Google – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Fri, 10 Mar 2023 21:34:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Google – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 A vertiginosa ascensão das IAs e do ChatGPT em 2023 https://baixacultura.org/2023/03/10/a-vertiginosa-ascensao-das-ias-e-do-chatgpt-em-2023/ https://baixacultura.org/2023/03/10/a-vertiginosa-ascensao-das-ias-e-do-chatgpt-em-2023/#comments Fri, 10 Mar 2023 13:17:32 +0000 https://baixacultura.org/?p=15196  

Faz umas quatro semanas que parei para começar a escrever sobre os diversos links que todo dia chegavam (e continuam chegando) pra mim sobre IAs e o ChatGPT. Quando parava pra ler um chegava outro texto, e outro, outro, cada um mais “definitivo” do que outro, apocalípticos e desdenhosos, otimistas e proféticos, de perspectivas diferentes . Enquanto o tempo necessário para acompanhar as discussões diminuía, a coleção de links só aumentava. Passou o carnaval e fevereiro e nada de conseguir ler tudo ou escrever sobre.

Mas eis que chegou março e, bem, os links vão continuar aumentando, como sugere o meme logo acima. Mas pelo menos aqui está um pequeno resumo/panorama do que consegui parar e ler. Até o final do ano teremos muitas mudanças nesse tópico, mas neste início de março de 2023 creio ser um bom panorama.

[Leonardo Foletto]

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O que é o Chat GPT? Esbocei, junto com duas colegas de trabalho, uma pequena definição neste texto: ele é, tecnicamente, um chatbot, um programa que tenta simular a conversação de um ser humano a partir de um modelo de Processamento de Linguagem Natural (PLN). Esse modelo é um conjunto de técnicas e princípios que permitem que uma máquina se comunique com um humano do modo mais “natural” possível. As assistentes de voz Alexa (Amazon) e Siri (Apple), por exemplo, também funcionam a partir do PLN. Contudo, o ChatGPT traz uma capacidade de simular a comunicação humana de uma forma MUITO mais sofisticada do que às encontradas nas assistentes virtuais, e aí é que começa a discussão – e as “espetaculares promessas”, como diz esse texto na Discourse Magazine, um dos primeiros de uma leva cotidiana que está debruçado a entender as promessas, transformações e revoluções possíveis a partir do sistema da OpenIA.

Aliás, começamos nessa linha: promessas, revoluções e transformações no mundo a partir do ChatGPT. Ana Busch, na Exame, faz um resgate da internet (saudosa) de outros tempos para dizer que “não adianta criticar, dizer que o bot erra, que está desatualizado, que ainda precisa caminhar muito (tudo verdade). O futuro vai se impondo dessa forma, e você tem que mergulhar antes de tomar um caldo”. Jesús Díaz, no El Confidencial da Espanha, faz uma boa análise na mesma linha: “Los analistas del Bank of America afirman que la inteligencia artificial es una revolución comparable a la electricidad. Energía, armas, medicinas o naves espaciales, todas las industrias están ya siendo transformadas por una tecnología, aseguran, que en sólo siete años aportará 15,7 billones de dólares a la economía mundial, más que el producto interior bruto anual de toda la zona euro en 2022”. Seria exagero? O tempo dirá. Porém, Jesús não deixa de apontar problemas: “En algún momento del futuro cercano, perderemos nuestra capacidad para distinguir entre los hechos y la ficción creada por las máquinas, sin importar cuántas herramientas forenses podamos idear. Resulta que, después de hablar con algunos de los principales expertos en el campo, ese “futuro cercano” ocurrirá en los próximos 10 años”.

Aqui entra um alerta para uma discussão que particularmente nos interessa: o que é cópia e original na era das IAs? Alguns pesquisadores da área computacional indicam que, em breve, a quantidade de texto/imagem gerada por IAs tende a superar toda produção humana. Dado que estes sistemas funcionam principalmente com novas apresentações de ideias que já foram geradas (e registradas em computadores), será possível reconhecer as fontes e identificar a autoria de uma informação trazida por estas IAs? Os sistemas “artificiais” – e também os “humanos”, ou seria melhor dizer para ambos “híbridos”? – de controle da informação poderão impor limites a esta proliferação e checar a veracidade daquilo que é informado? Já há casos de IAs, como a do Google Assistente, que reconhece os samplers de uma música, trechos de até menos de 1s, e essa tecnologia está apenas em sua infância. Como poderemos falar de cópia e original num mundo cada vez mais dominado por múltiplas cópias reproduzidas ad infinitum por sistemas algorítmicos “inteligentes”? Quais os riscos da reprodução e do aumento de vieses (racistas, machistas, liberais, xenofóbicos) presentes na sociedade no transporte para estes sistemas de processamento de linguagem natural (PLN) como o GPT-3?

A discussão em torno da cópia, plágio e direito autoral a partir do ChatGPT e outros sistemas de IA é uma das que mais tem rendido debate. Neste ótimo texto, Lukas Ruthes Gonçalves, doutorando pela UFPR e membro do Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial (GEDAI/UFPR), retrata os casos em que artistas processaram IAs por infringir copyrights, caso dos apps Stability.ai e Midjourney, e do como outros casos ainda estão surgindo – caso da Getty Images, que está processando a Stability.ai por supostamente usar imagens da empresa. Ele afirma que a doutrina de uso justo (fair use) e suas limitações e exceções tornaram-se um dos pilares legais dos quais os aplicativos de IA dependem. E que sua “defesa e ampliação são primordiais para que criadores e inventores possam continuar a recombinar conhecimentos existentes para criar novas e excitantes possibilidades, como faziam anteriormente com a câmera e programas de edição de imagens como o photoshop”.

Sobre usos possíveis, há também bastante gente falando. Márcio Telles, pesquisador e professor de comunicação da Tuiuti do Paraná, fez um compilado de usos possíveis (e comentários sobre) dentro da criação e edição de um texto acadêmico. “Tenho a impressão de que a IA democratiza a figura do “assistente de pesquisa” para o “Sul Global” e fura o entrave erguido entre Norte/Sul pela barreira da língua”, escreve Márcio, que vem experimentando com o sistema e postando em suas redes com alguma frequência. O que também vem fazendo o pesquisador Mushtaq Bilal em seu Twitter, em inglês, mas com uma abertura ao ptbr em uma boa thread de “Como usar o ChatGPT em dois tipos de abordagem, minimalista e maximalista”.  O pessoal do Núcleo.Jor também deu boas dicas (24 usos). Nessa editoria, mas com abertura para decorrências do uso do sistema, também entra o cientista cognitivo, pesquisador e professor brasileiro Diogo Cortiz. Dele, destaco dois posts: um sobre um primeiro artigo estruturado (segundo ele) sobre impacto do ChatGPT em tarefas de escrita, em que os pesquisadores fizeram um experimento com profissionais de qualificação média e encontraram aumento da produtividade, da qualidade da entrega e da satisfação dos profissionais. E outro sobre como o ChatGPT pode literalmente alucinar – alucinação maquínica é um termo usado na área técnica para indicar quando a máquina dá uma resposta confiante, mas sem qualquer justificativa nos dados de treinamentos. Quem já usou o ChatGPT sabe que ele inventa informações e sobretudo referências bibliográficas; mente convicto de que está certo.

No tema “problematização do uso no ensino”, vale conferir as colunas de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo, especialmente esta. “Na minha aula no Schwarzman College o uso do ChatGPT é obrigatório. Todos os trabalhos DEVEM ser feitos por ele. No entanto, a nota vai ser dada pela qualidade dos “prompts” que os alunos fizeram para chegar no resultado. Em outras palavras, vou dar a nota pela qualidade das perguntas, e não da resposta”. Em contrapartida, escolas públicas de Nova York proibiram o uso do ChatGPT. Escolas e Universidades dos Estados Unidos estão começando a repensar por completo seus métodos de ensino. “Antony Aumann, professor de filosofia na Universidade Northern Michigan, pensa em talvez abrir mão de redações em semestres subsequentes. Também pretende incluir o ChatGPT em suas aulas, pedindo aos estudantes que avaliem as respostas dadas pelo chatbot. “O que vai acontecer em sala de aula não será mais ‘aqui estão algumas perguntas –vamos discutir isso entre nós, seres humanos’”, disse ele, mas “alguma coisa como ‘e o que esse robô alienígena pensa sobre a questão?'”, como conta nesse texto do NY Times traduzido pela Folha de S.Paulo. No Brasil, o professor Márcio Carneiro, do LabCom da UFMA, está fazendo vários testes com o ChatGPT – um livro, gerado de modo experimental com o apoio do sistema da Open IA, chamado “Inteligência Artificial Generativa”, disponível pra download; e um curso, o primeiro do Brasil, de “Introdução ao Prompt Design”, onde se ensina do zero a gerar textos para várias finalidades e imagens usando ferramentas de IA, sobretudo MidJourney e o ChatGPT. Engenheiro de Prompt é a nova profissão do futuro – até que o futuro mude outra vez.

O Sciences Po, renomada universidade e centro de pesquisa francês, que teve Bruno Latour como criador de seu MediaLab, baniu o uso do ChatGPT sem evidenciar as fontes. Disse o comunicado da Instituição: “Sem referenciar de modo transparente, os alunos estão proibidos de usar o software para a produção de qualquer trabalho escrito ou apresentações, exceto para fins específicos do curso, com a supervisão de um líder do curso”. Mais do que banir, porém, o Sciences Po abriu a discussão sobre o Chat e outros sistemas de IA e determinou regras para seus usos baseados em três princípios:

_ Repensar com os professores os critérios de avaliação em prol da avaliação de competências – perante uma situação complexa, desenvolvendo um trabalho reflexivo pessoal e uma análise crítica aprofundada – em vez de uma verificação de conhecimentos.

_ Incluir ferramentas de IA nos exercícios propostos. Por exemplo, pedindo aos alunos que testem os limites da ferramenta corrigindo seus erros, verificando sua bibliografia ou examinando criticamente sua contribuição.

_ Oferecer cursos dedicados a estas ferramentas, para que os alunos tenham consciência das suas potencialidades e limitações.

Há também a discussão, claro, de mercado e concorrência. Diante da ameaça do ChatGPT, e dos testes que a Microsoft vem fazendo com o chat acoplado ao seu buscador (o Bing), o Google acelerou suas pesquisas na área e apresentou o Bard em Janeiro. A iniciativa  veio de uma diretriz geral do Google em focar seus investimentos em IA para concorrer com a Open IA e a Microsoft. O Bard é basicamente um chatbot alimentado por IA que foi projetado para ser usado em pesquisas – uma cópia do ChatGPT + Bing, portanto. Ou pelo menos era: diante dos erros em sua apresentação, que dizem especialistas custou R$100 bilhões de prejuízo em valor de mercado, a empresa tratou de desmentir que seria um buscador, mas na verdade uma outra coisa – que ninguém sabe bem o quê.

