história da arte – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Fri, 25 Oct 2024 18:55:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg história da arte – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Cópia & Desvio – parte I https://baixacultura.org/2024/10/25/copia-desvio-parte-i/ https://baixacultura.org/2024/10/25/copia-desvio-parte-i/#respond Fri, 25 Oct 2024 18:52:24 +0000 https://baixacultura.org/?p=15740  

A proliferação mundial dos sistemas de inteligências artificiais generativas quebrou um paradigma ao tornar a cópia ainda mais base para a criação. Tudo que está na internet e foi raspado – sem consentimento, aliás – por estes sistemas está sendo a base para a criação de inúmeras coisas, de cards de redes sociais a ilustrações de livros, passando por e-mails, artigos, filmes, textos e músicas. Se já no início do século XX a reprodução técnica, especialmente na fotografia e no cinema, tornava a cópia e o “original” não facilmente distinguíveis, o que dirá a partir de 2023, quando as IAs ampliam a reprodução digital e, cada vez mais, a separam de sua materialidade original, que passa a se transformar em mero dado, padrões de números a alimentarem grandes bancos onde não existe mais singularidade, apenas cópia.

Diante disso, qual é o papel da cópia na era da IA Generativa? O projeto Cópia & Desvio é uma série de conferências experimentais/performances sobre o direito para copiar e reutilizar o conhecimento humano. Organizado em atos, o objetivo é apresentar uma narrativa crítica sobre a cópia e sua relação com a política e a sociedade ao longo do tempo.

A primeira parte se chama “A cópia na era de sua proliferação técnica” e ocorreu ao vivo em 24 de outubro, às 19h (UTC-3). Nela, Rafael Bresciani e Leonardo Foletto remixaram artefatos sonoros e visuais em live-coding (no sistema Hydra, com a interface do Flok) para compor a narração da conferência, centrada nesta primeira parte nas práticas e reflexões de cópia no início do século XX. Teve participação nas vozes (e textos) de Walter Benjamin, Marcel Duchamp, Conde de Lautréamont e Tommaso Marinetti. Na música, Neu!, Talking Heads e Kaisoku Tokyo. Nas imagens, Pablo Picasso, Okumura Masanobu, Kunisada, J Borges, Louis Daguerre, Hugo Ball, Kurt Schwitters, Man Ray, Niepce, Abraham Salm, Marinetti, entre outros. As vozes de Duchamp, Benjamin e Lautréamont foram criadas a partir do treinamento do sistema de IA Generativa chamado Eleven Labs

O vídeo é parte de uma investigação que estamos fazendo desde 2023 sobre o papel da cópia ao longo dos últimos séculos na história da arte, o que passa pela questão histórica do desvio. Como se sabe, a arte é marcada pelo plágio, o roubo, o desvio, a cópia e apropriação. A segunda parte irá centrar na sgunda metade do século XX, período essencial da proliferação técnica das cópias a partir dos gravadores, samplers, fitas, fotocopiadoras, televisão, vídeos, computadores.

Assista abaixo. Após, um trecho do texto falado por Benjamin no vídeo:

 

“Tanto a poesia sonora, as colagens e o cinema são artes que foram potencializadas nessa primeira metade do século XX com a expansão da reprodução técnica. Os aparatos técnicos são protagonistas tanto como método de produção (caso das collages) quanto de gravação e apresentação ao público (poesia sonora e o cinema).

Eu não vou explicar hoje o que é Inteligência Artificial Generativa pois, como falei para vocês, ainda não sei bem. Intuo que elas ampliam a reprodução digital e, cada vez mais, a separam de sua materialidade original, que passa a se transformar em mero dado, padrões de números a alimentarem grandes bancos onde não existe mais singularidade.

Eu intuo também que as tecnologias digitais de reprodução tornam mais difícil a negação e a escolha. É como um loop da desintegração: o meio é abstraído na hiperconexão do e e e e e e e e e e e e e e, com menos possibilidade de ou ou ou ou. Às máquinas de reprodução técnica digital não é facultado a possibilidade de fim, mas sim a reprodução contínua e infinita de presente. Tudo passa a ser conectado ao propósito da reprodução contínua de cópias. Nada mais é criado, tudo passa a ser apenas repetição sem diferença. Todas as obras já existentes remixam as anteriores: tudo é cópia.” 

Walter Benjamin (Benja), remixado no vídeo

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Piratearam a História da Arte https://baixacultura.org/2012/02/23/piratearam-a-historia-da-arte/ https://baixacultura.org/2012/02/23/piratearam-a-historia-da-arte/#comments Thu, 23 Feb 2012 16:37:49 +0000 https://baixacultura.org/?p=6353

Acho fascinante a ideia de uma história da arte pirata.

