ministério da Educação tem a dizer sobre o assunto? Nem falo do Ministério da Cultura, que, na atual administração, com os lamentáveis vínculos entre a ministra e o ECAD, sofreu um terrível retrocesso em relação à administração anterior, de Gilberto Gil-Juca Ferreira.

ML – A disponibilização online ajuda ou prejudica a carreira de um livro – ou talvez não tenha influência tão determinante nem em um sentido nem em outro?

Sterzi – Talvez tenhamos de distinguir, antes de tudo, duas concepções de “carreira de um livro”. Se acreditamos que o fundamental na carreira de um livro seja sua leitura pelo maior número possível de pessoas, a disponibilização online só pode ajudá-la. Se, porém, acreditamos que o essencial seja converter o número de leitores em valores monetários, a situação não é tão clara. No entanto, temos o testemunho de autores como Paulo Coelho, que dizem que passaram a vender mais livros depois que tiveram suas obras disponibilizadas na internet. Há também o caso da editora Hedra, que, depois que deixou alguns de seus livros disponíveis integralmente no Google Books, passou a vender mais exemplares.

Eu mesmo, que, como a imensa maioria dos poetas e ensaístas, estou longe de ser um grande vendedor (embora tenha dois livros com primeiras edições esgotadas), percebo que a maioria dos leitores que me contam ter comprado meus livros o fizeram depois de ter lido ao menos algum de meus textos na internet. Para além de qualquer discussão comercial, o importante, porém, é perceber que o livre compartilhamento veio para ficar, porque ele é a realização de um ideal de busca do conhecimento e de comunhão cultural que sempre esteve na base dos grandes momentos de afirmação de nossa humanidade. Estamos diante de uma nova Renascença, de um novo Iluminismo – nada menos do que isso. Pouco me importa que esse livre compartilhamento ajude ou prejudique as vendagens de meus livros ou de qualquer livro. Pouco deveria importar também aos autores conscientes de sua função no mundo, aqueles que sabem, como bem disse o cineasta Jean-Luc Godard, que um autor não tem direitos: tem deveres.

Idelber Avelar, em seu blog na Revista Fórum:

A coleção de leituras de um verdadeiro leitor não é nunca um jogo de soma zero: compras, cópias impressas, empréstimos e cópias digitais coexistem e se reforçam. Mas os patrimonialistas dos direitos autorais, cuja atuação não supõe a defesa dos autores, e sim a preservação de monopólios de intermediários, querem nos impor uma ordem de coisas dentro da qual fazer cópia de um livro é crime, xerocar um capítulo é crime, digitalizar um romance é crime. Se é assim, que fique claro: todos nós, leitores, somos criminosos. Não há um único que não seja.

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Por fim, um texto coletivo escrito pelos apoiadores e publicado no Caderno Prosa e Verso de O Globo do último sábado, 2 de junho, é um possível resumo argumentativo do porquê nós, defensores da cultura livre, somos contrários aos arroubos patrimonialistas de uma Indústria da Cultura que não quer se adaptar aos tempos atuais.
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Em defesa de uma biblioteca virtual 

Alexandre Nodari, Eduardo Sterzi, Eduardo Viveiros de Castro, Idelber Avelar, Pablo Ortellado, Ricardo Lísias e Veronica Stigger

A liberdade de expressão moderna é indissociável da invenção da imprensa, ou seja, da possibilidade de reproduzir mecanicamente discursos e imagens, fazendo-os circular e durar para além daquele que os concebeu. A própria formação da esfera pública, bem como do ambiente de debate científico e universitário, está umbilicalmente conectada à generalização do acesso aos bens culturais. Sem a disseminação da diversidade e do confronto de opiniões e de teorias, a liberdade de expressão perde seu sopro vital e se torna mero diálogo de surdos, quando não monólogo dos poderosos.

A internet eleva ao máximo o potencial democrático da circulação do pensamento. E coloca, no centro do debate contemporâneo, o conflito entre uma visão formal-patrimonialista e outra material-comunitária da liberdade de expressão. Tal cisão, bem real, pareceria manifestar-se no conflito entre direitos autorais e direito de acesso. Estes não são, porém, necessariamente antagônicos, pois o prestígio moral e econômico de um autor ou de uma obra está, em última análise, ligado à sua visibilidade. São incontáveis os exemplos de escritores e editoras que não só se tornaram mais conhecidos, como tiveram um incremento na venda de suas obras depois que estas apareceram para download. O público que baixa livros é o mesmo que os compra.

