big tech – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Thu, 15 Jun 2023 01:54:21 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg big tech – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Cooperativismo de plataforma & tecnologias livres: alimentando a (now) topia https://baixacultura.org/2022/05/27/cooperativismo-de-plataforma-tecnologias-livres-alimentando-a-now-topia/ https://baixacultura.org/2022/05/27/cooperativismo-de-plataforma-tecnologias-livres-alimentando-a-now-topia/#respond Fri, 27 May 2022 15:07:09 +0000 https://baixacultura.org/?p=13974 Neste sábado, 27/5, 10h, encerra a fase online da série de debates Cooperativismo de Plataforma e Políticas Públicas, organizado pelo Digilabour e Observatório do Cooperativismo de Plataforma e apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, com um debate sobre Cooperativismo de Plataforma e Tecnologias Livres. Vou estar na mesa buscando aprender e dialogar com Pedro Jatobá, integrante da cooperativa de trabalho em tecnologias livres brasileira EITA e da Rede das Produtoras Culturais Colaborativas, a Collective Tools, da Suécia; a Cooperativa de Software Libre da Argentina (GCOOP); e a pesquisadora Sophie Toupin (Concordia University, Canadá), que pesquisou em sua tese de doutorado sobre a relação entre colonização e tecnologias na África do Sul

Ao longo de três sábados (até aqui), trabalhadores/as, coletivos, cooperativas, formuladores de políticas e acadêmicos têm discutido nestes seminários experiências internacionais e nacionais para fomentar o debate público sobre o futuro do cooperativismo de plataforma no Brasil. Uma área ainda nova, mas que tem cada vez mais se tornado uma possibilidade real de organização do trabalho digital de forma mais justa e igualitária, sobretudo a partir da junção de dois aspectos: a enorme quantidade de trabalhadoras/es de aplicativos, de Uber a iFood, Rappi, Get Ninjas, etc, um trabalho que cresce ainda mais na crise que assola o Brasil e que vende precariedade disfarçada de autonomia; e o histórico potente do cooperativismo e da economia solidária no país, que embora tenha sido cada vez mais devastado nos últimos governos, ainda é muito presente e visível no Brasil – é muito provável que o alimento orgânico que você come veio de uma iniciativa de economia solidária, ou via certificação colaborativa de uma cooperativa como a Ecovida.

A junção desses dois aspectos torna o cooperativismo de plataforma uma potente ideia (como já explicamos aqui, ao falar do livro de Trebor Scholz de 2017) para lutar tanto por melhores condições de trabalho quanto contra o poderio monopolista das Big Techs. Mais do que uma ideia, iniciativas tocadas a partir do DigiLabour e outros grupos, como o Observatório do Cooperativismo de Plataforma e a Fairwork, tem tentado construir alternativas viáveis e reais de cooperativas e pautar no debate público a importância de se buscar alternativas às grandes plataformas. 

Ainda pesa, porém, as enormes dificuldades (sempre presente) de organização coletiva das pessoas (e da inteligência coletiva), os entraves burocráticos, o gigantesco “inimigo” a se combater – as big techs representam a nem tão nova face do capitalismo, agora baseado na abstração do trabalho digital e no lucro da circulação de dados. Ainda há o desafio que ocorre a partir de uma certa desatenção, também por parte das esquerdas, ao fato de que construir as próprias tecnologias, e as formas de cuidar delas, é cada vez mais transversal em todos os aspectos da vida cotidiana; portanto, não deveria ser um mero detalhe, mas tema fundamental (inclusive de governo) nestes tempos de “capitalismo de vigilância”.

A proposta na mesa é discutir a potência que é quando os trabalhadores/as controlam o código – e o mantém aberto, para colaboração e aperfeiçoamento. Colher as histórias de grupos que já vem fazendo isso na Argentina, na Europa e no Brasil, as muitas dificuldades que advém quando coletivos aprofundam estratégias e práticas anticapitalistas num mundo tomado pela mercadoria. De como, inicialmente, o Estado pode ajudar ao fomento de cooperativas de tecnologias livres, para que depois elas possam se tornar autônomas, talvez nutrindo a (now) utopia de um Estado que possa fomentar a vida sem Estado, como já disse Gilberto Gil no belo “Remixofagia” (13min30s), 11 anos atrás.

[Sobre esse tema, aliás, o relato da pesquisadora Denise Gasparian, publicado em maio no Digilabour, dá conta dos ganhos e percalços da implementação na Argentina da CoopCycle (criada na França), com subvenção inicial do Estado (a partir da Federação Argentina de Cooperativas de Trabalhadores em Tecnologia, Inovação e Conhecimento – FACTTIC). A CoopCycle é uma federação com cerca de 70 grupos de entregadores e que desenvolveu um código protegido por uma licença Coopyleft, que garante seu uso exclusivo por cooperativas ou grupos de trabalhadores.]

O debate do dia 28/6 será on-line e com tradução simultânea; inscrições aqui. Em junho de 2022 ocorre a versão presencial do evento, dias 21 a 23 em Porto Alegre; mais adiante divulgamos em detalhes.

