Luis Eduardo Tavares – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Thu, 31 May 2012 17:46:01 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Luis Eduardo Tavares – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Copylove: Procomún, Amor e Remix na Espanha https://baixacultura.org/2012/05/31/copylove-procomun-amor-e-remix-na-espanha/ https://baixacultura.org/2012/05/31/copylove-procomun-amor-e-remix-na-espanha/#comments Thu, 31 May 2012 17:46:01 +0000 https://baixacultura.org/?p=6694

A Espanha tem se tornado um dos países onde mais se tem experimentado com cultura digital neste mundão afora. A dita crise econômica do país tem servido como estímulo na busca de experimentação de novas formas de vida & arte & política- e estão aí o movimento do 15M, a ideia das cidades copyleft e o slogan “Não nos representa” para corroborar tudo isso.

O parceiro Luis Eduardo Tavares, que já escreveu um texto aqui e está fazendo uma pesquisa em Sevilla sobre participação cidadã no contexto da cultura digital, volta a aparecer por aqui para falar do Festival Copylove: procomún, amor y remezcla (o nome que se dá em espanhol ao remix – ou a remistura, como os portugueses chamam).

Luís escreveu um relato pessoal e cheio de informações sobre o Copylove no blog Participação Digital, que tem acompanhado sua pesquisa na Universidade de Sevilla. Achamos muito interessante a ideia do festival e o relato do Luís e, por conta disso, republicamos aqui o seu texto, certo de que ele é muito representativo de que já não estamos falando de offline em oposição ao online, virtual/real, físico/espiritual, material/digital, mas de um único e mesmo mundo onde tudo se encontra e se remezcla.

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Um relato sobre o 14º Festival Zemos98

Luis Eduardo Tavares

Entre os dias 11 e 15 de abril de 2012, foi realizado na cidade de Sevilha o 14º Festival Zemos98, um importante festival de cultura digital da Espanha, com o tema Copylove: Procomún, Amor y Remezcla. Muitas informações sobre o festival e de cada evento da programação podem ser obtidas diretamente na página da organização, o texto que segue abaixo é um relato pessoal, com impressões subjetivas da experiência que vivenciei durante o evento, onde se sobressai um certo olhar estrangeiro de quem está habituado com a cultura digital brasileira e atina para outras possibilidades de tratamento do assunto.

Desde que cheguei na Espanha em setembro de 2011 para desenvolver uma pesquisa sobre a participação cidadã no contexto da cultura digital na Universidade de Sevilha, estava ansioso para conhecer as formas específicas que os espanhóis lidam com a cultura digital e tentar identificar semelhanças e diferenças com o jeito brasileiro. Estava ansioso, sobretudo, pois a Espanha havia gerado o fenômeno tecnopolítico 15M, a maior experiência, até então, de formação de uma inteligência coletiva de contrapoder a partir da comunicação digital em rede e, portanto, sabia que encontraria materiais muito valiosos para minha pesquisa.

Me deparei com o Festival Zemos98 lendo um artigo na sessão de tecnologia do El País que mencionava um já tradicional festival de cultura digital que ocorre anualmente em Sevilha. Descobri, então, que ele ocorreria dentro de alguns meses e que seria sua 14ª edição. Este festival que leva o nome do grupo que o realiza, Zemos98, teve sua primeira edição em 1999 e desde então vem explorando diversas linguagens e cambiando de formatos, mas sempre tendo como eixo principal o audiovisual e as ferramentas digitais, sendo aí um precursor.

As primeiras informações divulgadas da edição de 2012 apresentavam uma temática instigante, o título Copylove: Procomún, Amor y Remezcla, de pronto, nos faz pensar. Para mim, ele já resgatava para a vida cotidiana, práticas e conceitos comumente debatidos de maneira exclusiva e reduzida no âmbito tecnológico e de mercado, os quais não percebemos ou esquecemos que estão presente nas dinâmicas culturais mais rotineiras. A palavra-conceito Copylove, ao ligar estes dois elementos, a cópia e o amor, revela uma relação quase que intrínseca entre ambos. Existe de fato um sentimento de afeto subjacente ao impulso de copiar algo, tanto quando se trata de um usufruto individual, como quando se trata de compartilhamento ou de ressignificação. E isso não se refere estritamente à obras como músicas, livros, fotos ou filmes, mas a qualquer e diverso elemento cultural, como gestos, expressões, vestimentas, códigos de ética ou configurações organizativas.

