Itália – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Wed, 20 Nov 2019 10:34:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Itália – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Fagulha com autonomismo & hackativismo https://baixacultura.org/2019/11/20/fagulha-com-autonomismo-hackativismo/ https://baixacultura.org/2019/11/20/fagulha-com-autonomismo-hackativismo/#respond Wed, 20 Nov 2019 10:34:00 +0000 https://baixacultura.org/?p=13083

Em 20 de novembro de 2019, no aniversário de 10 anos da morte do Daniel Pádua*, o Fagulha Podcast conversou com Leonardo Foletto e Desobediente (respectivamente, editor do BaixaCultura e agitador cultural e autonomista, a dupla que mantém o curso “Tecnopolítica e ContraCultura“) sobre autonomismo, Luther Blissett, hacktivismo, composição de classe, Bifo, as influências do autonomismo italiano no anarquismo contemporâneo, no hacktivismo, e nas formas de luta libertárias de hoje.

Dá para escutar e baixar em MP3 neste link.

O podcast traz uma tentativa, também, de aproximar o autonomismo do pensamento anarquista – mais precisamente, do que se convencionou chamar de pós-anarquismo, uma série de mudanças na forma de pensar e agir do anarquismo que se deu a partir do evento conhecido como “Batalha de Seattle” em 1999, quando da ocasião da reunião da OMC (do qual já falamos por aqui). Aliás: a edição seguinte do Fagulha podcast trata justamente desse momento histórico e traz como convidados Acácio Augusto e Camila Jourdan.

Sobre o pós-anarquismo, cabe aqui algumas indicações dos nossos parceiros da editora Monstro dos Mares. A primeira é “Como o novo anarquismo mudou o mundo depois de Seattle e deu origem ao pós-anarquismo“, texto de Süreyyya Evren que detalha esses caminhos novos do anarquismo, principalmente sob a influência do pós-estruturalismo e do pós-modernismo; e o outro é “Políticas do Pós-Anarquismo“, de Saul Newman, que aprofunda a discussão sobre novos anarquismo a partir do pós-estruturalismo e também da Análise de Discurso e fala do momento e da problemática pós-anarquista. Ambos textos são parte do livro “Post-Anarchism, A Reader“, organizado por Süreyyya Evren e Duane Rousselle, publicado em 2011 e referências importantes para entender como se move o anarquismo hoje (e que você pode baixar aqui, de grátis). A seguir, dois trechos, do primeiro e do segundo, respectivamente:

“O anarquismo é amplamente aceito como “o” movimento por trás dos princípios organizacionais fundamentais dos movimentos sociais radicais no século XXI. A ascensão do movimento “antiglobalização” esteve ligada a um ressurgimento geral do anarquismo. Esse movimento foi colorido, enérgico, criativo, eficaz e “novo”. E o crédito pela maior parte dessa energia criativa foi para o anarquismo. O anarquismo parecia estar tomando de volta seu nome como movimento e filosofia política das conotações e metáforas de caos e violência. A estratégia da mídia corporativa de se concentrar exclusivamente na tática dos black blocs, infelizmente, não apenas reproduziu essas conotações, mas também ajudou a atrair mais atenção para os pensadores políticos e ativistas que entendiam o motivo de todo esse alarido. Por sua vez, surgiram trabalhos mais eruditos e políticos sobre o anarquismo e o novo “movimento”(EVREN, 2011)

O que torna esse movimento radical é sua imprevisibilidade e indeterminância – a forma como ligações e alianças inesperadas são formadas entre diferentes identidades e grupos que, de outra forma, teriam pouco em comum. Ao mesmo tempo em que esse movimento é universal, no sentido de invocar um horizonte emancipativo comum que constitui as identidades dos participantes, ele rejeita a falsa universalidade das lutas marxistas, que negam a diferença e subordinam as outras lutas ao papel central do proletariado – ou, mais precisamente, ao papel vanguardista do Partido. (NEWMAN, 2011).

Como falamos (Leonardo’s) no podcast, o autonomismo tem bastante referência no anarquismo, tanto que nos primeiros anos da década de 1960, mesmo reivindicando o marxismo nas primeiras revistas, os autonomistas foram chamados de anarcosociólogos, já que bebiam muito dos anarquismos italianos.

Fonte: Wikipedia

* Pra quem não conhece, saiba: Daniel Pádua foi um importante hacker e ativista brasileiro. Seu blog continua no ar e é um rico acervo do que se passava na internet brasileira entre 2001 e 2009. dpadua, como era conhecido, foi um dos idealizadores e articuladores da rede MetaReciclagem, trabalhou nos primeiros anos do MinC comandado por Gilberto Gil, na EBC e fomentou a articulação de muitos projetos de uma internet livre.

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BaixaCharla ao vivo #3: Depois do Futuro, Bifo https://baixacultura.org/2019/08/30/baixacharla-ao-vivo-3-depois-do-futuro-bifo/ https://baixacultura.org/2019/08/30/baixacharla-ao-vivo-3-depois-do-futuro-bifo/#respond Fri, 30 Aug 2019 19:56:18 +0000 https://baixacultura.org/?p=12947

Nossa terceira BaixaCharla falou de “Depois do Futuro”, de Franco Berardi, vulgo Bifo, publicado em 2009 na Itália e no Brasil este ano, na ótima coleção “Exit” da Ubu. Já citado nesse post e guia de nosso curso-experimento “Tecnopolítica e Contracultura“, o livro repassa as vanguardas do século XX para mostrar como o futuro, até os anos 1970, era visto com esperança e confiança. Depois de 1977, porém, o progresso como uma linha evolutiva para um mundo melhor, com mais conhecimento e tecnologia, se mostrou uma fantasia. Em vez de promissor e brilhante, o porvir que aguarda as novas gerações nascidas em berço digital, precarizadas e altamente conectadas, é incerto e amedrontador.