]]>
https://baixacultura.org/2022/05/27/cooperativismo-de-plataforma-tecnologias-livres-alimentando-a-now-topia/feed/ 0
BaixaCharla ao vivo #8: Racismo Algorítmico https://baixacultura.org/2021/07/14/baixacharla-8-racismo-algoritmico/ https://baixacultura.org/2021/07/14/baixacharla-8-racismo-algoritmico/#respond Wed, 14 Jul 2021 20:15:53 +0000 https://baixacultura.org/?p=13694

A oitava BaixaCharla ao vivo, quinta de 2021, vai falar sobre racismo algorítmico a partir de  “Comunidades, Algoritmos e Ativismos Digitais: Olhares Afrodiaspóricos“, organizado pelo nosso convidado da conversa, Tarcízio Silva, que é pesquisador, produtor cultural e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, doutorando em Ciências Humanas e Sociais na UFABC, onde estuda imaginários sociotécnicos de resistência, e Tech + Society Fellow pela Fundação Mozilla, atuando em promoção de segurança digital e defesa contra danos algorítmicos. Também atua como curador na Desvelar, entre outras atividades que podem ser conferidas em seu currículo.

Editado em 2020 pela Literarua, “Comunidades, Algoritmos e Ativismos Digitais: Olhares Afrodiaspóricos” busca relacionar raça, racismo, negritude e branquitude com os estudos de tecnologias digitais, especialmente algoritmos, mídias sociais e comunidades online. Reúne 14 artigos de pesquisadores/as provenientes do Brasil, países da Afrodiáspora e África, como Congo, Etiópia, Gana, Nigéria, Colômbia, Estados Unidos e Reino Unido. É uma publicação que, com sua diversidade de perspectivas, tenta suprir uma lacuna nos estudos acadêmicos brasileiros na área. 

No prefácio, Emicida escreve que “se a essência das redes sociais é a conectividade, está para nascer uma que cumpra seu papel com mais eficácia do que um tambor”. É importante  desnaturalizar a ideia de que “tecnologia, storytelling, minimalismo e ideias que visam ampliar a percepção do que significa ser humano sejam apenas invenções do vale do silício”, diz o rapper, que cita Paulina Chiziane, “às vezes sinto que nos oferecem algo que já era nosso antes deles chegarem”. 

O capítulo de abertura é de Ruha Benjamin, autora de “Race After Technology: Abolitionist Tools for the New Jim Code” (2019), ativista e professora da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Nesse texto, Ruha incentiva um compromisso de incorporar abordagens raciais críticas no campoos Estudos de Ciência e Tecnologia – Science and Technology Studies (STS), no inglês.  Como ela escreve: “seja na arquitetura de máquinas (…) ou na arquitetura de  tecnologias legais, os pesquisadores de STS devem treinar nossas ferramentas analíticas sobre as diferentes formas de “correção racial” que sustentam uma forma perniciosa de construção do conhecimento”. A tecnologia é um dos muitos meios pelos quais as formas anteriores de desigualdade são atualizadas, por isso, ela explica, a necessidade vital de se fazer um balanço rotineiro também das ferramentas conceituais que são usadas para entender a dominação racial.

Nos outros 12 textos, o livro colabora com a crescente complexificação do pensamento sobre a comunicação digital e internet resultante da diversificação dos olhares e falas nos espaços acadêmicos. “Da matemática na divinação Ifá ao ativismo político, os temas e objetos dos capítulos passam por transição capilar, blackfishing, afroempreendedorismo, Black Twitter, contra-narrativas ao racismo e métodos digitais de pesquisa apropriados à complexidade das plataformas, algoritmos e relações de poder incorporadas nas materialidades digitais racializadas”, como escreve Tarcízio na apresentação.

É do nosso convidado da BaixaCharla o artigo no livro que complexifica o tema em voga no debate: “Racismo Algorítmico em plataformas digitais: microagressões e discriminações em código”. Para ele, o racismo online é um “sistema de práticas contra pessoas racializadas que privilegiam e mantém poder político, econômico e cultural para os brancos no espaço digital” (citando Tynes, Lozada, Smith & Stewart, 2019). Nos ambientes digitais, especialmente plataformas de publicidade (Facebook), de nuvem e computação (Amazon Web Services, Microsoft Azure, etc), de produto (como Zipcar etc), plataformas lean (Uber, AirBnB), o desafio se torna mais profundo na medida em que o racismo adentra os processos automatizados “invisíveis” como recomendação de conteúdo, reconhecimento facial e processamento de imagens. 

Nesse cenário em que a tecnologia cada vez mais é tanto mediação das atividades humanas quanto interação interpessoal e negociação de serviços e comércio, os casos de identificação de racismo algorítmico passam a ser somados por diversas pesquisadoras, ativistas e desenvolvedores – entre eles o próprio Tarcízio, com sua Linha do tempo do racismo algorítmico, projeto paralelo de sua pesquisa no doutorado (intitulado provisoriamente de “Dados, Algoritmos e Racialização em Plataformas Digitais”) que incorpora casos de 2010 a partir da pergunta: “Como as plataformas digitais, mídias sociais, aplicativos e inteligência artificial reproduzem (e intensificam) o racismo nas sociedades?”