Rodrigo Ghedin, em sua coluna de 3 de março no Manual do Usuário: “O ChatGPT pode até se provar apenas uma moda passageira daqui a alguns meses, mas hoje é tido como o futuro, o que torna ameaça bastante real: trata-se do produto digital que mais rápido atingiu 100 milhões de usuários (em apenas dois meses) e, em paralelo, está chegando às pessoas de outras formas, em produtos de parceiros diversos, alguns de peso como a Microsoft e a Snap. Age como toda boa disrupção: mudando o campo de batalha. É difícil superar o Google no ato de devolver dez links relevantes e alguns anúncios numa página web após uma pesquisa. O ChatGPT troca esse paradigma por uma conversa, uma espécie de WhatsApp em que seu interlocutor é uma inteligência artificial em overdose após consumir boa parte do conhecimento já produzido pela humanidade — até meados de 2021, pelo menos”.

Há, por fim (e por hora), as questões mais problemáticas envolvendo as IAs. Elas envolvem, por exemplo, os vieses, “alucinações”, erros cometidos pelo ChatGPT e exploração de trabalhadores para “corrigir” manualmente as IAs, que nos fazem vislumbrar um cenário cada vez mais próximo de uma “Dark Digital Age”.O histórico de alucinação de cunho fascista das últimas IAs não é dos melhores; será diferente agora? Se sim, como? Quais as medidas regulatórias possíveis para que estas máquinas não virem monstros racistas, misóginos e propagadores de fake news? Há muita discussão no tema, especialmente sobre legislações possíveis. Na Europa está em discussão um projeto de lei de regulação dos sistemas de inteligência artificial (“AI Act”), proposto pela Comissão Europeia. Nos EUA, o governo Biden publicou o “Blueprint for an AI Bill of Rights”, um conjunto de princípios éticos sobre inteligência artificial. Há também um projeto de lei em andamento no Congresso americano, que busca regular as decisões automatizadas tomadas por meio de algoritmos. No Brasil, houve a aprovação do Projeto de Lei 21/20 e a criação de uma comissão de Juristas para discutir o tema e propor subsídios para um substitutivo, o que ocorreu após 9 meses de trabalho, em que foram ouvidos mais de 50 especialistas em audiências públicas multisetoriais e seminários internacionais. O resultado é um robusto relatório de 900 páginas pouco lido – mas que mereceria mais atenção. Laura Schertel Mendes, professora de Direito na UNB, comenta sobre ele e o processo de regulação nesse bom texto em O Globo.

Encaminho mais alguns links soltos de bons textos, revistas, que saíram nesses últimos meses sobre o tema:

_ Dossiê  Comunicação na Era da Inteligência Artificial: da ideologia neoliberal ao colonialismo de dados. Revista Fronteiras, Unisinos.

_ Nem Humanas Nem Artificiais: 10 pontos para entender a Chat GPT e as qualidades conectivas das hiper Inteligências Castells, Massimo De Felice.

_ André Lemos em sua newsletter no Substack: “O que fazemos, nos processos educativos é sugerir livros acadêmicos, artigos, romances para ler e pedir que se produza juízo crítico, reflexão, debate. Devemos fazer o mesmo com os sistemas de IA. Ninguém pensa hoje em banir os livros por poderem ser copiados, ou pela possibilidade de uma biblioteca substituir um professor. (…) Você conhece algum professor no seu dia-a-dia que não use o dispositivo informacional livro?”

_ Matéria de capa de fevereiro da Super Interessante: O futuro da Inteligência Artificial e o que vem depois do ChatGPT (com paywall).

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The Cleaners – Enxugando gelo na Caixa de Pandora https://baixacultura.org/2022/03/31/the-cleaners-enxugando-gelo-na-caixa-de-pandora/ https://baixacultura.org/2022/03/31/the-cleaners-enxugando-gelo-na-caixa-de-pandora/#respond Thu, 31 Mar 2022 20:50:27 +0000 https://baixacultura.org/?p=13947 Escrevi esse texto abaixo a partir do documentário “The Cleaners“, dirigido por Hans Block e Moritz Riesewieck (2018) para uma mostra de filmes alemães do Instituto Goethe de Porto Alegre, em 2021. Cada vez mais atual, o documentário aborda questões de vigilância, liberdade de expressão, monopólios de comunicação e uso de dados a partir do trabalho das pessoas responsáveis por filtrarem e apagarem conteúdos de sites de busca e redes sociais. O filme não está mais disponível na mesma mostra, mas pode ser encontrado via torrent e em outros lugares. O trailer está no YouTube. Há também um TED sobre e a partir dele, com os mesmos diretores. Recomendo tudo.

[Leonardo Foletto]

​Enxugando gelo na Caixa da Pandora

Em On Technical Mediation, um texto de 1994 hoje clássico dos estudos de ciência e tecnologia, o filósofo Bruno Latour apresenta uma ideia de mediação tecnológica que ilustra como se dá a relação entre ser humano e tecnologia. Ele faz isso ao analisar dois slogans relacionados a associações favoráveis e contrárias à venda de armas: Guns kill people e People kill people, not guns. O primeiro seria, a grosso modo, materialista, pois considera que as armas de fogo (objetos) matam pessoas, enquanto o segundo seria humanista, ao dizer que pessoas – e não armas – matam pessoas, considerando a arma como neutra, apenas um meio para um fim. Latour, então, vai dizer que nem arma nem cidadão são responsáveis pelo ato de matar: a responsabilidade é dividida entre os vários atores envolvidos na ação.

“Você é diferente com uma arma na mão; a arma é diferente com você segurando-a. Você é um outro sujeito porque segurou a arma; a arma é outro objeto porque ela entrou em uma relação com você ”. (LATOUR, 1994, p.33)

Desde a ascensão das redes sociais como principal meio onde as pessoas agem e interagem na internet, a perspectiva de mediação como algo em movimento entre o ser humano e um objeto técnico tem ganhado força para explicar um outro fenômeno caro aos estudos de ciência e tecnologia, a agência de uma dada tecnologia na ação humana. O quanto uma rede social como o Facebook, uma assistente pessoal como a Alexa ou as câmeras do VAR fazem os seres humanos fazerem coisas? Seria uma rede social responsável pela perseguição a uma minoria étnica num país como Mianmar, ou são as pessoas do país (especialmente o clero budista) que perseguem os muçulmanos orohingyas há décadas e que agora, alimentados por mentiras espalhadas na rede social, tiveram as condições ideais para aumentar essa perseguição a ponto de desencadear assassinatos? Qual o limite de responsabilidade de uma tecnologia e do ser humano? Podemos “jogar a culpa” pela morte de alguém – ou pela queda de um regime democrático, ou pela eleição de um político fascista – em uma rede social?

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“The Cleaners”, documentário dirigido pelos alemães Moritz Riesewieck e Hans Block, é um exemplo contundente de como um sistema técnico pode fazer outros fazerem coisas – terríveis, neste caso. O filme, lançado em festivais em 2018, mostra como empresas de tecnologia dos Estados Unidos (especialmente Facebook) contratam empresas filipinas para excluir da rede casos de exploração infantil e apologia ao terrorismo. O país asiático é um polo dos chamados moderadores de conteúdo, um exército de quase 150 mil pessoas espalhadas pelo mundo contratados pela rede social criada por Mark Zuckerberg para “faxinar”, 24 horas por dia, 7 dias por semana, as páginas da rede social e excluir conteúdo que não estaria de acordo com as diretrizes da comunidade da empresa.

É um trabalho torturante, marcado por horas diárias assistindo milhares de cenas violentas – suicídios, estupros, cabeças decepadas, explosões, entre muitas outras formas de violência explícita, discurso de ódio, pedofilia, propaganda terrorista e bullying diversos. Como um Tinder da violência extrema, um moderador assiste uma imagem (foto ou vídeo, principalmente) e, em 9 segundos, precisa marcar “Delete” ou “Ignore” num software; são cerca de 25 mil imagens por dia. Sistemas de inteligência artificial ajudam, mas não detectam tudo, e aí que entra o trabalho dos moderadores, que passam por treinamentos precários por funcionários mais experientes da empresa – como se pudesse haver algum tipo de treinamento psicológico para um ser humano dar conta de digerir a visão diária de imagens torturantes como as que são categorizadas pelos cleaners.

O documentário também mostra imagens da vida cotidiana dos moderadores de conteúdo da Filipinas, os caminhos tortuosos que fazem nos lotados transportes coletivos do país asiático para irem de suas casas a até sede da empresa, uma parte de seu trabalho (dos que se dispuseram a mostrar), algo de suas vidas como pessoas “normais”. Há uma moderadora que, religiosa fervorosa, vê seu trabalho como uma missão para livrar os pecados do mundo – enquanto sonha com os diferentes formatos e cores de pênis que se acostumou a ver no trabalho. Outro gosta de ir a shows sexy de um grupo de dançarinas apoiadoras do atual presidente, o ditador Rodrigo Duterte – que, em uma cena mostrada no filme, fala do assassinato em massa dos judeus pelo Nazismo de Hitler como inspiração ao que ele quer fazer com os usuários de drogas em seu país. O documentário contrapõe cenas da realidade dos moderadores em Filipinas com depoimentos de pessoas que trabalham ou trabalharam nas Big Techs dos Estados Unidos, como Google e Facebook. À realidade crua da vida de pessoas de um sul global empobrecido, o filme contrapõe as imagens anódinas dos Senadores estadunidenses em sabatina com executivos destas empresas no Congresso – que tergiversam e não respondem diretamente sobre a responsabilidade de suas empresas na propagação de discursos de ódio em seus complexos sistemas algorítmicos.

Reprodução filme

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Algumas perguntas são inevitáveis: o Facebook faz as pessoas fazerem coisas, como cometer assassinatos? O sistema de recomendação dos canais relacionados do YouTube, ao estimular o “mergulho” em determinados assuntos segregados, está formando um exército de neo-fascistas? É o espalhador de informação falsa ou o responsável pelo sistema técnico (o “meio”) que deveria ser punido quando seus atos têm consequências diretas na realidade? Voltando a Latour: você é diferente com um computador e uma conta de Facebook à disposição para publicar qualquer informação? O Facebook é diferente com você a tornando uma máquina de desinformação e discurso de ódio?

Nos estudos que consideram a mediação como um ato dividido entre os vários atores envolvidos na ação, sejam eles humanos ou não, há um lema corrente: siga os rastros. A atenção para o movimento, para o que está circulando, determina que não é possível saber, a priori, o que está importando em uma dada ação. Todo movimento deve então ser analisado com a mais farta documentação possível. Assim é que se cria a chance de determinar quem age modificando o comportamento dos outros atores, fazendo eles fazerem coisas, e quem age sem modificar – ou modificando de forma a não deixar rastros visíveis.

