Richard Barbrook – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Sat, 26 Feb 2022 14:46:24 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Richard Barbrook – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Estamos (re) lendo (2): Ideologia Californiana e Cypherpunks https://baixacultura.org/2022/02/26/estamos-re-lendo-2-a-ideologia-californiana-e-manifestos-cypherpunks/ https://baixacultura.org/2022/02/26/estamos-re-lendo-2-a-ideologia-californiana-e-manifestos-cypherpunks/#respond Sat, 26 Feb 2022 14:46:24 +0000 https://baixacultura.org/?p=13900

Enquanto o terceiro volume da coleção “Tecnopolítica”, coordenada pelo BaixaCultura e a Editora Monstro dos Mares, é editado, vamos lembrar a quem ainda não sabe dos outros dois.

A Ideologia Californiana”, de Richard Barbook e Andy Cameron, é o primeiro lançamento da “Tecnopolítica”. Escrito em 1995, é um ensaio que virou clássico nos estudos sobre a internet e suas implicações políticas, sociais e econômicas; nele, “Barbrook e Cameron definiam a tal ideologia como uma improvável mescla das atitudes boêmias e antiautoritárias da contracultura da costa oeste dos EUA com o utopismo tecnológico e o liberalismo econômico. Dessa mistura hippie com yuppie nasceria o espírito das empresas .com do Vale do Silício, que passaram a alimentar a ideia de que todos podem ser “hip and rich” – para isso basta acreditar em seu trabalho e ter fé que as novas tecnologias de informação vão emancipar o ser humano ampliando a liberdade de cada um e reduzir o poder do estado burocrático.”

Dois trechos:

“Em que seja por razões competitivas, todas as grandes economias industriais serão forçadas, mais cedo ou mais tarde, a conectar suas populações para obter os ganhos de produtividade do trabalho digital. O que é desconhecido é o impacto social e cultural de permitir às pessoas trocar quantidades quase ilimitadas de informação em uma escala global. Acima de tudo, o advento da hipermídia vai realizar as utopias da Nova Esquerda ou da Nova Direita? Como uma fé híbrida, a Ideologia Californiana alegremente responde a esta charada acreditando nas duas visões ao mesmo tempo – e não criticando nenhuma delas”

“Apesar do papel central desempenhado pela intervenção pública no desenvolvimento da hipermídia, os ideólogos californianos predicam um sermão anti-estatista de libertarianismo hi-tech: uma gororoba bizarra de anarquismo hippie e liberalismo econômico engrossada com montes de determinismo tecnológico. Em vez de compreender o capitalismo realmente existente, os gurus da Nova Esquerda e da Nova Direita preferem muito mais defender versões rivais de uma “democracia jeffersoniana” digital. Thomas Jefferson foi o homem que escreveu o inspirador chamado para a democracia e a liberdade na Declaração de Independência americana e – ao mesmo tempo – tinha como escravos cerca de 200 seres humanos”.

Os “Manifestos Cypherpunks” é a segunda publicação da coleção. É uma coletânea de textos escritos na época que a rede mundial dos computadores ainda engatinhava, entre o final dos anos 1980 até meados dos 1990, por pessoas que conheciam a fundo alguns aspectos dos aparatos técnicos que faziam funcionar a rede e queriam nos fazer ficar atentos a eles. Originários de uma vertente da cultura hacker mais afeita a ação política, em contraponto a outra mais ligada ao liberalismo empreendedor das startups do Vale do Silício, os cypherpunks tem suas ideias ainda muito presente hoje, principalmente em criptógrafos, programadores, ativistas e qualquer pessoa que acredita que a principal maneira de manter a privacidade na era da informação é com uma criptografia forte.

Um trecho do “Manifesto CriptoAnarquista”, de Tim C. May, 1992:

“Assim como a tecnologia da impressão alterou e reduziu o poder das guildas medievais e a estrutura do poder social, os protocolos criptográficos também vão alterar fundamentalmente a natureza das corporações e as interferências do governo nas transações econômicas. Combinado com mercados de informação emergentes, a criptoanarquia criará um mercado líquido, para todo e qualquer material que possa ser colocado em palavras e imagens. E assim, como uma invenção aparentemente insignificante como o arame farpado tornou possível o cercamento de vastas fazendas e territórios, alterando para sempre os conceitos de terra e direitos de propriedade na fronteira ocidental, também, a descoberta aparentemente menor de um ramo arcano da matemática se tornará o alicate que cortará o arame farpado em torno da propriedade intelectual”.