Procomún, um termo bastante utilizado pelos atuais movimentos culturais na Espanha, trata da noção dos comuns, bens de propriedade coletiva e gestão comunitária, cuja configuração questiona radicalmente as formas econômicas e politicas dominantes. A ideia de Amor, aqui apresentada, não está relacionada ao amor romântico e tampouco sexual, mas o entende enquanto afetos, cuidados, reciprocidade, confiança, elementos fundamentais na manutenção de uma comunidade e na gestão coletiva de seus bens. E a Remezcla (ou remix), por sua vez, complementa estes conceitos denotando uma prática de liberdade dos agentes comunitários no acesso aos comuns e participação nos seus significados.

Este tema foi alcançado a partir de um diálogo ampliado da organização do Zemos98 com diversos coletivos parceiros de diferentes localidades da Espanha que ajudaram a construir o festival. E, ao propor este tema, o apresentava como um conceito aberto em que o próprio objetivo do festival era tentar significá-lo sem, contudo, pretender esgotar suas possibilidades. Para tanto, o desenho do festival fora projetado para propiciar esta construção coletiva, envolvendo artistas e público.

Destaca-se, nesse sentido, dentre uma programação de performances artísticas que mesclavam diversas linguagens e exibições audiovisuais, as atividades do Código Fonte Audiovisual – uma performance individual em que o artista, desafiado pela temática do festival, realizava uma reflexão, por meio de um remix audiovisual comentado – e as Residências Copylove – como uma oficina ou (co)laboratório, definida pela organização como “um espaço/tempo de trabalho, convivência e compartilhamento de ideias e metodologias visando conformar uma compreensão sobre os comuns no dia a dia”. As residências eram abertas ao público que podia inscrever-se pelo site até completarem-se as vagas.

Não pude participar de toda a programação do festival, já que rivalizaram com outros compromissos, então vou destacar os eventos em que estive presente, a começar pelas Residências Copylove. A programação completa do festival pode ser acessada aqui.

Foram três fases de residências. A primeira, realizada entre 22 e 25 de fevereiro, objetivava um re-conhecimento mútuo e a construção de uma ontologia do conceito de copylove, a partir de sua identificação com experiências concretas dos participantes. A segunda, entre 13 e 17 de março, procurou gerar um dispositivo gráfico desta ontologia, um diagrama de conceitos e práticas relacionados ao copylove que foi chamado de constelação, galáxia ou mapa. E a terceira, durante a celebração do festival, entre 11 e 15 de abril, teve o objetivo de socializar a ontologia e aprofundar criticamente seus principais pontos.

O formato das residências era de um grupo de aproximadamente vinte pessoas entre organização e público, ambos como participantes. O staff contava com a equipe do Zemos98 em sinergia com  o coletivo Colaborabora de Bilbao e Rubén Martínez de Barcelona. Minha participação nas residências circunscreveu-se à terceira fase e felizmente pude contar com os bons registros dos trabalhos anteriores no site do festival para poder pegar o bonde andando.

Compareci na manhã do dia 11 no Centro de las Artes de Sevilla (CAS), onde aconteciam grande parte da programação do festival, as residências na parte da manha e outros eventos na parte da tarde e na noite. Os trabalhos começaram com a apresentação da ontologia do copylove que havia sido traduzida graficamente em uma constelação e reproduzida no chão do salão em que ocorria o evento, numa escala que ocupava boa parte do espaço. Nesta constelação destacavam-se palavras como Hamor (escrito assim para diferenciar-se do significado de amor que estamos acostumados) e Cuidadania (combinação de cidadania e cuidado), além de Leviatã, Comunidade, Afeto, Vulnerabilidade, Rua, Corpo, Memória, entre outras.

No primeiro dia, trabalhamos com frases saídas da ontologia como “o leviatã apaga afetos que criam cuidadania”, “o código comum move ações que fazem sustentável a vida”, “as comunidades estão formadas por relações entre o pessoal, o comunitário e o comum” e as representamos por meio de expressão corporal, narrativa em quadrinhos e a confecção de um boneco vudu.