Como o texto de apresentação da obra comenta, “articulando referências culturais de arte, cinema e literatura e pensamento crítico, o filósofo e ativista italiano Franco “Bifo” Berardi, veterano do Maio de 1968, passa pelo Manifesto Futurista, pelo movimento punk do anos 1970 e pela revolução digital dos anos 1990 para concluir algo sobre o presente: somos incapazes de conceber o que ainda está por vir”. Bifo mistura em seu caldeirão de referências psicanálise, semiótica, filosofia, jornalismo, crítica cultural e da tecnologia, traz exemplos de situações e autores do Japão, Estados Unidos, Rússia e de sua pátria-mãe italiana para detalhar a perda de noção de que “no futuro será melhor”, tão em voga na modernidade, e que se exacerba com o zeitgeist de ressaca da internet que vivemos hoje.

Nessa charla, o editor do BaixaCultura, Leonardo Foletto, destrinchou a obra, especialmente seus capítulos 3 e 4, em que Bifo põe pra dialogar hackers, cyberpunks, pensadores e críticos da ideologia californiana do Vale do Silício. “Quando a disciplina industrial se dissolve, os indivíduos se encontram numa condição de aparente liberdade”. Nenhuma lei os obriga a se submeter às obrigações e à dependência. Mas àquela altura as obrigações foram introjetadas, e o controle social se exerce pela voluntária mas inevitável submissão a uma rede de automatismos”, escreve o filósofo italiano na página  do livro, e não poderíamos concordar mais.

Febbraio 1976. Iniziano le trasmissioni di Radio Alice dalla sede di via del Pratello. Una rara fotografia di Franco “Bifo” Berardi in diretta da via del PratelloArchivio Studio Camera Chiara

Ademais de um filósofo e pensador da arte, cultura e tecnologia contemporânea, Bifo também é um ativista e um ser da prática. Por isso, vamos também percorrer um pouco de sua trajetória enquanto ativista do “maio de 1968 que durou 10 anos” italiano, passando pelo coletivo A/Traverso, revista de efêmera e potente influência nos 1970; criação da Rádio Alice, em 1976, uma das primeiras rádios-livres europeias, que foi fechada em março de 1977, quando o estúdio foi invadido pelos carabinieri, como era conhecida polícia italiana. A Rádio influenciou muita gente da época e tem seu acervo parcialmente documentado online, além de ter uma base de sua história contada neste filme, Lavorare con Lentezza, lançado em 2004.

E seguimos falando um pouco de Bifo em sua estada em Paris, na França, onde conviveu com Félix Guattari e aprendeu muito da esquizonanálise que influenciaria sua abordagem teórica desde então. Viveu nos Estados Unidos, na década de 1980, onde escreveu sobre música, acompanhou de perto o movimento cyberpunk e a discussão sobre tecnologia no Vale do Silício, até voltar para sua Bologna natal, na Itália, nos 1990, onde esteve envolvido na criação de outro experimento midiático, a Orfeo TV, “a street television breaks the Italian regimented broadcasting network“, e do Rekombinant, um e-zine (já extinto, mas com parte do acervo aqui) que circulou entre 2000 e 2009, desenvolvido junto com Matteo Pasquinelli, outro autor importante italiano contemporâneo. Atualmente, leciona no Istituto Aldini Valeriani, uma instituição de ensino médio de Bolonha, e na Academia de Belas Artes de Brera, Milão.

Bifo tem mais de duas dezena de livros publicados em italiano, inglês e espanhol, de seu primeiro “Contra il lavoro”, de 1970, até seu mais recente, “Futurabilidade”, de 2019, publicado em italiano e em espanhol (pela Caja Negra, belíssima editora argentina), passando por “Ciberfilosfia” (1995), A Fábrica da Infelicidade” (2001), “Skizomedia. Trent’anni di mediattivismo” (2006), entre outros. No Brasil, até “Depois do Futuro”, só havia um único livro publicado, “A Fábrica da Infelicidade“, lançado em 2005 pela DP&A e hoje um tanto raro de se encontrar em livrarias físicas. Nos outros países da América Latina, porém, há mais traduções, das quais destacados também “Generación Post-Alfa”, da Tinta Limón, uma coletânea de textos lançada em 2007 que traz vários insights que estão em “Depois do Futuro” – vamos trazer alguns trechos deste livro também na charla, que está disponível para baixar em PDF de grátis.

Há um interesse crescente nos últimos anos na obra de Bifo, o que tem proporcionado muitas entrevistas em veículos jornalísticos, inclusive brasileiros, e algumas palestras que, transmitidas ao vivo, estão disponíveis na rede. Destacamos aqui duas entrevistas publicadas no IHU da Unisinos, no RS: “O que pode a vontade política contra a fúria financeira?“, de agosto de 2019; e “Para entender o fascismo dos impotentes“, de junho de 2019. E dois vídeos, também de 2019:

A charla foi ao ar no dia 3/9, às 20h30, conduzida por Leonardo Foletto, editor do BaixaCultura, e teve a participação (em áudios) de Leonardo Palma, a dupla que ministra o curso “Tecnopolítica e Contracultura”. Palma conhece a obra do filósofo italiano faz mais décadas e tem muito de sua bibliografia em PDF, que ele (garante) que vai disponibilizar para quem se interessar. Deixaremos aqui o roteiro do vídeo, com indicações de leitura, e o vídeo na íntegra. Dá para ler a introdução em PDF de “Depois do Futuro”, disponibilizada pela Ubu.