E outro do “Manifesto Cypherpunk”, de Eric Hughes, 1993, ambos presentes na edição:

“Devemos defender nossa própria privacidade se esperamos ter qualquer uma. Temos de nos unir e criar sistemas que permitam transações anônimas. As pessoas têm defendido sua própria privacidade por séculos com sussurros, escuridão, envelopes, portas fechadas, apertos de mão secretos e mensageiros. As tecnologias do passado não permitiam a privacidade forte, mas as tecnologias eletrônicas sim.”

Os dois tem bastante relação entre si e ajudam a entender muitas questões relacionadas a a internet que estamos vivendo hoje, como o poderio das big techs em nossas vidas, a importância da privacidade na rede e as formas de controle econômico do capitalismo hoje. Ambos estão disponíveis para download no BaixaCultura e para compra no site da Monstro dos Mares.

Baixar/compar “A Ideologia Californiana”
Baixar Comprar “Manifestos Cypherpunks”

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Tecnopolítica & Contracultura em Porto Alegre https://baixacultura.org/2019/09/30/tecnopolitica-contracultura-em-porto-alegre/ https://baixacultura.org/2019/09/30/tecnopolitica-contracultura-em-porto-alegre/#respond Mon, 30 Sep 2019 12:48:02 +0000 https://baixacultura.org/?p=13011

A terceira edição do curso”Tecnopolítica e Contracultura” chega a Porto Alegre em Outubro, no querido espaço da APPH (Associação de Pesquisas e Práticas em Humanidades), no centro da cidade. Serão três dias de intensas trocas sobre um pensamento tecnopolítico que atravessa os autonomistas italianos da década de 1970, passa pela explosão de criatividade (e otimismo) dos 1990, é alimentado pelas ideias e princípios hackers dos 1980, 1990 e 2000 e chega na encruzilhada do final desta década de 2010 buscando entender o que deu errado no mundo digital e o que pode (deve?) mudar para que possamos sair da “ressaca da internet” que tanto comentamos.

Atualizamos a bibliografia com novas leituras e organizamos melhor as referências do curso, que como os participantes das outras edições já sabem, disponibilizamos ao final (em PDF).

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Tecnopolítica e Contracultura: um passeio pelo pensamento de anarquistas, autonomistas, hackers e outros rebeldes
24, 25 e 26/10, na APPH, em Porto Alegre.
20 vagas. Inscrições aqui – Estudantes e apoiadores/as do BaixaCultura no Apoia.se ganham desconto.
Evento no Facebook.
Quer fazer o curso mas não tem como pagar agora? Nos escreva que conversamos: info@baixacultura.org
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Se nos anos 1990, com o casamento do digital com a internet, enxergávamos enormes possibilidades de libertação (da informação de grandes grupos midiáticos, de liberdade de falar o que bem quiser, de criar tecnologias e mundos novos), hoje parece que estamos a lidar com consequências nefastas, representadas em uma palavra na moda nestes tempos: distopia. Nos descuidamos – ou não conseguimos? – prestar atenção na ascensão de plataformas globais de tecnologia, que por sua vez construíram bolhas de informação que confirmam pontos de vista, espalham mentiras e criam realidades alternativas que em muitos casos não há informação comprovada que consiga mudar.

Como podemos compreender o contexto tecnopolítico hoje? Que caminhos podemos apontar para discutirmos e transformarmos a política que sempre está junto na construção de tecnologias? A proposta desse curso é buscar algumas respostas para estas perguntas olhando para o passado e o presente e passear por alguns pensamentos rebeldes sobre a tecnologia desenvolvidos na segunda metade do século XX até hoje. Começamos pelos autonomistas surgidos no ‘maio de 68’ italiano que durou mais de uma década, com foco especial em Antonio Negri, Franco “Bifo” Berardi, Paolo Virno e Mário Tronti. Passamos pela explosão de novidades da arte e do ativismo digital dos anos 1990, com Wu Ming, mídia tática, altermundistas, Critical Art Ensemble, zapatistas e autores como Pierre Levy, Manuel Castells, Bifo (novamente) e Richard Barbrook; continuamos com os hackers, “paranóicos visionários”, e seus princípios éticos de transparência, liberdade e autonomia com as tecnologias, a partir das ideias de Richard Stallman, Pekka Himanen, Sérgio Amadeu, Eric Raymond, César Rendueles, Aracele Torres, entre outres; e chegamos até hoje, com a ascensão das redes sociais como principais espaços de discussão pública nas redes digitais e o fim da internet como a conhecemos nos 1990 e 2000, no que chamamos de “ressaca da internet”, com autores como Jaron Lanier, Bifo (de novo!), Evgeny Morozov, Shoshana Zuboff, Jonathan Crary e Trebor Scholz.