O artigo também fala de chamadas “microagressões”,  “ofensas verbais, comportamentais e ambientais comuns, sejam intencionais ou não intencionais, que comunicam desrespeito e insultos hostis, depreciativos ou negativos contra pessoas de cor” (Sue, 2010a, p. 29). São expressões, consciente ou não, usadas para manter “aqueles à margem racial em seus lugares” e que mostram como o racismo é sistemático em nossa sociedade. No texto, o pesquisador identifica sete tipos dessas microagressões: Suposição de Criminalidade; Negação de Realidades Raciais/Democracia Racial; Suposição de Inferioridade Intelectual; Patologização de Valores Culturais; Exotização; Estrangeiro na Própria Terra / Negação de Cidadania; Exclusão ou Isolamento.

Outro tema em voga na discussão sobre racismo e plataformas digitais são as tecnologias baseadas em inteligência artificial para ordenação e vigilância de cidadãos no espaço público. Conhecidas como “tecnologias de reconhecimento facial”, elas ganharam mercado nos últimos anos tanto a partir do lobby das big techs quanto pelo avanço de ideologias de extrema-direita. Por conta disso, têm sido usadas (ou contratadas para serem) em polícias de diversos lugares, entre eles o Brasil; um estudo do Intervozes afirma que “dentre os 26 prefeitos de capitais empossados em janeiro de 2021, 17 apresentaram propostas que, de algum modo, preveem o uso das tecnologias de informação e comunicação na segurança pública”. Publicamos em nossas redes uma notícia da Folha de S. Paulo nesta semana que conta que 20 estados brasileiros, das cinco regiões do Brasil, utilizam ou estão implementando a tecnologia de reconhecimento facial na segurança pública local. 

Na Linha do Tempo citada há diversos casos de erros dessas tecnologias. Há, por exemplo, situações em que os sistemas de reconhecimento facial da Amazon e da IBM erram mais em imagens de mulheres negras, assim como sistemas de biometria visual costumam falhar de 10 a 100 vezes mais com imagens de pessoas negras ou asiáticas. Por conta dessas falhas que ajudam a perpetuar o racismo algorítmico, pesquisadores têm defendido o seu banimento; nos Estados Unidos, há decisões como a de Minneapolis, cidade onde Geroge Floy foi morto, onde Câmara Municipal vetou o uso da tecnologia pela polícia, por sinais de que a I.A. é tendenciosa contra negros e outros grupos raciais. Na Europa, o Comitê Europeu de Proteção de Dados (EDPB) e a Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (EDPS), apresentaram opinião conjunta que sugere o banimento do reconhecimento de pessoas em espaços públicos.

Tarcízio recentemente participou do podcast Tecnopolítica em que conversou com Sueli Carneiro (e Sérgio Amadeu, âncora do podcast) sobre o tema, resgatando inclusive o questionamento à neutralidade da ciência moderna – Sueli lembrou de como a ciência tem origem racista, tendo por base um pensamento universal europeu colonizador que excluía os povos africanos e as diversas cosmologias ameríndias e asiáticas. 

O pesquisador também escreveu em seu blog sobre 10 razões para as tecnologias de reconhecimento facial serem banidas. Estão entre eles o reconhecimento facial e visão computacional são técnicas altamente imprecisas, em especial sobre pessoas racializadas; de como as tecnologias digitais vistas como “neutras” ou “objetivas” favorecem ainda mais excessos de policiais, e no espaço público pressupõe e fortalecem uma sociedade vigilantista. Também é fator para defender o banimento o fato de que não podemos pressupor boa-fé de corporações de tecnologia, como exemplifica casos como o impacto do Facebook no Brexit e nas eleições americanas, do extremismo digital no YouTube e do lobby da Google no Conselho Administrativo de Defesa Econômica, entre muitos outros. 

No aspecto econômico, mesmo o custo-benefício para captura de condenados não justifica a coleta massiva, como exemplifica a milionária implementação de reconhecimento facial em Londres, onde bases reuniam fotos de mais de 2.400 suspeitos que geraram apenas 8 prisões. Dados proporcionais ainda piores foram reportados no Brasil, onde gigantesca infraestrutura de reconhecimento facial foi implementada na Micareta de Feira de Santana, Bahia, coletando e vulnerabilizando 1,3 milhões de rostos para o cumprimento de apenas 18 mandados.

Para debater o livro e os temas citados, Leonardo Foletto e Tatiana Balistieri, do BaixaCultura, conversam com Tarcízio Silva no dia 22 de julho, às 19h, no canal do Youtube do BaixaCultura, onde as outras charlas já estão disponíveis. Nas próximas semanas ela também vira podcast, que pode ser escutado aqui e nas principais plataformas de streaming. Essa é a última charla do ciclo de 2021 que discutiu diferentes perspectivas dos estudos das tecnologias de comunicação no Brasil e no mundo. 

*

Você pode assistir aqui, em áudio e vídeo (YouTube).