Assim, o verdadeiro conflito não é entre proprietários e piratas, mas entre monopolistas e difusionistas. A concepção monopolista-formal dos direitos autorais está embasada na ideia de que aquilo que confere valor à obra é a sua raridade, o seu difícil acesso; já a difusionista-democrática se ampara na inseparabilidade de publicidade e valor. A internet favorece a segunda concepção, uma vez que a existência física do objeto cultural que sustentava a primeira vai sendo substituída por sua transformação em entidade puramente informacional. Desse modo, também se produz uma transformação da natureza das bibliotecas. As novas bibliotecas virtuais se baseiam no armazenamento e na disseminação tais como as antigas bibliotecas materiais, mas oferecem uma mudança decisiva porque a estocagem depende da distribuição e não o contrário: é a difusão que garante o armazenamento descentralizado dos arquivos.

É uma biblioteca sem fins lucrativos e construída nesses moldes modernos e democráticos que se acha sob ameaça devido ao processo movido pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), sob o pretexto de infringir direitos autorais. O alto preço dos livros, o desaparelhamento das bibliotecas públicas e o encarecimento do xerox levaram um estudante universitário a disponibilizar online textos esgotados ou de difícil acesso para seus colegas. A iniciativa cresceu, atraiu a atenção de estudantes e professores de todo o país e se tornou a mais conhecida biblioteca virtual brasileira de textos acadêmicos, ganhando prestígio comparável ao site “Derrida en castellano”, que sofreu processo semelhante e foi absolvido nas cortes argentinas, como esperamos que o “livrosdehumanas.org” o será pela Justiça brasileira.

Os defensores da concepção patrimonialista dos direitos autorais costumam pintar cenários catastróficos em que a circulação irrestrita de obras gera esterilidade criativa. No entanto, ignoram, ou fingem ignorar, que os textos nascem sempre de outros textos e que o autor é, antes de tudo, um leitor. Hoje, lamentamos a destruição das grandes bibliotecas do passado, como a de Alexandria, e das riquezas que elas protegiam. Poupemo-nos de chorar um dia pela aniquilação das bibliotecas virtuais e pela cultura que elas podiam ter gerado.

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Atualização 5/6:

O professor José Luiz Fiorin, autor de um dos livros da Editora Conxtexto que estavam na lista dos livros “pirateados” pelo site,  informou a interlocutores do movimento em defesa do site Livros de Humanas que não sabia que ele e seu livro eram citados na documentação reunida pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos-ABDR.

Fiorin disse que não autorizou nenhuma ação jurídica em seu nome nem de seus livros. E  também afirmou ser contrário à ação da ABDR e a qualquer iniciativa que perturbe a difusão do conhecimento.

P.s: A propósito, aqui tem o acervo do Livros de Humanas no Pirate Bay, via torrent.

Crédito imagem: captura de sites e aqui (foto de abertura do post).
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Estamos Vencendo: resistência global no Brasil e no Mundo https://baixacultura.org/2012/02/02/estamos-vencendo-e-a-resistencia-global-no-planeta/ https://baixacultura.org/2012/02/02/estamos-vencendo-e-a-resistencia-global-no-planeta/#comments Thu, 02 Feb 2012 17:18:47 +0000 https://baixacultura.org/?p=5746

Bem antes de Charlie Shen adotar o lema “Winning” ou de Mark Zuckerberg pensar em criar o Facebook, um movimento profético se rebelava contra a falência de um sistema (financeiro, político) em pleno coração do capitalismo.

Este movimento – que no subterrâneo existe desde sempre, seja nas mãos dos anarquistas, do movimento estudantil ou dos punks, situacionistas e outras redes culturais – tomou de “assalto” as ruas da capital grunge, Seattle, em 30 de novembro de 1999, na reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), no que foi conhecido como a “Batalha de Seattle“.

Isso tudo tu já deve saber, pois explicamos brevemente neste texto. O que não falamos é que Seattle foi a ponta de lança de um movimento subversivo –  anticapitalismo, anti-globalização, ou o nome que se queira dar – que se espalhou pelo mundo nos anos seguintes. Especialmente no período de 2000 a 2003, cidades como Washington, nos EUA, Gênova, na Itália, Praga, na República Tcheca, Quebec no Canadá, e São Paulo, no Brasil, foram palco de manifestações contra as múltiplas facetas autoritárias/ maléficas que a $$, o preconceito e o individualismo podem trazer para a sociedade.

No Brasil, uma das melhores referências para entender o que aconteceu é o livro “Estamos Vencendo! – Resistência Global no Planeta“, de Pablo Ortellado e André Ryoki, publicado pela Conrad em 2004 na linda Coleção Baderna. Ele documenta, através das fotos do historiador Andre Ryoki, e reflete, com um texto do hoje professor da USP Pablo Ortellado, como se deram as manifestações “antiglobalização” em terras brasileiras, especialmente aquelas que ocorreram em São Paulo, Fortaleza, Belo Horizonte e Curitiba.

