Cory Doctorow – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Fri, 01 Nov 2024 12:51:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Cory Doctorow – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 IA e os direitos dos escritores https://baixacultura.org/2024/11/01/ia-e-os-direitos-dos-escritores/ https://baixacultura.org/2024/11/01/ia-e-os-direitos-dos-escritores/#respond Fri, 01 Nov 2024 12:40:35 +0000 https://baixacultura.org/?p=15749 Traduzimos um artigo do escritor e ativista Cory Doctorow que explora como a Penguin Random House (PRH), maior grupo editorial do mundo, tem restringido o uso de seus livros para treinamento de IA, o que tem gerado uma sensação de proteção entre escritores. No entanto, convém ter calma: esse tipo de movimento pode ser mais sobre controle econômico do que defesa dos direitos dos trabalhadores criativos. “Só porque você está do lado deles, não significa que eles estejam do seu lado”.

Doctorow destaca que muitas editoras e grandes players da mídia usam táticas como essa para maximizar lucros, enquanto os trabalhadores criativos raramente se beneficiam diretamente dessas mudanças. Mesmo com a nova política da PRH – que provavelmente servirá de base para outras editoras mundo afora – é improvável que os escritores recebam qualquer compensação adicional se a PRH cobrar pelo uso das obras em treinamentos de IA.

Doctorow aponta também que a concentração do mercado editorial reduz as chances de negociação para autores. Hoje, com apenas cinco grandes editoras dominando o setor, os escritores perdem força de negociação e encontram dificuldades para exigir melhores condições, algo que era mais viável em um mercado menos concentrado.

O ensaio também sugere que em vez de focar exclusivamente em garantir mais direitos autorais, escritores e outros trabalhadores criativos poderiam se mobilizar para conquistar maior autonomia financeira e melhores condições em negociações com as editoras. Movimentos como, por exemplo, o direito de reaver suas obras após alguns anos – 14 anos, como era no sistema original de copyright dos EUA, e não 35 ou após a morte do autor – e revendê-las por mais dinheiro, poderiam dar mais controle aos autores sobre suas criações, garantindo uma renda justa e estável.

 

Penguin, Inteligência Artificial e os direitos dos escritores

Cory Doctorow

Publicado originalmente no Pluralistic em 19/10/24
Tradução: Leonardo Foletto

Minha amiga Teresa Nielsen Hayden é uma fonte de ditados sábios, como “você não é responsável pelo que faz nos sonhos de outras pessoas” e o meu favorito de todos os tempos, da época do Napster: “Só porque você está do lado deles, não significa que eles estejam do seu lado”.

As gravadoras odiavam o Napster, assim como muitos músicos, e quando esses músicos ficaram do lado de suas gravadoras nas campanhas legais e de relações públicas contra o compartilhamento de arquivos, eles deram legitimidade legal e pública à causa das gravadoras, que acabou prevalecendo.

Mas as gravadoras não estavam do lado dos músicos. O fim do Napster e, com ele, a ideia de um sistema de licença geral para distribuição de música pela Internet (semelhante aos sistemas de rádio, apresentações ao vivo e música enlatada) em locais e lojas) estabeleceu firmemente que os novos serviços *devem* obter permissão das gravadoras para operar.

A era atual é muito boa para as gravadoras. O cartel das “Big Three”- Universal, Warner e Sony – ditou os termos com o Spotify, que em contrapartida entregou bilhões de dólares em ações e permitiu que as três grandes co-projetassem o esquema de royalties sob o qual o Spotify opera hoje.

Se você ouviu alguma coisa sobre os pagamentos do Spotify, provavelmente sabe que eles são extremamente desfavoráveis aos artistas. Isso é verdade, mas não significa que seja desfavorável para as três grandes gravadoras. As “Big Three” têm seus pagamentos mensais assegurados, grande parte registrada como “royalties não atribuíveis” –  dinheiro que as gravadoras podem distribuir entre os artistas ou usarem como bem entenderem. Também tem outras vantagens, como por exemplo poder incluir gratuitamente músicas de seus artistas nas principais listas de reprodução. Além disso, os pagamentos ultra baixos aos artistas aumentam o valor das ações das gravadoras no Spotify, pois quanto menos o Spotify tiver que pagar pela música, melhor será sua imagem para os investidores. Assim, as Big Three – que detêm 70% de todas as músicas já gravadas no mundo, graças a uma orgia de fusões – compensam o déficit dessas baixas taxas por fluxo com pagamentos garantidos e promoções.

Mas as gravadoras independentes e os músicos, que representam os 30% restantes, ficam de fora dessa conta. Eles estão presos ao mesmo esquema de royalties fracionários de centavo por streaming que as  Big Three, mas não recebem garantias gigantescas de dinheiro mensal, além de precisarem pagar pela colocação de músicas em playlists – o que as Big Three fazem de graça.

Só porque você está do lado deles, não significa que eles estejam do seu lado. [Leia o que escrevi sobre como o Spotify rouba dos artistas

 

Em um sentido muito concreto e importante, os trabalhadores criativos – escritores, cineastas, fotógrafos, ilustradores, pintores e músicos – não estão do mesmo lado que as gravadoras, agências, estúdios e editoras que colocam nosso trabalho no mercado. Essas empresas não são instituições de caridade; elas são motivadas a maximizar os lucros e uma maneira importante de fazer isso é reduzir os custos, inclusive e principalmente o custo de nos pagar pelo nosso trabalho.

