Cópia Livre – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Fri, 25 Oct 2024 18:55:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Cópia Livre – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Cópia & Desvio – parte I https://baixacultura.org/2024/10/25/copia-desvio-parte-i/ https://baixacultura.org/2024/10/25/copia-desvio-parte-i/#respond Fri, 25 Oct 2024 18:52:24 +0000 https://baixacultura.org/?p=15740  

A proliferação mundial dos sistemas de inteligências artificiais generativas quebrou um paradigma ao tornar a cópia ainda mais base para a criação. Tudo que está na internet e foi raspado – sem consentimento, aliás – por estes sistemas está sendo a base para a criação de inúmeras coisas, de cards de redes sociais a ilustrações de livros, passando por e-mails, artigos, filmes, textos e músicas. Se já no início do século XX a reprodução técnica, especialmente na fotografia e no cinema, tornava a cópia e o “original” não facilmente distinguíveis, o que dirá a partir de 2023, quando as IAs ampliam a reprodução digital e, cada vez mais, a separam de sua materialidade original, que passa a se transformar em mero dado, padrões de números a alimentarem grandes bancos onde não existe mais singularidade, apenas cópia.

Diante disso, qual é o papel da cópia na era da IA Generativa? O projeto Cópia & Desvio é uma série de conferências experimentais/performances sobre o direito para copiar e reutilizar o conhecimento humano. Organizado em atos, o objetivo é apresentar uma narrativa crítica sobre a cópia e sua relação com a política e a sociedade ao longo do tempo.

A primeira parte se chama “A cópia na era de sua proliferação técnica” e ocorreu ao vivo em 24 de outubro, às 19h (UTC-3). Nela, Rafael Bresciani e Leonardo Foletto remixaram artefatos sonoros e visuais em live-coding (no sistema Hydra, com a interface do Flok) para compor a narração da conferência, centrada nesta primeira parte nas práticas e reflexões de cópia no início do século XX. Teve participação nas vozes (e textos) de Walter Benjamin, Marcel Duchamp, Conde de Lautréamont e Tommaso Marinetti. Na música, Neu!, Talking Heads e Kaisoku Tokyo. Nas imagens, Pablo Picasso, Okumura Masanobu, Kunisada, J Borges, Louis Daguerre, Hugo Ball, Kurt Schwitters, Man Ray, Niepce, Abraham Salm, Marinetti, entre outros. As vozes de Duchamp, Benjamin e Lautréamont foram criadas a partir do treinamento do sistema de IA Generativa chamado Eleven Labs

O vídeo é parte de uma investigação que estamos fazendo desde 2023 sobre o papel da cópia ao longo dos últimos séculos na história da arte, o que passa pela questão histórica do desvio. Como se sabe, a arte é marcada pelo plágio, o roubo, o desvio, a cópia e apropriação. A segunda parte irá centrar na sgunda metade do século XX, período essencial da proliferação técnica das cópias a partir dos gravadores, samplers, fitas, fotocopiadoras, televisão, vídeos, computadores.

Assista abaixo. Após, um trecho do texto falado por Benjamin no vídeo:

 

“Tanto a poesia sonora, as colagens e o cinema são artes que foram potencializadas nessa primeira metade do século XX com a expansão da reprodução técnica. Os aparatos técnicos são protagonistas tanto como método de produção (caso das collages) quanto de gravação e apresentação ao público (poesia sonora e o cinema).

Eu não vou explicar hoje o que é Inteligência Artificial Generativa pois, como falei para vocês, ainda não sei bem. Intuo que elas ampliam a reprodução digital e, cada vez mais, a separam de sua materialidade original, que passa a se transformar em mero dado, padrões de números a alimentarem grandes bancos onde não existe mais singularidade.

Eu intuo também que as tecnologias digitais de reprodução tornam mais difícil a negação e a escolha. É como um loop da desintegração: o meio é abstraído na hiperconexão do e e e e e e e e e e e e e e, com menos possibilidade de ou ou ou ou. Às máquinas de reprodução técnica digital não é facultado a possibilidade de fim, mas sim a reprodução contínua e infinita de presente. Tudo passa a ser conectado ao propósito da reprodução contínua de cópias. Nada mais é criado, tudo passa a ser apenas repetição sem diferença. Todas as obras já existentes remixam as anteriores: tudo é cópia.” 

Walter Benjamin (Benja), remixado no vídeo

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A cópia na era de sua proliferação técnica https://baixacultura.org/2024/10/11/a-copia-na-era-de-sua-proliferacao-tecnica/ https://baixacultura.org/2024/10/11/a-copia-na-era-de-sua-proliferacao-tecnica/#respond Fri, 11 Oct 2024 20:16:34 +0000 https://baixacultura.org/?p=15723 Muito já se falou sobre as mudanças que a internet e as tecnologias digitais trouxeram para o compartilhamento de informação: a era da “liberação do polo emissor da informação” propiciou o acesso fácil a maior quantidade de informação disponível na história da humanidade, para o maior número de pessoas já existentes no planeta até aqui. 

É normal que o debate tenha o foco na recepção das informações digitalizadas. As práticas de consumo e circulação de informação dizem respeito a toda a sociedade, enquanto que as práticas criativas dizem respeito a um grupo mais seleto de pessoas que, de forma assumida, afirma que cria – embora saibamos que a criação está em muito mais lugares do que imaginamos. As mesmas tecnologias que nos levam a conversar sobre novos modos de consumir e compartilhar informação colocam, também, em relevo práticas criativas ligadas ao roubo. Identificamos um sampler em menos de 3 s, uma imagem através de uma busca simples de comparação num buscador da web; usamos qualquer obra para criar outras.

As práticas de (re) criação ligadas à abundância de informação potencializada nos últimos 30 anos por objetos técnicos não fazem outra coisa que não coletar, armazenar, processar e difundir dados. Estes objetos, que você reconhece em todos os hábitos cotidianos de uma pessoa do século XXI, tem por essência a cópia. Isso significa dizer que eles só existem porque copiam; não há ação no uso da internet e de objetos digitais que não seja, em essência, uma combinação gigantesca de números copiados. São os 0 e 1 recombinados a exaustão que fazem brotar, às vezes como mágica, imagens, sons, textos, que vão ser captados pelos nossos sentidos e fruídos como arte, jornalismo, entretenimento – ou simplesmente mentira.

A proliferação mundial dos sistemas de inteligências artificiais generativas (ChatGPT, MidJourney, Stable Diffusion, Gemini, etc) em 2023 quebra um paradigma ao tornar a cópia ainda mais base para a criação. Tudo que está na internet e foi raspado – sem consentimento, aliás – por estes sistemas está sendo a base para a criação de inúmeras coisas, de cards de redes sociais a ilustrações de livros, passando por e-mails, artigos, filmes, textos e músicas. Se já no início do século XX a reprodução técnica, especialmente na fotografia e no cinema, tornava a cópia e o “original” não facilmente distinguíveis, o que dirá a partir de 2023, quando as IAs ampliam a reprodução digital e, cada vez mais, a separam de sua materialidade original, que passa a se transformar em mero dado, padrões de números a alimentarem grandes bancos onde não existe mais singularidade, apenas cópia – a hiperconexão do E E E E E em vez do OU OU, já que às máquinas não é facultado a possibilidade de fim, mas sim a reprodução contínua e infinita de presente. 

Diante disso, qual será o papel da cópia na criação artística na era da Inteligência Artificial Generativa? Estamos em uma investigação, desde 2023, para entendermos o papel da cópia ao longo dos últimos séculos na história da arte, o que passa pela questão histórica do desvio: como se sabe – e nós já tratamos um pouco aqui, nos “momentos da história da recombinação” – a arte é marcada pelo plágio, o roubo, o desvio, a cópia e apropriação. Estamos nos encaminhando para o encerramento desse processo, que vai resultar num livro a ser publicado pela SobInfluencia em 2025.

Em paralelo e complementar ao processo de produção do livro, nasceu o projeto Cópia & Desvio. É uma série de conferências experimentais/performances/lives sobre o direito para copiar e reutilizar o conhecimento humano. Organizado em quatro atos, o objetivo é apresentar uma narrativa crítica sobre a cópia e sua relação com a política e a sociedade ao longo do tempo. Em diálogo com o processo de escrita do livro, as quatro sessões vão abordar temas, pessoas, grupos e movimentos históricos onde a cópia ganhou destaque, sempre em diálogo com a história das tecnologias que permitiram transformações na reprodução técnica. 

Vamos examinar momentos como a criação do rádio e da arte sonora do surrealismo e do dadaísmo; o détournement situacionista e o cut-up dos 1960; a arte xerox e a mail art dos anos 1970 e 1980; os samplers e a cultura hip-hop, os remixes e os memes potencializados na internet; até chegar, por fim, a criação na era da IAs generativas.

As conferências/performances se desenvolvem em um formato experimental, ao vivo, como lives, em que a narração irá acompanhar um live coding com elementos visuais e sonoros, além de outras intervenções ao vivo. Serão gravadas e transmitidas, via canal do Youtube do BaixaCultura.

A primeira destas conferências será chamada de “A cópia na era de sua proliferação técnica” e vai ocorrer no 24 de outubro, às 19h (Brasil, UTC-3). Rafael Bresciani e Leonardo Foletto vão criar artefatos sonoros e visuais para compor a narração da conferência, centrada nas práticas e reflexões de cópia no século XX, de Walter Benjamin a Lev Manovich, passando por Marcel Duchamp, Guy Debord, William Burroughs, Hugo Pontes, Paulo Bruczky, Moholy-Nagy, Rosalind Krauss, Yoko Ono, Andy Warhol, Sherrie Levine, Devo, Talking Heads, Neu!, entre outros.