São as fotos do livro que tu encontra mais abaixo nesse post, colocadas em uma galeria do Picasa para facilitar a visualização. Clicando em cada foto, você é direcionado para o Picasa e poderá ver as fotos e as legendas originais que estão no livro.

Cartaz do Adbusters, que esteve em Seattle 1999 e Wall Street 2011

Qualquer semelhança de protestos no “coração” do sistema financeiro que foi (é) Occupy Wall Street não é mera coincidência. Como escrevemos anteriormente, existe (pelo menos) um elo que une estes dois momentos históricos: o Adbusters, revista/movimento anticonsumo com sede no Canadá, que esteve nas manifestações de Seattle em 1999 e convocou o Occupy Wall Street em 2011. [E que, em breve, vai ganhar mais destaque por aqui; aguarde].

Mas também há diferenças bem claras. Naomi Klein, escritora/ativista e autora de “No Logo” (traduzido aqui como “Sem Logo- A tirania das marcas em um planeta vendido“), livro essencial para entender o mundo hoje, fez um discurso no parque Zucotti, em Wall Street, em que ressaltou estas diferenças de alvo, tática e contexto – não sem antes afirmar que “amava” os manifestantes que ali acampavam. Publicamos o discurso na íntegra, em tradução do professor Idelber Avelar, e reproduzimos aqui os trechos em que ela traça o paralelo entre as diferenças entre os dois movimentos:

Em Seattle, em 1999, nós escolhemos as cúpulas como alvos: a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, o G-8. As cúpulas são transitórias por natureza, só duram uma semana. Isso fazia com que nós fôssemos transitórios também. Aparecíamos, éramos manchete no mundo todo, depois desaparecíamos. E na histeria hiper-patriótica e nacionalista que se seguiu aos ataques de 11 de setembro, foi fácil nos varrer completamente, pelo menos na América do Norte.

O Ocupar Wall Street, por outro lado, escolheu um alvo fixo. E vocês não estabeleceram nenhuma data final para sua presença aqui. Isso é sábio. Só quando permanecemos podemos assentar raízes. Isso é fundamental. É um fato da era da informação que muitos movimentos surgem como lindas flores e morrem rapidamente. E isso ocorre porque eles não têm raízes. Não têm planos de longo prazo para se sustentar. Quando vem a tempestade, eles são alagados.

Mas a grande diferença que uma década faz é que, em 1999, encarávamos o capitalismo no cume de um boom econômico alucinado. O desemprego era baixo, as ações subiam. A mídia estava bêbada com o dinheiro fácil. Naquela época, tudo era empreendimento, não fechamento.

Nós apontávamos que a desregulamentação por trás da loucura cobraria um preço. Que ela danificava os padrões laborais. Que ela danificava os padrões ambientais. Que as corporações eram mais fortes que os governos e que isso danificava nossas democracias. Mas, para ser honesta com vocês, enquanto os bons tempos estavam rolando, a luta contra um sistema econômico baseado na ganância era algo difícil de se vender, pelo menos nos países ricos.

Dez anos depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao redor do mundo.

Rodrigo Savazoni também lembra o discurso de Naomi e a relação Seattle 1999 Wall Street 2011 em um texto na revista Select deste bimestre (que entra no site na próxima semana), que também vale a leitura.

**

Como diz o texto de divulgação de “Estamos Vencendo!”, “as fotos destacam três dimensões constitutivas desse novo movimento: a ação direta das ruas, a criatividade auto-expressiva das manifestações e a constituição de um novo tipo de coletividade onde a massa homogênea é substituída pela diversidade individualizada da multidão“. A maioria delas estão aqui abaixo, gentilmente cedidas por André Ryoki, a quem agradecemos imensamente. [O livro está em Copyleft].

“Sobre a passagem de um grupo de pessoas por um breve período da história”, texto de Pablo Ortellado que abre o livro, contextualiza de forma interessantíssima o que ocorreu nas ruas brasileiras daquele início de década passada. Traz inicialmente uma breve explicação de onde e como surgiu o movimento antiglobalização no Brasil – “da convergência de outros dois movimentos que surgiram ou re-emergiram nos anos 1980, o movimento estudantil independente e autogestionário e o movimento anarquista propriamente dito”.