Nos dias seguintes, alguns convidados conduziram os trabalhos, cada qual explorando um elemento da ontologia do copylove. Dia 12, Marta Malo e Debora Ávila do Ferrocarril Clandestino, uma rede de apoio a imigrantes, trabalharam a questão dos afetos, porém também não foi possível para mm estar presente neste dia.

No dia 13, Mabel Cañadas, da ecoaldeia Lakabe, uma comunidade rural autogestionária e autossustentável constituída no norte de Navarra à 32 anos por pessoas ligadas à movimentos feministas, teceu diversas problematizações acerca de comunidades e grupos. Dia 14, o artista multimídia Guillermo Zapata de projetos como Patio Maravillas finalizou as residências, enfocando a memória para trabalhar os códigos comuns. Interessante o exercício proposto por Guillermo de hackear códigos comuns, tais como pequenos rituais coletivos que regulamentam nossas formas de organização.

Importante salientar as ideias feministas presentes na significação do copylove, conforme representadas por diversos coletivos durante o festival, sobretudo, a proposta de Cuidadania ou direito à cuidados coletivos como substrato de uma vida comunitária sustentável. Diversas outras práticas que sustentam comunidades como a confiança, amizade, humor e tantas outras foram entendidas como prócomuns invisíveis, uma grande sacada para compreendermos o quanto nossas vidas sempre estiveram atravessadas pelos comuns.

Outra atividade de destaque no festival foram os dois eventos do Código Fonte Audiovisual, nos dias 13 e 14 de abril. O formato deste evento é anterior a esta edição do festival, em 2011 houve uma performance realizada pelo hacker da cultura pop Jonathan Mcintosh, da Rebellious Pixels. Neste ano, os artistas convidados foram Saioa Olmo e Guillermo Zapata.

Saioa é uma artista basca versada em dinâmicas participativas, desafiada pela temática do copylove desenvolveu uma apresentação chamada de Cooperamor construindo seu discurso a partir de cenas de filmes os mais variados, de clássicos à pastelões. Para mim, ficou marcado a cena do filme A Testemunha (1985) de Peter Weir, com Harrison Ford, de um mutirão mórmom de construção de uma casa. A cena eu me lembrava de tê-la visto há muito tempo atrás, mas o interessante foi relacioná-la ao contexto do trabalho colaborativo, assim como a presença da comunidade no âmbito dos debates que realizamos nas residências. Guillermo Zapata denominou sua apresentação de Prócomun, ao qual dedicou sua performance.

O que mais me marcou na sua performance foi a utilização de cenas de filmes de Robin Hood, apresentando o modo de vida pró-comunal e autossustentável na floresta de Sherwood (ou Sharewood), e de uma cena do final do filme Espártaco (1960) de Stanley Kubrick, comparando seu exército ao Anonymous, quando todos seus integrantes declaram ser Espártaco para o Imperador de Roma.

Por fim, gostaria também de destacar dois outros eventos que estive presente no dia 14. Primeiro as exibições do Political Remix Video, uma seleção de alguns remix politicos entre 130 inscritos na convocatória feita pelo festival. Na ocasião da convocatória, a organização lançou as seguintes perguntas: “pode ser o remix uma nova forma de documentário?”, “como vamos aceder a nossa memória se já está remixada?”, “estão adotando os próprios meios o remix como estética do real?”.

E, por último, o show no Teatro Alameda da Fundación Robo, um coletivo de artistas que se formou no calor dos protestos do 15M e que funciona como uma plataforma aberta em que as criações musicais são de autoria diluída. Participam diversos grupos e artistas com diferentes propostas musicais, mas tendo em comum suas letras políticas, espelho das demandas sociais desta geração que reinventou a ação coletiva.

O festival proporcionou ricas reflexões sobre a prática de uma cultura livre ampliada para além do mundo tecnológico e sem dicotomias entre o digital e o analógico. De fato, as experiências na rede remodelam nossas práticas sociais, muitas vezes reativando consciências diluídas na fragmentação da sociedade industrial. Estar enredado e interconectado aos demais desperta a consciência de pertencimento e interdependência, cujo equilíbrio depende de afetos e cuidados mútuos, algo que faz ressonância com o paradigma ecológico. Não se trata mais de separar o virtual e o físico, o espiritual e o material, o digital e o analógico, mas de pensá-los de maneira integrada.
Mais fotos:

P.s: O site está assim, de layout “novo”, porque na verdade estamos reformando algumas coisas. Semana que vem, no mais tardar a outra, voltamos com um novo BaixaCultura.
Créditos Fotos: Flickr Zemos98
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A batalha entre propriedade intelectual e cultura livre https://baixacultura.org/2011/02/24/a-batalha-entre-propriedade-intelectual-e-cultura-livre/ https://baixacultura.org/2011/02/24/a-batalha-entre-propriedade-intelectual-e-cultura-livre/#comments Thu, 24 Feb 2011 14:08:06 +0000 https://baixacultura.org/?p=4440 

Depois de duas monografias, a primeira dissertação da nossa biblioteca foi colocada hoje. Trata-se de “Distúrbios da Era Informacional: os conflitos entre a propriedade intelectual e a cultura livre”, do sociólogo e mestre em ciências sociais pela PUC-SP Luis Eduardo Tavares, nascido e criado paulistano.

Como o título prenuncia, a pesquisa faz um balanço de atores (Free Software Foundation, Pirate Bay, Partido Pirata) e conceitos (cultura digital, commons, mídia tática, ética hacker, capitalismo informacional) da cultura livre atual e destaca a grande batalha dos nossos tempos que dá título à esse post.

Assim como nas monografias anteriores, convidamos o responsável pela pesquisa – no caso, Luís – para escrever sobre sua dissertação, e é esse texto que tu vai ler abaixo. Agradecemos a contribuição do sociólogo, que não satisfeito em falar sobre sua pesquisa fez uma interessente contextualização do seu tema de pesquisa com a atualidade desse 2011 já movimentado, de MinC à Egito, passando pelo Hadopi francês e pela Sinde recentemente aprovada na Espanha – e da qual, por sinal, falemos mais em breve. Ao fim do texto, a dissertação de Luís na íntegra.

Segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011, ADENTRAMOS NA SEGUNDA DÉCADA DO SÉCULO XXI! Diversos eventos que hoje presenciamos me fazem achar esse momento profundamente interessante e acredito que os leitores deste blog compartilham desta opinião, já que a temática aqui abordada é parte destes eventos a que me refiro. Vejamos uma rápida retrospectiva panorâmica apenas do final do ano passado para cá:

O que há de comum entre estes diferentes acontecimentos e porque eles tornam o momento em que vivemos interessante? Todos eles apontam para uma das questões mais cruciais do nosso tempo, as tensões entre as possibilidades da livre circulação da informação, criadas pelas tecnologias digitais, e as tentativas, por parte dos poderes, de privatizá-las e bloqueá-las. A importância dessas tensões reside no fato de que a informação é o elemento central da economia capitalista na sua etapa informacional. Por isso, elas expressam confrontos entre formas de rupturas e continuidades da ordem existente, entre a racionalidade dominante e racionalidades alternativas.

São estas tensões e como elas revelam importantes características do nosso tempo que constituem o tema de minha dissertação de mestrado pelo programa de pós-graduação em ciências sociais da PUC-SP, defendida em 17 de junho de 2010. A presente dissertação, intitulada “Distúrbios da Era Informacional: os conflitos entre a propriedade intelectual e a cultura livre”, postada aqui neste espaço, foi orientada pelo professor Miguel Chaia, do departamento de ciências políticas e coordenador do NEAMP – Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política. Na banca de defesa, estiveram presentes os professores Ladislau Dowbor, da casa, e Cláudio Penteado, convidado da UFABC.

De forma geral e a luz dos recente acontecimentos que não puderam ser abordados na dissertação, mas que corroboram suas conclusões, apresento abaixo um sintético resumo do que diversos fatos e leituras de diferentes autores me levaram a afirmar sobre o que está em jogo nos dias atuais.

Em primeiro lugar, não se trata ainda do fim do capitalismo, embora esta possibilidade encontre aí uma brecha. Mas, trata-se, principalmente, de uma disputa no interior do capitalismo, entre atores estabelecidos e atores emergentes, gerada pela transição de uma economia do tipo industrial para uma do tipo informacional e a consequente atualização histórica de suas instituições. O que define esta transição é emergência de um novo marco tecnológico do qual participam um novo instrumento de produção (as tecnologias de informação e comunicação) e uma nova organização do trabalho (a produção colaborativa em rede).