É fácil não perceber esse fato porque os trabalhadores dessas gigantescas empresas de entretenimento são nossos aliados de classe. O mesmo impulso que restringe os pagamentos aos escritores é usado quando as empresas de entretenimento pensam em quanto pagam aos editores, assistentes, publicitários e à equipe da logística. Essas são as pessoas com as quais os trabalhadores criativos lidam no dia a dia; elas, em geral, estão sim do nosso lado, e é fácil confundir essas pessoas com seus empregadores.

Essa guerra de classes não precisa ser o fato central do relacionamento dos trabalhadores criativos com nossas editoras, gravadoras, estúdios, etc. Quando há muitas dessas empresas de entretenimento, elas competem umas com as outras pelo nosso trabalho (e pelo trabalho dos funcionários que levam esse trabalho ao mercado), o que aumenta nossa participação no lucro que nosso trabalho produz.

Mas vivemos em uma era de extrema concentração de mercado em todos os setores, inclusive no de entretenimento, onde lidamos com cinco editoras, quatro estúdios, três gravadoras, duas empresas de tecnologia de publicidade e uma única empresa que controla todos os e-books e audiolivros na América do Norte. Essa concentração faz com que seja muito mais difícil para os artistas negociarem de forma eficaz com as empresas de entretenimento, o que significa que é possível – e até provável – que as empresas de entretenimento obtenham vantagens de mercado que não são compartilhadas com os trabalhadores criativos. Em outras palavras: quando seu campo é dominado por um cartel, você pode estar do lado deles, mas é quase certo que eles não estão do seu lado.

Esta semana, a Penguin Random House (PRH), a maior editora “da história da raça humana”, ganhou as manchetes quando alterou o aviso de copyrights de seus livros para proibir o treinamento de IA.

A página de copyright agora inclui esta frase:

Nenhuma parte deste livro pode ser usada ou reproduzida de qualquer maneira para fins de treinamento de tecnologias ou sistemas de inteligência artificial.

Muitos escritores estão comemorando essa mudança como uma vitória dos direitos dos trabalhadores criativos sobre as empresas de IA, que arrecadaram centenas de bilhões de dólares, em parte prometendo aos nossos chefes que podem nos demitir e nos substituir por algoritmos.

Mas esses escritores estão presumindo que, só porque estão do lado da Penguin Random House, a PRH está do lado deles. Eles estão presumindo que, se a PRH lutar contra as empresas de IA que treinam bots com seu trabalho gratuitamente, isso significa que a PRH não permitirá que bots sejam treinados com seu trabalho de forma alguma.

Essa é uma visão bastante ingênua. O que é muito mais provável é que a PRH use todos os direitos legais que possui para insistir que as empresas de IA paguem pelo direito de treinar chatbots com os livros que escrevemos. É muito improvável que a PRH compartilhe o dinheiro da licença com os escritores cujos livros são então jogados no funil de treinamento do bot. Também é extremamente provável que a PRH tente usar a produção dos chatbots para reduzir nossos salários ou nos demitir e substituir nosso trabalho por uma IA lixo.

Isso é especulação de minha parte, mas é uma especulação informada. Observe que a PRH não anunciou que permitiria aos autores reivindicar o direito contratual de impedir que seu trabalho fosse usado para treinar um chatbot. Ou que estava oferecendo aos autores uma parte de qualquer uma das taxas de licença de treinamento, ou uma parte da renda de qualquer coisa produzida por bots treinados com o nosso trabalho.

De fato, à medida que o mercado editorial se transformou das trinta e poucas editoras de médio porte que floresciam quando eu era um escritor novato para as Cinco Grandes que dominam o campo atualmente, seus contratos ficaram notavelmente e materialmente piores para os escritores.

Isso não tem nada de surpreendente. Em qualquer leilão, quanto mais licitantes sérios houver, mais alto será o preço final. Quando havia trinta possíveis licitantes para nosso trabalho, conseguíamos em média um acordo melhor do que agora, quando há no máximo cinco licitantes.

Embora isso seja evidente, a Penguin Random House insiste em dizer que não é verdade. Na época em que a PRH estava tentando comprar a Simon & Schuster (reduzindo assim as cinco grandes editoras para quatro), eles insistiram que continuariam a fazer lances contra eles mesmos: editores da Simon & Schuster (que seria uma divisão da PRH) fariam lances contra editores da Penguin (outra divisão da PRH) e da Random House (mais uma divisão da PRH).

Isso é um absurdo óbvio, como disse [o escritor] Stephen King quando testemunhou contra a fusão (que foi posteriormente bloqueada pelo tribunal): “Você poderia muito bem dizer que terá marido e mulher concorrendo um contra o outro pela mesma casa. Seria muito cavalheiresco e tipo, ‘Depois de você’ e ‘Depois de você’, disse ele, gesticulando com um movimento educado do braço”.

A Penguin Random House não se tornou a maior editora da história publicando livros melhores ou fazendo um marketing melhor. Eles atingiram sua escala comprando seus rivais. A empresa é, na verdade, uma espécie de organismo colônia formado por dezenas de editoras que antes eram independentes. Cada uma dessas aquisições reduziu o poder de barganha dos escritores, mesmo dos escritores que não escrevem para a PRH, porque o desaparecimento de um licitante confiável para o nosso trabalho no portfólio corporativo da PRH reduz os possíveis licitantes para o nosso trabalho, independentemente de para quem o estamos vendendo.

Prevejo que a PRH não permitirá que seus escritores incluam uma cláusula em seus contratos proibindo a PRH de usar seu trabalho para treinar uma IA. Essa previsão se baseia em minha experiência direta com duas das outras cinco grandes editoras, onde sei com certeza que elas se recusaram terminantemente a fazer isso e disseram ao escritor que qualquer insistência em incluir esse contrato levaria à rescisão da oferta.