]]> https://baixacultura.org/2021/07/14/baixacharla-8-racismo-algoritmico/feed/ 0 Fazendo a internet das pessoas https://baixacultura.org/2020/09/09/fazendo-a-internet-das-pessoas/ https://baixacultura.org/2020/09/09/fazendo-a-internet-das-pessoas/#respond Wed, 09 Sep 2020 13:22:47 +0000 https://baixacultura.org/?p=13241

Primeira Cumbre Argentina de Redes Comunitárias, em Córdoba (AR). Martin Bayo CC BY SA / Wikimedia

Levamos meses escutando sobre a construção de uma normalidade pós-pandemia. Quem a está definindo? Estamos sendo parte dessa construção? O que tem de nova? É o futuro que desejamos?

Desde alguns anos – décadas em alguns casos – , diversos coletivos, ativistas e militantes estamos debatendo, resistindo, propondo e construindo a largo prazo um caminho de soberania e autonomia tecnológica. As discussões vão desde o acesso à internet, neutralidade da rede, como cuidar da tão desdenhada privacidade e por mais atenção no valor de nossos dados; passando também pela necessidade de refletir sobre as tecnologias que usamos e as possbilidades de cocriá-las; e pelo acesso, a cópia, o remix e a difusão de todo tipo de obras culturais (filmes, livros, músicas e um grande etc). De tudo isso que tem sido falado, discutido e consensuado em certos nichos ou círculos, quando chegou a pandemia esses problemas se tornaram mais urgentes – e as inquietudes tomaram maior escala.

Assim, frente a velhos problemas, aparecem as mesmas lógicas tecnológicas vestidas de soluções inovadoras que só reforçam ou aprofundam as desigualdades estruturais existentes. Toda nossa capacidade de nos comunicarmos à distância, de nos educarmos, de nos entreter e socializar e de trabalhar caíram nas mãos de poucas empresas. Desta forma, a esperança de chegar a uma “nova normalidade” pós-pandemia parece depender de quão hábeis vamos conseguir nos mover em certas plataformas digitais – sejam as que já conhecemos, as que recém estão sendo instaladas ou aquelas que buscam se tornar o padrão da indústria.

Timidamente se escutam algumas vozes debatendo que, por trás dessa “adaptação”, também está a renúncia de direitos de todos os tipos: de nossa intimidade e privacidade, de condições de trabalho e de possibilidades de lazer, acesso à informação e a bens culturais.

Os grandes valentões da internet

Alguns dias atrás, em junho, o Financial Times noticiou o Top 100 de empresas que cresceram em valor de merdado desde o início da pandemia, em março, incluindo também o crescimento patrimonial de seus fundadores, donos ou principais acionistas (veja aqui a tabela completa, baseado nos números do ranking de milionários da Forbes). É importante ver como o ranking está encabeçado por aquelas empresas (e pessoas) ligadas à tecnologias, um setor altamente concentrado.

Há, em primeiro lugar, a Amazon; a Microsoft (#2) cresceu em US$ 269.000 milhões, enquanto Bill Gates aumentou seu patrimônio aproximadamente em 12%. Algo parecido ocorreu com a Apple (#3), com um salto de US$219.000 milhões desde o início da pandemia, enquanto Laurene Powell Jobs, viúva de Steve Jobs, viu sua fortuna cresce em 26%.

Um pouco atrás, outras startups do Vale do Silício também ocupam um lugar privilegiado no ranking. Facebook (#6) cresceu US$85 milhões e, como espelho, a fortuna de Mark Zuckerberg aumentou quase 60%. Alfabeth, a ex-Google, está em #8 com a soma de US$68.000 milhões,; tanto Larry Page quanto Sergey Brin, seus criadores, engordaram seu caixa ao redor de 29%. Netflix (#12) subiu US$55.000 milhões em seu valor nesse período – e a fortuna de Reed hastings, seu fundador e diretor-executivo, subiu em 30%.  A grande “novidade” desta pandemia foi o Zoom (#15), que com sua plataforma de videochamadas aumentou sua cotação no mercado em US$48.000 milhões. Seu criador e principal acionista, Eric Yuan, viu sua conta bancária quase dobrar, crescimento de 98%. Entre os “jogadores locais” do Continente, o Mercado Libre (#37) cresceu U$$ 18.000 milhões e o valor do partimônio do argentino Marcos Galperin, seu presidente e co-fundador, dobrou, chegando a U$$4100 milhões.

Tom Grillo / NY Times

Os mecanismos pelos quais algumas dessas empresas aumentaram seus valores são, em alguns casos, mais “transparentes” (nem por isso menos ferozes), caso de Netflix, Amazon ou Mercado Livre, que exigem assinaturas pagas ou cobram taxas pelos seus serviços. Em outros casos, a suposta gratuidade das plataformas oculta a opacidade das diretrizes publicitárias mediante a extração e a comercialização abusiva dos dados dos usuários – e, por sua vez, a manipulação dos conteúdos publicados nas plataformas segundo algoritmos que privilegiam os interesses políticos e econômicos destas corporações e de seus aliados. Os casos mais emblemáticos aqui são, claro, Facebook e Google.