Há cada vez mais pesquisas que mostram que sistemas técnicos como o Facebook e o Google não apenas modificam a ação dos atores humanos no processo – como modificam muito. O espalhamento de informações falsas, por exemplo, hoje chamadas fake news, existe desde que o primeiro homem mentiu para sua tribo sobre o sucesso (ou não) da caça de um animal. Mas ganha um escala até então inédita na história com sistemas de circulação de informação rápidos, ponto a ponto, privados e pessoais, sem possibilidades de filtragem de conteúdos, que atingem milhares de pessoas em questão de minutos, como é o caso que ocorre num sistema de troca de mensagens instantâneas como o WhatsApp. O discurso de ódio e a violência explícita de um ser humano contra outro por motivos religiosos existe desde que se inventou a religião, há milhares de anos. Mas a possibilidade dessa mesma violência ganhar circulação imediata para milhares de pessoas, e ao se espalhar motivar ainda mais violências, sem possibilidades de filtragem à tempo de serem evitadas, tem ocorrido de forma inédita na história da humanidade a partir da ascensão das redes sociais como o principal canal de circulação de informações do mundo. O que diferencia um momento do outro, a escala de antes para a de hoje? Entre outros fatores, principalmente a ação das tecnologias.

Poderia citar também diversos outros casos em que a ação das tecnologias sobre comportamentos humanos trouxe resultados amplamente benéficos, como os remédios, as vacinas, os tratamentos contra doenças até então incuráveis – para ficar apenas no campo mais evidente da saúde. Mas é certo que as tecnologias digitais das últimas décadas, criadas por pessoas em suas bolhas ricas de países de Primeiro Mundo, trouxeram mudanças comportamentais profundas. Um empreendedor branco do Vale do Silício como Zuckerberg jamais imaginaria que o uso massivo de uma rede social que ele criou para “classificar mulheres” de sua Universidade poderia provocar um linchamento em Mianmar, caso tratado em “The Cleaners”. O advento de algumas tecnologias não criam sozinhas problemas, mas tal qual uma Pandora contemporânea, estão abrindo a caixa de males e amplificando-os até limites que ainda não sabemos.

Hoje, somos todos outros porque usamos redes sociais como o Facebook e o YouTube; e estas tecnologias são cada vez mais outras quando entram em contato com mais e mais humanos sedentos por comunicar. Que outros seremos quando informações falsas e discursos de ódio podem circular em sistemas técnicos da mesma forma, de igual para igual, que verdades checadas e apuradas por diversas fontes? Que outras tecnologias estão se desenvolvendo quando estas mostram ter cada vez mais ação comprovada sobre atos de violência e extermínio de seres humanos e de todo o ecossistema ambiental? Como tomar medidas para regular a agência das tecnologias sobre a vida humana e o planeta que não pareçam que estamos a enxugar o gelo – ou seja, ações que na superfície podem parecer funcionar, mas que a médio prazo se tornam apenas paliativos porque não mexem de forma substancial no sistema econômico que lucra com a afirmação e a propagação da violência da mesma maneira que com verdades e informações verdadeiras e que respeitam e cuidam da vida humana?

Estamos diante do maior dilema da nossa geração.

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Como pesquisar na web anonimamente https://baixacultura.org/2018/10/24/como-pesquisar-na-web-anonimamente/ https://baixacultura.org/2018/10/24/como-pesquisar-na-web-anonimamente/#respond Wed, 24 Oct 2018 15:40:26 +0000 https://baixacultura.org/?p=12599

A internet é tão intrínseca ao dia-a-dia moderno que esquecemos de observar a sua estrutura, o espaço que habitamos dentro dela. É como andar de carro: nós nunca prestamos atenção do que são feitas as paredes internas e o forro. O problema é quando o forro pode ser ruim para você. Pra ser claro o bastante, vou começar descrevendo o grande cenário e então ampliar um ponto específico, fazendo um verdadeiro zoom in em câmera lenta, pra que possamos entender a importância da coisa toda.

GRANDE CENÁRIO: O ACESSO À INTERNET

A forma como navegamos na internet está mudando. Desde o ano passado, os brasileiros acessam mais a rede pelo celular do que pelo computador. 49% das pessoas hoje em dia não usam mais computador. [1] No mundo, 99,6% dos smartphones têm como sistema operacional o Android ou iOS, sendo que 81,7% disso é só o Android. [2]

Ou seja: atualmente, o Android é o meio de acesso à internet mais popular que existe no Brasil.

A página oficial do Android é essa. [3] Pra quem não sabe, esse é um sistema operacional de código aberto, que pode ser modificado pelo usuário. É desenvolvido pelo Google. Ele está disponível de forma gratuita para que possa ser usado por qualquer pessoa ou empresa que queira colocar um sistema operacional no seu dispositivo móvel.

É como se metade do serviço já estivesse resolvido de largada. Basicamente o que todas as empresas desenvolvedoras de smartphone fazem hoje em dia é o seguinte: se debruçam sobre a concepção do aparelho – seu processador, memória, design da tela, câmera, alto falante, resistência à água, etc. Depois entram no site que referenciei, baixam o Android e instalam no aparelho, fazendo pequenas modificações pra parecer personalizado pela empresa. Assim o usuário tem a impressão que tem um celular da LG que não é igual, e ter a leve ilusão de que é um sistema melhor do que, o seu antigo aparelho da Samsung, ou qualquer empresa que seja.

Ok, agora entra a dúvida econômica: o que o Google ganha por disponibilizar um sistema operacional inteiro e completo pra que quase todo o mercado de telefones celulares do mundo se aproprie da coisa e não precise distribuir o seu próprio, se ele não cobra nada por isso?

AMPLIANDO (1): A EMPRESA GOOGLE E SEU MODELO DE NEGÓCIO

Resposta: informação.

O que ele ganha é pura e simples quantidade infinita e incalculável de informação provinda de bilhões de usuários que são obrigados a criar um cadastro, vinculando nome, email e senha, pra acessar o aparelho.

Percebam: tu comprastes um celular belíssimo, de até cinco mil reais, um verdadeiro milagre da tecnologia, capaz de tirar fotos que nenhum profissional já tenha visto em um aparelho tão compacto, capaz de reproduzir som como um rádio de parede faria nos anos 50, mas tu não pode usar ele, a menos que coloque o nome e o email na primeira tela do aparelho.

Você é obrigado a dividir suas informações se quiser usar o aparelho que você já comprou! É uma nova relação, totalmente inédita no capitalismo. Não basta você adquirir. Agora você é parte da coisa. Fica perceptível: o acesso ao sistema Android é um serviço não fornecido pelo aparelho celular que você comprou. O sistema Android é um serviço remunerado pelo usuário. Mas ele não é pago financeiramente. Ele é pago com informação: dados pessoais.

É genial a atitude de lançar um sistema operacional trabalhando como grande coletor de dados, e oferecer de graça para as fabricantes de telefone. O modelo de negócio do Google é baseado em monetizar dados de uso das pessoas. Esses dados se transformam em informação segmentadíssima para que as empresas possam direcionar seus anúncios. O Google vende o oposto de um outdoor: em vez de fazer um banner gigantesco visualizado por todos os tipos de públicos e torcer pra que as pessoas certas enxerguem o novo produto, o anúncio vai diretamente para aqueles que certamente têm algum tipo de vínculo com o produto novo. Quantos de nós já pesquisamos “Nike” no Google e passamos semanas visualizando anúncios de tênis da empresa, como se fosse mera coincidência? O usuário é considerado uma verdadeira ovelha no esquema, um consumidor passivo, e que não vai notar que está sendo caçado. E será que não deixamos de reparar nessas coisas, realmente?

Quem vai pagar para anunciar num outdoor ou num jornal quando uma empresa de tecnologia te promete enviar anúncios para as pessoas exatamente certas, por um preço menor e por menos trabalho? Por que por um preço menor e por menos trabalho: porque o Google coleta os dados de graça do usuário. Ele não precisa nem pedir, já estamos fornecendo instantaneamente a todo momento.

AMPLIANDO (2): OS DADOS COLETADOS PELO ANDROID

Diversos tipos de informação, como a sua localização ou quantos e quais aplicativos estão baixados, são acessáveis para o Google. Está nos termos de uso. O que se pode fazer sobre isso? A menos que se comece a utilizar outro sistema operacional, não baseado em algum login, nada. O mercado está bem centralizado entre ter uma conta Google ou uma conta do iCloud.

Recentemente, uma investigação da Associated Press demonstrou que o Google rastreia sua localização através do GPS do celular, mesmo que a opção “localização” esteja desativada. [4] Estão armazenados nos servidores da empresa na Califórnia, nos Estados Unidos, exatamente todos os lugares que tu frequentas levando o celular no bolso.

Seria melhor começar a deixar ele na gaveta. Mas como parar de usar o Android? Meio difícil, já que ele é a única opção popular no mercado além do iOS, oferecido pela Apple pra quem compra um iPhone.

AMPLIANDO (3): COMO SE NÃO BASTASSE O ANDROID, AINDA TEMOS OS APLICATIVOS DO GOOGLE

Perceba: os dados que eu comentei são aqueles adquiridos apenas pelo Android. Devemos levar em consideração ainda os dados que são enviados para o Google através dos aplicativos da empresa que estão nativamente no aparelho, e possivelmente são usados pelo usuário.

Sim, porque ao usar o Chrome, o buscador Google, o Youtube, o Play Música, o Fotos, o Tradutor, e diversos outros aplicativos da empresa, esse acesso é vinculado ao seu email e sua conta Google, e enviado para os bancos de dados da empresa. É possível criar a identidade da pessoa através do uso do celular. O Google pode saber quando você ficou solteiro, se localizar o momento que você adquiriu e instalou o Tinder no seu celular, por exemplo.

Recentemente, o Google recebeu uma multa de 19 bilhões de dólares da União Europeia, pelo que foi considerada uma atitude monopolista de mercado [5]: o buscador do Google e o navegador Chrome vêm como ferramentas padrão do sistema, favorecendo os próprios produtos. A empresa se comprometeu a mudar essa configuração, como resposta à multa. Nas próximas atualizações do Android, então, apesar dos aplicativos certamente continuarem instalados, eles não vão ser mais os “programas padrão”.

O efeito dessa medida é relativo, porque nada impede do usuário de transformar tanto o navegador quanto o buscador em padrões novamente, já que esses são os mais famosos e mais naturalizados dentro da cabeça das pessoas.

E a menos que tu não se importe nem um pouco de ser explorado por uma empresa e não ache que o livro 1984 termine tão mal assim, é importante pensar em formas de diminuir o sequestro de seus dados pessoais.