Estas duas vertentes, continua Pablo, “convergiram, mais ou menos casualmente, atraídas pelos fascinantes acontecimentos de Seattle. Mas o movimento, claro, não começou em Seattle, como dizia o slogan das manifestações contra a ALCA em 2001. De fato, Seattle foi a vitrine midiática de um movimento que pode ter muitas origens, mas que, na sua vertente radical, remonta à inspiração da revolta zapatista em 1994 e à articulação dos dias de ação global em 1998.” [Para um estudo aprofundado dessas origens, ler Aproximações ao movimento ‘antiglobalização’“, do próprio Pablo]

A partir dessa contextualização inicial, o doutor em filosofia e hoje professor da USP Ortellado propõe reflexões sobre o movimento em torno de sete eixos: autonomia, anticapitalismo, redes, liderança, auto-expressão, mídias e alternativas. São páginas que todo movimento de hoje deveria ler para se fortalecer enquanto movimento e, principalmente, para aprender com as experiências anteriores, já que o texto é bem sincero e crítico quanto as agruras e maravilhas de se estar num convívio com pessoas diferentes de forma horizontal.

Na parte que trata das redes, por exemplo, ele as diferencia conceitualmente de outras formas semelhantes de organização e aponta características dessa relativamente nova forma de se organizar que são as redes. Uma das características aqui abaixo:

“As redes não precisam se desfazer e refazer a cada oportunidade, elas podem simplesmente adquirir diferentes formatos e composições. Se num determinado momento, um grupo tem um desentendimento pontual, ele não precisa abandonar a rede, mas pode simplesmente não colaborar naquele ponto, da mesma forma que, em momentos específicos, a rede pode incorporar a colaboração extraordinária de novos agentes que se interessam apenas por uma ação específica. Isso significa apenas levar o velho princípio anarquista da livre-associação até a sua conseqüência lógica: a livre dissociação.”

Por questões de espaço (o texto de abertura tem 15 páginas!), não vamos publicar aqui a íntegra. Pela mesma questão de espaço, não publicamos também a cronologia que o livro faz dos acontecimentos da época. Mas todas estas partes que não são fotos e imagens do livro podem ser lidas, baixadas e compartilhadas neste link.

É uma referência histórica importante para entendermos o ativismo do intenso 2011 que passou e do transformador 2012 que está começando.

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DA NECESSIDADE DE CONTINUAR OCUPANDO AS RUAS

[Clique nas fotos para ver o restante da galeria.]

O31, 2002. No dia 31 de outubro de 2002, ministros dos países envolvidos com o projeto da ALCA reuniram-se em Quito, Equador, para mais uma rodada de negociações. Houve manifestações em todo o continente americano. Em São Paulo, os manifestantes organizaram uma passeata desde as escadarias da Casper Líbero na Av. Paulista até o Largo do Patriarca, no centro da cidade. No final do percurso houve distribuição de feijoada vegan para o pessoal que saía do trabalho.

 

SE EU NÃO PUDER DANÇAR, NÃO É MINHA REVOLUÇÃO

 

N9, 2001. Uma rápida parada durante o McLanche Feliz.


MULTIDÃO

J20, 2001


ANEXOS (documentos, panfletos e cartazes de algumas das manifestações que ocorreram no período)

Cartaz de estudantes da USP chamando ao I Fórum Social Mundial em Porto Alegre.

[Leonardo Foletto, Marcelo De Franceschi]

Crédito da imagem: 1 [we are winning] 2 [adbusters]
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Juremir Machado e os (finados?) direitos autorais na internet https://baixacultura.org/2011/05/02/juremir-machado-e-os-finados-direitos-autorais-na-internet/ https://baixacultura.org/2011/05/02/juremir-machado-e-os-finados-direitos-autorais-na-internet/#comments Mon, 02 May 2011 16:25:00 +0000 https://baixacultura.org/?p=4742

O jornalista, doutor em Sociologia, escritor, tradutor e professor da PUC-RS, Juremir Machado da Silva andou expressando suas dúvidas e descréditos quanto aos direitos autorais dos escritores na internet. As opiniões saltaram do twitter para dois posts em seu blog no jornal Correio do Povo, no qual é colunista. Nos textos “a lei de Gerson da internet” 1 e 2, ele basicamente refaz a pergunta que assola o mundo há muito tempo: e o dinheiro? onde está o dinheiro dos direitos autorais na rede? Ele existe, ou a internet está acabando com o direito autoral?

A seguir, começamos um diálogo com os textos de Juremir, a fim de entendermos suas ideias e, também, de colocar as nossas, além de buscar outras informações que complementam a discussão. Claro que não temos um pingo da sabedoria e da ironia de quem lida com mercado editorial há pelo menos 20 anos, mas bora lá.

Deve existir direito autoral?

Entrei numa briga ao lado de um amigo, o editor da Sulina. Luis Gomes ficou chocado quando viu livros inteiros do seu catálogo disponíveis num blog chamado, se não me engano, “livrosletrasUSP”. Reclamou.

O nome da USP foi tirado.

A editora Jorge Zahar, pelo jeito, também se queixou da disponibilização de livros de Bauman, autor em voga.

A pressão aumentou. O site foi tirado “do ar”.