As Big Five têm termos de contrato marcadamente semelhantes. Ou melhor, contratos incrivelmente semelhantes, uma vez que os setores concentrados tendem a convergir em seu comportamento operacional. As Big Five são semelhantes o suficiente para que se entenda que um escritor que processe uma delas provavelmente será excluído das demais.

Meu próprio agente me deu esse conselho quando uma das Big Fives me roubou mais de US$ 10.000 – cancelou um projeto do qual eu fazia parte porque outra pessoa envolvida com ele desistiu e, em seguida, retirou cinco dígitos da taxa de inscrição especificada em meu contrato, só porque podia. Meu agente me disse que, embora eu certamente ganhasse o processo, isso custaria a minha carreira, pois me colocaria em má situação com todos as Big Five.

Os escritores que estão aplaudindo o novo aviso de direitos autorais da Penguin Random House estão operando sob a crença equivocada de que isso tornará menos provável que nossos chefes comprem uma IA na esperança de nos substituir por ela. Isso não é verdade. Conceder à Penguin Random House o direito de exigir taxas de licença para treinamento em IA não fará nada para reduzir a probabilidade de que a Penguin Random House opte por comprar uma IA na esperança de reduzir nossos salários ou nos demitir.

Mas outra coisa fará! O Escritório de Direitos Autorais dos EUA emitiu uma série de decisões, confirmadas pelos tribunais, afirmando que nada feito por uma IA pode ser protegido por direitos autorais. Por estatuto e tratado internacional, o direito autoral é um direito reservado para obras de criatividade humana (é por isso que a “selfie do macaco” não pode ser protegida por direitos autorais).

Cryteria/CC BY 3.0, modificado

Se todas as outras coisas forem iguais, as empresas de entretenimento vão preferir pagar aos trabalhadores criativos o mínimo possível (ou nada) pelo nosso trabalho. Mas, por mais forte que seja sua preferência por reduzir os pagamentos aos artistas, elas estão muito mais comprometidas em poder controlar quem pode copiar, vender e distribuir os trabalhos que lançam.

Em outras palavras, quando confrontadas com a escolha entre “Não precisamos mais pagar aos artistas” e “Qualquer pessoa pode vender ou distribuir nossos produtos e não receberemos um centavo por isso”, as empresas de entretenimento pagarão aos artistas todo o dia.

Lembra-se daquele idiota de quem todos riram porque ele conseguiu ganhar um concurso de arte com uma porcaria de IA e depois ficou com raiva porque as pessoas estavam copiando a “sua” imagem? A insistência desse cara de que sua porcaria deveria ter direito a direitos autorais é muito mais perigosa do que o golpe original de fingir que ele pintou a porcaria em primeiro lugar.

Se a PRH estivesse intervindo nesses casos de direitos autorais de IA do Copyright Office para dizer que os trabalhos de IA não podem ser protegidos por direitos autorais, isso seria um caso em que estaríamos do lado deles – e eles estariam do nosso lado. No dia em que eles apresentarem uma petição de amicus curiae ou um comentário de regulamentação apoiando a ausência de direitos autorais para IA, eu os louvarei aos céus.

Mas essa alteração no aviso de direitos autorais do PRH não vai melhorar o saldo bancário dos escritores. Dar aos escritores a capacidade de controlar o treinamento de IA não impedirá a PRH e outras empresas gigantes de entretenimento de treinar IAs com nosso trabalho. Elas simplesmente dirão: “Se você não assinar o direito de treinar uma IA com seu trabalho, não o publicaremos”.

O maior indicador de quanto dinheiro um artista ganha com a exploração de seu trabalho não é a quantidade de direitos exclusivos que temos, mas sim o poder de negociação que temos. Quando você negocia com cinco editoras, quatro estúdios ou três gravadoras, todos os novos direitos que você obtém do Congresso ou dos tribunais são simplesmente transferidos para eles na próxima vez que você negociar um contrato.

Como Rebecca Giblin e eu escrevemos em nosso livro de 2022 “Chokepoint Capitalism”:

Dar mais direitos autorais a um trabalhador criativo é como dar mais dinheiro para o lanche de um aluno que sofre bullying. Não importa o quanto você dê a ele, os valentões ficarão com tudo. Dê a seu filho dinheiro suficiente para o lanche e os valentões poderão subornar o diretor da escola para que faça vista grossa. Continue dando dinheiro para o lanche da criança e os agressores poderão lançar um apelo global exigindo mais dinheiro para o lanche de crianças famintas!

Como a sorte dos trabalhadores criativos diminuiu durante a era neoliberal de fusões e consolidações, nós nos distraímos com campanhas para obter mais direitos autorais, em vez de mais poder de negociação.

Existem políticas de direitos autorais que nos dão mais poder de negociaçao. Proibir que trabalhos de IA obtenham direitos autorais nos dá mais poder de negociação. Afinal, só porque a IA não pode fazer nosso trabalho, não significa que os vendedores de IA não possam convencer nossos chefes a nos demitir e nos substituir por uma IA incompetente.

Depois, há a “rescisão de direitos autorais”. De acordo com o Copyright Act de 1976, nos Estados Unidos os trabalhadores criativos podem reaver os direitos autorais de suas obras após 35 anos, mesmo que assinem um contrato abrindo mão dos direitos autorais por toda a sua duração.