Aqui a conversa na íntegra:

 

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Tecnopolítica e contracultura – a estreia de um curso https://baixacultura.org/2019/01/17/tecnopolitica-e-contracultura-a-estreia-de-um-curso/ https://baixacultura.org/2019/01/17/tecnopolitica-e-contracultura-a-estreia-de-um-curso/#respond Thu, 17 Jan 2019 19:42:03 +0000 https://baixacultura.org/?p=12712
Se nos anos 1990, com o casamento do digital com a internet, enxergávamos enormes possibilidades de libertação (da informação de grandes grupos midiáticos, de liberdade de falar o que bem quiser, de criar tecnologias e mundos novos), hoje parece que estamos a lidar com consequências nefastas, representadas em uma palavra na moda nestes tempos: distopia.

Nos descuidamos – ou não conseguimos? – prestar atenção na ascensão de plataformas globais de tecnologia, que por sua vez construíram bolhas de informação que confirmam pontos de vista, espalham mentiras e criam realidades alternativas que em muitos casos não há informação comprovada que consiga mudar. Como podemos compreender o contexto tecnopolítico hoje? Que caminhos podemos apontar para discutirmos e transformarmos a política que sempre está junto na construção de tecnologias?

Para tentar fazer melhores perguntas e aproximarmos de respostas que nos convoquem pra ação, propomos esse curso: “Tecnopolítica e Contracultura“, que vai estrear no Centro de Pesquisa e Formação do SESC, em São Paulo, nos dias 11, 12 e 13 de fevereiro, das 14h às 18h, conduzido por o editor desta página, Leonardo Foletto, e Leonardo Palma, pesquisador independente, agitador cultural radicado em Santa Maria-RS, ativista da Rede Universidade Nômade e um profundo conhecedor da obra dos autonomistas italianos a partir da década de 1970. O curso busca resgatar um pensamento tecnopolítico em quatro momentos: 1) os autonomistas italianos da década de 1970;  2) pós-operaísmo, altermundistas, Fórum Social Mundial e mídia tática dos 1990; 3) hackers: paranóicos visionários, dos 1980, 1990 e 2000; e o 4) hoje, com a ascensão das redes sociais como principais espaços de discussão pública nas redes digitais e o fim da internet como a conhecemos nos 1990 e 2000.

Começamos nosso percurso pelos autonomistas surgidos no maio de 68′ italiano que durou mais de uma década. Falaremos do contexto de surgimento desse, digamos, movimento, sua construção no final dos 1960 com o importante papel das revistas (em especial, Quaderni Rossi, Clase Operaia, Primo Maggio) em tornar palpável a produção de subjetividade, por em circulação e entendimento certos conceitos e ideias; da articulação com a universidade (estudantes e professores) e com os operários das fábricas italianas; da construção de alguns aparatos sociotécnicos baseados nas ideias em circulação, como a Rádio Alice; e de como todo o fértil cenário contracultural estabelecido na Itália dessa época foi dissolvido, com a criminalização e o exílio de muitos de seus participantes. Trabalharemos nessa parte com autores e histórias de Antonio Negri, Franco “Bifo” Berardi, Paolo Virno, Maurizio Lazaratto, Mário Tronti, Giorgio Agamben, Silvia Federici, entre outrxs.

Passamos então para um segundo momento, final dos 1980 e início dos 1990, trazendo histórias, textos & aparatos do pós-operaísmo, altermundistas, net-art e mídia tática. A partir da saída de Negri da prisão (1983) e seu exílio na França, sua obra começa a ser redescoberta por uma esquerda ligada mais a Foucault, Deleuze e Guatarri do que aos “partidos” institucionalizados. Os Zapatistas de Chiapas, no México, recuperam os autonomistas italianos e praticamente inauguram um ciberativismo/hackativismo na então novata internet dos 1990, com ações na rede e fora dela que vão influenciar a potencialização do movimento altermundista e na Ação Global dos Povos, que explode a partir de 1999, em Seattle, e segue pelo menos até 2003. Essa rede pós-operaísmo está articulada com o nascimento do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, 2001; com um movimento potente de cultura digital (“networked cultures”) que propagou o conceito de mídia tática, muito propagado e trabalho no brasil dos 2000;  com coletivos como Luther Blisset, Wu Ming, Critical Art Ensemble; e com muitxs pesquisadores em torno da Nettime, lista de e-mails, até hoje ativa, que reúne alguns teóricos-práticos europeus da área, como Geert Lovink, Felix Stalder, John Holloway, Trebor Scholz, Bruce Sterling, entre outrxs.

Na terceira parte, miramos um grupo de fazedores e pensadores que atua em paralelo aos autonomistas e altermundistas, às vezes se relacionando com estes e em outras não: os hackers. Surgidos enquanto grupo de pessoas e uma (contra) cultura no final dos 1960, os hackers se propagam pelos 1970, com a criação da internet e o começo da popularização dos computadores pessoais, pelos 1980, com o movimento do software livre, do copyleft e via hackerspaces, laboratórios de garagem que serão a base de um movimento, em especial em sua versão européia e latino-americana, que pratica a (contra) cultura tecnológica a partir dos princípios da autonomia digital, da segurança da informação e das táticas antivigilências. Aqui, destacamos alguns textos, ideias e projetos de Richard Stallman, criador do movimento do software livre e ainda hoje preside de Free Software Foundation, Gabriela Coleman, Tatiana Bazzichelli, Eric Raymond, Richard Barbrook, Pekka Himanen, Chaos Computer Club, Julian Assange, Linus Torvalds, entre outrxs também brasileirxs ligados aos grupos da MetaReciclagem, Transparência Hacker, BaixoCentro, Casa da Cultura Digital.