Então entra a parte menos entristecida desse texto: se não há muitas opções sobre o que fazer para não ser rastreado, pelo menos podemos mitigar o problema, e atuar positivamente em direção a outros serviços, que não baseiam seu modelo de negócios em utilizar dados do usuário, e valorizar essas empresas.

AMPLIANDO: UMA SUGESTÃO DE APLICATIVO PARA DIMINUIR O SANGRAMENTO DE DADOS

De dentro do Android, infelizmente ainda não temos soluções de saída. Mas podemos buscar alternativas para os aplicativos da empresa que são usados com naturalidade pelo usuário.

Nesse artigo quero apresentar uma das possíveis opções para vários serviços do Google. Uma alternativa à solução do Google mais clássica de todas – e que fez a empresa ser a gigante bilionária que é hoje: o buscador.

Talvez um ou outro usuário da internet mais aventurado já tenha ouvido falar no DuckDuckGo, mas acredito que a maioria não. Por isso acho tão importante apresenta-lo: o buscador do pato já existe há dez anos e se tornou relativamente famoso pela sua política avessa ao Google.

O DuckDuckGo foi criado em 2008 e divulgado primeiramente para usuários do Reddit. Pouco menos de um ano depois de entrar no mercado, eles aderiram à política de não rastrear o usuário, e se tornaram conhecidos pelo ousado outdoor lançado em 2011, na estrada californiana que leva à sede do Google, em que anunciam: “O Google te rastreia. Nós não.”.

Entrando em duckduckgo.com, é muito fácil de assimilar os conceitos da empresa: logo é sugerido que seja instalada uma extensão no navegador que bloqueia os anúncios e rastreadores do Google espalhados pela internet. (Sim, eu nem cheguei a mencionar isso, mas o Google não só coleta informações através de pesquisas no navegador e o uso direto dos aplicativos deles, mas também com rastreadores em até 75% dos sites da internet.)

A empresa tem como principal bandeira a privacidade do usuário. No seu blog, chamado Spread Privacy (Espalhe Privacidade, em português), eles dão dicas de como navegar com segurança online. Ao entrar no seu site pela primeira vez, é sugerido que torne o DuckDuckGo o navegador padrão, e use a ferramenta de bloquear os rastreadores do Google.

“Mas nenhuma empresa seria benevolente à toa. O que eles ganham com isso? Se anúncios dão dinheiro através da coleta dos dados, como eles podem se sustentar?” Você pensa, cético, questionador. E tem razão. Nós sempre devemos desconfiar ao adotar sugestões, especialmente de empresas digitais, que hoje em dia trabalham todas com informação.

Talvez eu me prove errado em algum momento futuro, mas a verdade é que o modelo de negócios do DuckDuckGo não envolve a personalização dos anúncios e resultados de busca. A empresa ganha dinheiro através de cliques em anúncios também, mas não aqueles baseados nos seus interesses, e sim naquilo que foi pesquisado. A segunda fonte de receita da empresa é uma parceria com Amazon e Ebay: os resultados de busca para esses sites apresentam códigos personalizados do DuckDuckGo. Caso você compre em algum desses sites através da pesquisa feita no DDG, eles ganham uma comissão.

Como eu sei que o buscador é seguro? Porque ele não tem nenhum tipo de login. Perceba: a forma das empresas vincularem os dados coletados à alguma pessoa é através do email e senha que são cadastrados no início do uso. Isso serve pra todos os aplicativos. Justamente por isso eu evito instalar aplicativos que pedem login, e quando não tenho alternativo, uso um email “falso”, que serve só pra esse tipo de cadastro, especialmente em aplicações muito específicas, que se tornam inúteis fora daquela função que eu preciso naquele momento.

Outro fato que valida a integridade da ferramenta de busca é o fato de ter se tornado, recentemente, o buscador padrão do navegador Tor, o mais seguro da internet.

AMPLIANDO: COMO INSTALAR E UTILIZAR O DUCKDUCKGO

Acho que quanto à instalação, não precisamos esticar muito. Baixando o aplicativo no celular, ele te sugere que se transforme no buscador padrão, e você ainda pode acessá-lo diretamente colocando na sua tela inicial e clicando em cima.

No navegador, ao entrar no site duckduckgo.com, ele te sugere instalar a extensão que transforma o DuckDuckGo em buscador padrão e também bloqueia os rastreadores do Google. Caso não queira fazer isso, também é possível torná-lo apenas buscador padrão, mexendo nas configurações do navegador. Nesse caso, siga o passo a passo de Rodrigo Ghedin no jornal Gazeta do Povo. [6]

Usar o DuckDuckGo é diferente do Google especialmente nos resultados. O usuário estranha no início a falta de personalização, mas eu considero os resultados impessoais melhores e mais interessantes.. No caso do usuário estar buscando uma comodidade do dia-a-dia, como, por exemplo, “chaveiro”, é possível que os resultados não sejam úteis, caso tu não descreva a cidade em que está. O DuckDuckGo não possui nenhuma forma de saber a sua localização, e nesse sentido ele não pode ajudar. Então, em vez de escrever só “chaveiro”, é melhor escrever “chaveiro (nome da cidade)”.

No mais, os resultados diferentes são muito bons para abrir a mente do usuário. Normalmente, a primeira página de resultados do Google é sempre igual, e direciona para os mesmos sites: o Youtube, alguns sites de notícias mais famosos, etc. Para encontrar conteúdo baixável, por exemplo, é muito melhor usar o DDG. No Google, devido à restrições de direito autoral, os resultados são quase sempre uma busca infrutífera.

DESVIANDO: CONSIDERAÇÕES SOBRE PRIVACIDADE

O objetivo aqui não é apresentar o DuckDuckGo como uma ferramenta final capaz de te salvar da exploração de dados feita na internet atualmente. Acho que isso fica claro especialmente pela limitação do uso: a empresa atua somente como ferramenta de busca (e bloqueador de rastreadores, caso seja baixada a extensão). Esse é um dos serviços fundamentais que usamos na internet, mas muitos outros continuam a nos rapinar, em níveis muito mais básicos de acesso, como o que foi mencionado sobre o Android.

Edward Snowden já falou muito mais e melhor sobre isso do que eu. Nenhuma ferramenta sozinha garante privacidade na internet. [7] Estamos cercados pelo sequestro de informação, especialmente porque se tornou parte do modelo de negócios de várias empresas.

A apresentação do DuckDuckGo que faço tem como objetivo específico convencer o leitor a mudar de buscador. Mas tenho esperança no objetivo geral demonstrar algo maior que isso: mudar o pensamento relacionado ao consumo de ferramentas e aplicativos. Depois do escândalo Cambridge Analytica, foi amplamente difundida a frase “se o serviço é grátis, o produto é você”, que já circulava entre as iniciativas mais preocupadas com privacidade da rede. Apesar disso, a ponte para o usuário atravessar, o caminho para abrir mão dos serviços coletores de dados, ainda é espinhoso e pouco claro.

Basicamente, quando se utiliza algum serviço online, deve se observar a presença do cadastro e aceitação dos termos de uso: imagine que absolutamente tudo que é feito dentro da aplicação estará relacionado ao seu email, nome de usuário e senha.

O quanto daquilo que se faz dentro do aplicativo você quer que seja conhecido? Por exemplo: muita gente não se dá conta que acesso ao Google Chrome logado na conta Google, mas o faz, e todo seu histórico é salvo e relacionado à sua forma de utilizar a internet. E tudo isso conta na hora de desenhar o seu perfil e vendê-lo aos anunciantes.

Quanto à isso, podemos agir de forma positiva, procurando serviços que não se baseiam em coleta de dados para tornarem-se viáveis. E depois disso, podemos esperar pela ação capitalista: se as empresas de tecnologia e informação não conseguirem mais segmentar os usuários, anunciantes buscarão outros meios, e o modelo estará diminuído – até possivelmente encerrado.

CONCLUSÃO: O QUE INTERESSA À UMA EMPRESA

O DuckDuckGo defende que é possível uma organização se sustentar sem roubar os dados do usuário. Acho que você e eu poderíamos defender também.

Victor Wolffenbüttel

REFERÊNCIAS

[1] https://tecnoblog.net/252838/celular-principal-meio-acesso-a-internet-brasil-tic-domicilios-2017/

[2] https://www.theverge.com/2017/2/16/14634656/android-ios-market-share-blackberry-2016

[3] https://developer.android.com/

[4] https://tecnoblog.net/255495/google-privacidade-historico-localizacao/

[5] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/07/uniao-europeia-multa-google-em-r-19-bi-por-pratica-anticompetitiva-com-android.shtml

[6] https://www.gazetadopovo.com.br/manualdousuario/trocar-google-duckduckgo/

[7] https://theintercept.com/2015/11/12/edward-snowden-explains-how-to-reclaim-your-privacy/

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https://baixacultura.org/2018/10/24/como-pesquisar-na-web-anonimamente/feed/ 0
Novo zine: A Ideologia Californiana https://baixacultura.org/2018/10/01/novo-zine-a-ideologia-californiana/ https://baixacultura.org/2018/10/01/novo-zine-a-ideologia-californiana/#respond Mon, 01 Oct 2018 16:54:27 +0000 https://baixacultura.org/?p=12578

“A Ideologia Californiana”, de Richard Barbook e Andy Cameron, é o nosso próximo lançamento em zine. Com introdução do editor do BaixaCultura, Leonardo Foletto, e tradução de Marcelo Träsel (professor de jornalismo da UFRGS), é uma parceria com a Editora Monstro dos Mares, que fez o projeto gráfico. Será o primeiro de uma coleção publicada em parceria chamada “tecnopolítica”, que busca trazer textos considerados clássicos e outros inéditos sobre a vasta discussão em torno da tecnologia e suas relações com a sociedade, a cultura e a comunicação.

Estamos combinando para novembro um primeiro lançamento do zine, com convidados e debate, em Porto Alegre, avisamos a data por aqui. Um trecho da introdução, remixada dessa postagem do site: “Barbrook e Cameron definiam a tal ideologia como uma improvável mescla das atitudes boêmias e antiautoritárias da contracultura da costa oeste dos EUA com o utopismo tecnológico e o liberalismo econômico. Dessa mistura hippie com yuppie nasceria o espírito das empresas .com do Vale do Silício, que passaram a alimentar a ideia de que todos podem ser “hip and rich” – para isso basta acreditar em seu trabalho e ter fé que as novas tecnologias de informação vão emancipar o ser humano ampliando a liberdade de cada um e reduzir o poder do estado burocrático.(…) A explosão da bolha especulativa das empresas de internet no final dos 1990 poderia ter servido como um alerta sobre onde esse pensamento poderia levar o planeta, mas a sedução da ideologia californiana persistiu e se espalhou com a ajuda do Google, Facebook, Apple, Amazon e vários outros dos gigantes do Silício que hoje fazem parte da nossa vida cotidiana. A ideia de um mundo pós-industrial baseada na economia do conhecimento, em que a digitalização das informações impulsionaria o crescimento e a criação de riqueza ao diminuir as estruturas de poder mais antigas em prol de indivíduos conectados em comunidades digitais, prosperou. E hoje, queiramos ou não, predomina na nossa sociedade digital.”