Esta é terceira edição deste curso-experimento; a primeira foi realizada em 2/2019, em São Paulo, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc e a segunda em 6/2019 na UFSM, em Santa Maria-RS.

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Novo zine: A Ideologia Californiana https://baixacultura.org/2018/10/01/novo-zine-a-ideologia-californiana/ https://baixacultura.org/2018/10/01/novo-zine-a-ideologia-californiana/#respond Mon, 01 Oct 2018 16:54:27 +0000 https://baixacultura.org/?p=12578

“A Ideologia Californiana”, de Richard Barbook e Andy Cameron, é o nosso próximo lançamento em zine. Com introdução do editor do BaixaCultura, Leonardo Foletto, e tradução de Marcelo Träsel (professor de jornalismo da UFRGS), é uma parceria com a Editora Monstro dos Mares, que fez o projeto gráfico. Será o primeiro de uma coleção publicada em parceria chamada “tecnopolítica”, que busca trazer textos considerados clássicos e outros inéditos sobre a vasta discussão em torno da tecnologia e suas relações com a sociedade, a cultura e a comunicação.

Estamos combinando para novembro um primeiro lançamento do zine, com convidados e debate, em Porto Alegre, avisamos a data por aqui. Um trecho da introdução, remixada dessa postagem do site: “Barbrook e Cameron definiam a tal ideologia como uma improvável mescla das atitudes boêmias e antiautoritárias da contracultura da costa oeste dos EUA com o utopismo tecnológico e o liberalismo econômico. Dessa mistura hippie com yuppie nasceria o espírito das empresas .com do Vale do Silício, que passaram a alimentar a ideia de que todos podem ser “hip and rich” – para isso basta acreditar em seu trabalho e ter fé que as novas tecnologias de informação vão emancipar o ser humano ampliando a liberdade de cada um e reduzir o poder do estado burocrático.(…) A explosão da bolha especulativa das empresas de internet no final dos 1990 poderia ter servido como um alerta sobre onde esse pensamento poderia levar o planeta, mas a sedução da ideologia californiana persistiu e se espalhou com a ajuda do Google, Facebook, Apple, Amazon e vários outros dos gigantes do Silício que hoje fazem parte da nossa vida cotidiana. A ideia de um mundo pós-industrial baseada na economia do conhecimento, em que a digitalização das informações impulsionaria o crescimento e a criação de riqueza ao diminuir as estruturas de poder mais antigas em prol de indivíduos conectados em comunidades digitais, prosperou. E hoje, queiramos ou não, predomina na nossa sociedade digital.”

As fotos são de Tiago MX, da Monstro, também autor do projeto gráfico do site.

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Os 20 anos da ideologia californiana https://baixacultura.org/2015/10/29/os-20-anos-da-ideologia-californiana/ https://baixacultura.org/2015/10/29/os-20-anos-da-ideologia-californiana/#respond Thu, 29 Oct 2015 12:22:10 +0000 https://baixacultura.org/?p=10488 california

Em 1995, a internet comercial estreava no Brasil, Mark Zuckerberg ia a escola primária em White Plains (interior do Estado de Nova York, nos EUA) aos 11 anos, Larry Page e Sergey Brin se conheciam na pós-graduação em computação em Stanford (na California) e começavam a trabalhar na ideia do Page Rank que originaria o Google três anos depois, e Richard Barbrook e Andy Cameron, então membros do Hypermedia Research Centre of the University of Westminster, em Londres, publicavam um ensaio chamado “A Ideologia Californiana” na Mute Magazine, texto que logo circularia pela lista de emails Nettime e seria uma das primeiras críticas ao neoliberalismo agressivo do Vale do Silício.

No ensaio, Barbook e Cameron definiam a tal ideologia como uma improvável mescla das atitudes boêmias e anti-autoritárias da contracultura da costa oeste dos EUA com o utopismo tecnológico e o liberalismo econômico. Dessa mistura hippie com yuppie nasceria o espírito das empresas .com do Vale do Silício, que passaram a alimentar a ideia de que todos podem ser “hip and rich” –  para isso basta acreditar em seu trabalho e ter fé que as novas tecnologias de informação vão emancipar o ser humano ampliando a liberdade de cada um e reduzir o poder do estado burocrático.