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Arte/desvio – colagens, samples e ressignificações contra a propriedade intelectual https://baixacultura.org/2023/05/11/arte-desvio-colagens-samples-e-ressignificacoes-contra-a-propriedade-intelectual/ https://baixacultura.org/2023/05/11/arte-desvio-colagens-samples-e-ressignificacoes-contra-a-propriedade-intelectual/#respond Thu, 11 May 2023 19:20:57 +0000 https://baixacultura.org/?p=15246 **
UPDATE 23/5: Aqui um roteiro aberto da fala, que transitou por isso e outros papos, sobretudo música, sampler, DJs, torrent, pirataria, Soulseek, IA…

O próximo encontro do Processo de Pesquisa, projeto da editora/livraria/espaço cultural SobInfluência na Galeria Metrópole (centro de SP), será o “Arte/Desvio – colagens, samples e ressignificações contra a propriedade intelectual”, com a participação minha (Leonardo) e de Tiago Frúgoli para apresentar nossas respectivas pesquisas e a pertinência do uso das técnicas de recombinação, sampling e colagem em um mundo cada vez mais vigiado e pautado por condições algorítmicas.

Um trecho do texto de divulgação:

A arte, em sua história, é marcada pelo plágio, o roubo, o desvio, a cópia e apropriação. Alguns movimentos históricos, artísticos e musicais, deram conta de elaborar essas práticas, que ocorrem a partir de resíduos visuais e sonoros já existentes, para desenvolver e criar algo novo. O Dadaísmo, o Surrealismo, os Situacionistas, com o desvio de símbolos e reutilização de imagens e textos, a música eletrônica e o hip hop, com uso de samples, são expressões que nos colocam para pensar sobre o que significa lidar com a arte, o insconsciente, seus desvios simbólicos e a propriedade privada que envolve esses territórios.

Leonardo Foletto é jornalista, pesquisador e doutor em comunicação (UFRGS). Desde 2008 edita o BaixaCultura, laboratório online de cultura livre e (contra) cultura digital. Seu último livro é “A Cultura é Livre: uma história da resistência antipropriedade”, de 2021.

Tiago Frúgoli é músico e educador de São Paulo. No seu trabalho, transita entre os beats, jazz, experimentalismo e música brasileira. Seu álbum “Casa” foi lançado pela YB Music, Fresh Selects (EUA) e King Records (Japão). É responsável pela curadoria do selo Ukiyo Beat Tapes.

O evento é gratuito e, se possível, inscreva-se pelo formulário. Os eventos da Sobinfluencia são gratuitos, mas para que eles continuem com a realização desse trabalho, apoiar mensalmente é muito importante.
Dia 17/05, às 19 horas, na Galeria Metrópole – Rua São Luis, 187 – sala 12, primeiro andar – República, São Paulo

LEMBRANDO QUE: desde 2018 buscamos recursos para seguirmos nosso trabalho de discussão, propagação e documentação em cultura livre, (contra) cultura digital e tecnopolítica no BaixaCultura, que em setembro de 2023 completa 15 anos de vida.

Não temos patrocinadores; o pouco que recebemos vem de pessoas que acreditam no nosso trabalho e querem que ele continue. Você pode ser um deles fácil, basta apoiar a partir de R$5 mensais em https://apoia.se/baixacultura ou doar qualquer quantia via PIX: info@baixacultura.org. O dinheiro que recebemos vai para custear nosso servidor (site e e-mail), pagar gastos com impressões do selo editorial e remunerar algumas (das muitas) horas necessárias para fazer o BaixaCultura seguir adiante.

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Todas as músicas em domínio público https://baixacultura.org/2020/05/11/todas-as-musicas-em-dominio-publico/ https://baixacultura.org/2020/05/11/todas-as-musicas-em-dominio-publico/#comments Mon, 11 May 2020 11:03:26 +0000 https://baixacultura.org/?p=13196

Em 1997, uma banda chamada The Verve lançou a música “Bittersweet Symphony“, hit dos anos noventa indicado e vencedor de vários prêmios de música pop. Um extremo sucesso, tanto que é executada em rádios do mundo até hoje. A música começa com uma orquestra tocando um riff que está na cabeça de todo mundo que já ouviu pelo menos uma vez.

Este riff foi feito pelos Rolling Stones em 1965, em uma música qualquer deles, chamada “The Last Time“. O The Verve usou um sample de uma versão orquestrada da música, feita em outra ocasião para um songbook dos Stones. A gravadora da banda, sabendo que usariam um sample na música, pediu e recebeu a autorização para usar o trecho da original no seu sucesso. No entanto, tendo em vista o desempenho comercial estrondoso do single, um executivo cresceu o olho.

O ex-empresário dos Stones, detentor dos direitos das músicas da banda (percebam, o cara não é nenhum artista) processou o The Verve, alegando que o sucesso do hit era devido aos Rolling Stones, e que a banda tinha usado “mais que o autorizado” na música. O empresário ganhou e todos os direitos sobre a música, independente de ela ser completamente nova, passaram a ser dos Rolling Stones. Somente em 2019 Richard Ascroft (foto acima), co-fundador e vocalista do Verve, teve o direito pela música recuperado.

A indústria da música, talvez por ser o meio artístico mais popular da sociedade, é terreno da maioria dos casos de processo por direito autoral que conhecemos. As limitações criativas que o próprio meio da arte impõe em melodia também propiciam argumentos: são doze notas na música, sete tons e cinco semitons, e a partir disso podemos imaginar que existe uma quantidade limitada de coisas novas que se pode criar em termos de canção e melodia. Por maiores que sejam as possibilidades, elas têm um limite – menor que na literatura, por exemplo, onde as letras e palavras permitem mais combinações.

Poderíamos estender essa argumentação por mais parágrafos. Parece meio estranho, pra dizer o mínimo, que um artista diga “ei, eu inventei este pedaço de sons nesta sequência e por isso ele é meu”, ou “ei, esta frequência e timbre são exatamente da minha guitarra e por isso esta música é toda minha”, mas é o que acontece.

Apesar de artistas buscarem expandir as barreiras impostas pela melodia através de novos recortes, ritmos e arranjos, mesmo assim a indústria consegue fechar novas criações em velhos modelos, como já reportamos em casos de “plágio” por aqui, o que incitou também rebeldia musical, caso da plunderfonia, um dos momentos ilustrados da história da recombinação trouxemos aqui.

E é uma luta unicamente econômica. Se eu tivesse feito uma música, ano passado, exatamente igual ao novo hit da Anitta desta semana, eu poderia processá-la? Sim, se eu fosse capaz de arcar com as despesas. Eu ganharia? Provavelmente não. Ou se sim, em uns 30 anos. Agora, se experimentarmos o contrário pra ver o que acontece: lançamos uma música que se parece com algum hit da Anitta. Em três minutos recebemos uma intimação da Sony Music, ou Disney, ou sei lá qual gravadora, mandando tirar do ar ou pagar os royalties, além da difamação por ter copiado outro artista.

Acontece que, por mais que algum dia quisermos ser originais em se tratando de música, esbarraríamos no número de notas limitado, no número de frequências audíveis limitado e nas regras harmônicas, que nos conduzem por caminhos pré determinados. Cientistas estudam sequências de acordes e por que algumas nos dão a sensação de inacabadas ou acabadas; por que uma nota menor parece triste, e outra maior parece alegre. A coisa é tão reativa para nossos sentidos que boa parte da música pop foi escrita a partir das mesmas sequências e nem por isso nós comparamos “In the Airplane Over the Sea” do Neutral Milk Hotel com Friday da Rebecca Black.

Foi pensando nestas limitações e neste cenário mercadológico predatório que dois programadores resolveram propor uma solução para evitar que qualquer músico seja inibido a compor pela possibilidade de ser processado por alguma gravadora ou artista oportunista. Damien Riehl e Noah Rubin se uniram para gerar um código que registrasse todas as possibildades de melodias. Eles tomaram as oito notas dentro de uma oitava (um intervalo de frequência definido) e todos os doze intervalos possíveis (a cada trecho do intervalo é marcado um tom ou semitom) para compô-las, e registraram estas melodias em arquivos .midi – um formato que registra todas as características das músicas (mas não como áudio), o equivalente digital a uma partitura.

Depois de gravar todos os arquivos em um HD externo, as músicas foram registradas pelos autores como sua propriedade sobre licença Creative Commons Zero – o que significa que elas estão em domínio público, e ninguém pode reinvidicar direitos patrimoniais (de exploração comercial) sobre a obra – e disponibilizadas no site All the Music.

Qualquer artista agora pode escrever qualquer música, e se for processado, alegar que na verdade estava sendo influenciado por Damien e Noah. É uma defesa válida. Ao mesmo tempo, a partir da data em que as melodias foram registradas, os dois passam a ser detentoras destas, e nenhuma música nova pode ser plagiada por outra mais nova ainda.

Juristas estão se perguntando se isso funcionaria em um caso real, mas a verdade é que o que os dois criadores do All the Music demonstraram é que não faz sentido nenhum alegar propriedade sobre uma sequência de sons. O projeto já está sendo expandido para uma quantidade maior de oitavas, até eventualmente zerar o problema.

Quantas músicas podem ser feitas sem uma lembrar a outra? Que artista pode escrever uma música sem ter ouvido outra antes? Como não se influenciar, nem mesmo de forma inconsciente? Registrar todas as músicas possíveis e caçar artistas de qualquer porte para coletar royalties só interessa a quem tem dinheiro para acessar um tribunal em cada caso destes. Música nenhuma é de alguém mais do que as fronteiras dela própria, e talvez nem neste caso, porque ela veio de alguma ideia antes disso.

O que Damien e Noah fizeram é uma provocação contra um mercado predatório e fadado a saturação. Esperamos que a reflexão se estenda para toda criação, e que a sua reprodução não seja tratada além da sua própria existência. Reprodução é obra nova, recombinação que o diga.

Ou você acha que esta música é responsável pelo sucesso desta música?