Trabalhadores criativos, de George Clinton a Stephen King e Stan Lee, converteram esse direito em dinheiro – ao contrário, por exemplo, de termos mais longos de direitos autorais, que são simplesmente transferidos para empresas de entretenimento por meio de cláusulas contratuais não negociáveis. Em vez de nos juntarmos aos nossos editores na luta por termos mais longos de direitos autorais, poderíamos exigir termos mais curtos para a rescisão de direitos autorais. Por exemplo, o direito de retomar um livro, música, filme ou ilustração popular após 14 anos (como era o caso no sistema original de direitos autorais dos EUA) e revendê-lo por mais dinheiro como um sucesso comprovado e sem riscos.

Até lá, lembre-se: “só porque você está do lado deles, isso não significa que eles estejam do seu lado”. A PRH não quer evitar que o conteúdo de baixa qualidade feito por IA reduza os nossos salários como escritores; eles só querem ter certeza de que é a produção da IA deles que vai fazer isso, e não outra de fora.

 

]]>
https://baixacultura.org/2024/11/01/ia-e-os-direitos-dos-escritores/feed/ 0
Remix e políticas de cultura digital encerram o ciclo copy, right? https://baixacultura.org/2012/06/22/remix-e-politicas-de-cultura-digital-encerram-o-ciclo-copy-right/ https://baixacultura.org/2012/06/22/remix-e-politicas-de-cultura-digital-encerram-o-ciclo-copy-right/#comments Fri, 22 Jun 2012 10:55:10 +0000 https://baixacultura.org/?p=6786

Eis que nos encaminhamos para o fim do ciclo copy, right? em São Paulo.

O 3º dia (ou penúltimo dia) do ciclo é amanhã, às 16h30, novamente na Matilha Cultural. Exibiremos “RIP: A Remix Manifesto” (2009, 86 min) na sala de cinema (3º andar) da Matilha Cultural. Já quase um “clássico” da cultura digital, “RIP” é narrado em primeira pessoa pelo diretor, o canadense Brett Gaylor, e trata de discutir as tentativas de controle do arsenal cultural de hoje (e do passado) com a desculpa de proteção dos direitos do autor.

Para tocar no assunto, Brett ilustra seu filme com casos como o do DJ Girl Talk, do copyright do “Parabéns a Você”, dos filmes da Disney e até do funk carioca brasileiro. E traz para a conversa gente como Lawrence Lessig, o “criador” do Creative Commons; Cory Doctorow, um dos mais requisitados defensores da liberdade na rede; e Gilberto Gil, que tem seu trabalho no MinC brasileiro elogiadíssimo no filme – cita-se que a cultura do remix sempre fez parte da cultura brasileira e evoca-se até mesmo o grande Manifesto Antropofágo de Oswald de Andrade.

O filme foi lançado oficialmente em 2008, no Canadá, mas disponibilizou material online muito antes, através do  Open Source Cinema, um projeto criado por Brett Gaylor que busca facilitar a circulação e o remix de vídeos online. A ideia original era que o filme fosse uma produção colaborativa, onde o público pudesse contribuir com material ou mesmo baixar, editar e remixar o filme de acordo com a sua vontade, seguindo a ideia da propagada pela cultura do remix.

Em seguida à exibição, faremos uma conversa com Pedro Markun – sócio da Esfera Hacks Políticos, integrante da comunidade Transparência Hacker e da Casa da Cultura Digital – sobre o que mudou no mundo da propriedade intelectual e da cultura digital desde a produção de RIP (2008) até hoje, dentre outros assuntos a surgir na hora. Infelizmente, tivemos um problema técnico na internet e não teremos mais a participação de Brett via Skype; pedimos desculpa sinceras.

“RIP” está disponível para download, para ver no YouTube (em 9 partes) e no Vimeo – mas te garanto que ver na bela sala de projeção do Matilha é bem melhor…

*

Para encerrar o ciclo, na próxima terça-feira, 26 de junho, às 19h15, no Centro Cultural da Espanha, serão exibidos dois filmes sobre a produção audiovisual/digital recente: “Remixofagia – Alegorias de Uma Revolução” (2011, 16 min), realizado por Rodrigo Savazoni e a produtora Filmes para Bailar, ambos da Casa da Cultura Digital; e “Ctrl-V – Video Control” (2011, 56 min), de Leonardo Brant.

Remixofagia é um remix de trechos de filmes, entrevistas e músicas que faz uma espécie de “arqueologia” da cultura digital brasileira recente, com destaque para a luta pelo conhecimento livre e a presença das práticas de apropriação e reciclagem ao longo de nossa história. É uma realização de Savazoni, Rafael Frazão e Paula Alves, da Filmes para Bailar, e faz parte do projeto 5X Cultura Digital – cinco ensaios sobre a cultura contemporânea realizado por coletivos de audiovisual do Brasil.

Já “Ctrl-V” é um doc, dirigido por Leonardo Brant e produzido por uma extensa equipe, fruto de uma pesquisa sobre convergência audiovisual que explora as relações de poder e efeitos da indústria audiovisual sobre as sociedades contemporâneas. Traz entrevistas com pesquisadores/pensadores da indústria audiovisual internacional, como Edward Jay Epstein, Neil Gabler (EUA), Gilles Lipovetsky, Yvon Thiec (França), Massimo Canevacci (Itália) Octavio Getino (Argentina), Orlando Senna, Ismail Xavier, Newton Cannito (Brasil) e remixes de vários filmes hollywoodianos.