As fotos são de Tiago MX, da Monstro, também autor do projeto gráfico do site.

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Diálogos Abertos #3: Fake news https://baixacultura.org/2018/07/25/dialogos-abertos-3-fake-news-liberdade-de-expressao-e-as-eleicoes-2018/ https://baixacultura.org/2018/07/25/dialogos-abertos-3-fake-news-liberdade-de-expressao-e-as-eleicoes-2018/#respond Wed, 25 Jul 2018 14:40:51 +0000 https://baixacultura.org/?p=12468

 

Dando sequência ao nosso papo tecnopolítico & cultural digital presencial e por streaming, vamos realizar a terceira edição do Diálogos Abertos sobre a onipresente e complexa questão das fake news. Já faz algum tempo que temos sido bombardeados de todos os lados com informações falsas sobre os mais variados assuntos, em especial a política e em redes como o WhatsApp e o Facebook. Esse bombardeio tem causado efeitos problemáticos para nossa vida em sociedade e, principalmente, para o sistema político tal qual conhecemos hoje, haja vista a decisiva participação de bots e agentes desinformadores nas campanhas do Brexit inglês e da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. É necessário combater essas informações falsas, sob o risco de esses efeitos se espalharem ainda mais, mas quais são as formas existentes de frear as fake news? É possível a construção de uma lei que seja razoável sobre o assunto? Como o jornalismo e as agências de checagem de fatos (“Fact checking”)podem contribuir para esse trabalho? e com que recursos farão o trabalho árduo, caro e cansativo que é o de checar a vericidade de informações?

Esse texto da Tatiana Dias publicado no Intercept Brasil levanta outras questões importantes: “as megaempresas do Vale do Silício podem investir o quanto quiserem em iniciativas de checagem de fatos – é uma boa maneira de aliviar a consciência –, mas nada muda o fato de que o coração de seus modelos de negócio é que cria um ambiente fértil para a desinformação.” Os esforços coletivos de construção de credibilidade são importantes, mas paliativos para um problema muito mais estrutural, que é o modelo de negócio da internet hoje, baseado na comercialização dos dados e na economia de atenção. O jornalismo tradicional não tem como (ou não quer) atacar esse problema com esmero porque, entre outros motivos, perdeu o poder (financeiro, estrutural, de inovação) de outrora para as grandes empresas do Vale do Silício. Então prefere se aliar a elas em iniciativas como a Comprova, um consórcio de 24 organizações jornalísticas (em sua maioria, mídias tradicionais) e, com isso, tentar resgatar sua credibilidade combalida pelos contínuos erros (ou desvios), em especial no Brasil pós-2013. Nesse caso específico, fica um acordo em que ambos saem ganhando: os principais responsáveis pela disseminação de informações falsas na rede mostram algum movimento para combater o que criaram, ainda que não atacando o principal motivo (seu próprio modelo de negócios); e o jornalismo tem uma chance para resgatar a credibilidade perdida e, num momento de escassez, angariar recursos com quem mais tem feito dinheiro hoje, justamente as gigantes do Vale do Silício.
Para o debate, teremos como convidadxs:
_ Naira Hofmeister, jornalista que já trabalhou para diversos veículos do Brasil e do exterior, premiada três vezes com o ARI de Jornalismo, o mais tradicional do Rio Grande do Sul. Especializada em grandes reportagens, vem desenvolvendo nos últimos anos matérias investigativas financiadas por leitores, como é o caso do Dossiê Cais Mauá e do Dossiê Palcos Públicos, de Porto Alegre, e é uma das jornalistas que está à frente da Filtro Fact-checking, iniciativa que vai checar informações de fatos, dados e declarações públicas com foco no Rio Grande do Sul, em campanha de financiamento coletivo no Catarse;
_ Nicholas Nether, advogado, mestre em Direito e Especialista em Direito Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP).

O debate terá a condução dos integrantes da CCD POA Janaína Spode, produtora cultural e ciberativista nas lutas pelos avanços políticos para reforçar os Direitos Humanos no mundo digital;  Fabricio Solagna, doutorando em sociologia pela UFRGS com pesquisa focada em governança da Internet e Marco Civil na Internet e que já realizou projetos de participação digital no governo do RS e na presidência da República; e Leonardo Foletto, doutor em comunicação pela UFRGS e editor desta página.

Diálogos Abertos #3 será realizado no cr1pto espaço criativo, local onde antes funcionava a lanchonete vegana Pasito, ao lado do Bar Opinião, no coração da Cidade Baixa, às 19h, em Porto Alegre. Teremos cafés, chás, mate e algumas comidinhas. Transmissão ao vivo via canal do Youtube do BaixaCultura, depois o vídeo será disponibilizado aqui. Tudo de grátis, só chegar.
Atualização 26/7:
As duas partes da conversa estão aqui abaixo, depois uma sequência de fotos do evento.
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Ressaca da Internet, espírito do tempo https://baixacultura.org/2018/07/09/ressaca-da-internet-espirito-do-tempo/ https://baixacultura.org/2018/07/09/ressaca-da-internet-espirito-do-tempo/#respond Mon, 09 Jul 2018 14:52:22 +0000 https://baixacultura.org/?p=12462

Escrevo e acompanho as discussões, avanços e retrocessos da internet e do que se convencionou chamar de cultura digital desde 2008, quando nasceu o BaixaCultura. Já se foram 10 anos e tanto mudou nesse período que posso apontar, não apenas questões pontuais, mas todo um espírito do tempo (como dizem os alemães, zeitgeist) diferente hoje. Que pode ser resumido numa expressão que tenho usado faz alguns meses por aí: ressaca da internet. Depositamos tantas possibilidades de libertação (da informação de grandes grupos midiáticos, de liberdade de falar o que bem quiser, de criar tecnologias e mundos novos) que nos descuidamos, ou não conseguimos, prestar atenção na ascensão dos monopólios das empresas de tecnologia, na construção de bolhas de informação que confirmam pontos de vista e na cada vez mais real possibilidade da internet virar uma TV a Cabo, com o já proclamado fim da neutralidade da rede. Tomamos um porre de otimismo. E agora – ou melhor, desde pelo menos 2016 – estamos na fase de ressaca, refém dos monopólios da internet, da comercialização de qualquer dado deixado na rede, das fake news chegando de todos os lados. Distopia pura.

O cerceamento da internet por empresas privadas como o Google, Facebook, Amazon e Apple é um dos elementos principais na construção desse espírito. O que resta da internet hoje se não as plataformas, softwares e dispositivos dessas empresas? Para a maioria da população brasileira e mundial, pouco. Cerca de 70% dos brasileiros acessam a rede pelo celular e, não raro, só entram em serviços como o Facebook, WhatsApp e Instagram quando conectados, todos da mesma empresa. Existem outras opções de buscadores ao Google, por exemplo (o DuckDuck é o principal deles), e de sistemas operacionais de smartphones ao Android e o IoS da Apple, mas olhe para o lado e veja quantas pessoas de fato usam estas alternativas? A internet já é hoje o que muitos de nós ativistas por uma internet livre temíamos: um grande jardim murado, onde cada vez mais quem dá as cartas do que e como acessar são grandes empresas privadas com sede nos EUA.

Lembro bem, no final de 2011, quando escrevi um relato sobre a luta pela defesa dos princípios da internet, como a neutralidade da rede, a partir da fala de Yochai Benkler na abertura do Festival Cultura Digital.br. Já naquela época o questionamento sobre o fim da neutralidade da rede e o crescimento dos grandes monopólios era assunto corrente, embora não com tanta presença quanto hoje. Na época, comecei o texto com a pergunta: “é utopia pensar em uma internet democrática e livre, sem privilégios de acesso e tráfego de dados para nenhum lado, assim como foi definido nos princípios do desenvolvimento da rede?” Partindo daí, contei um causo que presenciei em sala de aula, numa das inúmeras vezes que falei de cultura e licenças livres para alunos de comunicação, em que um aluno perguntou se manter a internet livre não seria uma utopia, ou então uma ingenuidade. Respondi, na época, que não: “A internet foi criada assim, como uma rede descentralizada e autônoma. E não estamos falando de uma utopia, mas de uma realidade; a internet, hoje, funciona deste jeito”. O aluno estava certo?

Em 2011, a luta por uma internet livre era menos ingrata a que de a hoje, e eu mesmo acreditava que conseguiríamos, enquanto sociedade civil, manter a internet tal qual ela foi criada, ou pelo menos garantindo alguns de seus princípios básicos como a neutralidade. Passados quase sete anos, faço um mea culpa.  Não sabia, ou não queria acreditar, ou não queria escrever nem falar publicamente que não acreditava, que os grandes atores da internet transformariam a internet no que ela é hoje, um espaço fechado onde nós estamos presos em bolhas algorítmicas privadas das quais pouco ou nada sabemos do seu funcionamento – e só de um ano pra cá, com Trump e Brexit, começamos a ver as potencialdiades nefastas para a política desse arranjo entre pessoas e sistemas técnicos como o Facebook. Como muitos, duvidei e não quis ver que o capitalismo se reinventa e se apropria de tudo que enxerga pela frente, inclusive uma rede que nasceu libertária como a internet.

O TED, aquele famoso formato de conferências rápidas gravadas em vídeos que se espalhou pelo mundo, teve uma última edição importante em abril de 2018, no Canadá. Duas falas manifestaram esse zeitgeist de ressaca da internet. Com a palavra Jaron Lanier, um dos criadores da ideia de realidade virtual, músico e cientista da computação. “Nós cometemos um erro em especial no início. A cultura digital nascente acreditava que tudo na internet deveria ser público, gratuito. Ao mesmo tempo, amávamos nossos empreendedores de tecnologia. Amávamos este mito nietzchiano do homem de tecnologia que transforma o universo. Como celebrar empreendedorismo se tudo é gratuito? Um modelo baseado em publicidade. Daí que o Google nasceu gratuito, o Facebook nasceu gratuito. Os anúncios no princípio eram para seu dentista local ou algo assim. Só que os algoritmos melhoram. E o que começou como propaganda não pode mais ser chamado de propaganda. Hoje é modificação de comportamento. Não chamo mais essas coisas de redes sociais. São impérios de modificação de comportamento. Esta é uma tragédia global nascida de um gigantesco erro. E me permitam acrescentar outra camada. No behaviorismo, você oferece a uma criatura, um rato ou uma pessoa, pequenos presentes ou punições dependendo do que fazem. Nas redes, punição social e prêmios sociais ocupam esta função. Você fica todo feliz — ‘alguém gostou das minhas coisas’. Os consumidores destes impérios de modificação de comportamento recebem o retorno de tudo o que fazem, percebem o que funciona, fazem mais daquilo. E respondem mais a emoções negativas, porque estas despertam reações mais rápidas. Assim, até os mais bem-intencionados alimentam a negatividade: os paranóicos, os cínicos, os niilistas. Estas são as vozes amplificadas pelo sistema. E não dá para pagar a estas empresas para que façam o mundo melhor ou consertem a democracia pois é mais fácil destruir do que construir. Este é o dilema no qual nos encontramos.