De qualquer maneira, a “chave do êxito” é um gigante de duas pernas que, como dizíamos no início, desde algum tempo coletivos e espaços ativistas estamos tentando derrubar. Duas pernas porquê, por um lado, nos mostram uma vida onde a tecnologia é imprescindível. O advento sem aviso prévio – e, em princípio, provisório – de uma virtualização forçada abriu caminho para que essas corporações corroborassem a hipótese que elas mesmas haviam instalado: precisamos de tecnologia para cada uma das tarefas de nossa vida. Esse argumento cai em pedaços quando nos afastamos um pouco dos grandes centros urbanos ou quando nos aproximamos de setores que, inclusive nas grandes cidades, não tem acesso às tecnologias digitais ou à conexão de qualidade desde antes da pandemia.

Por outro lado, e com muito mais força, não só não podemos viver sem tecnologia, mas precisamos exclusivamente dessas tecnologias dos grandes monopólios. Já não podemos lembrar de datas de aniversários sem que o Facebook nos recorde; não podemos lançar um tema para o debate sem uma hashtag no Twitter; não podemos difundir uma comvocatória sem espalhar em grupos de WhatsApp; não podemos estudantes e docentes sustentar o vínculo pedagógico sem o Google Classroom; não podemos ter uma reunião, conversa ou conferência sem utilizar o Zoom.

Assim, estas empresas vencem a pandemia não só em termos econômicos – embora seja evidente que essas cifras milionárias não façam mais do que ampliar as brechas e aumentar a concentração de poder. Ganham também, e de modo fundamental, ao se instalarem como as únicas soluções, exclusivas e excludentes, em um cenário que parece não deixar lugar ao colaborativo, ao comunitário, a construção horizontal, solidária, autônoma e comprometida.

Re-imaginando horizontes tecnológicos

Em um cenário de total dependência e de um destino incontornável como o que estas empresas hoje nos apresentam, as pessoas – como indivíduos e como coletivo – passam a não ter o direito de conhecer e controlar todos os processos vinculados às tecnologias que regulam nossas próprias vidas. Mesmo assim, é possível vislumbrar outros horizontes quando começamos a imaginar e construir outra relação com outras tecnologias.

Há quem, em vez de propor fugas das tecnologias corporativas, de maneira individual ou setorial, buscam estratégias que sejam coletivas. E é aqui onde “comunidade” e “colaborativo” deixam de ser um slogan marqueteiro para recuperar uma mirada política onde o saber é compartilhado, o conhecimento se constrói em uma rede de pares, as experiências se valorizam em sua diversidade, e a autonomia e a autogestão impulsionam práticas coletivas. É assim que emergem propostas de organizações e comunidades que compartilham tecnologias, conhecimentos e conteúdos livres.

Acampe Feminista 2019 Santa Fe Argentina. Gabriela Carvalho CC BY SA / Wikimedia

Um primeiro exemplo a considerar tanto estrratégia de disputa e construção de sentido em territórios digitais, no caso da Argentina, são as Coberturas Colaborativas. São movidas impulsionadas por um grupo de midiativistas das cidades de Paraná e Santa Fe que se concentraram na Wikipedia e no repositório da Wikimedia Commons como ferrametnas colaborativas para disseminar e tornar as lutas visíveis. É um espaço onde as fotografias “liberadas” ficam disponíveis para ilustrar artigos da enciclopédia livre, mas também permitem construir uma memória digital comum, livre, aberta e com possibilidades de seguir crescendo.

Este banco de imagens inclui material das mobilizações de um passado recente em Paraná e Santa Fe – por exemplo, a inundação de 2003, a Escola Pública Itinerante, o conflito universitário de 2018 e os últimos 24 de Março. Também de expressões festivas populares como os Carnabarriales realizados no Centro Social e Cultural El Birri.

Carnabarriales em Santa Fé, AR. TitiNicola / Wikipedia CC BY SA

Mas, sem dúvida, a principal mostra está nos registros fotográficos colaborativos em relação às lutas feministas nas duas capitais da província (Paraná e Santa Fe) – “pañuelazos” pelo aborto legal, convocatórias de coletivos LGBT, 8M ou a Greve Internacional da Mulheres. Essa dinâmica foi gerada a partir de encontros em que fotógrafos – com maior ou menor nível de formação técnica – debateram porquê e como dar visibilidade a essas lutas de maneira coletiva. Especificamente em Santa Fe, a proposta coincidiu com a necessidade da Mesa Ni una Menos de cobrir as movidas e recuperar materiais de anos anteriores que estavam espalhados pelas redes, com a ideia de gerar novas peças comunicacionais para difundir as atividades.

No repositório é possível acessar a mais de 4300 imagens feitas na maioria por fotógrafas mulheres, um número que pode crescer com base nas contribuições futuras que o projeto receber.