Virou polêmica no twitter.

Como toda polêmica, segundo o ritual, com boas tiradas, muitas provocações, alguma grosseria e até humor.

A questão é esta: ainda é possível e legítimo ganhar dinheiro com livros?

Ou: como resolver o conflito complexo entre o ideal de acesso gratuito e universal ao conhecimento e o respeito ao trabalho alheio e aos investimentos em torno desse trabalho? O que deve prevalecer?

Parece que os donos do blog são alunos da USP preocupados com os preços altos dos livros e com a livre difusão do conhecimento. Faz sentido. Muito sentido.

Eu acredito que o modelo atual de produção e comercialização de livros está comprometido. Deve caminhar para a relação direta entre editoras e leitores. Ou entre autores e leitores (consumidores?)

As dúvidas sobre a “pirataria digital” são frequentes e merecem ser discutidas, principalmente alguém com uma grande influência como Juremir. Como já dito, ele evidencia: “A questão é esta: ainda é possível e legítimo ganhar dinheiro com livros?“. Legítimo e possível, sim. Mas é muito difícil viver dos direitos dos livros, como já comentamos. Sobre ganhar alguns trocados, que o diga o mestre Paulo Coelho, que se autopirateia faz tempo e nem por isso deixou de vender. Vamos abrir um parenteses e atentar para alguns detalhes da supralinkada notícia:

[Sem o livro impresso e munido da tradução para o russo, Coelho decidiu disponibilizá-la em seu site.
Coincidência ou não, as versões do livro em papel, quando reeditadas naquela língua, bateram 1 milhão de exemplares vendidos.

“Recebia muitos e-mails que faziam referência à edição pirata do site.” Entusiasmado, o escritor resolveu repetir a estratégia com outros livros em outras línguas colacionando links das obras dos sites troca de arquivos. “Criei o meu “Pirate Coelho!“]

Claro, Paulo Coelho é um escritor best-seller.  Por conta disso, é muito mais fácil fazer qualquer ação de marketing – mesmo que sem saber. Mas ele sacou (talvez à força ou sem querer, enfim) que existe alternativas de negócio na rede.

Continuando com Juremir, ele admite que o atual modelo de comercialização de livros está comprometido e que Deve caminhar para a relação direta entre editoras e leitores. Ou entre autores e leitores (consumidores?). É o já velho dogma que a internet trouxe sobre o fim da Indústria da Intermediação – que não temos como saber por enquanto se é só previsão furada ou de fato verdade.

Até se compreende que as potencialidades interativas do digital ainda não tenham sido experimentadas pela maioria das grandes editoras e escritores. O apego aos modelos antigos de comércio resulta em preguiça de inovar. E, talvez, os ganhos editorais ainda não sejam tão altos a ponto de fazer perder o medo na busca pelo diferente.

Paulo Coelho sacou, sem querer, que existem formas alternativas de negócio para na rede

*

Quanto a produção acadêmica financiada com recursos públicos, já defendemos que ela deve ser disponibilizada sempre gratuitamente.

A produção acadêmica em curso não precisa mais de editoras e distribuidores. Pode simplesmente ser colocada na rede. Por exemplo, nos sites de cada instituição.

Por que isso não ocorre? Por falta de hábito ou porque alguns autores buscam um prestígio ainda ligado a editoras convencionais ou a livros em papel?

Disso ele levanta a questão de como determinar a qualidade se for tudo liberado. Obviamente que o conteúdo tera que ser lido/consumido para a avaliação e cita dois tipos de quem poderia avaliar: “Alguns apostam em comissões de especialistas. Outros, no julgamento difuso da população, o chamado tribunal das reputações intelectuais. Será que uma comissão consegue julgar sem preconceitos ideológicos ou de outra natureza?”. E por que não os dois? E como assim uma “comissão” conseguiria julgar SEM ideologia? Existe algo “puro”, não atravessado por uma ideologia?

Estes tempos ultra-modernos tem nos mostrado que uma coisa não mata outra: a convivência de diversas opções/mídias/modelos de negócio/modos de viver é possível e desejável. Mesmo que o caos predomine no início, haverá uma nova uma forma de se trabalhar com ele de modo produtivo.

Continuando com Juremir:

São questões em aberto. Certo é que o conhecimento acadêmico, especialmente aquele produzido com verba pública, pode e deve ser disponibilizado na rede.

Isso significa o fim do direito autoral?

Lessig, como secretário de justiça dos EUA, abolindo os direitos autorais. Ficção possível?