Na época, a ideologia californiana era bem representada por empresas como a Apple e a revista Wired, e entusiasmava a todos que estavam por perto desse cenário – nerds de computadores, slackers, capitalistas inovadores, ativistas sociais, acadêmicos “da moda”, burocratas futuristas e políticos oportunistas, como escrevem os autores no ensaio. Também: como resistir a um coquetel que unia as premonições tecnológicas de McLuhan de uma aldeia global tecnológica com as potencialidades de emancipação individual a partir da digitalização do conhecimento?

A explosão da bolha especulativa das empresas de internet no final dos 1990 poderia ter servido como um alerta sobre onde esse pensamento poderia levar o planeta, mas a sedução da ideologia californiana persistiu e se espalhou com a ajuda do Google, Facebook, Apple e vários outros dos gigantes do Silício que hoje fazem parte da nossa vida cotidiana. A ideia de um mundo pós-industrial baseada na economia do conhecimento, em que a digitalização das informações impulsionaria o crescimento e a criação de riqueza ao diminuir as estruturas de poder mais antigas em prol de indivíduos conectados em comunidades digitais, prosperou. E hoje, queiramos ou não, predomina na nossa sociedade digital.

lovink cameron
Será então que, 20 anos depois, é possível dizer que a ideologia californiana “venceu”? Para discutir essa e outras questões é que Barbrook acaba de lançar, junto do Institute of Network Cultures, sediado na Holanda, o livro “The Internet Revolution: From Dot-com Capitalism to Cybernetica Communism“. Na introdução especialmente escrita para este 20º aniversário do ensaio, o autor inglês faz um balanço de como os “capitalistas hippies” mudaram o Vale do Silício (e o mundo) e de como sua ideologia, num mundo cada vez mais social e digital, ainda é um assunto relevante a se discutir. Como McLuhan tinha insistido, a provocação teórica cria compreensão política, explica o editor do livro e também teórico da mídia Geert Lovink

A visão do novo livro e do texto de 1995 não é favorável a ideologia californiana. Em dado momento do ensaio original, os autores relatam que o pensamento oriundo dessa ideologia é o de que as estruturas sociais, políticas e legais serão substituídas por interações autônomas entre pessoas e os softwares – e que o “grande governo” não deve atrapalhar os “empreendedores engenhosos” do mundo digital. O texto tem uma posição crítica a esta postura, dizendo que ela rejeita noções de comunidade e de progresso social e dá importância somente para uma posição guiada por um “fatalismo tecnológico e econômico”.

Barbrook e Cameron dizem que a construção exclusivamente privada e corporativo do ciberespaço poderia promover a fragmentação da sociedade estadunidense e a criação de mais desigualdade social e racial. Um trecho: “Os moradores de áreas pobres da cidade podem ser excluídos dos novos serviços online por falta de dinheiro. Em contraste, yuppies e seus filhos podem brincar de ser ciberpunks em um mundo virtual sem ter de encontrar qualquer de seus vizinhos empobrecidos”.

Anos depois, o documentarista Adam Curtis criticaria a ideologia californiana, que ainda é predominante no imaginário das empresas de tecnologia (não só do Vale do Silício), na parte 1 e 2 do documentário “Tudo Vigiado por Máquinas de Adorável Graça“. Ele traz para o debate a escritora russo-estadunidense Ayn Rand e sua filosofia objetivista, que influenciou a ideologia californiana (e muitos empresários do Vale do Silício) com a ideia de que os seres humanos se encontrariam sozinhos no universo e que deveriam se liberar de todas as formas de controle político e religioso, vivendo apenas guiados por seus desejos egoístas. O casamento entre a teoria de Ayn e a crença no poder das máquinas produziria a ilusão de uma sociedade que prescindia, entre outras coisas, de políticos e que se autogovernava e se autorregulava com a ajuda dos computadores. Alguém aí lembrou do anarcocapitalismo, que a própria Rand criticava?