A pesquisa que originou o filme foi financiada pela Aecid (Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento), e o documentário tem o apoio do Sesc e co-produção da TV Cultura. Já fizemos uma espécie de “resenha” dele por aqui, caso queira saber mais do filme/projeto.

Depois da exibição, Rodrigo Savazoni – integrante da Casa da Cultura Digital e da nova CCD Santos, diretor do Festival CulturaDigital.br e mestrando em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC – e Leonardo Brant, coordenador da plataforma Empreendedores Criativos e editor do site Cultura e Mercado, vão falar mais sobre seus filmes e também sobre políticas públicas de cultura digital, audiovisual em tempos de convergência, cultura livre, indústrias culturais (ou “criativas”) e outros assuntos decorrentes desses.

**

Feira do Compartilhamento

Nesta terça 26 de junho, a partir das 16h, estaremos promovendo uma “Feira do Compartilhamento” no Centro Cultural da Espanha, a partir das 16h até o encerramento da exibição e dos debates. Uma estrutura montada com um HD externo, um roteador e um HUB com entradas USB facilitarão a troca de arquivos digitais presencialmente: basta levar seu HD, Notebook, pendrive e escolher o arquivo a compartilhar ou copiar. A intenção é poder reproduzir o ambiente de troca de arquivos comum na rede também presencialmente. Vale lembrar que todos os seis filmes exibidos no ciclo estarão disponíveis para compartilhar neste HD.

]]>
https://baixacultura.org/2012/06/22/remix-e-politicas-de-cultura-digital-encerram-o-ciclo-copy-right/feed/ 2
Juremir Machado e os (finados?) direitos autorais na internet https://baixacultura.org/2011/05/02/juremir-machado-e-os-finados-direitos-autorais-na-internet/ https://baixacultura.org/2011/05/02/juremir-machado-e-os-finados-direitos-autorais-na-internet/#comments Mon, 02 May 2011 16:25:00 +0000 https://baixacultura.org/?p=4742

O jornalista, doutor em Sociologia, escritor, tradutor e professor da PUC-RS, Juremir Machado da Silva andou expressando suas dúvidas e descréditos quanto aos direitos autorais dos escritores na internet. As opiniões saltaram do twitter para dois posts em seu blog no jornal Correio do Povo, no qual é colunista. Nos textos “a lei de Gerson da internet” 1 e 2, ele basicamente refaz a pergunta que assola o mundo há muito tempo: e o dinheiro? onde está o dinheiro dos direitos autorais na rede? Ele existe, ou a internet está acabando com o direito autoral?

A seguir, começamos um diálogo com os textos de Juremir, a fim de entendermos suas ideias e, também, de colocar as nossas, além de buscar outras informações que complementam a discussão. Claro que não temos um pingo da sabedoria e da ironia de quem lida com mercado editorial há pelo menos 20 anos, mas bora lá.

Deve existir direito autoral?

Entrei numa briga ao lado de um amigo, o editor da Sulina. Luis Gomes ficou chocado quando viu livros inteiros do seu catálogo disponíveis num blog chamado, se não me engano, “livrosletrasUSP”. Reclamou.

O nome da USP foi tirado.

A editora Jorge Zahar, pelo jeito, também se queixou da disponibilização de livros de Bauman, autor em voga.

A pressão aumentou. O site foi tirado “do ar”.

Virou polêmica no twitter.

Como toda polêmica, segundo o ritual, com boas tiradas, muitas provocações, alguma grosseria e até humor.

A questão é esta: ainda é possível e legítimo ganhar dinheiro com livros?

Ou: como resolver o conflito complexo entre o ideal de acesso gratuito e universal ao conhecimento e o respeito ao trabalho alheio e aos investimentos em torno desse trabalho? O que deve prevalecer?

Parece que os donos do blog são alunos da USP preocupados com os preços altos dos livros e com a livre difusão do conhecimento. Faz sentido. Muito sentido.

Eu acredito que o modelo atual de produção e comercialização de livros está comprometido. Deve caminhar para a relação direta entre editoras e leitores. Ou entre autores e leitores (consumidores?)

As dúvidas sobre a “pirataria digital” são frequentes e merecem ser discutidas, principalmente alguém com uma grande influência como Juremir. Como já dito, ele evidencia: “A questão é esta: ainda é possível e legítimo ganhar dinheiro com livros?“. Legítimo e possível, sim. Mas é muito difícil viver dos direitos dos livros, como já comentamos. Sobre ganhar alguns trocados, que o diga o mestre Paulo Coelho, que se autopirateia faz tempo e nem por isso deixou de vender. Vamos abrir um parenteses e atentar para alguns detalhes da supralinkada notícia:

[Sem o livro impresso e munido da tradução para o russo, Coelho decidiu disponibilizá-la em seu site.
Coincidência ou não, as versões do livro em papel, quando reeditadas naquela língua, bateram 1 milhão de exemplares vendidos.

“Recebia muitos e-mails que faziam referência à edição pirata do site.” Entusiasmado, o escritor resolveu repetir a estratégia com outros livros em outras línguas colacionando links das obras dos sites troca de arquivos. “Criei o meu “Pirate Coelho!“]

Claro, Paulo Coelho é um escritor best-seller.  Por conta disso, é muito mais fácil fazer qualquer ação de marketing – mesmo que sem saber. Mas ele sacou (talvez à força ou sem querer, enfim) que existe alternativas de negócio na rede.

Continuando com Juremir, ele admite que o atual modelo de comercialização de livros está comprometido e que Deve caminhar para a relação direta entre editoras e leitores. Ou entre autores e leitores (consumidores?). É o já velho dogma que a internet trouxe sobre o fim da Indústria da Intermediação – que não temos como saber por enquanto se é só previsão furada ou de fato verdade.