Docentes da Tecnicatura Universitaria en Software Libre (UNL) durante el taller de redes libres, armado de antenas y experimentación en el Bachillerato Popular de la Vuelta del Paraguayo (Santa Fe). Nianfulli CC BY SA / Wikimedia

Em termos de infraestrutura técnica, exemplos mais significativos de re-imaginação de cenários tecnológicos são as diversas comunidades que integram a Cumbre Argentina de Redes Comunitarias, que autogerem a forma com que se conectam à internet. Este movimento começou alguns anos atrás em diversos pueblos da Província de Córdoba como uma possibilidade de conexão para quem vive em lugares que não são rentáveis para as empresas de internet [NT: de modo parecido ao que é feito, no Brasil, pela Coolab.] Depois, as redes foram ampliadas, compartilhando metodologias com comunidades indígenas, bairros e assentamentos populares rurais e urbanos em Jujuy, Salta, Província de Santa Fé e na grande Buenos Aires. O processo tem promovido aprendizado e apropriação tecnológica em colaboração com pares e com software livre. Implica, também, em perder o temor para desarmar e adaptar artefatos – os modens, por exemplo – e intervir sobre seu software de funcionamento. 

As redes livres comunitárias emergem com o duplo propósito de garantir o direito ao acesso à internet e, ao mesmo tempo, que as comunidades sejam criadores de seu próprio “pedacinho de internet” de maneira autogestionada, colaborativa e de acordo com suas tradições. Algumas experiências estão com a tarefa de conseguir espaços de confluência com bases já organizadas em torno de problemas e discussões comuns. Por exemplo, com movimentos camponeses que lutam pelo direito à terra e pela soberania alimentar, e com rádios comunitárias com histórico de militância no direito à comunicação. Essas organizações muitas vezes habitam e compartilham territórios de conflito, onde, além de terem seus direitos violados, não tem acesso à internet em casa ou via redes móveis de celular. o que limita as possibilidades de construir suas próprias narrativas, ou uma documentação coletiva de seus conhecimentos, ou ainda uma memória de suas lutas.

Em relação às plataformas de comunicação, há um amplo universo de redes sociais livres que promovem as práticas de cuidado e anonimato, a soberania tecnológica e a auto-gestão: Mastodon (microblogging), Diáspora e Friendica (redes sociais descentralizadas), FunkWhale (redes de áudio e músicas), WriteFreely (plataforma de blog), PeerTube (plataforma de vídeos), PixelFed (rede federada de compartilhamento de fotos), además da GNU Social, uma das mais antigas. [NT: para mais informações sobre o que é uma rede livre, veja na Wikipédia (em espanhol). Tambérm vale conferir esta charla sobre o tema]. jTodas elas se apresentam como ambientes férteis para construir e ressignificar as tecnologias a partir do ativismo. Partem de uma crítica às redes sociais corporativas e convidam a habitar espaços digitais construídos sobre pilares mais próximos com os valores e propósitos sociais, políticos e comunitários de nossas organizações e coletivos.

É certo que o desligamento das ‘big techs” ou dos serviços corporativos pode não ser um movimento simples. Em algum momento, diante da necessidade “inevitável” de uso dessas plataformas massivamente utilizadas, o mal menor costuma ser priorizado: qual era a menos insegura? Qual violou menos nossos direitos? Talvez este momento histórico seja o oportuno para virar a equação: se a proposta é a “internet das coisas”, vamos consolidar, ampliar, replicar e interconectar a pequena internet das pessoas.

Berna Gaitán Otarán e Cecilia Ortmann, de Radar Libre Argentina.
(Original em espanhol. Adaptação: BaixaCultura)
Sobre como funciona e se gestiona as redes sociais livres, veja: abicivoladora.wordpress.com/vivas-libres-y-federadas/

Para conhecer experiências com tecnologias livres e comunicação, acesse: www.radarlibre.com.ar.

 

 

]]>
https://baixacultura.org/2020/09/09/fazendo-a-internet-das-pessoas/feed/ 0
A ideologia do solucionismo tecnológico https://baixacultura.org/2020/05/04/a-ideologia-do-solucionismo-tecnologico/ https://baixacultura.org/2020/05/04/a-ideologia-do-solucionismo-tecnologico/#respond Mon, 04 May 2020 12:51:58 +0000 https://baixacultura.org/?p=13188

Ilustração: Ben Jennings/The Guardian

Desde meados de março, o novo coronavírus tem chacoalhado o sistema e mandado o capitalismo para a unidade de cuidados intensivos. Muitos pensadores têm manifestado sua esperança de que isso nos leve a um sistema econômico mais humano; outros alertam que a pandemia anuncia um futuro sombrio de vigilância estatal tecno-totalitária. O bierolorusso Evgeny Morozov, habitante frequente por aqui, avisa para um “policial bonzinho” nessa novela distópica apocalíptica de encruzilhada que vivemos hoje: a ideologia do “solucionismo”.

De origem no Vale do Silício, como bem apontado (e criticado) em “A Ideologia Californiana” (ainda temos o zine em estoque e enviamos na quarentena, procure saber), o solucionismo tem feito a cabeça de muita gente, sobretudo as elites dominantes. Ele se manifesta, por exemplo, numa questão como levantada por Morozov no texto, publicado em inglês no The Guardian e traduzido para o Outras Palavras (mais trechos abaixo): por que um governo investiria na reconstrução dos arruinados sistemas de transporte público, tendo a opção de simplesmente usar Big Data para criar incentivos personalizados para cada passageiro, a fim de desencorajá-los a fazer viagens em horários de pico?