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dilma_e_zuckerberg

A ideologia californiana (a ideia) está presente hoje como base filosófica para, por exemplo, ações de vigilância em massa como as da NSA. A internet é a ferramenta de controle dos sonhos, tudo é registrado e deixa rastro (que alguns apagam, mas a maioria não), um cenário perfeito para que orgãos de vigilância, em nome da segurança, e com a ajuda dos computadores, possam vasculhar a vida de todos. Está presente quando Zuckerberg fala de uma internet onde o padrão é ser sociável – de preferência sendo sociável numa ferramenta privada de um empresário do Vale do Silício, já que, afinal, toda tecnologia é neutra regula a si próprio melhor do que ninguém (aham). Está presente também quando os diretores dessas empresas, como o próprio Zuck, ganham status de chefe de estado em encontro de países e passam a prover “serviços” para a sociedade – como é o recente caso do Internet.org e seu objetivo de oferecer uma internet paralela e privada “gratuita” para lugares remotos.

Quando aqui falamos do “fim da privacidade”, citamos o diálogo fictício do livro “O Círculo”, de Dave Eggers, que também ilustra a aplicação prática – e extrema – da ideologia californiana hoje. Um mundo onde tudo deve ser compartilhado, em que a sonegar qualquer informação a outros pode ser encarado como “roubar o meu semelhante”, em que a vida privada é um roubo, é um mundo onde sistemas informáticos estão a organizar e governar a sociedade a partir de critérios supostamente objetivos. Alguém lembrou da pesquisa sobre manipulações de emoções realizada no Facebook?

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barbrook cameron

Barbrook e Cameron em 1995

O ensaio foi apontado à época por pessoas ligadas ao Vale do Silício como o trabalho de ‘esquerdistas’ , o que realmente é: Barbrook, em especial, é leitor de Marx, Hegel e escreveu um livro chamado Cybercomunism: How the americans are supersending capitalism in cyberspace. Lovink, na apresentação de “The Internet Revolution: From Dot-com Capitalism to Cybernetica Communism“, diz que A Ideologia Californiana é um dos primeiros textos de uma corrente de pensamento chamada de net-criticism, que pode ser posicionada na encruzilhada entre as artes visuais, movimentos sociais, cultura pop, e pesquisas acadêmicas, com intenção interdisciplinar de tanto interferir quanto contribuir para o desenvolvimento das novas mídias, como Lovink explica em “Dynamics of Critical Internet Culture 1994-2001“.

É uma corrente que se situa como uma terceira via, entre, de um lado, uma posição ligada a uma certa esquerda que critica a internet por ela ter seu desenvolvimento baseado numa expansão do domínio dos EUA em relação ao seu poder cultural e econômico. E, de outro lado, justamente o da ideologia californiana, que tem a internet como viabilização de um novo modelo de negócios e como realização de uma profecia indicativa da aldeia global congregada, como defende, entre outros, John Perry Barlow na conhecida “Declaração de Independência do Ciberespaço“.

A construção desta terceira via teria como função, segundo Lovink, “observar a maneira com que os desenvolvedores e as primeiras comunidades de usuários tentaram conquistar e então modelar o rápido crescimento e mutação do ambiente da internet, apoiando alguns dos valores libertários (anti-censura), mas criticando outros (populismo do mercado neoliberal)”. Ganhou força em meados dos 1990, no desenvolvimento da net-art, do hackativismo e dos festivais de mídia tática, inclusive no Brasil, e tinha (tem) como postura criar uma infraestrutura de rede independente de grandes empresas, além de proteger certas liberdades da internet e a privacidade.

O net-criciticism (talvez não com esse nome) ainda está presente hoje, por exemplo, na postura de Assange, dos criptopunks, de uma certa linha da cultura hacker européia e latino-americana e da filosofia original do software livre, por exemplo, que defendem “transparência para os fortes, privacidade para os fracos” e que se diferem de uma cultura hacker dos EUA que está a impulsionar a gentrificação do ethos hacker, como apontado no texto “The hacker hack”, de Brett Scott, publicado na revista Aeon (e traduzido aqui pro ptbr). No fundo, o debate contemporâneo Uber X taxistas não deixa de ser um embate das duas posturas criticadas por “A Ideologia Californiana”, mas esse é um assunto que pode ficar para outra postagem.

P.s: Marcelo Träsel traduziu o texto original de “A Ideologia Californiana” para o português faz alguns bons anos e ainda está disponível aqui.

Imagens: 1 (Mute Magazine), 2 (G1), 3 (wikipedia).