“O maior perigo que a democracia liberal enfrenta é que a revolução na tecnologia da informação fará com que ditaduras sejam mais eficientes do que democracias”. Essa foi a afirmação que a Folha de S. Paulo resolveu destacar na palestra do historiador israelense Yuval Noah Harari no TED. Para prevenir a ascensão do fascismo e evitar novas ditaduras, o historiador propôs a engenheiros que encontrem maneiras de impedir que informações fiquem concentradas nas mãos de poucos e se certifiquem de que o processamento de informação distribuído seja tão eficiente quanto o centralizado. “Essa será a principal salvaguarda da democracia”, diz.

Talvez não seja novidade para você o chamado para a ação da fala de Harari. A questão é o como fazer: de quais maneiras práticas os engenheiros de computação podem tornar o processamento da informação mais descentralizado? Será que eles (ou elas) querem fazer isso? Será possível ainda enfrentar os grandes hubs de informação das redes sociais a partir de pequenas iniciativas descentralizadas? Ou devemos concentrar nossos esforços – nós e todxs aqueles que não somos engenheiros – em não permitir sermos manipulados por aqueles que controlam a informação? Trago aqui mais perguntas que respostas porque, claro está, tudo está acontecendo agora; enquanto buscamos sair da ressaca, continuamos a fazer perguntas e tatear princípios de certeza para, daqui a pouco, agir. Ou para agirmos com mais clareza, já que muitos já estão agindo mundo afora. Nas próximas semanas falo um pouco mais desses muitos.

Leonardo Foletto,
editor do BaixaCultura

 

Crédito foto: KYM
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Os 20 anos da ideologia californiana https://baixacultura.org/2015/10/29/os-20-anos-da-ideologia-californiana/ https://baixacultura.org/2015/10/29/os-20-anos-da-ideologia-californiana/#respond Thu, 29 Oct 2015 12:22:10 +0000 https://baixacultura.org/?p=10488 california

Em 1995, a internet comercial estreava no Brasil, Mark Zuckerberg ia a escola primária em White Plains (interior do Estado de Nova York, nos EUA) aos 11 anos, Larry Page e Sergey Brin se conheciam na pós-graduação em computação em Stanford (na California) e começavam a trabalhar na ideia do Page Rank que originaria o Google três anos depois, e Richard Barbrook e Andy Cameron, então membros do Hypermedia Research Centre of the University of Westminster, em Londres, publicavam um ensaio chamado “A Ideologia Californiana” na Mute Magazine, texto que logo circularia pela lista de emails Nettime e seria uma das primeiras críticas ao neoliberalismo agressivo do Vale do Silício.

No ensaio, Barbook e Cameron definiam a tal ideologia como uma improvável mescla das atitudes boêmias e anti-autoritárias da contracultura da costa oeste dos EUA com o utopismo tecnológico e o liberalismo econômico. Dessa mistura hippie com yuppie nasceria o espírito das empresas .com do Vale do Silício, que passaram a alimentar a ideia de que todos podem ser “hip and rich” –  para isso basta acreditar em seu trabalho e ter fé que as novas tecnologias de informação vão emancipar o ser humano ampliando a liberdade de cada um e reduzir o poder do estado burocrático.

Na época, a ideologia californiana era bem representada por empresas como a Apple e a revista Wired, e entusiasmava a todos que estavam por perto desse cenário – nerds de computadores, slackers, capitalistas inovadores, ativistas sociais, acadêmicos “da moda”, burocratas futuristas e políticos oportunistas, como escrevem os autores no ensaio. Também: como resistir a um coquetel que unia as premonições tecnológicas de McLuhan de uma aldeia global tecnológica com as potencialidades de emancipação individual a partir da digitalização do conhecimento?

A explosão da bolha especulativa das empresas de internet no final dos 1990 poderia ter servido como um alerta sobre onde esse pensamento poderia levar o planeta, mas a sedução da ideologia californiana persistiu e se espalhou com a ajuda do Google, Facebook, Apple e vários outros dos gigantes do Silício que hoje fazem parte da nossa vida cotidiana. A ideia de um mundo pós-industrial baseada na economia do conhecimento, em que a digitalização das informações impulsionaria o crescimento e a criação de riqueza ao diminuir as estruturas de poder mais antigas em prol de indivíduos conectados em comunidades digitais, prosperou. E hoje, queiramos ou não, predomina na nossa sociedade digital.

lovink cameron
Será então que, 20 anos depois, é possível dizer que a ideologia californiana “venceu”? Para discutir essa e outras questões é que Barbrook acaba de lançar, junto do Institute of Network Cultures, sediado na Holanda, o livro “The Internet Revolution: From Dot-com Capitalism to Cybernetica Communism“. Na introdução especialmente escrita para este 20º aniversário do ensaio, o autor inglês faz um balanço de como os “capitalistas hippies” mudaram o Vale do Silício (e o mundo) e de como sua ideologia, num mundo cada vez mais social e digital, ainda é um assunto relevante a se discutir. Como McLuhan tinha insistido, a provocação teórica cria compreensão política, explica o editor do livro e também teórico da mídia Geert Lovink

A visão do novo livro e do texto de 1995 não é favorável a ideologia californiana. Em dado momento do ensaio original, os autores relatam que o pensamento oriundo dessa ideologia é o de que as estruturas sociais, políticas e legais serão substituídas por interações autônomas entre pessoas e os softwares – e que o “grande governo” não deve atrapalhar os “empreendedores engenhosos” do mundo digital. O texto tem uma posição crítica a esta postura, dizendo que ela rejeita noções de comunidade e de progresso social e dá importância somente para uma posição guiada por um “fatalismo tecnológico e econômico”.

Barbrook e Cameron dizem que a construção exclusivamente privada e corporativo do ciberespaço poderia promover a fragmentação da sociedade estadunidense e a criação de mais desigualdade social e racial. Um trecho: “Os moradores de áreas pobres da cidade podem ser excluídos dos novos serviços online por falta de dinheiro. Em contraste, yuppies e seus filhos podem brincar de ser ciberpunks em um mundo virtual sem ter de encontrar qualquer de seus vizinhos empobrecidos”.

Anos depois, o documentarista Adam Curtis criticaria a ideologia californiana, que ainda é predominante no imaginário das empresas de tecnologia (não só do Vale do Silício), na parte 1 e 2 do documentário “Tudo Vigiado por Máquinas de Adorável Graça“. Ele traz para o debate a escritora russo-estadunidense Ayn Rand e sua filosofia objetivista, que influenciou a ideologia californiana (e muitos empresários do Vale do Silício) com a ideia de que os seres humanos se encontrariam sozinhos no universo e que deveriam se liberar de todas as formas de controle político e religioso, vivendo apenas guiados por seus desejos egoístas. O casamento entre a teoria de Ayn e a crença no poder das máquinas produziria a ilusão de uma sociedade que prescindia, entre outras coisas, de políticos e que se autogovernava e se autorregulava com a ajuda dos computadores. Alguém aí lembrou do anarcocapitalismo, que a própria Rand criticava?

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dilma_e_zuckerberg

A ideologia californiana (a ideia) está presente hoje como base filosófica para, por exemplo, ações de vigilância em massa como as da NSA. A internet é a ferramenta de controle dos sonhos, tudo é registrado e deixa rastro (que alguns apagam, mas a maioria não), um cenário perfeito para que orgãos de vigilância, em nome da segurança, e com a ajuda dos computadores, possam vasculhar a vida de todos. Está presente quando Zuckerberg fala de uma internet onde o padrão é ser sociável – de preferência sendo sociável numa ferramenta privada de um empresário do Vale do Silício, já que, afinal, toda tecnologia é neutra regula a si próprio melhor do que ninguém (aham). Está presente também quando os diretores dessas empresas, como o próprio Zuck, ganham status de chefe de estado em encontro de países e passam a prover “serviços” para a sociedade – como é o recente caso do Internet.org e seu objetivo de oferecer uma internet paralela e privada “gratuita” para lugares remotos.

Quando aqui falamos do “fim da privacidade”, citamos o diálogo fictício do livro “O Círculo”, de Dave Eggers, que também ilustra a aplicação prática – e extrema – da ideologia californiana hoje. Um mundo onde tudo deve ser compartilhado, em que a sonegar qualquer informação a outros pode ser encarado como “roubar o meu semelhante”, em que a vida privada é um roubo, é um mundo onde sistemas informáticos estão a organizar e governar a sociedade a partir de critérios supostamente objetivos. Alguém lembrou da pesquisa sobre manipulações de emoções realizada no Facebook?

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barbrook cameron

Barbrook e Cameron em 1995

O ensaio foi apontado à época por pessoas ligadas ao Vale do Silício como o trabalho de ‘esquerdistas’ , o que realmente é: Barbrook, em especial, é leitor de Marx, Hegel e escreveu um livro chamado Cybercomunism: How the americans are supersending capitalism in cyberspace. Lovink, na apresentação de “The Internet Revolution: From Dot-com Capitalism to Cybernetica Communism“, diz que A Ideologia Californiana é um dos primeiros textos de uma corrente de pensamento chamada de net-criticism, que pode ser posicionada na encruzilhada entre as artes visuais, movimentos sociais, cultura pop, e pesquisas acadêmicas, com intenção interdisciplinar de tanto interferir quanto contribuir para o desenvolvimento das novas mídias, como Lovink explica em “Dynamics of Critical Internet Culture 1994-2001“.

É uma corrente que se situa como uma terceira via, entre, de um lado, uma posição ligada a uma certa esquerda que critica a internet por ela ter seu desenvolvimento baseado numa expansão do domínio dos EUA em relação ao seu poder cultural e econômico. E, de outro lado, justamente o da ideologia californiana, que tem a internet como viabilização de um novo modelo de negócios e como realização de uma profecia indicativa da aldeia global congregada, como defende, entre outros, John Perry Barlow na conhecida “Declaração de Independência do Ciberespaço“.