Lembremos do post passado, onde no filme “Prometeus” surge a previsão de que Lawrence Lessig abolirá o direito autoral quando chegar a secretário de Justiça dos EUA, nos idos de 2020. E também do texto de Rick Falkvinge, do Partido Pirata da Suécia: “se a legislação não for modificara”, a próxima geração de políticos vai abolir de uma vez só o monopólio do Copyright. O quanto isso é ficção ou previsão certeira só o tempo dirá. Mas é fácil de imaginar que, quando a geração que nasceu com a internet estiver no “poder”, daqui a uns bons 20 a 30 anos, o copyright vai se modificar radicalmente.

O que fazer com quem publica livros, mesmo de ciências humanas, sem verba pública e espera ter retorno financeiro e até viver das suas publicações?

Se até os escritores de ficção raramente “vivem de literatura” que dirá os acadêmicos que só são lidos por um seletíssimo público no Brasil.

O que fazer com uma editora que comprou os direitos de publicação de um livro estrangeiro, pagou a tradução, a editoração e a impressão?

É correto e justo pegar esse livro e disponibilizar na rede para acesso gratuito? Isso não pode ser visto como apropriação de trabalho e de investimento alheios?

Por exemplo, um livro de Bauman.

Alguns alegam que disponibilizar na rede não afeta as vendas. Será? Qual a comprovação disso? Por que não?

Vejamos um exemplo não muito novo: a série Harry Potter. Em 2007, quando foi lançado o último livro da série inglesa, leitores/consumidores/fãs traduziram as 784 páginas em 10 dias, na ânsia de saber o fim da história. Mesmo assim, a editora Rocco não deixou de lançar a edição pela tradutora oficial, Lia Wyler. E duvidamos que tenha dado prejuízo.

Com um autor como Bauman, mundialmente conhecido e citado, não deve ser muito diferente. Até porque quem não puder comprar, vai xerocar o livro, como muito pesquisador/professor precisa fazer para trabalhar.

Outros sugerem que cada um deve ser livre para comprar os livros que achar interessantes e baixar os desinteressantes, de interesse passageiro ou de leitura escolar. Os “desinteressantes” não têm custo?

Autores medíocres ou “desinteressantes” não devem ser protegidos pela lei do direito autoral?

A lei francesa permite até a prisão de quem baixa arquivos na internet ilegalmente.

O Brasil deve ser mais flexível?

Não há nenhuma razão para o Brasil adotar a Lei Hadopi. Por que o Brasil deve continuar a se sujeitar e ser maria-vai-com-as-outras?  O Hadopi é uma lei radical que determina o corte da internet caso um usuário baixe conteúdo protegido pelo desatualizado copyright. Há até uma pesquisa, de franceses inclusive, dizendo que o esse tipo de lei pode ter um efeito reverso e aumentar a “pirataria”.

Eu sou a favor de mudanças na lei do direito autoral vigente no Brasil. Acho que o tempo para cair em domínio público deve baixar bastante. A parte do autor no preço de um livro deve ser sempre maior que a do editor. Atravessadores devem ser eliminados. Sonho com livros a R$ 1 real na internet. O trabalho intelectual tem preço. Livros esgotados devem ser copiados. Governos devem investir muito mais em bibliotecas. Isso deve conduzir ao fim do direito autoral? Ganhar com livros é ilícito?

Por que Chico Buarque não seria proprietário das suas canções? Por que ele não poderia viver da venda de gravações das suas músicas? Por que jogadores têm direito de imagem e intelectuais não seriam proprietários das suas ideias, boas ou ruins, brilhantes ou medíocres?

Depois dessas especulações, Juremir sugere uma operação “libertação dos livros”, em que estudantes comprariam direitos de livros estrangeiros ou obteriam a liberação de autores e editoras para liberar na rede.

Eu sou a favor de sites com livros integrais. Sugiro que jovens brilhantes ou não, com ajuda dos seus professores, mergulhem numa operação “libertação de livros”: comprem direitos de livros estrangeiros, ou obtenham a liberação com seus autores e editoras, façam as traduções e disponibilizem na rede. Poderiam começar por Habermas, cuja obra principal não tem tradução no Brasil.

Que tal usar o crowdfunding para isso? Financiar a compra dos direitos autorais de livros estrangeiros, a tradução e a disponibilização na rede? Alô, Catarse.

Agora, simplesmente pegar o que outros fizerem e disponibilizar parece uma apropriação indébita. É fácil ver o editor como o capitalismo selvagem sedento de lucros. Boa parte das editoras é pequena. Elas mal sobrevivem. Criam empregos. Gastam. Querem retorno.

Por que nossos bravos guris da USP não botam na rede inteiro o excelente catálogo da Cia. das Letras? Por que não a atacam por não favorecer essa operação? Será que não querem se queimar com uma editora charmosa e com prestígio? Querem ter a porta aberta para publicar lá?

Vai ver ainda não tiveram a oportunidade de escanear os livros da Cia. das Letras.