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A biblioteca rizomática de Ricardo Rosas https://baixacultura.org/2012/03/09/a-biblioteca-rizomatica-de-ricardo-rosas/ https://baixacultura.org/2012/03/09/a-biblioteca-rizomatica-de-ricardo-rosas/#comments Fri, 09 Mar 2012 15:28:40 +0000 https://baixacultura.org/?p=6375

Ricardo Rosas foi uma das figuras mais proeminentes do ciberativismo brasileiro pré-popularização das redes sociais. Em 2002, quando Mark Zuckerberg recém entrava em Harvard e o Twitter não era nem ideia, o cearense de Fortaleza criou o Rizoma.net, um site que, ao longo de sete anos de existência, abrigou o melhor acervo nacional de artigos sobre hackativismo, contracultura e intervenção urbana.

Em 2003, Rosas fincaria de vez sua importância na cultura digital brasileira ao ser um dos organizadores do Mídia Tática Brasil, histórico encontro inspirado no holandês Next5Minutes, realizado na Casa das Rosas e no SESC, em plena Av. Paulista, entre 13 e 16 de março, que reuniu Gilberto Gil, John Perry Barlow, Richard Barbrook, Peter Pál PebartGiuseppe Cocco, André Lemos, Beá Tibiriçá, Gilson Schwartz, Hernani Dimantas, Lucas Bambozzi, Suely Rolnik, dentre outras tantas figuras e coletivos interessantes e representantivos da cultura digital da época. Foi um dos primeiros encontros no país a aproximar artistas, hackers, aficcionados por tecnologia e ativistas políticos.

Capa do site do Mídia Tática 2003

Além disso, o Mídia tática de 2003 é considerado por muitos o berço das políticas de cultura digital no MinC brasileiro. Foi ali que, segundo conta Claudio Prado, ele e Gilberto Gil – que mediou a mesa de abertura com John Perry Barlow, Richard Barbrook, Danilo Santos de Miranda (diretor regional do SESC), Beá Tibiriçá (na época, coordenadora do Governo Eletrônica da Prefeitura de SP) e Ricardo Rosas – tiveram o primeiro papo acertando os pontos para o trabalho com cultura digital no mistério. Gil já estava antenado no assunto, muito alimentado pelo antropólogo Hermano Vianna.

A mesa de abertura do Mídia Tática foi uma faísca só. Dizem aqueles que lá estiveram que foi um momento histórico: Barbrook,  professor da universidade de Westminster nos EUA (e que é comunista) detonou Barlow, vice-presidente da Electronic Freedom Foundation (e que já foi do partido Republicano); ambos tinham (ainda tem?) visões diferentes de mundo e, também, de cultura digital.

[Para os que ficaram curiosos, os arquivos desse debate podem ser baixados, parte 1 e parte 2; agradeço ao Felipe Fonseca pelos links].

A partir do Mídia Tática, Claudio Prado encontraria José Murilo Jr,  que ate hoje é o coordenador de cultura digital do MinC, Uirá Porã, Sérgio Amadeu e outras figuras que seriam alguma das principais responsáveis por colocar na cabeça do governo, via Gil, os conceitos de software livre, inclusão digital e copyleft – ideias que, hoje, sabemos que andam amplamente esquecidas pela ministra Ana de Hollanda.

Capa de Anarquitextura, do Rizoma

Ricardo faleceu em 11 de abril de 2007, em sua cidade natal, Fortaleza, por problemas de saúde. A relevância de seu trabalho também fez com que fosse homenageado em Fortaleza dando nome ao prêmio de arte e cultura digital da cidade.

De 2002 a 2009, o Rizoma.net abrigou um acervo significativo de artigos, traduções, entrevistas sobre hackativismo, contracultura e intervenção urbana. Parte desse acervo saiu do ar com o site, mas foi recuperado pelo coletivo CCR (Centro de Criação de Ruídos), que se dispôs a editorar em PDF os textos das seções do site. Num esforço conjunto com o Vírgula-imagem e com Jesus – assim se identificou o voluntário que enviou as últimas contribuições por email, segundo conta a Select – criou-se uma página onde estão disponíveis todos os PDFs e links.

Tem muita coisa boa. São 18 PDFs disponibilizados para download e visualização no Issuu, em edições intituladas “Neuropolítica“, “Lisergia Visual“, “Hierografia“, “Desbunde“, “Anarquitextura“, “Recombinação“, dentre outros. Todos são documentos importantes da contracultura, digital ou não, brasileira, e interessarão muito aos curiosos sobre o assunto.