[Victor Wolffenbüttel]

 

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Pirataria de março: sul da terra https://baixacultura.org/2015/03/09/pirataria-de-marco-sul-da-terra/ https://baixacultura.org/2015/03/09/pirataria-de-marco-sul-da-terra/#comments Mon, 09 Mar 2015 12:24:07 +0000 https://baixacultura.org/?p=10111 1202375-joaquin_torres_garcia-south_america

Criamos mais uma seção sem compromisso de continuidade. Chama-se “Pirataria do Mês” e vai disponibilizar alguns discos, filmes e livros para baixar, coisas que estamos escutando/lendo/vendo durante o mês. É um recorte bem aleatório, mas que prioriza raridades e material não tão fácil assim de se achar na rede. Nasceu dessa vontade de compartilhar cultura e, principalmente, de disponibilizar coisas que gostamos e que não está tão fácil assim de encontrar. Curadoria de conteúdo, editar a web, alguém irá dizer. Pode ser.

Vamos fazer uma seleção de links já disponíveis na rede e deixar por um mês, até a pirataria do mês seguinte entrar no ar. Alguns são links pra download, catados nesta vastidão da internet, outros são links pro Youtube, que você pode baixar facilmente a partir do Offliberty ou outra ferramenta a sua escolha. Se alguém se sentir incomodado em ter seu material disponível na rede, favor discar para baixacultura@gmail.com que a gente conversa. Não estamos hospedando nada e também não temos nenhuma intenção (óbvio!) de ganhar dinheiro com isso. Nosso objetivo aqui é semear conhecimento, não discórdia.

A primeira edição, deste março, será de música do Rio Grande do Sul, Uruguai, Argentina, Chile e Cuba Chamaremos carinhosamente de “Seleção do sul da terra“, em homenagem a um baita programa de rádio intitulado “Cantos do Sul da Terra“, que vai ao ar na FM Cultura, de Porto Alegre, de segunda à sexta das 13h às 14h, apresentado e produzido por Demétrio Xavier, músico, intérprete e profundo conhecedor desta tradição musical.

Vale dizer que esta ideia do “sul da terra” está longe da música “tradicionalista”, aquela visão conservadora propagada e vendida em CTGs (Centro de Tradições Gaúchas) mundo afora. Longe porque, ao contrário desta, aqui se busca juntar a música dita “tradicional” com experimentações e transgressões dessa mesma tradição. Porque se acredita que uma tradição cultural (e musical), pra se manter viva e fazer sentido no mundo contemporâneo, não pode ficar presa em regras ditadas por pessoas ou entidades. Deve, sim, estar arejada a recriações e desafios. Respeita-se muito mais uma tradição ao tirar ela pra dançar do que deixar ela parada, sentada num museu, intocada e imexível.

Começamos com dois discos de personagens fundamentais da música sul-americana, figuras centrais da milonga: Alfredo Zitarrosa (Uruguai) e Atahualpa Yupanqui (Argentina). Não é fácil conseguir álbum destes na rede, por isso a escolha de um de cada; foi o que conseguimos (por hora). Desta mesma lavra de fundamentais cantautores latino-americanos disponibilizamos também um disco de Daniel Viglietti, grande nome da canção uruguaia; um de Silvio Rodríguez, dos músicos cubanos mais conhecidos no planeta; dois de Victor Jara, multi-artista importantíssimo da cultura chilena; o primeiro de Leon Gieco, cantautor argentino que aproximou o folclore da crítica social e do rock como poucos no continente; e dois de Mercedes Sosa, figura feminina das mais importantes da história cultural recente latino-americana.

Numa outra linha, temos alguns discos de músicos do RS. Duas coletâneas históricas: “Um século de Música no RS” são 3 discos com clássicos (em gravações originais) dos 1940 aos 1980 da música do RS, de Lupicínio Rodrigues a Hermes Aquino, passando por Barbosa Lessa, Túlio Piva, Paulo Ruschell e mais de uma dezenas de músicos conhecidos no estado. Organizado por Arthur de Faria para a CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica), é um das cerejas do bolo dessa seleção. A outra coletânea é “Música Popular do Sul“, vol. 1 e 2, lançado em 1975 pelo selo Marcus Pereira, um grande desbravador da música de todos os rincões do Brasil (que em breve destacamos mais aqui). Tem gravações históricas, como Elis Regina registrando, pela primeira vez em disco, “Boi Barroso“; Noel Guarany em “Potro sem Dono“, além de várias cantos recolhidos da tradição negra do RS.

Os_Tapes

Os Tapes

Seguimos com “Cantos de Pampa e de Rio”, melhor disco do grupo “Os Angueras“, criado em 1962 em São Borja, na fronteira norte com a Argentina, e liderado por Aparício Silva Rillo, conhecido folclorista gaúcho. “Os Tápes” vem do outro lado do estado, da diminuta cidade de mesmo nome situada às margens da Lagoa dos Patos, com dois discos. É um grupo que mistura a música gaúcha dita mais “tradicional” com o folclore latino, em especial no primeiro e melhor disco, “Canto da Gente” (1975), com a forte presença das flautas e da percussão de influência dos povos originários (ou “indígenas”).

Partimos pro que se convencionou chamar de “música popular gaúcha” (MPG), a mescla de fato da música tradicional do RS com o rock, pop e esta tradição latina. Tem a discografia completa de inéditas dos Almôndegas, referência na mistura do regional gaúcho com o rock e o pop e um dos grandes nomes da música do RS de sempre; “Saracura“, único disco da banda (de 1982) que teve em Nico Nicolaievswky – o maestro Pletskaya de “Tangos e Tragédias“, falecido em 2013 – sua maior figura; e três de Vitor Ramil, referência quando se fala em música popular gaúcha: “A paixão de V segundo ele próprio“, o 2º (e esgotado) disco, de 1984; “Ramilonga” (1997) e “Delibáb” (2010), dois discos em que Vitor reinventa a milonga à seu modo. De brinde vem o PDF de “A Estética de Frio“, o livro que dá os caminhos da aproximação da cultura gaúcha à cultura da região do Prata, dos vizinhos Uruguai e Argentina, e que hoje é uma das principais referências estéticas dessa proximidade: “Não estamos fora do centro, mas no centro de outra história”, diz Vitor, em relação ao centro brasileiro (o 1º) e o platino-sul americano (o 2º).

No meio de todas essas tradições e recriações, ainda estão Bebeto Alves & José Carlos Machado em “Milongueando uns troços” (1993), dos melhores discos de Bebeto Alves. Junto de Vitor Ramil, Bebeto é um dos que mais experimentam e atualizam a música tradicional desta região da terra, em especial a milonga. “Pampa Esquema Novo” traz Richard Serraria em seu trabalho sobre a música e a cultura negra presente no pampa, sobretudo no RS e no Uruguai. Vale conferir também o trabalho recente (ainda não gravado) do Alabê Oni, grupo de Serraria, Kako Xavier, Pingo Borel e Mimmo Ferreira que resgatam os tambores e a impressionante musicalidade negra (às vezes não tão comentada) do RS e do Uruguai.

tambo

Tambo do Bando

Ingênuos Malditos“, do Tambo do Bando, é um disco histórico de um grupo que, a começar pelo nome, ousou desafiar a tradição conservadora gaúcha dos 1980/90 e fazer letras mais urbanas, de denúncias sociais, num cenário até então dominado por letras de louvação às coisas da terra, do gaúcho, cavalo, chimarrão, etc. , além de musicalmente aproximar a a gaita e o violão da guitarra elétrica, dos teclados e do rock. É também de dois dos integrantes do Tambo o próximo álbum da seleção, “Assim na Terra” (2012); Vinícius Brum, voz e violão do grupo, musica alguns trechos do livro de mesmo nome de Luis Sério Metz, conhecido como Jacaré e principal letrista do Tambo, falecido em 1996. Abrimos uma frase pra falar do livro, “Assim na Terra”, que foi relançado em 2013 pela Cosac & Naify e é, com sua linguagem magmática e sua jornada do sul ao mesmo tempo universal e experimental, provavelmente uma das maiores obras de ficção já escrita no Brasil de sempre – infelizmente, pouco reconhecida ainda. “O Pago Revisitado” traz Santiago Neto revisitando também algumas poesias de Jacaré, entre outros temas da música gaúcha (como “Rio da minha infância“), num clima blues/rock/folk, com pitadas de jazz (principalmente em “Há mais sul em meu rosto“, a melhor do disco).

Para finalizar, há Renato Borghetti e Yamandu Costa, ambos instrumentistas consagrados, que já rodaram o mundo com sua musicalidade sulista em mistura com outras várias. O primeiro com sua gaita ponto, que dá nome ao disco aqui buscado, de 1984, um dos mais vendidos da história da música instrumental nacional; e o segundo com seu violão milongueiro em fusão com samba, chorinho, jazz, música erudita e o que mais o talento de Yamandu conseguir misturar.

Pra facilitar o trabalho, segue aqui a lista completa dos discos. Disfrute!