Essa questão tem várias pontas. Uma delas é o acesso ao conhecimento. Outra, a carência dos estudantes. São questões legítimas. Quem deve pagar a conta? As editoras? Os autores? É possível um modelo que contemple todos os envolvidos? A internet não é uma biblioteca qualquer. Parece mais uma livraria sem pagamento. O efeito é diferente. Por que não estão na rede, que eu saiba, em sites ou blogs comentados e divulgados, livros como “1808” e “1822”? Algumas editoras e autores são poupados?

Não haveria por trás disso uma ideologia anticapitalista radicalizada e contraditória pela qual o livro, em alguns casos, não pode ser mercadoria?

Uma busca rápida no google com as palavras “1808 download” achou 11.300.000 resultados. Algum deles deve estar funcionando, não?

Por que eu, mesmo medíocre, não poderia ser dono das minhas ideias e dos meus livros? Por que alguém poderia dispor deles para reprodução ilimitada sem me consultar?

Dado que a tecnologia permite reprodução ilimitada, devemos abrir mão da possibilidade de viver da venda de livros? De qualquer livro? Ou só de ciências humanas? Ou só de ciências humanas com financiamento público?

Cristovão Tezza acha que o livro em papel e digital vão conviver juntos

O livro ainda pode (e deve) ser vendido, tanto digital quanto fisicamente. Mas saiba que, com os preços abusivos atuais no Brasil, por exemplo, ele também será encontrado para baixar na internet. Mas há uma questão extra que, por enquanto, tem salvado os escritores, como disse o escritor babaca que não vende livro Cristovão Tezza nesta entrevista de 2009:

[Baixar um livro é infinitamente mais fácil que baixar um filme e mesmo uma música, mas a leitura digital de um texto longo no monitor é desconfortável – é isso, até aqui, que vem salvando os escritores. Com a chegada dos livros digitais, isso pode mudar. Até porque, parece que não há formato de arquivo, por mais exclusivo que seja, que não acabe convertido em outro de uso corrente.]

O despreparo das editoras é visível também nas livrarias online. Dois casos ilustram isso: o da versão do livro digital ser mais cara que a do livro impresso, e o de e-books com frete. Em 2009, a editora Plus alertou que o preço da versão digital do livro O Seminarista, de Ruben Fonseca, estava custando mais caro do que o da versão impressa em lojas virtuais indicadas pela Editora Ediouro. Pouco depois a Editora baixou o preço da versão digital (mas continuava caro). Outro empecilho para a venda de livros digitais é o prazo da entrega, ou seja, o frete dos bits. Em 2010, o Gizmodo mostrou a difícil compra do e-book “1822”, e que iria demorar quatro dias para chegar ao consumidor. Será que os clientes estão sem razão?

Todos os artistas que brigam por direitos autorais defendem direitos mercantis ilegítimos e repugnantes?

A lei não deve ser aplicada a estudantes e professores que defendem a universalização do saber?

Não cansemos de repetir: a lei está desatualizada.

São imbecis e fascistas todos aqueles que pretendem ganhar dinheiro com seus livros e que defendem o respeito a contratos firmados com editoras ou com gravadoras?

É moralmente superior pregar a apropriação do trabalho alheio, com todos os seus custos e expectativas, em nome de uma suposta universalização do conhecimento?

É lícito que alguém assine um contrato com uma editora, em busca de prestígio ou de dados para o seu currículo, sendo beneficiado por um investimento, e depois disponibilize o livro na rede pensando, ou até dizendo, “azar do editor, eu já consegui o que precisava”?

E-book de Chico Buarque mais caro do que a versão impressa. Prejuízo de quem? [clique para ampliar]

Se a relação custo/benefício da compra do livro impresso valer a pena, as pessoas vão comprar o livro. Entram aí diversas questões, como a qualidade da edição e o quanto (não) é cômodo ler este livro no computador.

Lendo algumas das mensagens dos garotos da USP, que me foram repassadas, simpatizei com eles: irônicos, espírito libertário, debochados, sarcásticos, discípulos, talvez de Guy Debord… Posso me permitir pensar que estão analisando parcialmente o problema?

Sinto-me tranquilo para falar: faço campanha permanente pela queda dos preços dos livros. Acho absurdo que um livro saia da gráfica por R$ 2 e seja vendido por R$ 40. Aposto na tecnologia para que isso seja mudado.

A melhor mudança é liquidar o direito autoral?

Liquidar? Talvez. Apropriá-lo para o meio digital seria a opção mais sensata.

Andei escrevendo Cossac em lugar de Cosac. Imaginei uma editora brasileira recente de autores soviéticos tardios. Uma editora fashion sustentada por banqueiros idealistas e comprometidos com a arte. Tudo bobagem da minha cabeça. Foi só um erro. Essa editora só me chama a atenção pelas capas duras e os livros feios e caros.