No desfecho, falamos do espírito da “Ressaca da Internet” já comentado em texto por aqui, mas que aprofundaremos no curso. e dos tempos de “decomposição” que vivemos, onde cada vez mais o “autômato” está tomando toda nossa força de imaginação, como fala Bifo em recente palestra na Argentina, em Novembro de 2018. Bifo, aliás, é um dos elos entre todos s momentos do curso; está presente da Itália dos 1970 aos altermundistas dos 1990, ainda hoje ativo pensando, escrevendo e propagando a ideia de que não devemos nos acomodar com a ascenção fascista que nos cerca, em especial no Brasil e na América Latina, e que a força de nosso pensamento e do conhecimento é demasiadamente mais rica do que a que apresentada neste cenário brutal em que vivemos neste 2019.

Como aperitivo do curso, o vídeo de Bifo acima comentado está aqui abaixo e sintetiza algumas questões a serem abordadas entre 11 e 13 de fevereiro. Aos que não forem de SP, aguardem, montamos esse curso com muito estudo e gosto para circular em outras cidades também. Inscrições e mais informações no site do Sesc.

Créditos imagens: divulgação do curso; autonomismo italiano; altermundismo; hackers;

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Luther Blisset e a guerra antimidiática contra o biopoder https://baixacultura.org/2014/02/07/luther-blisset-e-as-taticas-antimidiaticas-contra-o-biopoder/ https://baixacultura.org/2014/02/07/luther-blisset-e-as-taticas-antimidiaticas-contra-o-biopoder/#respond Fri, 07 Feb 2014 11:56:30 +0000 https://baixacultura.org/?p=9802 Luther_Blissett

A monografia de Dairan Paul “O guerrilheiro Luther Blisset: criação de táticas antimidiáticas contra o biopoder”, é um primor de análise: relaciona Foucault, Hardt & Negri, Michel de Certeau, neoísmo/mail art com o contexto histórico dos centros sociais italianos e até as teorias do jornalismo para falar dos trotes (as “pranks”) que Luther Blisset fez na mídia italiana do início dos anos 1990. É o trabalho final do aluno no curso de jornalismo da UFSM, banca realizada em dezembro de 2013 que o editor desta página e quem cá escreve hoje, Leonardo Foletto, participou.

LB, talvez a identidade coletiva mais conhecida desde então, chegou a enganar os jornais italianos durante um ano, plantando notícias, provas e cartas falsas e escancarando a fragilidade do jornalismo preguiçoso que se quer mediador da “realidade”. Foi um caso exemplar de mídia tática, que Dairan traz para seu trabalho com farta documentação histórica (muita delas traduzidas diretamente do original em italiano, com ajuda da orientadora Aline Dalmolin) num texto preciso – e que muito tem a dizer também sobre táticas parecidas utilizadas hoje, num mundo hiperconectado de redes sociais.

Algum tempo depois que participei da banca, escrevi um post no Facebook falando isso tudo acima e dando os parabéns ao novo jornalista formado na UFSM. Senti um interesse enorme de amigos e conhecidos pelo trabalho – afinal Luther Blisset vive!  – e convidei Dairan para escrever um relato sobre a feitura de seu TCC. É esse texto que vocês vão ler logo abaixo, seguido da sua monografia, “O guerrilheiro Luther Blisset: Táticas antimidiáticas contra o biopoder“, que está disponível desde hoje na nossa biblioteca.

lutherblissetproject

O primeiro contato que tive com o nome Luther Blissett ocorreu através de uma música. A banda só poderia ser underground, é claro, para citar um tema obscuro confinado em uma Itália da década de 1990. Mas, quando comecei a ler sobre Blissett, entendi que aquele fenômeno ainda fazia muito sentido nos dias de hoje – e daí até adquirir o Guerrilha Psíquica foi um pulo. O problema é que esse livro (assinado pelo próprio L. B. e lançado no Brasil pela Conrad na ótima Coleção Baderna) acabou sendo a minha “bíblia blissetiana” durante um bom tempo, já que há poucos trabalhos sobre L. B. no Brasil – e Guerrilha não se trata exatamente de um estudo científico, mas de relatos das ações e dos propósitos de Blissett.

Durante o estado da arte dessa monografia, pude constatar que o meu objeto de pesquisa é muito mais citado do que estudado, servindo como exemplo para trabalhos que versam sobre direitos autorais, ativismo, cultura wiki, etc. O seu aspecto que mais chamou minha atenção – a disseminação de notícias falsas que enganaram diversos jornais italianos – não era debatido. Quando o tema estava posto em algum trabalho, continha basicamente citações do Guerrilha Psíquica contando as narrativas fantásticas criadas pelo Blissett – de prostitutas soropositivas que furavam a camisinha de seus clientes até rituais de missa negra que incluíam estupro; prato cheio para o sensacionalismo dos tabloides locais. Nada de novo para quem já tinha lido a única publicação em português de L. B.

Foi delineando esse aspecto do fenômeno Luther Blissett que resolvi, então, analisar quais eram as táticas antimidiáticas utilizadas para impregnar as notícias falsas dentro dos jornais da época. O artigo de Marco Deseriis sobre L. B. (um dos poucos estudos que tratam exclusivamente dele) foi de suma importância para a pesquisa. A partir do autor, pude compreender Blissett como uma resistência biopolítica frente ao biopoder midiático – a criação de narrativas falsas sobre ritos satânicos como forma de desvelar a cruzada moral realizada pela mídia que acusava, por exemplo, diversos satanistas da época de pedófilos (a exemplo do caso Marco Dimitri, que fora inocentado posteriormente). Blissett também representa a figura do comum, remetendo aos estudos de Michael Hardt e Antonio Negri. Uma produção comum de caráter imensurável (dado que o contexto que situo Blissett é o do trabalho imaterial, onde a produção reside nas relações sociais e, portanto, torna-se difícil de ser quantificada) e excessivo (pois Blissett é formado justamente por esses trabalhadores imateriais, que utilizam da criatividade para se voltar contra o biopoder, na força-cérebro que o espetáculo não consegue capturar).