Capa de "Recombinação"

Para se ater aquele tema que gostamos mais de falar por aqui, destacamos a edição sobre “Recombinação“. São 153 páginas de artigos, entrevistas e traduções em 37 textos que todos, sem excessão, poderiam ser abordados em posts diferentes por aqui. Tem Critical Art Ensemble com “Plágio Utópico, Hipertextualidade e Produção Cultural Eletrônica“, que re-plagiamos nos posts “Revalorizar o Plágio na Criação“; “Copyright e Maremoto“, dos italianos do Wu Ming, ambos textos do coletivo Baderna.org, que organizou a maravilhosa coleção Baderna da Conrad.

Brasil?  Tem “Manifesto da Poesia Sampler“, do Círculo de Poetas Sampler de São Paulo. “Por que somos contra a propriedade intelectual“, de Pablo Ortellado; “O que é arte xerox“, de Hugo Pontes”. “Entrevista o coletivo Re:Combo“, por Giselle Beiguelman. “A Cultura da Reciclagem“, por Marcus Bastos.

Traduções de textos clássicos? Tem “Montagem“, de Sergei Einsenstein. “Um Guia para o usuário do Detournament“, de Gil Wolman e Guy Debord (que já comentamos por aqui). “O método do cut-up“, de William Burroughs.

E muito mais coisas legais, que não vamos citar mais para não ficar cansativo. Melhor: vamos, nos próximos meses, republicar algum desses textos, com uma apresentação e/ou ensaio crítico – ou, caso precise, de alguma atualização. É uma forma de divulgá-los mais amplamente e, também, homenagear o belo legado que o Rizoma e Ricardo Rosas deixaram.

Capa de "Afrofuturismo", do Rizoma

Pra encerrar este post, vai uma compilação de textos que Rosas deixou, organizado por Marcelo Terça-Nada, do Vírgula-Imagem:

 Táticas de Aglomeração – Publicação do Reverberações 2006
Gambiarra: alguns pontos para se pensar uma tecnologia recombinante (PDF) – Caderno VideoBrasil
Nome: coletivos | Senha: colaboração – FILE / Sabotagem
Notas sobre o coletivismo artístico no Brasi – Trópico/UOL
Hibridismo Coletivo no Brasil: Transversalidade ou Cooptação? – Fórum Permanente/Fapesp
Alguns comentários sobre Arte e Política – Canal Contemporâneo
Hacklabs, do digital ao analógico (tradução) – Suburbia
The Revenge of Lowtech : Autolabs, Telecentros and Tactical Media in Sao Paulo (PDF) – Sarai.net

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A Banda Larga e o Cibercomunismo https://baixacultura.org/2011/06/29/a-banda-larga-e-o-cibercomunismo/ https://baixacultura.org/2011/06/29/a-banda-larga-e-o-cibercomunismo/#comments Wed, 29 Jun 2011 18:08:28 +0000 https://baixacultura.org/?p=5017

Milhares de microblogueiros levantaram cartazes escritos #minhainternetcaiu  na timeline do Twitter no dia 21 de junho, fazendo um ‘tuitaço’ reclamatório dos serviços de banda larga e assim alcançando o 1º lugar nos TT’s. A ação foi promovida pela Campanha Banda Larga é um direito seu!, coordenada pelo Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) e pelo Coletivo Intervozes, junto a mais de 90 instituições organizadas desde 25 de abril. O Ministro das Comunicações Paulo Bernardo, ao saber do protesto, achou que os usuários estavam de brincadeira:  “Você acha que vou ficar perdendo o meu tempo? Deixe as pessoas se divertirem”. Mas o assunto é bem sério.

O Manifesto da campanha contém “princípios que devem balizar as ações do Executivo e do Legislativo, sejam elas de regulamentação, regulação ou de políticas públicas para o setor”. Estes princípios são basicamente cinco: 1) efetiva participação da sociedade civil no processo de inclusão digital, 2) prestação da banda larga sob regime público, 3) gestão pública das redes para garantir igualdade entre provedores e o ingresso sustentável de novos agentes, 4) ampliação da definição de parâmetros de qualidade da banda larga, e 5) apoio à cultura digital.

Ou seja, mais do que reclamar dos serviços – sendo isso um mote para atrair um público novo para o debate – a campanha também busca reclamar do posicionamento político do governo em relação a regulação na Banda Larga.  Segundo o manifesto “o governo federal abriu mão de ter um Plano. Estabeleceu metas genéricas e modestas e negocia no varejo com as empresas de telecomunicações, que respondem com propostas de venda casada”. De fato, em finais de 2009 o Plano Nacional para Banda Larga era assim chamado, enquanto a partir de 2010 passou a ser denominado Programa Nacional de Banda Larga. Meio parecido com o que houve com a Reforma/Revisão da Lei dos Direitos Autorais, né?