*

Lista dos links por ordem de citação no texto (clique no nome do disco pra baixar, a não ser quando especificado o site; no Youtube, lembre de usar o Offliberty pra baixar);

Alfredo Zitarrosa – Coleccion Histórica (2009)
Atahualpa Yupanqui – Vidala del Silencio (1969)
Daniel Viglietti – Canciones para el hombre nuevo (1968)
Silvio Rodriguez – Cuando Digo Futuro (1977) – Youtube
Victor Jara – Victor Jara (1967) – Internet ArchiveTorrent
Víctor Jara + Quilapayún Canciones folklóricas de América (1968) – Internet ArchiveYoutube –  Torrent
Leon Gieco – Leon Gieco (1973) – Youtube
Mercedes Sosa – Homenaje A Violeta Parra (1971) – Youtube –   Torrent
Mercedes Sosa – Sera Posible el Sur (1984)

Coletânea Um Século de Música no RS (vol.1, 2 e 3)
Música Popular do Sul – vol. 1vol 2
Os Angüeras – Cantos de Pampa e de Rio (1977)
Os Tápes – Canto da Gente (1975) – Youtube
Os Tápes – Não tá morto quem peleia (1980)
Almôndegas – Almôndegas (1975) – Youtube
Almôndegas – Aqui (1975) – Youtube
Almôndegas – Alhos com Bugalhos (1977) – Youtube
Almôndegas – Circo de Marionetes (1978) – Youtube
Saracura –  Saracura (1982) – Youtube
Vitor Ramil – A paixão de V segundo ele próprio (1984) – Youtube
Vitor Ramil – Ramilonga ou A Estética do Frio (1997)  – Youtube
Vitor Ramil – Delibáb (2010) – Youtube
Bebeto Alves & José Carlos Machado – Milongueando uns Troços (1993) – Youtube
Richard Serraria – Pampa Esquema Novo (2011)
Tambo do Bando – Ingênuos Malditos (1990) – Youtube
Vinícius Brum – Assim na Terra (2012)
Santiago Neto & Seus Dois Tordilhos – O Pago Revisitado (1997)

Renato Borghetti – Gaita-Ponto (1984)
Yamandú Costa – Yamandú Costa (2001)
Yamandú Costa – El Negro Del Blanco (2004)

Fotos: 1 (Joaquín Torres-García, “o sul é o nosso norte” ), Os Tapes, Tambo do Bando.
P.s: A seleção de abril, que já estamos preparando, vai trazer muitos discos de uma tradição musical negra e made in USA.

 

]]> https://baixacultura.org/2015/03/09/pirataria-de-marco-sul-da-terra/feed/ 1 A sutileza poético-ativista PORO https://baixacultura.org/2014/02/26/a-sutileza-poetico-ativista-poro/ https://baixacultura.org/2014/02/26/a-sutileza-poetico-ativista-poro/#respond Wed, 26 Feb 2014 16:00:11 +0000 https://baixacultura.org/?p=9818 perca-tempo-panfleto

Fazia tempo que queríamos conversar um pouco com PORO e eis que neste fevereiro de 2014 isso foi possível. Por quê?

Bem, vamos por partes. A primeira coisa a dizer sobre eles, antes de qualquer explicação, e caso você não os conheça, é: vá ao site e flaneie pelas intervenções urbanas e ações efêmeras, projetos, publicações, vídeos, fontes (sim, eles produzem fontes!). Não se esqueça de ir na seção de downloads, cheia de material para baixar e espalhar por aí.

Foi?

Então a segunda coisa que vamos dizer aqui é que eles são uma dupla mineira – Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada. A terceira é que eles atuam desde 2002 em “trabalhos que buscam apontar sutilezas, criar imagens poéticas, trazer à tona aspectos da cidade que se tornam invisíveis pela vida acelerada nos grandes centros urbanos, refletir sobre as possibilidades de relação entre os trabalhos em espaço público e os espaços “institucionais”, lançar mão de meios de comunicação popular para realizar trabalhos, reivindicar a cidade como espaço para a arte”, segundo a explicação que eles apresentam no site.

Este belo doc aqui abaixo conta um pouco da trajetória do PORO.

 

A quarta é que lembramos deles neste fevereiro de 2014 por conta do lançamento do ebook do livro deles “Intervalo, respiro, pequenos deslocamentos“. No trabalho, disponível pra download gratuito, está um panorama da produção do grupo nos 14 anos de vida até hoje, relacionando a produção do Poro a uma discussão sobre ações artísticas que promovem a percepção sobre o espaço público, cidade, patrimônio, memória, trabalho colaborativo, inserções artísticas e relações entre arte e política.

Desde já, é uma obra de referência sobre a produção contemporânea de arte pública (public art) e suas conexões com a mídia tática, apropriações midiáticas, culture jamming, site specific, entre outros temas que volte e meia também tratamos por aqui. Recomendamos a compra do exemplar impresso (R$35), mas caso você não queira ou possa no momento, leia aqui abaixo, no Issuu:

*

O papo rolou por e-mail, com alguns complementos por chat. No final da entrevista, publicamos alguns cartazes e as capas dos panfletos de algumas intervenções do PORO – que, lembrando sempre, você pode (e deve) baixar e sair espalhando por sua cidade.

B: Vcs começaram em 2002 a trabalhar com uma arte que não deixa de ser ativista (ou um ativismo que é arte), e fazem isso até hoje. Como vcs chegaram a este modelo/estratégia de “ativismo poético”? veio de um processo natural de inquietação com as formas de arte ditas tradicionais?

Sim, podemos dizer que isso veio naturalmente a partir da soma natural de vários desejos: ocupar o espaço público de forma crítica e poética; refletir sobre as questões das cidades contemporâneas; atuar na esfera do simbólico e do imaginário urbano; investigar o aspecto gráfico das formas de comunicação popular; criar pequenos intervalos de silêncio e encantamento na malha urbana; experimentar possibilidades de uma arte expandida, para além do sistema institucional da arte (às vezes criando diálogos e transbordamentos com esse sistema).

Nunca tivemos nada contra as formas de arte mais “tradicionais” pelo contrário a gente se interessa do mesmo jeito, mas desde o início de nossa trajetória sentimos uma espécie de mal estar com as relações institucionais que de alguma maneira burocratizam a arte. Daí foi que caminhamos para fazer uma trilha mais livre, mais solta, buscando experimentações plásticas/gráficas, buscando espaços para ocupar/atuar, tentando tecer redes de pessoas e grupos de várias partes do Brasil e buscando uma rede de produção paralela às instituições, baseada na amizade e no contato com pessoas que têm os mesmos desejos.

E a cidade veio como um lugar também natural, onde era possível sentir a pulsão na nossa frente, e a nossa poética foi se estabelecendo a partir da vontade de interferir, mesmo que numa escala do sutil, nos modos como as cidades estão se transformando. Talvez chegamos às nossas táticas de atuação tentando responder à pergunta: Como discutir a cidade de uma maneira poética e próxima aos contextos onde os problemas urbanos acontecem?

B: Quais as principais dificuldades que vcs encontram pro trabalho? polícia, financiamento, não-entendimento/fruição do público?

Tem dificuldade não! O trabalho de arte para nós não deve ser algo difícil, complicado. Pelo contrário deve ser prazeroso, fácil de produzir e de circular. Talvez por sua simplicidade, o trabalho do Poro consegue estabelecer diálogos com diversas pessoas com os mais diferentes backgrounds, o que tem proporcionado circular nosso trabalho também fora do campo específico das Artes (com A maiúsculo) e está por aí, na cidade, nas casas das pessoas, nas festas, nas prateleiras… Gostamos disso: das diversas formas de fruição e compreensão do trabalho. Inclusive quando ele se mistura com outras coisas e às vezes se torna “não-arte”, isso é ótimo!

Acreditamos muito na filosofia do “faça-você-mesmo” e sempre produzimos com o que temos à mão. A questão é fazer!
Já ganhamos alguns editais e prêmios onde foi possível produzir os trabalhos de maneira mais estruturada. Mas achamos que o artista não deve ficar dependendo disso, até porque quem tem a pulsão criativa não aguenta esperar!

B: As ações de vcs são estão muito ligadas a rua, ao espaço urbano tomado como possível expressão poética da cidade. Já pensaram em usar a internet como palco/plataforma para apontar sutilezas e criar imagens poéticas também no mundo digital?

Desde o início da nossa atuação, usamos a web como canal de difusão de nossas ações, seja através da veiculação de registros das intervenções, seja distribuindo as matrizes digitais dos panfletos/adesivos/carimbos, seja circulando proposições para que as pessoas experimentassem realizar as intervenções em suas cidades. Para isso já usamos as mais diversas táticas, como o que chamávamos de panfletagem eletrônica (via email) ou os convites para imprimir, xerocar e distribuir os trabalhos (a partir de nosso site).

No caso da circulação dos registros das intervenções, a produção e edição dos vídeos e fotos dos trabalhos passa pela criação de novas narrativas sobre aquela intervenção. Pois os registros vão ressaltar determinados aspectos do trabalho e vão ser fruídos em locais totalmente diferentes daqueles onde as intervenções foram feitas. Isso cria novas camadas de percepção sobre os trabalhos e sobre o espaço público.

Vale ressaltar que a internet é nossa grande aliada na “permanência” de nossas obras. Explicando: como a maioria de nossos trabalhos são efêmeros, ou muito sutis, passam muitas vezes despercebidos no espaço urbano e os registro e sua circulação pela web provocam um outro tipo de duração e significados.

Inclusive convidamos os leitores para baixar um de nossos últimos trabalhos: a fonte digital PARKING.TTF (disponível em www.poro.redezero.org/fonte), uma fonte digital inspirada nos estacionamentos das grandes cidades. Bora fazer arte no editor de texto do seu computador!

B: Em ano de Copa, mil holofotes apontados para o Brasil e outros tantas manifestações previstas/necessárias, vocês planejam alguma ação específica? Uma pergunta/desafio: como usar esse fardo gigantesco da copa pra dar luz a lugares/pessoas esquecidas e fazer algo pra mudar essa relação?

Essa coisa toda é super complexa. As paisagens das cidades estão borradas, sem poesia. Temos participado deste processo todo de outras formas também, além da arte, participando das reuniões e debates, protestos e mobilizações.

Mas o movimento mais importante já está sendo feito: uma mudança na consciência simbólica das pessoas. Muita gente está manifestando, ou está em reuniões de assembléias populares, conversando sobre política, dormindo nas ocupações, pulando catraca pela primeira vez… Isso é incrível e é um aprendizado fantástico, para nós todos e especialmente para os mais jovens. A experiência fica impregnada em quem participa. E todo mundo passa a entender a cidade de outra forma. Ampliando o olhar sobre as formas de viver e fazer política. As pessoas estão ocupando as cidades e esse sempre foi o nosso sonho!

Ainda não realizamos um trabalho específico sobre a copa, mas temos algumas coisas em gestação… fiquem de olho no nosso site e no Facebook do Poro.