Até se compreende que as potencialidades interativas do digital ainda não tenham sido experimentadas pela maioria das grandes editoras e escritores. O apego aos modelos antigos de comércio resulta em preguiça de inovar. E, talvez, os ganhos editorais ainda não sejam tão altos a ponto de fazer perder o medo na busca pelo diferente.

Paulo Coelho sacou, sem querer, que existem formas alternativas de negócio para na rede

*

Quanto a produção acadêmica financiada com recursos públicos, já defendemos que ela deve ser disponibilizada sempre gratuitamente.

A produção acadêmica em curso não precisa mais de editoras e distribuidores. Pode simplesmente ser colocada na rede. Por exemplo, nos sites de cada instituição.

Por que isso não ocorre? Por falta de hábito ou porque alguns autores buscam um prestígio ainda ligado a editoras convencionais ou a livros em papel?

Disso ele levanta a questão de como determinar a qualidade se for tudo liberado. Obviamente que o conteúdo tera que ser lido/consumido para a avaliação e cita dois tipos de quem poderia avaliar: “Alguns apostam em comissões de especialistas. Outros, no julgamento difuso da população, o chamado tribunal das reputações intelectuais. Será que uma comissão consegue julgar sem preconceitos ideológicos ou de outra natureza?”. E por que não os dois? E como assim uma “comissão” conseguiria julgar SEM ideologia? Existe algo “puro”, não atravessado por uma ideologia?

Estes tempos ultra-modernos tem nos mostrado que uma coisa não mata outra: a convivência de diversas opções/mídias/modelos de negócio/modos de viver é possível e desejável. Mesmo que o caos predomine no início, haverá uma nova uma forma de se trabalhar com ele de modo produtivo.

Continuando com Juremir:

São questões em aberto. Certo é que o conhecimento acadêmico, especialmente aquele produzido com verba pública, pode e deve ser disponibilizado na rede.

Isso significa o fim do direito autoral?

Lessig, como secretário de justiça dos EUA, abolindo os direitos autorais. Ficção possível?

Lembremos do post passado, onde no filme “Prometeus” surge a previsão de que Lawrence Lessig abolirá o direito autoral quando chegar a secretário de Justiça dos EUA, nos idos de 2020. E também do texto de Rick Falkvinge, do Partido Pirata da Suécia: “se a legislação não for modificara”, a próxima geração de políticos vai abolir de uma vez só o monopólio do Copyright. O quanto isso é ficção ou previsão certeira só o tempo dirá. Mas é fácil de imaginar que, quando a geração que nasceu com a internet estiver no “poder”, daqui a uns bons 20 a 30 anos, o copyright vai se modificar radicalmente.

O que fazer com quem publica livros, mesmo de ciências humanas, sem verba pública e espera ter retorno financeiro e até viver das suas publicações?

Se até os escritores de ficção raramente “vivem de literatura” que dirá os acadêmicos que só são lidos por um seletíssimo público no Brasil.

O que fazer com uma editora que comprou os direitos de publicação de um livro estrangeiro, pagou a tradução, a editoração e a impressão?

É correto e justo pegar esse livro e disponibilizar na rede para acesso gratuito? Isso não pode ser visto como apropriação de trabalho e de investimento alheios?

Por exemplo, um livro de Bauman.

Alguns alegam que disponibilizar na rede não afeta as vendas. Será? Qual a comprovação disso? Por que não?

Vejamos um exemplo não muito novo: a série Harry Potter. Em 2007, quando foi lançado o último livro da série inglesa, leitores/consumidores/fãs traduziram as 784 páginas em 10 dias, na ânsia de saber o fim da história. Mesmo assim, a editora Rocco não deixou de lançar a edição pela tradutora oficial, Lia Wyler. E duvidamos que tenha dado prejuízo.

Com um autor como Bauman, mundialmente conhecido e citado, não deve ser muito diferente. Até porque quem não puder comprar, vai xerocar o livro, como muito pesquisador/professor precisa fazer para trabalhar.

Outros sugerem que cada um deve ser livre para comprar os livros que achar interessantes e baixar os desinteressantes, de interesse passageiro ou de leitura escolar. Os “desinteressantes” não têm custo?

Autores medíocres ou “desinteressantes” não devem ser protegidos pela lei do direito autoral?

A lei francesa permite até a prisão de quem baixa arquivos na internet ilegalmente.

O Brasil deve ser mais flexível?

Não há nenhuma razão para o Brasil adotar a Lei Hadopi. Por que o Brasil deve continuar a se sujeitar e ser maria-vai-com-as-outras?  O Hadopi é uma lei radical que determina o corte da internet caso um usuário baixe conteúdo protegido pelo desatualizado copyright. Há até uma pesquisa, de franceses inclusive, dizendo que o esse tipo de lei pode ter um efeito reverso e aumentar a “pirataria”.

Eu sou a favor de mudanças na lei do direito autoral vigente no Brasil. Acho que o tempo para cair em domínio público deve baixar bastante. A parte do autor no preço de um livro deve ser sempre maior que a do editor. Atravessadores devem ser eliminados. Sonho com livros a R$ 1 real na internet. O trabalho intelectual tem preço. Livros esgotados devem ser copiados. Governos devem investir muito mais em bibliotecas. Isso deve conduzir ao fim do direito autoral? Ganhar com livros é ilícito?