O solucionismo tecnológico está intimamente ligado com o neoliberalismo. “Se o neoliberalismo é uma ideologia proativa, o solucionismo é reativo: ele desarma, desativa e descarta toda alternativa política. O neoliberalismo encolhe os orçamentos públicos; o solucionismo encolhe a imaginação coletiva. O maior objetivo do solucionismo é convencer o público de que a forma legítima de uso das tecnologias digitais é perturbar e revolucionar tudo — com exceção da instituição central da vida moderna: o mercado.”

O mundo está fascinado pela tecnologia solucionista; desde um aplicativo polonês, que exige que os pacientes com coronavírus tirem selfies regularmente para provar que estão dentro de casa, até o app chinês de avaliação da saúde em cores e códigos, que rastreia quem pode sair de casa. Governos têm procurado companhias como a Amazon e a Palantir para obter infraestrutura e modelagem de dados, enquanto Google e Apple unem suas forças para habilitar soluções de “preservação da privacidade” no rastreamento de dados.”

Em “Big Tech – A Ascensão dos Dados e a Morte da Política”, Morozov alerta que “o Vale do Silício destruiu a nossa capacidade de imaginar outros modelos de gestão e de organização da infraestrutura da comunicação. Podemos esquecemos os modelos que não se baseiam em publicidade e que não contribuem para a centralização de dados em servidores particulares instalados nos Estados Unidos. Quem sugerir a necessidade de considerar outras opções – talvez até mesmo modelos já publicamente disponíveis – corre o risco de ser acusado de querer “quebrar a internet”.

Ilustração: Sarah Grillo/Axios

[Estamos cegos pela ideia de que não há opção. Por todos os lados, a lógica do serviço mais cômodo faz com que os usuários comuns busquem cada vez menos dificuldades, e a famoso conceito da inclusão digital passa a ser deturpado: a inclusão é junto as Big Techs, e não ao digital. Falamos disso no BaixaCultura nesse pequeno tutorial de “Como compartilhar conteúdo e fazer backup por torrent”, uma opção que, además de técnica, é também política]

Uma das funções do estado solucionista é desencorajar programadores, hackers e aspirantes a empreendedores a experimentar formas alternativas de organização social. Que o futuro seja das startups não é um fato natural, mas um resultado político. Nessa perspectiva, empreendimentos baseados em tecnologia mais subversivos, que poderiam impulsionar economias solidárias, não baseadas no mercado, morrem no estágio de protótipo. Há uma razão por trás do fato de não termos visto surgir nenhuma outra Wikipedia nos últimos vinte anos.

Uma política “pós-solucionista”, conclui Morozov, deveria começar acabando com o binário artificial entre a ágil startup e o ineficiente governo que limita nossos horizontes políticos. A questão não deveria ser qual ideologia consegue aproveitar e domesticar melhor as forças da concorrência, mas de que instituições precisamos para aproveitar as novas formas de coordenação social e inovação oferecidas pelas tecnologias digitais. “Nossa primeira meta deve ser a de traçar um caminho pós-solucionista, que nos dê soberania pública sobre as plataformas digitais. Caso contrário, nos queixarmos sobre a resposta autoritária, porém eficaz, da China ao Covid-19, não será só patético, como também hipócrita”. Se escolher um modo de vida (?) digital entre a versão neoliberal Made in Syllicon Valley ou a tecno-autoritária do Extremo Oriente são nosso únicos caminhos hoje, taí um sinal urgente de que precisamos ampliar nossos horizontes.

[Seguimos nossa campanha de financiamento contínuo no Apoia.se. Buscamos recursos mensais para manter o BaixaCultura e seguir propagando a cultura livre & cobrindo tecnopolítica e cultura livre. A partir de R$5 mensais você já apoia nossa continuidade, colabora para a manutenção de uma das mais antigas iniciativas desse tema no Brasil (vamos completar 12 anos em setembro de 2020) e recebe recompensas diversas, de zines à adesivos, livros e oficinas.]

]]>
https://baixacultura.org/2020/05/04/a-ideologia-do-solucionismo-tecnologico/feed/ 0
Como compartilhar conteúdo e fazer backup por torrent https://baixacultura.org/2020/02/18/como-compartilhar-conteudo-e-fazer-backup-por-torrent/ https://baixacultura.org/2020/02/18/como-compartilhar-conteudo-e-fazer-backup-por-torrent/#comments Tue, 18 Feb 2020 13:54:06 +0000 https://baixacultura.org/?p=13149

Fonte: Oficina da Net

Quando escrevemos o texto sobre como usar torrent e baixar conteúdo compartilhado grátis, pensamos nesse título como uma espécie de clickbait: queríamos que, em pleno 2019, o torrent fosse capaz de atrair novos usuários usando a velha tática de prometer alguma coisa grátis. Afinal de contas, o modus operandi da internet na última década se baseia nessa ideia, casada com um gerador de receitas oculto: eu te dou algo de graça e de fácil acesso e você nem desconfia do que me dá em troca – seus dados de utilização, usados para alimentar bases gigantes com diversas finalidades: aprimorar inteligência artifial, machine learning, publicidade direcionada e todo tipo de personalização com dados, que seja capaz de aprender e prever o comportamento humano, como bem já foi revelado sobre o modelo de negócios do Rappi, o qual usa a entrega de mercadorias (com operação deficitária) como fachada para seu verdadeiro objetivo, coletar uma vasta quantidade de informação sobre usuários para gerar mais comércio direcionado, mais segmentação produtiva.