B: Como vocês perdem tempo?

Lemos artigos no Baixacultura (que a gente adora). E além daquelas 20 maneiras que publicamos nos panfletos da série Perca Tempo, a gente também: anda de bicicleta, percorre paisagens, encontra os amigos, cuida de plantas, faz sucos experimentais de frutas, joga conversa fora, desenha, fotografa, faz inúmeras anotações em caderninhos, inventa moda, arruma problema… na verdade a gente não para quieto…

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Pormenores da cultura livre latino-americana https://baixacultura.org/2013/06/12/pormenores-da-cultura-livre-latino-americana-1/ Wed, 12 Jun 2013 15:21:11 +0000 https://baixacultura.org/?p=9746 cultura libre 1

Passou mais de uma semana, e o relato do congresso de Cultura Livre realizado no final de maio em Quito, no Equador, tardou mas vem agora.

A ideia do congresso, que realizou sua 2º edição e teve organização de FlacsoUnesco y Radialistas, era de gerar  “un espacio de debate e intercambio de experiencias sobre el acceso universal al conocimiento, la creación artística y cultural, la gestión de la cultura, el uso de las tecnologías abiertas y libres, la producción colectiva, el acceso abierto a producciones científicas, el uso de licencias alternativas, los nuevos modelos pedagógicos y las ventajas para la ciudadanía”.

Sem puxa-saquismos, mas foi isso que realmente aconteceu. Já foi importante só o fato de juntar gente de toda a América Latina para trocar experiências sobre iniciativas de cultura, software e mídia livre. Em determinado momento, contei estar em mesas/rodas com gente de Argentina, Uruguai, México, Colômbia, Venezuela, Perú, Chile, Bolívia, Espanha, além de Equador. Foi bom de ver que há gente por toda a região com iniciativas interessantes nesta área.

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Como são muitas as coisas a se falar, vou dividir o relato em dois, de acordo com os dias do evento. O de hoje vai sobre cultura livre, tema do 1º dia, e educação aberta e repositórios livres ficam para a semana que vem.

A quinta feira de congresso teve uma programação diversificada, que conseguiu intercambiar este “mundo novo” (nem tão novo assim) da cultura livre sob a perspectiva dos já iniciados e dos que não conheciam. A conferência de abertura foi “Gestión pública de la cultura en tiempos digitales, a cargo de Jorge Gemetto y Mariana Fossatti, de Ártica Centro Cultural 2.0. Mostraram bastante exemplos de iniciativas de cultura digital, das quais cito LaLulula.tv, “uma curadoria de videos para compartir” bastante interessante organizada por um artista argentino, La Exposición Expandida, uma proposta oriunda da Espanha de ampliar uma exposição tradicional de arte para os blogs e redes sociais, e o “Tiranos Temblad“, canal no Youtube com resusmos bem humorados dos acontecimentos uruguaios da semana.

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Jorge y Mariana de Artica

O trabalho do Ártica é diversificado: oferecem cursos online dos mais diferentes, de WordPress para projetos culturais a iniciação a pintura digital, além de consultorias de gestão de conteúdos e vendas de produtos culturais na web, dentre outros que não cabem nesse post.  Não tem uma sede fixa, mas em tempos de redes distribuídas isso não é empecilho para fazer uma série de trabalhos importantes. Funcionam na prática o que se identificam em conceito: ser um centro cultural 2.0.

Na sequência da programação, rolaram três painéis simultâneos, com vários convidados cada um: “Propiedad Intelectual y Cultura Libre”, “Iniciativas artísticas y culturales Libres” y “Cultura, Diseño, Música y Audiovisuales con Hardware y Software Libre”. Eu participei do segundo e me surpreendi com algumas falas, especialmente a do equatoriano Diego Morales Oñate, que relacionou a cultura livre com os fanzines – foi bom ver que não somos os únicos a pensar que há uma estreita ligação entre as duas partes, relação que fizemos ao chamar o Zinescópio para participar do dia da cultura livre na Casa da Cultura Digital Porto Alegre.

Coffe break disputado

Coffe break disputado

Diego me apresentou também “La minga“, uma antiga tradição andina, especialmente dos altiplanos peruanos e equatorianos, de trabalho colaborativo comunitário com fins de utilidade social. É uma atividade que está na pré-história do trabalho colaborativo e que vem sido resgatada com as novas possibilidades de colaboração via rede, junto com o mutirão brasileiro, do ayni andino e do tequio mexicano, entre outras práticas que colocam a américa latina como precursora do mundo 2.0, como aponta e lista Bernardo Gutierrez nesse artigo.

Outro destaque desse painel foi a fala de Simona Levi, importante ativista baseada na Espanha, que citou diversas iniciativas da qual faz parte, como o FC Fórum – fórum de acesso ao conhecimento – e o X-net, do singelo slogan: “internet libre o barbarie”. Simona encerrou com uma convocação a batalha contra o copyright: “acabou a lógica da propriedade, estamos na lógica do acesso“.

Depois do recesso do meio dia, três conversas paralelas foram realizadas no evento: “Proyectos artísticos en Copyleft”, “Arte y crowdfunding” y “Nuevos modelos de negocio y competencias y su relación con la CL”. Participei de uma roda enxuta mas produtiva sobre arte e crowdfunding, que foi interessante também por apresentar diversos sites de crowdfunding em língua castelhana: Goteo.Org, plataforma baseada na Espanha bastante conhecida e 100 % aberta; Idea.me, a mais difundida na américa latina; Kifund, focada em projetos audiovisuais; e Verkami, para projetos criativos/artísticos.

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Talles de arte y crowdfuding

Deu para sacar que o crowdfunding é visto o como uma novidade grande – e, portanto, é visualizado com relativa desconfiança em alguns países da região, especialmente o Equador: “aqui não dá certo”, “como fiscalizar o dinheiro doado?” foram algumas das perguntas ouvidas. Falei de algumas experiências que tive com as plataformas brasileiras, sobretudo o Catarse.me, e disse que por aqui o financiamento coletivo tem cada vez mais se consolidado na área cultural, principalmente como estratégia de venda antecipada – citei casos como o de Vitor Ramil no Traga seu Show, Nei Lisboa no Catarse, além dos que participei mais proximamente, como as 3 vezes do BaixoCentro e o Ônibus Hacker. Fiquei com a impressão de que o Brasil está na ponta de lança nessa seara aqui na américa latina.

Ao final do dia, este que vos fala teve a honra de fazer uma charla sobre “Creación y difusión cultural en la era hacker” – aqui tem a apresentação pra baixar. Fiz um balanço de algumas iniciativas que participo ou participei, caso de Casa da Cultura Digital, BaixoCentro, Ônibus Hacker, além do BaixaCultura. Apontei também os princípios da ética hacker e como eles, na minha visão, tem influenciado alguma coisa destes trabalhos todos. Ao fim, mostrei algumas fotos e um vídeo do BaixoCentro (o da abertura) para ilustrar um pouco da ideia de que a cultura hacker está presente para além dos dispostivos tecnológicos – também está nas ruas, para “hackear las calles”, como disse em portunhol.

Yo e Santiago García, dos Radialistas, coordenador do evento.

Yo e Santiago García, dos Radialistas, coordenador do evento.

A parte final da apresentação, da cultura livre nas ruas, foi a que me rendeu mais perguntas ao fim. Em conversas posteriores, tive a impressão de que os movimentos da sociedade civil – como o BaixoCentro, a Marcha das Vadias e os recentes organizados em função dos aumentos das passagens de ônibus – e a sua atuação “apartidária”, organizada sem hierarquias (muito) aparentes e com a intenção de ocupar as ruas e reinvindicar seus direitos, são o que de mais forte o Brasil tem apresentado para a latino-américa. Ou, pelo menos, o interessante parece ser a relação destes movimentos com a cultura livre, caso específico do BaixoCentro e nem tanto dos relacionados aos outros aqui citados.

Ainda fui entrevistado pelo El Comércio, jornal de maior tiragem do Equador, na segunda seguinte ao evento. Teve alguns erros de lugares (citaram São Paulo, sendo que hoje estou em Porto Alegre), algumas atropeladas em respostas – colocar o que falei sobre o BaixoCentro numa pergunta sobre propriedade intelectual. Mas não é fácil organizar informações sobre tantas coisas distintas em uma entrevista curta de jornal, então até que não foi de todo mal. Em geral, falei o que falo sempre por aqui: “La originalidad está más ligada a cómo se organizan las cosas que a la creación de una idea única“.

[Leonardo Foletto]

P.s: As apresentações feitas durante todo o evento estão disponíveis aqui. E mais relatos sobre o congresso tem com os uruguaios de Artica e com o peruano Juan Arellano, editor do Global Voices na América Latina.

P.s 2: Sobre Crowdfunding no Brasil, vale a pena ver este mapeamento colaborativo das ferramentas brasileiras com mais de 30 iniciativas.

As fotos são do Flickr do Congresso, por Carlos Vizuete y Beatriz Elguero.
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Todos nós plagiamos, inclusive Bob Dylan https://baixacultura.org/2012/09/26/todos-nos-plagiamos-inclusive-bob-dylan/ https://baixacultura.org/2012/09/26/todos-nos-plagiamos-inclusive-bob-dylan/#respond Wed, 26 Sep 2012 18:31:38 +0000 https://baixacultura.org/?p=9332

Kirby Ferguson, diretor dos quatro capítulos de “Tudo é Remix“, deu recentemente uma pequena conferência no TEDx com o título de “Embrace the Remix”.

Ali, Kirby falou sobre a natureza do remix e de como as ideias são sempre baseadas umas nas outras, dando o exemplo de ninguém menos que Bob Dylan, que, por sua vez, seguiu o conselho de seu mestre Woody Guthrie: “Importante é a letra. Não se preocupe com a melodia. Pegue uma melodia, cante alto enquanto eles cantam baixo, cante rápido quando cantam lentamente e você tem uma nova canção.”