Por que Chico Buarque não seria proprietário das suas canções? Por que ele não poderia viver da venda de gravações das suas músicas? Por que jogadores têm direito de imagem e intelectuais não seriam proprietários das suas ideias, boas ou ruins, brilhantes ou medíocres?

Depois dessas especulações, Juremir sugere uma operação “libertação dos livros”, em que estudantes comprariam direitos de livros estrangeiros ou obteriam a liberação de autores e editoras para liberar na rede.

Eu sou a favor de sites com livros integrais. Sugiro que jovens brilhantes ou não, com ajuda dos seus professores, mergulhem numa operação “libertação de livros”: comprem direitos de livros estrangeiros, ou obtenham a liberação com seus autores e editoras, façam as traduções e disponibilizem na rede. Poderiam começar por Habermas, cuja obra principal não tem tradução no Brasil.

Que tal usar o crowdfunding para isso? Financiar a compra dos direitos autorais de livros estrangeiros, a tradução e a disponibilização na rede? Alô, Catarse.

Agora, simplesmente pegar o que outros fizerem e disponibilizar parece uma apropriação indébita. É fácil ver o editor como o capitalismo selvagem sedento de lucros. Boa parte das editoras é pequena. Elas mal sobrevivem. Criam empregos. Gastam. Querem retorno.

Por que nossos bravos guris da USP não botam na rede inteiro o excelente catálogo da Cia. das Letras? Por que não a atacam por não favorecer essa operação? Será que não querem se queimar com uma editora charmosa e com prestígio? Querem ter a porta aberta para publicar lá?

Vai ver ainda não tiveram a oportunidade de escanear os livros da Cia. das Letras.

Essa questão tem várias pontas. Uma delas é o acesso ao conhecimento. Outra, a carência dos estudantes. São questões legítimas. Quem deve pagar a conta? As editoras? Os autores? É possível um modelo que contemple todos os envolvidos? A internet não é uma biblioteca qualquer. Parece mais uma livraria sem pagamento. O efeito é diferente. Por que não estão na rede, que eu saiba, em sites ou blogs comentados e divulgados, livros como “1808” e “1822”? Algumas editoras e autores são poupados?

Não haveria por trás disso uma ideologia anticapitalista radicalizada e contraditória pela qual o livro, em alguns casos, não pode ser mercadoria?

Uma busca rápida no google com as palavras “1808 download” achou 11.300.000 resultados. Algum deles deve estar funcionando, não?

Por que eu, mesmo medíocre, não poderia ser dono das minhas ideias e dos meus livros? Por que alguém poderia dispor deles para reprodução ilimitada sem me consultar?

Dado que a tecnologia permite reprodução ilimitada, devemos abrir mão da possibilidade de viver da venda de livros? De qualquer livro? Ou só de ciências humanas? Ou só de ciências humanas com financiamento público?

Cristovão Tezza acha que o livro em papel e digital vão conviver juntos

O livro ainda pode (e deve) ser vendido, tanto digital quanto fisicamente. Mas saiba que, com os preços abusivos atuais no Brasil, por exemplo, ele também será encontrado para baixar na internet. Mas há uma questão extra que, por enquanto, tem salvado os escritores, como disse o escritor babaca que não vende livro Cristovão Tezza nesta entrevista de 2009:

[Baixar um livro é infinitamente mais fácil que baixar um filme e mesmo uma música, mas a leitura digital de um texto longo no monitor é desconfortável – é isso, até aqui, que vem salvando os escritores. Com a chegada dos livros digitais, isso pode mudar. Até porque, parece que não há formato de arquivo, por mais exclusivo que seja, que não acabe convertido em outro de uso corrente.]

O despreparo das editoras é visível também nas livrarias online. Dois casos ilustram isso: o da versão do livro digital ser mais cara que a do livro impresso, e o de e-books com frete. Em 2009, a editora Plus alertou que o preço da versão digital do livro O Seminarista, de Ruben Fonseca, estava custando mais caro do que o da versão impressa em lojas virtuais indicadas pela Editora Ediouro. Pouco depois a Editora baixou o preço da versão digital (mas continuava caro). Outro empecilho para a venda de livros digitais é o prazo da entrega, ou seja, o frete dos bits. Em 2010, o Gizmodo mostrou a difícil compra do e-book “1822”, e que iria demorar quatro dias para chegar ao consumidor. Será que os clientes estão sem razão?

Todos os artistas que brigam por direitos autorais defendem direitos mercantis ilegítimos e repugnantes?

A lei não deve ser aplicada a estudantes e professores que defendem a universalização do saber?

Não cansemos de repetir: a lei está desatualizada.

São imbecis e fascistas todos aqueles que pretendem ganhar dinheiro com seus livros e que defendem o respeito a contratos firmados com editoras ou com gravadoras?

É moralmente superior pregar a apropriação do trabalho alheio, com todos os seus custos e expectativas, em nome de uma suposta universalização do conhecimento?

É lícito que alguém assine um contrato com uma editora, em busca de prestígio ou de dados para o seu currículo, sendo beneficiado por um investimento, e depois disponibilize o livro na rede pensando, ou até dizendo, “azar do editor, eu já consegui o que precisava”?

E-book de Chico Buarque mais caro do que a versão impressa. Prejuízo de quem? [clique para ampliar]

Se a relação custo/benefício da compra do livro impresso valer a pena, as pessoas vão comprar o livro. Entram aí diversas questões, como a qualidade da edição e o quanto (não) é cômodo ler este livro no computador.

Lendo algumas das mensagens dos garotos da USP, que me foram repassadas, simpatizei com eles: irônicos, espírito libertário, debochados, sarcásticos, discípulos, talvez de Guy Debord… Posso me permitir pensar que estão analisando parcialmente o problema?