Uma vez que defini Blissett como resistência, o segundo movimento teórico do trabalho foi assimilar o fenômeno como uma mídia tática, em oposição à mídia alternativa. Esses conceitos ainda são discutidos dentro do meio acadêmico, sem uma definição exata – o que, de certa forma, é proposital. A dissertação de Henrique Mazetti foi um achado, justamente por discorrer sobre essas duas formas de correntes críticas a partir de quatro dimensões: espaço-temporal (remetendo a Certeau), política, midiática e discursiva. O que concluí analisando as táticas de Blissett é que elas somente ocorrem a partir da própria mídia, pois não possuem um lugar de fala próprio (como é o caso da mídia alternativa). Ao prezar pelas experimentações, a tática ridiculariza seu inimigo e a si mesma; ela não precisa se embasar por argumentos racionais e se autolegitimar. Daí uma série de brincadeiras feitas por L. B. onde a risada é a sua principal arma, e rir da mídia parece ser seu intuito. Isso, é claro, não despolitiza as ações de Blissett. Entendo que elas são tanto culturais como políticas, e que as duas esferas são indissociáveis – portanto, sua caracterização como uma resistência híbrida, que toma para si tanto aspectos de vanguardas artísticas (a utilização de um nome múltiplo a partir do Neoísmo e da mail art) como o referencial neomarxista de Negri, para constituir uma resistência biopolítica a partir da criatividade e da cooperação imaterial.

Este trabalho, obviamente, não se pretende uma bíblia blissettiana, mas busca colocar em pauta dentro da academia um tema que (surpreendentemente) pouco aparece nos estudos sobre cibercultura. Mesmo que se constitua por um objeto de duas décadas atrás, a figura de Blissett pode ser entendida como um embrião do aconteceu em Seattle, no ano de 1999, ou mesmo nos protestos do Brasil, mais recentemente. E, se ainda quisermos regionalizar mais a existência de L. B., recentemente uma notícia postada por Zero Hora retrata a farsa da construtora Luther Blissett que resolveu construir um parque em meio à Redenção, em Porto Alegre. Em algum lugar, de algum modo, Blissett parece ainda existir – inclusive escrevendo monografias sobre si mesmo.

[Dairan Paul]

Imagens: http://www.inenart.eu/
 
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Wu Ming e um maremoto anticopyright https://baixacultura.org/2012/07/09/wu-ming-e-um-maremoto-anticopyright/ https://baixacultura.org/2012/07/09/wu-ming-e-um-maremoto-anticopyright/#comments Mon, 09 Jul 2012 09:15:27 +0000 https://baixacultura.org/?p=6457

Damos sequência aqui ao trabalho iniciado neste post, a saber: republicar os textos da excelente biblioteca do site Rizoma.net, editado pelo saudoso Ricardo Rosas.

O texto de hoje é  do coletivo italiano Wu Ming. Os italianos, como já falamos por aqui, são um grupo que desde meados da década de 1990 milita sob a sigla do copyleft – até 1999 eles atendiam pelo nome de Luther Blissett Project

Foram, provavelmente, um dos primeiros coletivos “organizados” a fazer a ponte do anarquismo/punk da década de 1980 para a cultura digital/livre das décadas seguintes (e de hoje). [NE: O Wu Ming nos escreveu, via twitter, que não são anarquistas, mas sim marxistas libertários].Fizeram isso em uma porção de ações e textos, dos quais destacamos o Notas sobre Copyright e Copyleft, que já publicamos/traduzimos em 2009.

Olhaí: “Partimos do reconhecimento da gênese social do saber. Ninguém tem idéias que não tenham sido direta ou indiretamente influenciadas por suas relações sociais, pela comunidade de que faz parte etc. e então se a gênese é social também o uso deve permancer tal qual“.

*

As práticas do Wu Ming [expressão chinesa que também significa ‘cinco nomes’, a depender da entonação com que se fala] contra a lógica da cultura oficial – monetarista, individualista, apoiada no mito da celebridade e do gênio criador, este personagem não exatamente falso, mas que serve de fundo ideológico pro ideal de originalidade que sustenta a indústria do copyright – ocorrem em várias frentes.

Não apenas os livros do grupo podem ser oficial e gratuitamente baixados e livremente copiados, como os 5 integrantes do coletivo trabalham de fato coletivamente, assinando como grupo a autoria de vários de seus livros. Entre eles está o romance Q – O caçador de hereges, que desafia o argumento de que a pirataria mata o artista de fome, disponível pra download há vários anos e em várias línguas e ainda assim um best seller.

Mesmo os trabalhos individuais trazem a marca do grupo. O belo New Thinglançado no Brasil pela editora Conrad, é assinado por Wu Ming 1, mas a voz continua coletiva: o livro imita a edição de documentário, e toda a narrativa se desenrola através dos depoimentos dos personagens, apenas editados por um invisível diretor. Além disso, esta que seria uma espécie de narrativa policial (misteriosos assassinatos envolvendo músicos de jazz ocorrem na New York dos anos 60) traz toda a discussão em torno da cultura livre, desde o método da colagem até a tecnologia P2P.