Em sua fala, Kirby põe lado a lado a versão de Dylan para músicas tradicionais dos Estados Unidos, para que todos vejam que ele, assim como todos cantores folk, copiou melodias, transformou-as, combinou-as com novas letras que eram frequentemente sua própria mistura de material anterior.

Esteja combinado: Bob Dylan é, como todo gênio, um excelente copiador. Além das suas músicas, já fez isso em seus quadros (uma dessas é imagem que abres este post) na série chamada “The Asia Series”, que foram “acusados” de serem reproduções de fotos conhecidas de Henri Cartier-Bresson e Léon Busy.

E recentemente voltou ao assunto quando do lançamento de seu último disco, “Tempest” – que pode ser baixado aqui. Questionado sobre as citações ao livro Confessions of a Yakuza, de Junichi Saga, e ao poeta do século 19 Henry Timrod em sua obra, Dylan respondeu que se não fosse por ele muitas pessoas nunca teriam ouvido falar dos escritores.

“Todo mundo pode, menos eu”, queixou-se o bardo. “Para mim há regras diferentes.” Ele chamou seus críticos de “wussies and pussies” (algo como “fracos e covardes”). Em 2003, o “Wall Street Journal” relatou que as letras do disco “Love and Theft”, de 2001, eram notavelmente parecidas com trechos da biografia de Junichi Saga, lançada em 1995. Num dos trechos identificados, por exemplo, a letra de Dylan diz: “Não sou tão legal e clemente quanto pareço“; no livro, lê-se a frase: “Não sou tão legal ou clemente quanto eu poderia parecer“.

Continuou ele: “Estou trabalhando dentro da minha forma de arte”, disse Dylan na entrevista. “É simples assim (…). Chama-se composição. Tem a ver com melodia e ritmo, e depois disso vale tudo. Você torna tudo seu. Todos nós fazemos isso“. BINGO!

 *
 

Veja abaixo a transcrição da fala de Kirby no TedX. Clique na imagem acima para assistir o vídeo, com a transcrição na língua que quiser.

Vamos começar em 1964. Bob Dylan tem 23 anos, e sua carreira está atingindo seu apogeu. Ele foi nomeado o porta-voz de uma geração, e produz canções clássicas num ritmo aparentemente impossível, mas uma pequena minoria de dissidentes alega que Bob Dylan está roubando músicas de outros.

2004. Brian Burton, vulgo Danger Mouse, pega o “Álbum Branco” dos Beatles, o combina com “O Álbum Negro” de Jay-Z para criar o “Álbum Cinza”. “O Álbum Cinza” torna-se sensação imediata na Internet, e a gravadora dos Beatles envia inúmeras cartas de intimação apontando “concorrência desleal e diluição do valor da nossa propriedade.”

Agora, “O Álbum Cinza” é um remix. É material novo criado com material antigo. Foi feito usando essas três técnicas: copiar, transformar e combinar. Assim se faz o remix. Pegamos músicas já existentes, as dividimos em partes, transformamos as peças, as combinamos novamente, e temos uma música nova, mas esta é distintamente composta de músicas antigas.

Porém esses não são os únicos componentes da remixagem. Acho que são os elementos básicos de toda criatividade. Acho que tudo é um remix, e penso esta ser a melhor maneira de se conceber criatividade.

Bem, vamos de volta a 1964 e ouvir de onde originaram as primeiras músicas de Dylan.Vamos compará-las lado a lado.

Muito bem, a primeira música que irão ouvir é “Nottamun Town”. É uma melodia popular tradicional. E em seguida ouvirão “Masters of War” de Dylan.

Jean Ritchie: ♫ Em Nottamun Town, ninguém olhava para fora, ♫

♫ ninguém olhava para cima, ninguém olhava para baixo. ♫

Bob Dylan: ♫ Venham senhores da guerra, ♫

♫ vocês que constroem as grandes armas, vocês que constroem os aviões da morte, ♫

♫ vocês que constroem as bombas. ♫

Kirby Ferguson: Muito bem, é a mesma melodia de base e estrutura geral. A próxima é “The Patriot Game”, de Dominic Behan. Ao seu lado, ouvirão: “With God on Our Side” de Dylan.

Dominic Behan: ♫ Venham todos jovens rebeldes, ♫

♫ e alistem-se enquanto canto, ♫

♫ pois o amor a nossa pátria é algo poderoso. ♫

BD: ♫ Oh meu nome é nada, ♫

♫ minha idade significa menos ainda, ♫

♫ a terra de onde venho se chama Meio-Oeste. ♫

KF: O.k., então neste caso, Dylan admite que ele deve ter ouvido “The Patriot Game” mas se esqueceu, então quando a música ficou em sua cabeça, ele simplesmente pensou que era sua música.

A última: “Who’s Going To Buy You Ribbons”, uma outra canção popular tradicional. Com esta ouçam “Don’t Think Twice, It’s All Right”. Esta é mais sobre a letra da música.

Paul Clayton: ♫ Não adianta sentar e suspirar agora, ♫

♫ querida, não adianta sentar e chorar agora. ♫

BD: ♫ Não adianta sentar e pensar por que, baby, ♫

♫ se você ainda não sabe, ♫

♫ e não adianta sentar e pensar por que, baby, ♫

♫ De nada isso adiantará. ♫

KF: O.k., agora, tem muitas assim. Estima-se que dois terços das melodias que Dylan usou em suas primeiras músicas foram emprestadas. Isso é bem típico entre cantores da música folk. Este é o conselho do ídolo de Dylan, Woody Guthrie.

“Importante é a letra. Não se preocupe com a melodia. Pegue uma melodia, cante alto enquanto eles cantam baixo, cante rápido quando cantam lentamente e você tem uma nova canção.” (Risos) (Aplausos) E foi isto que Guthrie fez aqui, e tenho certeza que todos vocês reconhecem os resultados. (Música) Conhecemos esta melodia, certo? Conhecemos? Na verdade não a conhecem. Ela é “When the World’s on Fire”, uma melodia muito antiga, neste caso apresentada pela Família Carter. Guthrie a adaptou para “This Land is Your Land”. Então, Bob Dylan, assim como todos cantores folk, copiou melodias, transformou-as, combinou-as com novas letras que eram frequentemente sua própria mistura de material anterior.

Agora, direitos autorais americanos e leis de patente vão contra essa noção de que nós construímos no trabalho de outros. Em vez disso, essas leis e as leis do mundo inteirousam uma analogia bastante estranha com respeito a propriedade. As obras criativas podem ser uma espécie de propriedade, mas é propriedade que todos nós construímos, e as criações somente podem enraizar e crescer uma vez que o terreno tenha sido preparado.

Henry Ford uma vez disse: “Não inventei nada de novo. Simplesmente juntei as descobertas de outros homens que trabalharam nisso durante séculos. O progresso acontece quando todos os fatores contribuintes estão preparados e então ele é inevitável.”

2007. O iPhone faz a sua estréia. A Apple sem dúvida nos traz esta inovação rapidamente,mas seu momento se aproximava porque o núcleo desta tecnologia já estava sendo desenvolvido durante décadas. É o multi-toque que controla um dispositivo com um toque em sua tela. Aqui está Steve Jobs apresentando o multi-toque e fazendo uma piada um tanto profética.

Steve Jobs: E inventamos uma nova tecnologia chamada multi-toque. Podemos fazer múltiplos gestos com os dedos, e gente, nós a patenteamos. (Risos) KF: Sim. No entanto, eis aqui o multi-toque em ação. Isso é no TED, cerca de um ano antes. Este é Jeff Han, e isto é multi-toque. É o mesmo tipo de coisa. Vamos ouvir o que Jeff Han tem a dizer sobre esta tecnologia ultra moderna. Jeff Han: O sensor de multi-toque não é nada – não é algo novo. Quero dizer, pessoas como Bill Buxton experimentaram com isto nos anos 80. No momento, a tecnologia aqui não é o mais empolgante a não ser o fato da sua acessibilidade ser recém-descoberta. KF: Então ele é bastante honesto ao dizer que isto não é novo. Portanto não é o multi-toque como um todo que é patenteado. Mas sim suas pequenas partes, e são nesses pequenos detalhes onde vemos claramente que a lei de patentes contradiz seu propósito: promover o progresso das artes úteis.

Aqui está o primeiro ‘deslizar para desbloquear’. Isso é tudo que há nisto. A Apple patenteou isso. É uma patente de software de 28 páginas, mas vou resumir e conto o final: Desbloquear seu celular deslizando um ícone com o dedo. (Risos) Só estou exagerando um pouquinho. É uma patente ampla.

Agora, pode alguém possuir esta ideia? Nos anos 80, patentes de software não existiam, e a Xerox foi a pioneira em interface gráfica do usuário. E se eles tivessem patenteado os menus pop-up, barras de rolagem, o desktop com ícones que se parecem com pastas e folhas de papel? Teria uma Apple jovem e sem experiência sobrevivido ao ataque judicial de uma empresa maior e mais estabelecida como a Xerox?

Esta ideia que tudo é um remix pode parecer senso comum até que um remix aconteça para você. Por exemplo… SJ: Quero dizer, Picasso tinha um ditado. Ele disse: “Bons artistas copiam. Grande artistas se apropriam.” Temos sido sempre imprudentes sobre o roubo das grandes ideias. KF: O.k., isto é em 1996. Aqui é em 2010. “Vou destruir Android porque é um produto roubado.” (Risos) “Estou disposto a ir à guerra termonuclear por isso.” (Risos) O.k. em outras palavras, grandes artistas se apropriam, mas não de mim. (Risos)

Economistas comportamentais se refeririam a este tipo de coisa como aversão à perda.Temos uma predisposição forte para proteger aquilo que sentimos ser nosso. Não temos esta mesma aversão ao copiar o que pertence às outras pessoas, porque fazemos isso o tempo todo.