Sou preconceituoso, implicante, grosseiro, sem importância e maldito, o Bolsonaro do direito autoral.

Defendi a prisão dos copiadores de livros. Mas sem cela especial, pois, se bem entendi, eles ainda não se formaram. Já os professores…

Pirata que é pirata precisa rir de si mesmo.

Salvo se for algo mais simples, um pragmatismo libertário:se não gosto ou não acho importante, não pago, mas uso. Ou, se dá para copiar, por que pagar?

Afinal, o prejuízo é de outros mesmo.

O estopim para os textos de Juremir foi o caso do blog, já deletado (na imagem acima), LetrasUSp Download, que depois mudou para Livros de Humanas, e foi apagado, e agora está no twitter [Leiauma entrevista com o responsável]. Um novo modelo de negócio da produção intelectual escrita é preocupação não só aqui, mas no exterior há bastante tempo, como mostra essa matéria do The New York Times traduzida pelo Terra há dois anos. O cenário era quase o mesmo. Algumas editoras de lá empregam funcionários para rastrearem links que contenham obras protegidas, mas não adianta muito:

[“É uma caça interminável”, disse Russell Davis, autor e presidente da Escritores de Ficção Científica e Fantasia da América, uma associação comercial que ajuda escritores a perseguir piratas digitais. “Você acaba com um e outros cinco aparecem”.]

O texto termina com uma frase do escritor Cory Doctorow, que será tema de um próximo post aqui, defendendo as cópias digitais, pois elas atraem novos leitores: “”Realmente sinto que meu problema não é a pirataria”, Doctorow disse. “É a obscuridade”.

Terminemos o diálogo com Juremir com três exemplos/possibilidades. O primeiro vem de Robert Darnton, diretor da biblioteca de Harvard, que escreveu um texto chamado “Cinco mitos sobre a idade da informação“, que foi traduzido pelo Observatório da Imprensa. Lá no meio do texto, Darnton tenta acabar com a visão maniqueísta de “e-books contra livros”:

[Uma visão mais sutil recusaria a noção comum de que livros velhos e e-books ocupam os extremos opostos e antagônicos num espectro tecnológico. Devia-se pensar em livros velhos e e-books como aliados, e não como inimigos.]

O segundo trata de uma bem azeitada fala de Bob Stein, presidente do Institute for the Future of the Book, que veio ao Brasil ano passado, no Fórum da Cultura Digital 2010.

“O futuro do livro segue em duas direções. O livro impresso se transformará em um objeto de arte. Em outras palavras, pessoas abastadas poderão comprar lindas versões de livros impressos. Eles terão mais ilustrações e servirão como um souvenir. Já a maioria dos livros terá como padrão o formato digital. Você poderá imprimi-lo, se quiser, e a leitura se tornará muito mais social e dinâmica.

Oráculo de Palomas, o vidente juremiriano

E o terceiro é do próprio Juremir. Apocalíptico, o ácido profe/escritor/pensador/cronista usa seu “Oráculo de Palomas” – personagem inspirado em sua cidade preferida, Palomas, um vilarejo fictício baseado em uma vila perto de Santana do Livramento, terra de Juremir e cidade fronteiriça do RS com o Uruguai – para fazer algumas previsões sobre o futuro de toda essa discussão, via twitter.

_ A tecnologia vai acabar com o direito autoral, salvo se politicamente não se quiser. Isso vai acabar com as editoras.

_ O fim de editoras e livros em papel pode não ser tragédia. A tragédia, sem direito autoral, será o fim do escritor.

_ Músicos fazem shows. Escritores, sem direito autoral, viveram de quê? De palestras? E os que são ruins nisso? Fim.

_ Com o fim das editoras e dos direitos autorais, voltaremos ao dilentantismo e ao beletrismo. Os melhores desistirão.

_ O fim do direito autoral levará ao fim de editoras e autores. Ainda bem que tudo isso será suplantado pelo fim da escrita.

_ Com o fim da escrita, compreenderemos que Tiririca estava na vanguarda. O problema do analfabetismo estará enfim resolvido.

P.s: Pedimos sinceras desculpas ao mestre por reproduzir suas falas. Como bom defensor da propriedade e da privatização de seu próprio intelecto, da venda de tudo que sai dele, e da fiscalização e da cadeia para quem vender sem sua autorização, como andou dizendo estes tempos em seu twitter, Juremir está convidado a aparecer aqui neste espaço e reinvindicar seus centavos pelo nosso roubo de ideias. Grato. 

Crédito das imagens: 1, 2, 3 , 4.
 

[Marcelo De Franceschi. Leonardo Foletto]

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