A construção desta terceira via teria como função, segundo Lovink, “observar a maneira com que os desenvolvedores e as primeiras comunidades de usuários tentaram conquistar e então modelar o rápido crescimento e mutação do ambiente da internet, apoiando alguns dos valores libertários (anti-censura), mas criticando outros (populismo do mercado neoliberal)”. Ganhou força em meados dos 1990, no desenvolvimento da net-art, do hackativismo e dos festivais de mídia tática, inclusive no Brasil, e tinha (tem) como postura criar uma infraestrutura de rede independente de grandes empresas, além de proteger certas liberdades da internet e a privacidade.

O net-criciticism (talvez não com esse nome) ainda está presente hoje, por exemplo, na postura de Assange, dos criptopunks, de uma certa linha da cultura hacker européia e latino-americana e da filosofia original do software livre, por exemplo, que defendem “transparência para os fortes, privacidade para os fracos” e que se diferem de uma cultura hacker dos EUA que está a impulsionar a gentrificação do ethos hacker, como apontado no texto “The hacker hack”, de Brett Scott, publicado na revista Aeon (e traduzido aqui pro ptbr). No fundo, o debate contemporâneo Uber X taxistas não deixa de ser um embate das duas posturas criticadas por “A Ideologia Californiana”, mas esse é um assunto que pode ficar para outra postagem.

P.s: Marcelo Träsel traduziu o texto original de “A Ideologia Californiana” para o português faz alguns bons anos e ainda está disponível aqui.

Imagens: 1 (Mute Magazine), 2 (G1), 3 (wikipedia).

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Memorial para Aaron Swartz https://baixacultura.org/2013/01/15/memorial-para-aaron-swartz/ https://baixacultura.org/2013/01/15/memorial-para-aaron-swartz/#respond Tue, 15 Jan 2013 12:01:50 +0000 https://baixacultura.org/?p=9525

Muito foi dito sobre o hacker & ativista Aaron Swartz nos últimos dias, desde que ele se suicidou, sexta-feira 11 de janeiro. Acompanhamos o assunto no Facebook do BaixaCultura com vários links pros mais diferentes textos: de depoimentos de nomes conhecidos na rede (e amigos de Swartz) como Lawrence Lessig, do Creative Commons, e Cory Doctorow, a entrevista realizada pela Tatiana, do Link Estadão (“É crucial estarmos vigilantes“), e por Ronaldo Lemos (em inglês).

Pablo Ortellado, do Gpopai, escreveu que “o processo criminal de que foi vítima por disponibilizar gratuitamente artigos científicos na web parece ter contribuído para este trágico desfecho”. Uma fala em sintonia com a de muita gente e da própria família de Swartz, que organizou um lindo memorial virtual a Aaron (na terceira imagem desse post).

Virou quase um consenso a ideia de que a morte de Aaron poderia ser evitada e foi influenciada pela perseguição judicial do governo americano, que tratou um jovem inteligentíssimo, que buscava a dispersão de conteúdo e informação ao alcance de todos, como se fosse um terrorista procurado – ele poderia ser condenado a 35 anos de prisão e a uma multa de US$ 1 milhão por ter baixado quatro milhões de artigos do Jstor (sigla para Journal Storage – armazenamento de diários, em inglês), um arquivo de textos acadêmicos e revistas científicas que cobra US$ 19 mensais pelo acesso. (Mais detalhes do processo você vê neste post nosso, escrito pelo Marcelo de Franceschi.)

Em homenagem a Aaron, criou-se o pdftribute.net, site que agrega arquivos científicos disponibilizados pelo Twitter, através da hashtag #pdftribute. Que, por aqui, estimulou um texto da pesquisadora Raquel Recuero sobre o compromisso de um acadêmico com a sociedade, que direta ou indiretamente pagou pela sua formação e pela sua pesquisa e que, portanto, deveria ter fácil acesso ao resultado destas. Uma questão, como se vê, deveria nem ser questionada na universidade, e sim tomada como hábito – o que  infelizmente ainda não é, e por isso a importância da discussão.

 *

Mais que especular sobre a possível causa do suicídio de Aaron, que nunca vai ser totalmente destrinchada, vale aqui lembrar de sua trajetória e de seu exemplo. Como disse Tatiana Dias nesse belo texto, “poucas pessoas traduziram tão bem a época em que nós estamos vivendo quanto Aaron Swartz”. O currículo do rapaz é extenso: criador do Open Library, mantido pelo Internet Archive, do Watchdog.net, um portal Excelencias dos Estados Unidos, do DemandProgress, um dos principais sites de petições & ativismo online; co-fundador do Reddit,  site de avaliação de links para conteúdo na web; co-autor do sistema de feeds de RSS.

Ainda trabalhou, aos 14 anos (!), na equipe que Larry Lessig liderou para a criação do Creative Commons (na foto acima), e foi uma das principais vozes contra o SOPA/PIPA, projetos de leis que queriam cercear a liberdade na rede e que, felizmente, e por hora, foram descontinuados.

Tatiana escreveu que “que pessoas como Aaron, inquietas e que vivem em luta para melhorar o mundo, não conseguem aguentar muito tempo no planeta. Aaron nunca trabalhou para fazer dinheiro, não gostava muito de conversar: era um cara solitário que preferia ler os livros a conversar com os autores, embora tivesse acesso a eles. Foi libertário até o fim, assumindo as rédeas para controlar a hora da própria morte”.

Aaron deixa o legado  de que, sim, é possível acreditar em “transformar o sistema”. Foi o que ele fez seguidamente, de canto, em quase todos os trabalhos que realizou.

Segue o trecho final do Manifesto da Guerrila Open Acess, que traduzimos e publicamos aqui em 2011, e o programa especial do Democracy Now sobre Aaron, com um depoimento emocionado de Lessig (o programa tá em inglês, mas Alexandre Abdo avisa já começou o processo de legendagem no Universal Subtitles, caso alguém queira ajudar; a parte sobre Aaron começa no 15:14)

Não há justiça em seguir leis injustas. É hora de vir para a luz e, na grande tradição da desobediência civil, declarar nossa oposição a este roubo privado da cultura pública.

Precisamos levar informação, onde quer que ela esteja armazenada, fazer nossas cópias e compartilhá-la com o mundo. Precisamos levar material que está protegido por direitos autorais e adicioná-lo ao arquivo. Precisamos comprar bancos de dados secretos e colocá-los na Web. Precisamos baixar revistas científicas e subi-las para redes de compartilhamento de arquivos. Precisamos lutar pela Guerilla Open Access.

Se somarmos muitos de nós, não vamos apenas enviar uma forte mensagem de oposição à privatização do conhecimento – vamos transformar essa privatização em algo do passado. Você vai se juntar a nós?

 

 

Créditos fotos: 1 (Demand Progress), 2 (Aaron e Lessig)
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Criptopunks, wikileaks e o mundo amanhã https://baixacultura.org/2012/12/11/criptopunks-wikileaks-e-o-mundo-amanha/ https://baixacultura.org/2012/12/11/criptopunks-wikileaks-e-o-mundo-amanha/#comments Tue, 11 Dec 2012 14:43:06 +0000 https://baixacultura.org/?p=9462

Uma parceria entre a agência Pública e o Wikileaks está lançando no Brasil um documentário em capítulos intitulado “O Mundo Amanhã”. São 12 episódios com entrevistas realizadas por Julian Assange com nomes como Noam Chomsky, Tariq Ali, o líder do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, o presidente do Equador Rafael Correa, entre outros.

Nós estamos republicando o conteúdo no Facebook do Baixa, toda quarta-feira, e já compilamos alguns deles na BaixaTV. Hoje, vamos ressaltar os dois últimos episódios, sobre os “criptopunks”, como são nomeados alguns ativistas da liberdade de informação na internet. Presentes no programa estão Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn, Jeremie Zimmerman e, claro, Julian Assange, no papel de advogado do diabo. “Trole-nos, mestre troll”, brinca Jacob.

Os Criptopunks – um termo com pouquíssimas referências na internet – são nada mais que defensores radicais da liberdade de informação na rede. Programadores, ciberativistas, pesquisadores, hackers que, também, estão na base da formação do Wikileaks. Jacob, por exemplo, é especialista em segurança em computadores e faz parte da equipe do TOR, o mais conhecido software que permite a navegação anônima na rede. Andy é membro do Chaos Computer Club, a principal organização de hackers da Europa, criada em 1981 em Berlim (ah, Berlim) e um dos mais combativos coletivos mundiais em defesa do anonimato da rede, promotores de diversos eventos sobre o tema. Jerémie é o porta-voz e um dos criadores do La Quadrature de Net, grupo de advogados franceses que são referência fundamental em direito digital e liberdade na rede.

 [Só gente fina, portanto.]
“Uma guerra invisível e frenética pelo futuro da sociedade está em andamento. De um lado, uma rede de governos e corporações vasculham tudo o que fazemos. Do outro lado, os Criptopunks, desenvolvedores que também moldam políticas públicas dedicadas a manter a privacidade de seus dados pessoais na web. É esse o movimento que gerou o WikiLeaks”, diz Julian Assange, na introdução da entrevista.
“A arquitetura é a verdade. E isso vale para a internet em relação às comunicações. Os chamados ‘sistemas legais de interceptação’, que são só uma forma branda de dizer ‘espionar pessoas’. Certo?”, cutuca Jacob. “Você apenas coloca “legal” após qualquer coisa porque quem está fazendo é o Estado. Mas na verdade é a arquitetura do Estado que o permite fazer isso, no fim das contas. É a arquitetura das leis e a arquitetura da tecnologia assim como a arquitetura dos sistemas financeiros”.

O debate segue apoiado nas possíveis perspectivas para o futuro. Para os ativistas, as políticas devem se pautar na sociedade e nas mudanças que seguem com ela, não o contrário – o que concordamos inteiramente.

Temos a impressão, com a batalha dos direitos autorais, de que os legisladores tentam fazer com que toda a sociedade mude para se adaptar ao esquema que é definido por Hollywood. Esta não é a forma de se fazer boas políticas. Uma boa política observa o mundo e se adapta a ele, de modo a corrigir o que é errado e permitir o que é bom”, diz Jeremie.

Mas sabemos que a busca por novas políticas e uma nova arquitetura tem “o seu preço”, para usar um clichê jornalístico a que não queremos fugir. Jacob, detido várias vezes em aeroportos americanos, conta: “Eles disseram que eu sei por que isso ocorre. Depende de quando, eles sempre me dão respostas diferentes. Mas geralmente dão uma resposta, que é a mesma em todas instâncias: ‘porque nós podemos’”.