A identidade do autor não é um segredo, e nem a de seus pares. Wu Ming 1 nasceu Roberto Bui – Wu Ming 2 é Giovanni Cattabriga, Wu Ming 3 é Luca de Meo, Wu Ming 4 é Federico Guglielmi e Wu Ming 5, Riccardo Pedrini. O coletivo contra-explica: “quem, ainda hoje, continua dizendo frases do tipo: ‘os 5 escritores que se escondem por trás do pseudônimo coletivo ‘Wu Ming” ou ‘que sentido faz não assinarem seus verdadeiros nomes, se na realidade todos sabem como eles se chamam?’ está convidado a efetuar as seguintes substituições: ’97′ no lugar de ’5′; ‘músicos’ no lugar de ‘escritores’; ‘London Symphony Orchestra’ no lugar de ‘Wu Ming’”. Tá bom assim?

No site do Wu Ming [na China, uma assinatura bastante comum entre os dissidentes que lutam por democracia e liberdade de expressão], como era de se esperar, há (além dos livros) diversos textos disponíveis pra download. No blog em inglês e espanhol, também. A grata surpresa está aqui, vários desses textos disponíveis em português, que vão desde colaborações e entrevistas concedidas à imprensa brasileira até ensaios e textos sobre cultura livre e pirataria – que é o caso do texto que republicamos aqui, copyright e maremoto.

Apesar de escrito no início da década passada (2001, 2002), copyright e maremoto é um texto deveras importante hoje. Primeiro porque faz, de forma didática, um balanço daquilo que já falamos por aqui faz tempos: “durante dezenas de milênios a civilização humana prescindiu do copyright“. Obras como Gilgamesh, o Mahabharata e o Ramayana, a Ilíada e a Odisséia jamais exisitiriam se naquela época o copyright estivesse valendo.

Segundo porque fala sabiamente que “terminou para sempre uma fase da cultura“.  A “cultura de massas” da era industrial (centralizada, normatizada, unívoca, obsessiva pela atribuição do autor, regulada por mil sofismas) está cedendo lugar a uma outra “cultura” (livre, de nichos?) que tem afinidade com a cultura popular (excêntrica, disforme, horizontal, baseada no “plágio”, regulada pelo menor número de leis possível). Taí uma relação importante (cultura livre/cultura popular) de ser feita para compreender o mundo hoje, cada vez mais globo-periférico.

Fizemos pequenas alterações no texto, suprimindo exemplos ligados ao contexto italiano e desatualizados. Tai:

Copyright e maremoto

Wu Ming

Fonte: Site da coleção Baderna (e-book Rizoma: Recombinação).

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformação social em grande parte do planeta. Ele possui um potencial enorme, mas ainda não está completamente consciente disso. Embora sua origem seja antiga, só se manifestou recentemente, aparecendo em várias ocasiões sob os refletores da mídia, porém trabalhando dia a dia longe deles. É formado por multidões e singularidades, por retículas capilares no território. Cavalga as mais recentes inovações tecnológicas. As definições cunhadas por seus adversários ficam-lhe pequenas. Logo será impossível pará-lo e a repressão nada poderá contra ele.

É aquilo que o poder econômico chama “pirataria”. É o movimento real que suprime o estado de coisas existente. Desde que – a não mais de três séculos – se impôs a crença na propriedade intelectual, os movimentos underground e “alternativos” e as vanguardas mais radicais a tem criticado em nome do “plágio” criativo, da estética do cut-up e do “sampling”, da filosofia “do-it-yourself”. Do mais moderno ao mais antigo se vai do hip-hop ao punk ao proto-surrealista Lautréamont (“O plágio é necessário. O progresso o implica. Toma a frase de um autor, se serve de suas expressões, elimina uma idéia falsa, a substitui pela idéia justa“). Atualmente essa vanguarda é de massas.

Durante dezenas de milênios a civilização humana prescindiu do copyright, do mesmo modo que prescindiu de outros falsos axiomas parecidos, como a “centralidade do mercado” ou o “crescimento ilimitado”. Se houvesse existido a propriedade intelectual, a humanidade não haveria conhecido a epopéia de Gilgamesh, o Mahabharata e o Ramayana, a Ilíada e a Odisséia, o Popol Vuh, a Bíblia e o Corão, as lendas do Graal e do ciclo arturiano, o Orlando Apaixonado e o Orlando Furioso, Gargantua e Pantagruel, todos eles felizes produtos de um amplo processo de mistura e combinação, reescritura e  transformação, isto é, de “plágio”, unido a uma livre difusão e a exibições diretas (sem a interferência dos inspetores da Società Italiana degli Autori ed Editori)

Até pouco tempo, as paliçadas dos “enclosures” culturais impunham uma  visão limitada, e logo chegou a Internet. Agora a dinamite dos bits por segundo leva aos ares esses recintos, e podemos empreender aventuradas excursões em selvas de signos e clareiras iluminadas pela lua. A cada noite e a cada dia milhões de pessoas, sozinhas ou coletivamente, cercam/violam/rechaçam o copyright. Fazem-no apropriando-se das  tecnologias digitais de compressão (MP3, Mpge etc.), distribuição (redes telemáticas) e reprodução de dados (masterizadores, scanners). Tecnologias que suprimem a distinção entre “original” e “cópia”.

Usam redes telemáticas peer-to-peer (descentralizadas, “de igual para igual”) para compartilhar osdados de seus próprios discos rígidos. Desviam-se com astúcia de qualquer obstáculo técnico ou legislativo. Surpreendem no contrapé as multinacionais do entretenimento erodindo seus (até agora) excessivos ganhos. Como é natural, causam grandes dificuldades àqueles que administram os chamados “direitos autorais”.

Não estamos falando da “pirataria” gerida pelo crime organizado, divisão extralegal do capitalismo não menos deslocada e ofegante do que a legal pela extensão da “pirataria” autogestionada e de massas. Falo da democratização geral do acesso às artes e aos produtos do engenho, processo que salta as barreiras geográficas e sociais. Digamos claramente: barreira de classe (devo fornecer algum dado sobre o preço dos CDs?).