Este é o tipo de equação que estamos vendo. Temos leis que fundamentalmente tratam obras criativas como propriedade, mais recompensas maciças ou acordos em casos de violação, mais taxas legais altíssimas para sua proteção em juízo, mais enviesamentos cognitivos contra perda percebida. E a soma se parece assim. Essas são as ações judiciais dos últimos 4 anos no mundo dos smartphones. Isso promove o progresso das artes úteis?

1983. Bob Dylan tem 42 anos, e sua era de destaque cultural já passou há tempos. Ele grava uma canção chamada “Blind Willie McTell”, em homenagem ao cantor de blues e a canção é uma jornada ao passado, em um período muito mais sombrio, mas mais simples, um período em que músicos como Willie McTell tinham poucas ilusões do que faziam. “Eu tomo de outros compositores mas eu as arranjo à minha maneira.”

Creio que isto é o que fazemos em geral. Nossa criatividade vem de fora, não de dentro.Não a criamos por nós mesmos. Dependemos uns dos outros, e admitir isto a nós mesmos não é abraçar a mediocridade e derivação. É uma libertação dos nossos conceitos errôneos, e um incentivo para não esperarmos tanto de nós mesmos e simplesmente começar.

Muito obrigado. Foi uma honra estar aqui. Obrigado.

Agradeçemos a indicação da Fa Conti e da Aracele Torres.

Crédito foto: 1
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Por dentro do caso Livros de Humanas X ABDR https://baixacultura.org/2012/06/05/por-dentro-do-caso-livros-de-humanas-x-abdr/ https://baixacultura.org/2012/06/05/por-dentro-do-caso-livros-de-humanas-x-abdr/#comments Tue, 05 Jun 2012 10:07:51 +0000 https://baixacultura.org/?p=6667

A esta altura, quem acompanha este blog no Twitter e no Facebok já está sabendo do fechamento do site do Livros de Humanas, biblioteca digital que mantinha um rico acervo dedicado às ciências humanas (linguística, literatura e filosofia, principalmente).

Já sabe também que um grupo cada vez maior de pessoas (professores, escritores, estudantes) está manifestando seu apoio em um site chamado Direito de Acesso, que, por enquanto, tem compilado matérias, artigos e entrevistas sobre o caso.

Se tu já sabe o que de fato aconteceu, pule para o asterisco. Se não, continue aqui e confira uma breve retrospectiva do caso.

O que você encontra se for acessar o Livro de Humanas hoje

A informação completa, postada inicialmente, dentre outros lugares, no blog da repórter da Folha Raquel Cozer, jornalista requisitadíssima por escritores brasucas:

O site livrosdehumanas.org saiu do ar anteontem (quinta, 17/5) após ser notificado de ação judicial movida pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos. Com 2.322 livros em PDF gratuitos, o blog que se descreve como “difusor de conhecimento produzido pelas humanidades” representa, para a ABDR, “o maior caso de pirataria de livros digitais em dez anos”. Na quinta, iniciou-se no Twitter campanha em defesa do blog e contra as editoras Forense e Contexto, destacadas na notificação. A ABDR afirma que a ação partiu dela própria e que só usou títulos das casas como exemplos. Pelo número de livros, o site poderia ter de pagar mais de R$ 200 milhões, mas em geral chega-se a acordo. A instituição destaca o prejuízo ao autor e diz usar o dinheiro arrecadado em campanhas antipirataria –o valor arrecadado no ano passado não foi divulgado.

A ação movida pela ABDR pedia inicialmente que fossem removidos links de dois livros, um da editora Forense e outro da editora Contexto. Mas, como explica o texto da seção Entenda o Caso do Direito de Acesso, o juiz deferiu o pedido liminar, ordenando a retirada, e, em um acréscimo ao pedido inicial, a ABDR pleiteou que todos os links para os mais de 2000 livros que estavam na biblioteca fossem igualmente removidos, argumentando que os 2 livros mencionados a princípio eram apenas exemplos – pedido que o juiz atendeu, sem maiores considerações, simplesmente estendendo a ordem inicial, não atentando nem que grande parte deles foram publicados por editoras não-associadas à ABDR, que, portanto, não tinha sequer legitimidade para pedir sua retirada, nem que muitas obras estava lá por autorização expressa ou tácita de seus autores e editores.
[Vale ressaltar que não foi a primeira vez que o Livros de Humanas foi “atacado”. Na outra situação, ainda como Letras USP, o site foi desativado duas vezes, e suas 2.496 postagens – com links para arquivos de livros digitalizados – foram para o brejo. O fato inclusive nos motivou a escrever um artigo no jornal Diário de Santa Maria chamado “Páginas Digitalizadas“, em que ressaltávamos a necessidade de ser desmistificada a ideia de que o livro digital e o livro impresso são concorrentes, dentre outras questões exacerbadas nesse contínuo debate.]
Depois da notificação e da saída do ar do site, uma das primeiras matérias a ser veiculada sobre o assunto foi “Suspensão de site gera indignação no meio acadêmico, do site Opinião e Justiça. Nela, se repercutia a, de fato, indignação de um grupo de escritores, professores, alunos e intelectuais – entre eles nomes conhecidos com o Eduardo Viveiros de Castro, Pablo Ortellado, Eduardo Sterzi, Ricardo Lísias, Idelber Avelar – com a retirada de todo o site do ar sob a alegação do blog ser o “maior caso de pirataria de livros da história recente”.

Capa da revista Sopro, da editora Cultura e Barbárie

Como consequência quase imediata, saiu um manifesto da editora Cultura e Barbárie, escrito pelo seu editor, Alexandre Nodari, em apoio ao Livros e contrário a ABDR. A editora tinha três livros no site, que constavam também na lista das obras cujos direitos estariam sendo “violados pela sua reprodução no Livros de Humanas” – sendo que a Cultura e Barbárie nunca foi filiada a ABDR e autorizava expressamente a reprodução de seus livros no site.
Thiago Cândido, acadêmico de Letras da USP e principal responsável pela manutenção do site, deu, em seguida, uma entrevista a jornalista da Folha Josélia Aguiar, do blog Livros & ETC. Ali, ele disse, dentre outras coisas, que “quem baixava no livrosdehumanas.org é basicamente o mercado consumidor destas editoras. O PDF não substitui o livro impresso”. É um caso parecido ao clássico Metallica X Napster, em que aquele que se sente lesado processa aqueles que fazem a sua fama. Tiro no pé total.
Formou-se um grupo de trabalho para discutir e apoiar o caso do Livros de Humanas, inclusive com um grupo de advogados amigos que passaram a trabalhar no caso e preparar a contestação, que vai acontecer até dia 11 deste mês. Como situação nova no direito nacional, interessa e muito a nossos queridos advogados que, a pretexto da defesa do Livros de Humanas, podem preparar um contra-ataque mais forte do que o ataque, exigindo que se abra diversos dados das editoras e das “pesquisas” que dizem que quem baixa pdf não compra livro.

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A partir do fato inicial, muita gente tem manifestado apoio ao Livros – vá ao Direito de Acesso (imagem acima) e veja quem, quando e como manifestou seu apoio, e como tu pode fazer o mesmo. Das inúmeras manifestações apresentadas, remixamos trechos de algumas que nos ajudam a entender o caso e o embate que está por trás: a oposição entre compartilhamento de informações e a dita “pirataria”, e que tipo de alterações são necessárias na legislação de direitos autorais para fazer frente à realidade da cultura digital.
Entrevista com Ronaldo Lemos, no blog Mundo Livro, da Zero Hora (por Carlos André Moreira):
“Há na verdade um problema de relação públicas que é também um problema jurídico, porque o site foi retirado contendo livros que podem não estar cobertos pelos direitos representados pela ABDR como entidade. O repertório total do site tem livros sobre os quais ela não comprovou nenhum direito de representação.”
ML – O fato de todo o site ter sido tirado do ar mosta que a Justiça ainda não encontrou a medida justa e sutil para julgar demandas típicas da contemporaneidade altamente tecnológica?
Lemos – A questão principal é que a lei de direitos autorais brasileira é uma das mais restritivas do mundo. Ela praticamente veda quaisquer condutas que não seja a compra integral do livro. Ela proíbem inclusive a disponibilização dos chamados “livros órfãos”, aqueles fora de catálogo há muito tempo, esgotados ou com representações incertas ou que não se pode encontrar. Em outras leis de outros países, há exceções que incluem a liberdade de publicação de livros nessa categoria.

Entrevista com Eduardo Sterzi, poeta e professor da Unicamp, no mesmo Mundo Livro:

“Há tempos, simpatizo e, na medida do possível, apoio o site Livros de Humanas, no qual reconheço uma das mais democráticas bibliotecas públicas do nosso país. Conheço vários estudantes e professores brasileiros e estrangeiros que encontraram nessa biblioteca textos fundamentais para a realização de suas dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos e livros: textos esgotados ou simplesmente não encontráveis nas bibliotecas físicas dos lugares onde moram. Eu mesmo já digitalizei e enviei links de vários textos, meus e alheios, para serem disponibilizados no Livros de Humanas”

“Há um descompasso trágico entre o desejo de conhecimento e cultura de nossos estudantes e pesquisadores e os meios de que dispõem para satisfazer tal desejo. Foi essa carência de boas bibliotecas que levou à formação de toda uma estrutura alternativa de fotocópias, cujas matrizes são realizadas, na maioria das vezes, a partir de livros dos acervos pessoais dos professores. Vale lembrar que o Livros de Humanas surgiu de uma situação específica envolvendo a central de fotocópias do prédio de Letras da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP): de um dia para outro, a cópia de uma página, que custava R$ 0,10, passou para R$ 0,15. Ou seja, já se trata de uma alternativa à alternativa.