O capitalismo informacional é a etapa do sistema produtivo caracterizado pela produção de bens informacionais, que são aqueles bens de ordem imaterial, ao mesmo tempo produtos e insumos dos circuitos de produção baseados na informação. Bens culturais, obras artísticas, conhecimentos científicos, saberes subjetivos e intersubjetivos e até códigos genéticos podem ser capturados por estes circuitos produtivos, convertidos em informação pela codificação digital, tornando-se bens informacionais agregadores de valores de uso e troca. A informação torna-se a principal força produtiva dessa economia e o mundo pode tornar-se um gigantesco banco de dados apropriado e monopolizado pelo capital.

No entanto, a informação impõe grandes dificuldades em ser tratada como uma mercadoria industrial. Primeiro, porque ela é abundante, isto é, o seu uso não diminui seu estoque, mas o potencializa. E segundo, porque sua fluidez e reprodutibilidade nas redes digitais se faz sem custos. Portanto, por sua abundância, fluidez e reprodutibilidade, o valor monetário dessa força produtiva tende a zero, instaurando uma nova situação na economia capitalista.

Além disso, a organização do trabalho em redes de produção colaborativas e descentralizadas, no lugar da linha de montagem e do parcelamento de tarefas taylor-fordistas, permite a todos que estejam conectados participarem do processo de produção e da inovação tecnológica que, dessa forma, atinge um ritmo muito mais acelerado. Para se desenvolver, a produção colaborativa requer o compartilhamento de sua força produtiva, isto é, que o conjunto de informações, conhecimentos e saberes dos agentes envolvidos, sejam considerados bens comuns (os commons).

Trata-se de um de uma reapropriação das tecnologias de produção pelos trabalhadores num movimento reverso ao que aconteceu no início do capitalismo, quando os trabalhadores foram separados dos instrumentos de trabalho e obrigados a se entregar aos desígnios do capital. Agora, esse trabalho da multidão engendra uma produção social que excede às demandas do capital e escapa ao seu controle. Ele não cessa de criar alternativas de compartilhamento dessa força produtiva, pressionando pela distensão ou mesmo pela quebra da propriedade intelectual.

Os atores hegemônicos, por sua vez, precisam impedir esses commons de informação, bloqueando a livre circulação e o compartilhamento dessa força produtiva, por meio da lei e de aparatos repressivos, donde destacam-se os dispositivos da propriedade intelectual (copyrights e patentes), como forma de gerar valor monetário por sua escassez artificial e, assim, manter os lucros e o poder. São os novos “enclousures”. Quando não capturadas, as práticas de compartilhamento da informação e as dinâmicas de produção colaborativas são jogadas na ilegalidade, como “pirataria”. Assim, a propriedade intelectual apresenta-se como um dispositivo de controle e monopólio, pelo capital, da criação e inovação tecnológica.

Não somente o capital hegemônico, mas também os regimes autoritários se vem ameaçados pelo compartilhamento da informação. Tanto as ditaduras quanto as democracias assentadas na apatia política dos cidadãos, como os EUA, precisam controlar a internet. O cidadão informado empodera-se e participa, exercendo controle sobre os governantes e não apenas sendo controlados por estes. Nesse sentido, o Wikileaks talvez represente para os governos o que o Napster, e hoje o Pirate Bay, representam para as indústrias do entretenimento. Uma frase da mensagem do grupo Anonymous divulgada no vídeo abaixo em 09 de dezembro de 2010, expressa bem estas questões:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=WpwVfl3m32w&feature=player_embedded]

Internet é o último bastião da liberdade neste mundo tecnológico em constante evolução. Internet é capaz de conectar-nos a todos. Quando estamos conectados somos fortes. Quando somos fortes temos poder. Quando temos poder somos capazes de fazer o impossível. Por isso é que o governo está atuando sobre o Wikileaks. Isto é o que temem. Tem medo de nosso poder quando estamos unidos.

Estes conflitos não estão solucionados, mas um movimento crescente de atores se forma na sociedade civil em prol da livre circulação de informações e conhecimentos como um novo paradigma econômico que vai pouco a pouco gerando novas institucionalidades. Uma ética que aponta para novos modelos sociais está sendo forjada no dia-a-dia do trabalho colaborativo em rede. O movimento da Cultura Livre é sua maior expressão.

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Créditos: 1,2.

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