Esse processo está mudando o aspecto da indústria cultural mundial, mas não se limita a isso. Os “piratas” debilitam o inimigo e ampliam as margens de manobra das correntes mais políticas do movimento: nos referimos aos que produzem e difundem o “software livre” (programas de “fonte aberta” livremente modificáveis pelos usuários), aos que querem estender a cada vez mais setores da cultura as licenças “copyleft” (que permitem a reprodução e distribuição das obras sob condição de que sejam abertas”), aos que querem tornar de “domínio público” fármacos indispensáveis à saúde, a quem rechaça a apropriação, o registro e a frankeinsteinização de espécies vegetais e seqüências genéticas etc. etc.

O conflito entre anti-copyright e copyright expressa na sua forma mais imediata a contradição fundamental do sistema capitalista: a que se dá entre forças produtivas e relações de produção/propriedade. Ao chegar a um certo nível, o desenvolvimento das primeiras põem inevitavelmente em crise as segundas. As mesmas corporações que vendem samplers, fotocopiadoras, scanners e masterizadores controlam a indústria global do entretenimento, e se descobrem prejudicadas pelo uso de tais instrumentos. A serpente morde sua cauda e logo instiga os deputados para que legislem contra a autofagia.

A conseqüente reação em cadeia de paradoxos e episódios grotescos nos permite compreender que terminou para sempre uma fase da cultura, e que leis mais duras não serão suficientes para deter uma dinâmica social já iniciada e envolvente. O que está se modificando é a relação entre produção e consumo da cultura, o que alude a questões ainda mais amplas: o regime de propriedade de produtos do intelecto geral, o estatuto jurídico e a representação política do “trabalho cognitivo” etc.

De qualquer modo, o movimento real se orienta a superar toda a legislação sobre a propriedade intelectual e a reescrevê-la desde o início. Já foram colocadas as pedras angulares sobre as quais reedificar um verdadeiro “direito dos autores”, que realmente leve em conta como funciona a criação, quer dizer, por osmose, mistura, contágio, “plágio”. Muitas vezes, legisladores e forças da ordem tropeçam nessas pedras e machucam os joelhos.

A open source e o copyleft se estendem atualmente muito além da programação de software: as “licenças abertas” estão em toda parte, e tendencialmente podem se converter no paradigma do novo modo de produção que liberte finalmente a cooperação social (já existente e visivelmente posta em prática) do controle parasitário, da expropriação e da “renda” em benefício de grandes potentados industriais e corporativos.

A força do copyleft deriva do fato de ser uma inovação jurídica vinda debaixo que supera a mera “pirataria”, enfatizando a pars construens* do movimento real. Na prática, as leis vigentes sobre o copyright (padronizadas pela Convenção de Berna de 1971, praticamente o Pleistoceno) estão sendo pervertidas em relação a sua função original e, em vez de obstacularizá-la, se convertem em garantia da livre circulação.

O coletivo Wu Ming – do qual faço parte – contribui a esse movimento inserindo em seus livros a seguinte locução (sem dúvida aperfeiçoável): “Permitida a reprodução parcial ou total da obra e sua difusão por via telemática para uso pessoal dos leitores, sob condição de que não seja com fins comerciais“. O que significa que a difusão deve permanecer gratuita… sob pena de se pagar os direitos correspondentes.

Eliminar uma falsa idéia, substituí-la por uma justa. Essa vanguarda é um saudável “retorno ao antigo”: estamos abandonando a “cultura de massas” da era industrial (centralizada, normatizada, unívoca, obsessiva pela atribuição do autor, regulada por mil sofismas) para adentrarmos em uma dimensão produtiva que, em um nível de desenvolvimento mais alto, apresenta mais do que algumas afinidades com a cultura popular (excêntrica, disforme, horizontal, baseada no “plágio”, regulada pelo menor número de leis possível).

As leis vigentes sobre o copyright (entre as quais a preparadísima lei italiana de dezembro de 2000) não levam em conta o “copyleft”: na hora de legislar, o Parlamento ignorava por completo sua existência, como puderam confirmar os produtores de software livre (comparados aos “piratas”) em diversos encontros com deputados. Como é óbvio, dada a atual composição das Câmaras italianas, não se pode esperar nada mais que uma diabólica continuidade do erro, a estupidez e a repressão. Suas senhorias não se dão conta de que, abaixo da superfície desse mar em que eles só vêem piratas e barcos de guerra, o fundo está se abrindo. Também na esquerda, os que não querem aguçar a vista e os ouvidos, e propõem soluções fora de época, de “reformismo” tímido (diminuir o IVA* do preço dos CDs etc.), podem se dar conta demasiado tarde do maremoto e serem envolvidos pela onda.

*: Pars construens é uma expressão que desgina um “argumento construtivo” em algum debate, em contraponto ao “pars destruens“. A distinção foi feita por Francis Bacon, ainda em 1620.

Créditos Imagens: 1 (Steve Workers, by We Are Müesli), 3 (Wu Ming Blog)
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Arduíno, o documentário do hardware livre, leve e solto https://baixacultura.org/2011/10/28/arduino-o-documentario-do-hardware-livre-leve-e-solto/ https://baixacultura.org/2011/10/28/arduino-o-documentario-do-hardware-livre-leve-e-solto/#comments Fri, 28 Oct 2011 11:35:53 +0000 https://baixacultura.org/?p=5364

Um dos conceitos menos famosos da cultura livre é o chamado “open source hardware” ou “hardware livre“. Nesta visão, o princípio de que o código fonte do software de um componente eletrônico seja regido por uma licença aberta vale também para o próprio objeto físico, como o diagrama dos circuitos de um brinquedo ou de um liquidificador. Assim, é permitido o uso, alterações, distribuições, montagens e (re)venda para toda a comunidade.