Nomenclaturas a parte, a velocidade da conexão e valor cobrado também são  críticas comuns ao Plano/Programa.  O número será de 1 Megabit por segundo, o que não poderia ser considerado acesso ‘rápido’. Segundo uma pesquisa da Nielsen, seria classificado como médio, pois varia de 512 Kbps a 2 Mbps – segundo a mesma pesquisa, uma internet rápida seria de 2 Mbps a 8 Mbps. E esses 1 Mbps custarão 35 R$ ao mês (ou R$ 29, caso os governos estaduais abram mão da cobrança do ICMS), como pode ficar acordado com as companhias de telefonia fixa (as ‘teles’) concessionárias do Serviço Telefônico Fixo Comutado – no caso CTBC, Oi, Sercomtel e Telefônica.

Mapa dos pontos da rede da Telebras

Nos lugares onde for inviável disponibilizar internet fixa, as teles dizem que vão oferecer internet móvel, conforme disse o próprio Ministro das Comunicações, principal articulador das obscuras negociações. As empresas ainda querem a folga de não sofrer sanções, se não cumprirem os termos do plano. De acordo com “um executivo das concessionárias” o governo não vai colocar dinheiro. Como não, se será a estatal Telebrás que vai construir/reformar todas as fibras ópticas para a execução do serviço? É por essas e outras que as teles fazem jus a algumas delas estarem no topo do ranking de reclamações da Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) de São Paulo, e no topo de reclamações do Twitter.

Essa pressão por preços e serviços justos de banda larga é essencial para o que o professor de hipermídia Richard Barbrook, chama de Cibercomunismo. Docente da Faculdade de Ciências Sociais, Humanidades e Letras da Universidade de Westminster, Barbrook escreveu em seu artigo A Ideologia Californiana, de 1995, que “a construção de uma rede de fibra ótica em lares e escritórios poderiam dar a todos acesso a novos serviços on-line e criar uma grande e vibrante comunidade de troca de conhecimentos”. Que tal investimento facilitaria o comércio de novos produtos, que asseguraria a todos o acesso a informações, e que fortaleceria a mídia comunitária e diversos outros grupos de interesse.

Mas para isso acontecer, uma intervenção coletiva seria necessária, garantindo que todos os cidadãos fossem incluídos. Caso não fossem, poderia continuar a existir uma “classe virtual” egoísta e privilegiada, ignorante quanto as regulações do Estado: “Empreendedores capitalistas frequentemente têm um senso inchado de sua própria capacidade de desenvolver novas idéias e dão pouco reconhecimento às contribuições feitas pelo Estado, à sua própria mão-de-obra ou à comunidade em geral“. Contra a ganância dos integrantes dessa classe, um tipo de economia mista de Estado, corporativas e faça-você-mesmo deveria ser desenvolvida. “Decisivamente, se o estado puder fomentar o desenvolvimento da hipermídia, ações conscientes poderiam também ser tomadas para evitar o surgimento do apartheid social entre os ‘ricos de informação’ e os ‘pobres de informação'”.

Em 1999, no artigo Cibercomunismo, Barbrook seguiu a combater os empreendedores, dessa vez os digerati, e a ressaltar a ação do Estado como mantenedor da economia da dádiva, do compartilhamento, na internet. O maior exemplo disso foi a utilização da internet pelos cientistas das universidades,  que decidiram que toda a informação deveria ser distribuída livremente. Esse pensamento eclipsou os direitos autorais, com a circulação de presentes entre os usuários da rede. “Enquanto a mercadoria moderna impôs a hierarquia e o utilitarismo, o presente primitivo encorajou a igualdade e o hedonismo”.

E uma das condições para existir essa igualdade de informações é a internet  banda larga ser acessível a todos, com qualidade, como disse a advogada do Idec, Veridiana Alimonti: “Nós entendemos a internet como um serviço fundamental, tanto por tratar de direitos essenciais como o direito à comunicação, direito à cultura, direito à participação política etc., como, também, porque diz respeito à inclusão digital e tem relação direta com o crescimento econômico do país”. A internet é mesmo um direito humano, segundo a ONU afirmou em um relatório de junho.

A bola agora fica com o Estado, que deverá estrear o serviço pela Telebrás em julho.

Crédito das imagens: 1,2.

[Marcelo De Franceschi]

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