“Temos que revisar as leis de direitos autorais, mas temos também de criar uma política consistente de formação de bibliotecas públicas – e, sobretudo, precisamos discutir os preços dos livros no Brasil. Também temos de ver com clareza, na discussão sobre “direitos autorais”, o papel das editoras de livros didáticos na perseguição aos sites de livre compartilhamento. A ABDR, que move o processo contra o Livros de Humanas, está dominada por tais editoras. O livro didático é um negócio milionário em nosso país, um negócio cujo principal financiador são os governos federal, estaduais e municipais. O que o Ministério da Educação tem a dizer sobre o assunto? Nem falo do Ministério da Cultura, que, na atual administração, com os lamentáveis vínculos entre a ministra e o ECAD, sofreu um terrível retrocesso em relação à administração anterior, de Gilberto Gil-Juca Ferreira.

ML – A disponibilização online ajuda ou prejudica a carreira de um livro – ou talvez não tenha influência tão determinante nem em um sentido nem em outro?

Sterzi – Talvez tenhamos de distinguir, antes de tudo, duas concepções de “carreira de um livro”. Se acreditamos que o fundamental na carreira de um livro seja sua leitura pelo maior número possível de pessoas, a disponibilização online só pode ajudá-la. Se, porém, acreditamos que o essencial seja converter o número de leitores em valores monetários, a situação não é tão clara. No entanto, temos o testemunho de autores como Paulo Coelho, que dizem que passaram a vender mais livros depois que tiveram suas obras disponibilizadas na internet. Há também o caso da editora Hedra, que, depois que deixou alguns de seus livros disponíveis integralmente no Google Books, passou a vender mais exemplares.

Eu mesmo, que, como a imensa maioria dos poetas e ensaístas, estou longe de ser um grande vendedor (embora tenha dois livros com primeiras edições esgotadas), percebo que a maioria dos leitores que me contam ter comprado meus livros o fizeram depois de ter lido ao menos algum de meus textos na internet. Para além de qualquer discussão comercial, o importante, porém, é perceber que o livre compartilhamento veio para ficar, porque ele é a realização de um ideal de busca do conhecimento e de comunhão cultural que sempre esteve na base dos grandes momentos de afirmação de nossa humanidade. Estamos diante de uma nova Renascença, de um novo Iluminismo – nada menos do que isso. Pouco me importa que esse livre compartilhamento ajude ou prejudique as vendagens de meus livros ou de qualquer livro. Pouco deveria importar também aos autores conscientes de sua função no mundo, aqueles que sabem, como bem disse o cineasta Jean-Luc Godard, que um autor não tem direitos: tem deveres.

Idelber Avelar, em seu blog na Revista Fórum:

A coleção de leituras de um verdadeiro leitor não é nunca um jogo de soma zero: compras, cópias impressas, empréstimos e cópias digitais coexistem e se reforçam. Mas os patrimonialistas dos direitos autorais, cuja atuação não supõe a defesa dos autores, e sim a preservação de monopólios de intermediários, querem nos impor uma ordem de coisas dentro da qual fazer cópia de um livro é crime, xerocar um capítulo é crime, digitalizar um romance é crime. Se é assim, que fique claro: todos nós, leitores, somos criminosos. Não há um único que não seja.

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Por fim, um texto coletivo escrito pelos apoiadores e publicado no Caderno Prosa e Verso de O Globo do último sábado, 2 de junho, é um possível resumo argumentativo do porquê nós, defensores da cultura livre, somos contrários aos arroubos patrimonialistas de uma Indústria da Cultura que não quer se adaptar aos tempos atuais.
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Em defesa de uma biblioteca virtual 

Alexandre Nodari, Eduardo Sterzi, Eduardo Viveiros de Castro, Idelber Avelar, Pablo Ortellado, Ricardo Lísias e Veronica Stigger

A liberdade de expressão moderna é indissociável da invenção da imprensa, ou seja, da possibilidade de reproduzir mecanicamente discursos e imagens, fazendo-os circular e durar para além daquele que os concebeu. A própria formação da esfera pública, bem como do ambiente de debate científico e universitário, está umbilicalmente conectada à generalização do acesso aos bens culturais. Sem a disseminação da diversidade e do confronto de opiniões e de teorias, a liberdade de expressão perde seu sopro vital e se torna mero diálogo de surdos, quando não monólogo dos poderosos.

A internet eleva ao máximo o potencial democrático da circulação do pensamento. E coloca, no centro do debate contemporâneo, o conflito entre uma visão formal-patrimonialista e outra material-comunitária da liberdade de expressão. Tal cisão, bem real, pareceria manifestar-se no conflito entre direitos autorais e direito de acesso. Estes não são, porém, necessariamente antagônicos, pois o prestígio moral e econômico de um autor ou de uma obra está, em última análise, ligado à sua visibilidade. São incontáveis os exemplos de escritores e editoras que não só se tornaram mais conhecidos, como tiveram um incremento na venda de suas obras depois que estas apareceram para download. O público que baixa livros é o mesmo que os compra.

Assim, o verdadeiro conflito não é entre proprietários e piratas, mas entre monopolistas e difusionistas. A concepção monopolista-formal dos direitos autorais está embasada na ideia de que aquilo que confere valor à obra é a sua raridade, o seu difícil acesso; já a difusionista-democrática se ampara na inseparabilidade de publicidade e valor. A internet favorece a segunda concepção, uma vez que a existência física do objeto cultural que sustentava a primeira vai sendo substituída por sua transformação em entidade puramente informacional. Desse modo, também se produz uma transformação da natureza das bibliotecas. As novas bibliotecas virtuais se baseiam no armazenamento e na disseminação tais como as antigas bibliotecas materiais, mas oferecem uma mudança decisiva porque a estocagem depende da distribuição e não o contrário: é a difusão que garante o armazenamento descentralizado dos arquivos.

É uma biblioteca sem fins lucrativos e construída nesses moldes modernos e democráticos que se acha sob ameaça devido ao processo movido pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), sob o pretexto de infringir direitos autorais. O alto preço dos livros, o desaparelhamento das bibliotecas públicas e o encarecimento do xerox levaram um estudante universitário a disponibilizar online textos esgotados ou de difícil acesso para seus colegas. A iniciativa cresceu, atraiu a atenção de estudantes e professores de todo o país e se tornou a mais conhecida biblioteca virtual brasileira de textos acadêmicos, ganhando prestígio comparável ao site “Derrida en castellano”, que sofreu processo semelhante e foi absolvido nas cortes argentinas, como esperamos que o “livrosdehumanas.org” o será pela Justiça brasileira.

Os defensores da concepção patrimonialista dos direitos autorais costumam pintar cenários catastróficos em que a circulação irrestrita de obras gera esterilidade criativa. No entanto, ignoram, ou fingem ignorar, que os textos nascem sempre de outros textos e que o autor é, antes de tudo, um leitor. Hoje, lamentamos a destruição das grandes bibliotecas do passado, como a de Alexandria, e das riquezas que elas protegiam. Poupemo-nos de chorar um dia pela aniquilação das bibliotecas virtuais e pela cultura que elas podiam ter gerado.

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Atualização 5/6:

O professor José Luiz Fiorin, autor de um dos livros da Editora Conxtexto que estavam na lista dos livros “pirateados” pelo site,  informou a interlocutores do movimento em defesa do site Livros de Humanas que não sabia que ele e seu livro eram citados na documentação reunida pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos-ABDR.

Fiorin disse que não autorizou nenhuma ação jurídica em seu nome nem de seus livros. E  também afirmou ser contrário à ação da ABDR e a qualquer iniciativa que perturbe a difusão do conhecimento.

P.s: A propósito, aqui tem o acervo do Livros de Humanas no Pirate Bay, via torrent.

Crédito imagem: captura de sites e aqui (foto de abertura do post).
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https://baixacultura.org/2012/06/05/por-dentro-do-caso-livros-de-humanas-x-abdr/feed/ 8
“Tudo é Remix” na íntegra e com legendas https://baixacultura.org/2012/05/24/tudo-e-remix-na-integra-e-com-legenda/ https://baixacultura.org/2012/05/24/tudo-e-remix-na-integra-e-com-legenda/#comments Thu, 24 May 2012 11:38:33 +0000 https://baixacultura.org/?p=6648

A quarta e últma parte do documentário “Everything is a remix“, dirigido por Kirby Ferguson, está no ar desde final de fevereiro deste ano.

The System Failure” tem pouco mais de 15 minutos e versa sobre como nosso sistema de direito não reconhece a natureza derivada da criatividade. Em vez disso, como explica o resumo do filme, “as idéias são consideradas como propriedade, lotes únicos e originais, com limites distintos. Mas as idéias não são tão ordenadas assim. Eles estão em camadas, que estão interligadas,  enroladas. E quando surgem os conflitos do sistema com a realidade … o sistema começa a falhar.

A série teve o lançamento de sua primeira parte, “The Song Ramains the Same” em setembro de 2010, de sua segunda, “Remix Inc.“, em fevereiro de 2011, e a terceira parte, “The Elements of Creativity” saiu no final de 2011.

Como Kirby (acima) nos contou em março do ano passado, sua idera era “to show how copying is an element of creativity, and in one way or another, we all copy” [mostrar como copiar é um elemento de criatividade, e de uma forma ou de outra, todos somos cópias].

“Everything is a Remix”, a série toda, é mais um trabalho a endossar o coro que, sempre que possível, reiteramos por aqui: não há nenhuma “obra-prima”, nenhum “gênio” sem outras obras e autores por trás, como hiperlinks ligando as palavras a mais palavras misturando tudo para formar mais palavras/imagens/sons/videos. Tudo é cópia da cópia da cópia da cópia.

Subimos no YouTube com a legenda em português, feita pelo Jorge Todeschini. Olha aí:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=afmH1_istp8]

Os outros episódios estão aqui abaixo:

Parte 1

Parte 2

Parte 3

P.S: Kirby recentemente conseguiu finalizar, via crowdfunding, seu novo projeto de vídeo: “This is not a Conspiracy“, “a multi-part series that will explain the major ideas, events and human quirks that have shaped where we are right now politically”. 

Credito foto: Kirby.
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