Como um bom exemplo de open source hardware, “apresentamos”  o Arduíno, ou melhor, um documentário sobre o projeto que já é bastante comentado e experimentado na internet. Em 30 minutos, o filme conta o desenvolvimento da homônima placa de controle, projetada na Itália em 2005. Um grupo ligado ao finado Interaction Design Institute Ivrea, um centro de ensino e pesquisa em design de interação, decidiu produzir uma placa que reduzisse os custos dos alunos referentes ao aprendizado de hardware nas aulas. Começaram com as placas Wiring, um pouco mais complexas.

Para ajudar os estudantes, eles planejaram uma placa que tivesse uma linguagem de programação de fácil compreensão. A  programação aqui não é só a de programas que rodassem no hardware, mas a do próprio programa do hardware – o software embutido ou firmware, no caso. Para isso, resolveram mixar duas linguagens de código aberto, a Processing e a Wiring, para que comunidades interessadas dessem continuidade ao projeto, já que eles sabiam que o instituto estava fechando por causa da falta de intere$$e da financiadora, a Telecom Italia.

Se todos os direitos de utilização do projeto fossem da instituição – que ia morrer -, poderia haver restrições legais quanto à utilização do projeto. Felizmente, não foi o que aconteceu. Com o hardware e o software definidos e devidamente liberados para reutilizações, surgiram artistas, designers, e artesãos de todos os tipos que botaram a mão na massa e construíram instrumentos eletrônicos, pequenos robôs e máquinas interativas. Protótipos, em suma.

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=sLVXmsbVwUs&w=420&h=315]

Hoje, segundo o site oficial, o Arduino é um mini computador que “pode sentir o estado do ambiente que o cerca por meio da recepção de sinais de sensores e pode interagir com os seus arredores, controlando luzes, motores e outros atuadores.” Para se ter uma ideia, no doc isso aparece no projeto dos chocalhos digitais, que espalhavam ‘confetes’ em uma projeção numa festa, ou também, no caso de motores, no projeto Makerbot, impressoras 3D que pegam um modelo de um objeto disponível na internet e imprimem esse objeto. Objetos abertos, usáveis e modificáveis por qualquer um.

Aí está a grande questão levantada pelo documentário. “O atual problema que há é que, devido aos sistemas de padronização e patenteamento, muitas pessoas ficaram sem a possibilidade de aprender como as coisas funcionam” diz  o engenheiro e pesquisador David Cuartielles. Fechamento, só para ficar na cultura digital, efetuado pelos que mais enriqueceram com caros sistemas operacionais e tecnologias móveis, como Bill Gates com o Window$ e o falecido Steve Jobs com os iPhones, iPad e assemelhados,  cujas modificações ainda estão ao alcance de poucas pessoas entendidas.

O open source hardware diminui essa diferença, facilitando o aprendizado da programação de circuitos eletrônicos que cercam as nossas atividades.  Tendo noções de como são efetuados os controles dos circuitos e das programações, não seremos facilmente ludibriados e podemos inovar. Um grande exemplo de incentivo ao aprendizado é que até o Google já criou um produto baseado no open source hardware do Arduino. O buscador lançou o conjunto “Android Open Accessory” do seu sistema operacional aberto de smartphones, o Android, para que os usuários desenvolvam acessórios controlados pelo celular ou tablet.

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=l2SG2fnUL5I&w=420&h=315]

No Brasil, existem vários sites dedicados a plataforma como o Arduino.com.br, o Arduino Brasil, e o ArduinoRS. O blog Planeta Sustentável, do chapa Thiago Carrapatoso, lembra que um dos grupos que estuda o Arduíno é o Garoa Hacker Clube, um hackerspace que funciona no porão da Casa de Cultura Digital – se você estiver pelos idos da Barra Funda, em São Paulo, vale dar uma passada à noite no porão, e, sem cerimônia, pedir explicação sobre as traquitanas que ali habitam, especialmente sobre a já citada Makerbot. Melhor ainda se for nas quintas-feiras, quando o Garoa organiza a Noite do Arduíno, para ajudar o pessoal a iniciar na programação. Outro trabalho importante sobre o Arduíno por aqui é o do físico Radamés Silva, mostrado no programa Olhar Digital.

Arduíno – o documentário” foi lançado em janeiro de 2011, sendo encomendado pelo LABoral Centro de Arte y Creación Industrial, um outro instituto dedicado a promover a interseção de cultura digital, arte e industrias criativas localizado em Gijon, Espanha. A direção é de Rodrigo Calvo Eguren e Raúl Díez Alaejos, que fizeram grande parte das filmagens durante o encontro Arduino Uno Punto Zero, ocorrido em Nova York em 2010. Não foi lançado com legendas em português, mas encontramos uma tradução aqui, revisamos e acoplamos no vídeo que tu pode ver aí embaixo.

A plataforma só não é o “exemplo perfeito” [como se existisse algum] de código aberto por conta dos fabricantes expressarem a vontade do nome Arduíno ser de uso único deles, como diz na página de Questões Frequentemente Perguntadas: “‘Arduino’ is a trademark of Arduino team and should not be used for unofficial variant”. Por isso surgiram alguns “clones” citados na página da wikipedia do projeto. Existem ainda alternativas de placas controladoras, mostradas nessa apresentação. Contudo, é inegável a popularidade do projeto e sua força na divulgação do conhecimento livre.

 

Ps.: Outros exemplos legais da utilização do Arduíno, explicados por gente que entende bem de Engenharia Eletrônica, podem ser vistos aqui.

[Marcelo De Franceschi]

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