Em tempos de repetida criminalização da pirataria e dos downloads, é importante recuperar alguns momentos, histórias e anedotas na história da arte em que a apropriação criativa (e “ilegal”) rolou solta e gerou produtos variados – algo que mais ou menos temos tentado por aqui com as três edições da série Pequenos Grandes Momentos Ilustrados da História da Recombinação (detournement,  machinima e  cut-up).

Nos faz lembrar que nada se cria do nada, que toda criação vem de outra, que a criação se defende compartilhando, que os direitos autorais precisam ser revistos face à nova realidade digital, que o plágio tem uma história longuíssima, que muitos ilustres foram também plagiadores – e que ele, o plágio, apesar de uma ação sempre presente no mecanismo da produção artística, continua tendo um peso relativamente escasso no discurso sobre a criação artística ou sobre o status do artista.

Com tamanha expectativa é que fui ver “História da Arte Pirata“, um remix do clássico de 1950 “A História da Arte”, de Ernst Gombrich, criado/organizado pela artista Bia Bittencourt. A ideia do livro é a seguinte: provocada pela amiga inglesa Lyn Harris – que comanda o “Piracy Project“, projeto que tem o objetivo de criar uma biblioteca de livros de arte pirateados em Londres – Bia convidou artistas amigos e abriu uma chamada para receber colaborações no site IdeaFixa. Na chamada, ela explicou que a ideia era “funzinear” o clássico da história da arte de Gombrich – um dos livros mais conhecidos no ramo e leitura comum nos cursos de artes.

p.103, por Luciano Dehmer

Bia selecionou os materiais compilados e enviou a cada um dos artistas uma cópia da página do livro a ser recriada. De tanto material que recebeu, surgiu a ideia de fazer um livro mesmo, não “apenas” um fanzine sob a obra de Gombrich. A grana necessária para 100 cópias numeradas (R$3,5 mil) veio via Movere.me, um site de crowdfunding.

Foi assim que o livro saiu em edição impressa com CD encartado – que, como eram cópias numeradas, já está esgotado. Mas além desta surgiram mais “edições”: uma “para ver” online, outra “para roubar”, em forma de download no MediaFire, e outra em mídias para ouvir e baixar. Os nomes dos artistas participantes estão ao fim do livro, assim como dos 41 que contribuíram no Movere.me para a produção do livro.

p.119, por Ricardo Cavalera

Quando fiquei sabendo do livro, em agosto do ano passado via Caderno Link do Estadão, pensei que a obra seria uma compilação de momentos & causos saborosos de pirataria/roubo/apropriação indébita na história da arte mundial – algo que eu gostaria muito de ler.

Mas não é essa a proposta aqui. Em suas 128 páginas, “História da Arte Pirata” traz interpretações visuais (ilustrações, desenhos, gravuras, colagens) e sonoras (áudios no CD encartado que podem ser escutados no site) das antes austeras páginas do livro de Gombrich. São diversos estilos, abordagens e práticas que funcionam como (re)criações visuais que, não raro, exigem idas e vindas entre a obra pireteada e a sua derivada – algo que eu não pude fazer, por não ter o livro de Gombrich em mãos.

[No decorrer da feitura desse post, descobri que existe uma cópia do “História da Arte” de Gombrich disponível no Slideshare.]

Mas o fato de “História da Arte Pirata” estar mais para um objeto-arte do que propriamente um “livro de história” é uma surpresa das boas. As interpretações presentes na obra são instigantes, criativas, bizarras, belas, provocadoras e compõe um objeto-arte-fanzine sensacional. Permitem também uma leitura/apreciação desconexa, do tipo “abra uma página sem critério e aprecie”. E falo isso apenas olhando a versão online – provavelmente a impressa é ainda mais atrativa.

[Vendo as fotos do lançamento – uma delas logo aqui acima – na galeria Choque Cultural, em São Paulo, percebo que, neste caso, a versão impressa é REALMENTE mais interessante ].

Não ser aquela história da arte pirata que imaginei, com causos, obras, brigas e barracos envolvendo a apropriação criativa (ou não) de outras obras, traz até uma sugestão: a de que essa história precisa ser escrita – ou (re)escrita, remixada, compilada, traduzida, rearranjada, reciclada, enfim.

[Leonardo Foletto]

p.50, por Mariana Redd

p.123, por Jan Dobes

p.7, por Fernando Sanches

p.14, por Ninhol

p.71, por Silia Moan

p.94, por Christian Pinheiro

p.64, por Marcelo Rampazzo

História da Arte Pirata
Bia Bittencourt (org.) 


Créditos imagens: Livro Pirata e do lançamento.
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