Sinto-me tranquilo para falar: faço campanha permanente pela queda dos preços dos livros. Acho absurdo que um livro saia da gráfica por R$ 2 e seja vendido por R$ 40. Aposto na tecnologia para que isso seja mudado.

A melhor mudança é liquidar o direito autoral?

Liquidar? Talvez. Apropriá-lo para o meio digital seria a opção mais sensata.

Andei escrevendo Cossac em lugar de Cosac. Imaginei uma editora brasileira recente de autores soviéticos tardios. Uma editora fashion sustentada por banqueiros idealistas e comprometidos com a arte. Tudo bobagem da minha cabeça. Foi só um erro. Essa editora só me chama a atenção pelas capas duras e os livros feios e caros.

Sou preconceituoso, implicante, grosseiro, sem importância e maldito, o Bolsonaro do direito autoral.

Defendi a prisão dos copiadores de livros. Mas sem cela especial, pois, se bem entendi, eles ainda não se formaram. Já os professores…

Pirata que é pirata precisa rir de si mesmo.

Salvo se for algo mais simples, um pragmatismo libertário:se não gosto ou não acho importante, não pago, mas uso. Ou, se dá para copiar, por que pagar?

Afinal, o prejuízo é de outros mesmo.

O estopim para os textos de Juremir foi o caso do blog, já deletado (na imagem acima), LetrasUSp Download, que depois mudou para Livros de Humanas, e foi apagado, e agora está no twitter [Leiauma entrevista com o responsável]. Um novo modelo de negócio da produção intelectual escrita é preocupação não só aqui, mas no exterior há bastante tempo, como mostra essa matéria do The New York Times traduzida pelo Terra há dois anos. O cenário era quase o mesmo. Algumas editoras de lá empregam funcionários para rastrearem links que contenham obras protegidas, mas não adianta muito:

[“É uma caça interminável”, disse Russell Davis, autor e presidente da Escritores de Ficção Científica e Fantasia da América, uma associação comercial que ajuda escritores a perseguir piratas digitais. “Você acaba com um e outros cinco aparecem”.]

O texto termina com uma frase do escritor Cory Doctorow, que será tema de um próximo post aqui, defendendo as cópias digitais, pois elas atraem novos leitores: “”Realmente sinto que meu problema não é a pirataria”, Doctorow disse. “É a obscuridade”.

Terminemos o diálogo com Juremir com três exemplos/possibilidades. O primeiro vem de Robert Darnton, diretor da biblioteca de Harvard, que escreveu um texto chamado “Cinco mitos sobre a idade da informação“, que foi traduzido pelo Observatório da Imprensa. Lá no meio do texto, Darnton tenta acabar com a visão maniqueísta de “e-books contra livros”:

[Uma visão mais sutil recusaria a noção comum de que livros velhos e e-books ocupam os extremos opostos e antagônicos num espectro tecnológico. Devia-se pensar em livros velhos e e-books como aliados, e não como inimigos.]

O segundo trata de uma bem azeitada fala de Bob Stein, presidente do Institute for the Future of the Book, que veio ao Brasil ano passado, no Fórum da Cultura Digital 2010.

“O futuro do livro segue em duas direções. O livro impresso se transformará em um objeto de arte. Em outras palavras, pessoas abastadas poderão comprar lindas versões de livros impressos. Eles terão mais ilustrações e servirão como um souvenir. Já a maioria dos livros terá como padrão o formato digital. Você poderá imprimi-lo, se quiser, e a leitura se tornará muito mais social e dinâmica.

Oráculo de Palomas, o vidente juremiriano

E o terceiro é do próprio Juremir. Apocalíptico, o ácido profe/escritor/pensador/cronista usa seu “Oráculo de Palomas” – personagem inspirado em sua cidade preferida, Palomas, um vilarejo fictício baseado em uma vila perto de Santana do Livramento, terra de Juremir e cidade fronteiriça do RS com o Uruguai – para fazer algumas previsões sobre o futuro de toda essa discussão, via twitter.

_ A tecnologia vai acabar com o direito autoral, salvo se politicamente não se quiser. Isso vai acabar com as editoras.

_ O fim de editoras e livros em papel pode não ser tragédia. A tragédia, sem direito autoral, será o fim do escritor.

_ Músicos fazem shows. Escritores, sem direito autoral, viveram de quê? De palestras? E os que são ruins nisso? Fim.

_ Com o fim das editoras e dos direitos autorais, voltaremos ao dilentantismo e ao beletrismo. Os melhores desistirão.

_ O fim do direito autoral levará ao fim de editoras e autores. Ainda bem que tudo isso será suplantado pelo fim da escrita.

_ Com o fim da escrita, compreenderemos que Tiririca estava na vanguarda. O problema do analfabetismo estará enfim resolvido.

P.s: Pedimos sinceras desculpas ao mestre por reproduzir suas falas. Como bom defensor da propriedade e da privatização de seu próprio intelecto, da venda de tudo que sai dele, e da fiscalização e da cadeia para quem vender sem sua autorização, como andou dizendo estes tempos em seu twitter, Juremir está convidado a aparecer aqui neste espaço e reinvindicar seus centavos pelo nosso roubo de ideias. Grato. 

Crédito das imagens: 1, 2, 3 , 4.
 

[Marcelo De Franceschi. Leonardo Foletto]

]]>
https://baixacultura.org/2011/05/02/juremir-machado-e-os-finados-direitos-autorais-na-internet/feed/ 7