E provoca: “A censura e vigilância não são problemas de ‘outros lugares’. As pessoas no Ocidente adoram falar sobre como iranianos e chineses e norte-coreanos precisam de anonimato, de liberdade, de todas essas coisas, mas nós não as temos aqui”.

Jeremie também cutuca o nosso amado Google: “É só olhar o Google. O Google sabe, se você é um usuário padrão do Google, o Google sabe com quem você se comunica, quem você conhece, do que você pesquisa, potencialmente sua orientação sexual, sua religião e pensamento filosófico mais que sua mãe e talvez mais que você mesmo”.

Em tom “ameaçador”, avisam: para se ter paz na internet, é preciso haver liberdade. Ou a guerra vai continuar. Não é?

La Quadrature du Net, importante referência francesa em direito digital

*

A entrevista está dividida em duas partes. A primeira parte fala um tanto sobre os desafios técnicos colocados pelo furto do governo a dados pessoais, a importância do ativismo na web e a democratização da tecnologia de criptografia. Na segunda, os destaques são a arquitetura da internet, a liberdade de expressão e as consequências da luta por novas políticas na web. Assista ambas aqui abaixo – ou então leia e baixe a íntegra da primeira e da segunda, em pdf.

 

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Estamos Vencendo: resistência global no Brasil e no Mundo https://baixacultura.org/2012/02/02/estamos-vencendo-e-a-resistencia-global-no-planeta/ https://baixacultura.org/2012/02/02/estamos-vencendo-e-a-resistencia-global-no-planeta/#comments Thu, 02 Feb 2012 17:18:47 +0000 https://baixacultura.org/?p=5746

Bem antes de Charlie Shen adotar o lema “Winning” ou de Mark Zuckerberg pensar em criar o Facebook, um movimento profético se rebelava contra a falência de um sistema (financeiro, político) em pleno coração do capitalismo.

Este movimento – que no subterrâneo existe desde sempre, seja nas mãos dos anarquistas, do movimento estudantil ou dos punks, situacionistas e outras redes culturais – tomou de “assalto” as ruas da capital grunge, Seattle, em 30 de novembro de 1999, na reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), no que foi conhecido como a “Batalha de Seattle“.

Isso tudo tu já deve saber, pois explicamos brevemente neste texto. O que não falamos é que Seattle foi a ponta de lança de um movimento subversivo –  anticapitalismo, anti-globalização, ou o nome que se queira dar – que se espalhou pelo mundo nos anos seguintes. Especialmente no período de 2000 a 2003, cidades como Washington, nos EUA, Gênova, na Itália, Praga, na República Tcheca, Quebec no Canadá, e São Paulo, no Brasil, foram palco de manifestações contra as múltiplas facetas autoritárias/ maléficas que a $$, o preconceito e o individualismo podem trazer para a sociedade.

No Brasil, uma das melhores referências para entender o que aconteceu é o livro “Estamos Vencendo! – Resistência Global no Planeta“, de Pablo Ortellado e André Ryoki, publicado pela Conrad em 2004 na linda Coleção Baderna. Ele documenta, através das fotos do historiador Andre Ryoki, e reflete, com um texto do hoje professor da USP Pablo Ortellado, como se deram as manifestações “antiglobalização” em terras brasileiras, especialmente aquelas que ocorreram em São Paulo, Fortaleza, Belo Horizonte e Curitiba.

São as fotos do livro que tu encontra mais abaixo nesse post, colocadas em uma galeria do Picasa para facilitar a visualização. Clicando em cada foto, você é direcionado para o Picasa e poderá ver as fotos e as legendas originais que estão no livro.

Cartaz do Adbusters, que esteve em Seattle 1999 e Wall Street 2011

Qualquer semelhança de protestos no “coração” do sistema financeiro que foi (é) Occupy Wall Street não é mera coincidência. Como escrevemos anteriormente, existe (pelo menos) um elo que une estes dois momentos históricos: o Adbusters, revista/movimento anticonsumo com sede no Canadá, que esteve nas manifestações de Seattle em 1999 e convocou o Occupy Wall Street em 2011. [E que, em breve, vai ganhar mais destaque por aqui; aguarde].

Mas também há diferenças bem claras. Naomi Klein, escritora/ativista e autora de “No Logo” (traduzido aqui como “Sem Logo- A tirania das marcas em um planeta vendido“), livro essencial para entender o mundo hoje, fez um discurso no parque Zucotti, em Wall Street, em que ressaltou estas diferenças de alvo, tática e contexto – não sem antes afirmar que “amava” os manifestantes que ali acampavam. Publicamos o discurso na íntegra, em tradução do professor Idelber Avelar, e reproduzimos aqui os trechos em que ela traça o paralelo entre as diferenças entre os dois movimentos:

Em Seattle, em 1999, nós escolhemos as cúpulas como alvos: a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, o G-8. As cúpulas são transitórias por natureza, só duram uma semana. Isso fazia com que nós fôssemos transitórios também. Aparecíamos, éramos manchete no mundo todo, depois desaparecíamos. E na histeria hiper-patriótica e nacionalista que se seguiu aos ataques de 11 de setembro, foi fácil nos varrer completamente, pelo menos na América do Norte.

O Ocupar Wall Street, por outro lado, escolheu um alvo fixo. E vocês não estabeleceram nenhuma data final para sua presença aqui. Isso é sábio. Só quando permanecemos podemos assentar raízes. Isso é fundamental. É um fato da era da informação que muitos movimentos surgem como lindas flores e morrem rapidamente. E isso ocorre porque eles não têm raízes. Não têm planos de longo prazo para se sustentar. Quando vem a tempestade, eles são alagados.

Mas a grande diferença que uma década faz é que, em 1999, encarávamos o capitalismo no cume de um boom econômico alucinado. O desemprego era baixo, as ações subiam. A mídia estava bêbada com o dinheiro fácil. Naquela época, tudo era empreendimento, não fechamento.

Nós apontávamos que a desregulamentação por trás da loucura cobraria um preço. Que ela danificava os padrões laborais. Que ela danificava os padrões ambientais. Que as corporações eram mais fortes que os governos e que isso danificava nossas democracias. Mas, para ser honesta com vocês, enquanto os bons tempos estavam rolando, a luta contra um sistema econômico baseado na ganância era algo difícil de se vender, pelo menos nos países ricos.

Dez anos depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao redor do mundo.

Rodrigo Savazoni também lembra o discurso de Naomi e a relação Seattle 1999 Wall Street 2011 em um texto na revista Select deste bimestre (que entra no site na próxima semana), que também vale a leitura.

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Como diz o texto de divulgação de “Estamos Vencendo!”, “as fotos destacam três dimensões constitutivas desse novo movimento: a ação direta das ruas, a criatividade auto-expressiva das manifestações e a constituição de um novo tipo de coletividade onde a massa homogênea é substituída pela diversidade individualizada da multidão“. A maioria delas estão aqui abaixo, gentilmente cedidas por André Ryoki, a quem agradecemos imensamente. [O livro está em Copyleft].

“Sobre a passagem de um grupo de pessoas por um breve período da história”, texto de Pablo Ortellado que abre o livro, contextualiza de forma interessantíssima o que ocorreu nas ruas brasileiras daquele início de década passada. Traz inicialmente uma breve explicação de onde e como surgiu o movimento antiglobalização no Brasil – “da convergência de outros dois movimentos que surgiram ou re-emergiram nos anos 1980, o movimento estudantil independente e autogestionário e o movimento anarquista propriamente dito”.

Estas duas vertentes, continua Pablo, “convergiram, mais ou menos casualmente, atraídas pelos fascinantes acontecimentos de Seattle. Mas o movimento, claro, não começou em Seattle, como dizia o slogan das manifestações contra a ALCA em 2001. De fato, Seattle foi a vitrine midiática de um movimento que pode ter muitas origens, mas que, na sua vertente radical, remonta à inspiração da revolta zapatista em 1994 e à articulação dos dias de ação global em 1998.” [Para um estudo aprofundado dessas origens, ler Aproximações ao movimento ‘antiglobalização’“, do próprio Pablo]

A partir dessa contextualização inicial, o doutor em filosofia e hoje professor da USP Ortellado propõe reflexões sobre o movimento em torno de sete eixos: autonomia, anticapitalismo, redes, liderança, auto-expressão, mídias e alternativas. São páginas que todo movimento de hoje deveria ler para se fortalecer enquanto movimento e, principalmente, para aprender com as experiências anteriores, já que o texto é bem sincero e crítico quanto as agruras e maravilhas de se estar num convívio com pessoas diferentes de forma horizontal.

Na parte que trata das redes, por exemplo, ele as diferencia conceitualmente de outras formas semelhantes de organização e aponta características dessa relativamente nova forma de se organizar que são as redes. Uma das características aqui abaixo:

“As redes não precisam se desfazer e refazer a cada oportunidade, elas podem simplesmente adquirir diferentes formatos e composições. Se num determinado momento, um grupo tem um desentendimento pontual, ele não precisa abandonar a rede, mas pode simplesmente não colaborar naquele ponto, da mesma forma que, em momentos específicos, a rede pode incorporar a colaboração extraordinária de novos agentes que se interessam apenas por uma ação específica. Isso significa apenas levar o velho princípio anarquista da livre-associação até a sua conseqüência lógica: a livre dissociação.”

Por questões de espaço (o texto de abertura tem 15 páginas!), não vamos publicar aqui a íntegra. Pela mesma questão de espaço, não publicamos também a cronologia que o livro faz dos acontecimentos da época. Mas todas estas partes que não são fotos e imagens do livro podem ser lidas, baixadas e compartilhadas neste link.

É uma referência histórica importante para entendermos o ativismo do intenso 2011 que passou e do transformador 2012 que está começando.

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DA NECESSIDADE DE CONTINUAR OCUPANDO AS RUAS

[Clique nas fotos para ver o restante da galeria.]

O31, 2002. No dia 31 de outubro de 2002, ministros dos países envolvidos com o projeto da ALCA reuniram-se em Quito, Equador, para mais uma rodada de negociações. Houve manifestações em todo o continente americano. Em São Paulo, os manifestantes organizaram uma passeata desde as escadarias da Casper Líbero na Av. Paulista até o Largo do Patriarca, no centro da cidade. No final do percurso houve distribuição de feijoada vegan para o pessoal que saía do trabalho.

 

SE EU NÃO PUDER DANÇAR, NÃO É MINHA REVOLUÇÃO

 

N9, 2001. Uma rápida parada durante o McLanche Feliz.


MULTIDÃO

J20, 2001


ANEXOS (documentos, panfletos e cartazes de algumas das manifestações que ocorreram no período)

Cartaz de estudantes da USP chamando ao I Fórum Social Mundial em Porto Alegre.

[Leonardo Foletto, Marcelo De Franceschi]

Crédito da imagem: 1 [we are winning] 2 [adbusters]
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