Pensei: se estamos habituados a entregarmos nossas vidas de graça para algumas empresas de redes sociais ou serviços, em troca de contato com amigos, familiares, flertes, ídolos e rivais, por que não poderíamos usufruir do torrent para acessar qualquer arquivo que gostamos, de graça, através da cópia de arquivos entre máquinas? De muitos já ouvi que a barreira é efetivamente usar o torrent, baixar o programa e achar os arquivos, e entender por que às vezes ele baixa e às vezes não.

Pois bem, agora que já expliquei como funciona o programa, como achar arquivos, como interpretar o cliente de torrent e por que ele baixa ou não, posso explicar a segunda parte importante sobre usar torrent: como compartilhar arquivos, ou seja, como criar um arquivo torrent, hospedá-lo num repositório e semeá-lo. Escrevo então sobre como dividir aquilo que mais gostamos com outras pessoas, desde amigos até completos estranhos do outro lado do mundo, e geramos impacto real na rede, através da cópia. De lambuja, ainda subimos pra rede nossos arquivos, e assim que eles são copiados, estão disponíveis em outras máquinas, e tornam-se acessíveis em outros computadores da internet, gerando uma espécie de backup – desde que alguém semeie o arquivo, claro.

Antes de mergulharmos de cabeça na ação prática, ou seja, começar a criar e compartilhar arquivos torrent, gostaria de trazer uma ideia sobre o uso da tecnologia e o ponto em que estamos hoje, onde parece que nada aconteceu na internet antes dos aplicativos facilitadores. Especialmente àqueles que ainda não se convenceram de que vale a pena usar a tecnologia p2p para navegar na rede. O bielorrusso Evgeny Morozov, no seu ensaio Por que estamos autorizados a odiar o Vale do Silício, um dos textos publicados no Brasil no livro “Big Tech – A Ascensão dos Dados e a Morte da Política“, da editora Ubu, elabora: 
    
“[…] O Vale do Silício destruiu a nossa capacidade de imaginar outros modelos de gestão e de organização da infraestrutura da comunicação. Podemos esquecemos os modelos que não se baseiam em publicidade e que não contribuem para a centralização de dados em servidores particulares instalados nos Estados Unidos. Quem sugerir a necessidade de considerar outras opções – talvez até mesmo modelos já publicamente disponíveis – corre o risco de ser acusado de querer “quebrar a internet”. Nós sucumbimos ao que o teórico social brasileiro Roberto Mangabeira Unger chama de “a ditadura da falta de opção”: espera-se que aceitemos que o Gmail seja a melhor e única forma possível de usar o correio eletrônico e que o Facebook seja a melhor e única maneira possível de nos conectarmos em redes sociais.”
Em um país onde sete em cada dez brasileiros se informam pelas redes sociais, parece quase utópico imaginar o uso de torrent para dividir e consumir livros, revistas, filmes, séries, softwares, e qualquer tipo de arquivo que o usuário imagine compartilhar. E parte disso é porque estamos cegos pela ideia de que não há opção, como dito por Morozov. Por todos os lados, a lógica do serviço mais cômodo faz com que os usuários comuns busquem cada vez menos dificuldades, e a famoso conceito da inclusão digital passa a ser deturpado: a inclusão é junto as Big Techs, e não ao digital.
Então que viremos o jogo aprendendo a criar torrents!

Existem dois grandes passos no processo: criar o arquivo torrent e hospedar o arquivo torrent. Vamos abordá-los sob estes dois atos.

1) Criar o arquivo torrent

Fonte: Wikihow

Depois de decidir o que você quer dividir, seja uma pasta de músicas ou de fotos, um filme ou uma biblioteca de livros, entre no seu cliente de torrent (uTorrent, qBitTorrent, Transmission são alguns dos mais comuns, mas aqui tem uma lista recente com outros também) entre no menu Arquivo > Criar torrent.
Selecione a pasta ou arquivo, crie um nome, aponte onde deve ser salvo, aponte trackers (os rastreadores de arquivos, que mencionamos no artigo anterior) e gere o arquivo. Aqui uma lista de trackers que você pode usar, copiando os links e colando-os no espaço destinado a eles (como mostra a figura abaixo). Quanto mais melhor, pois mais deles vão encontrar o seu arquivo numa busca. 

Pois bem, aí está seu arquivo .tor! Você já pode enviá-lo para amigos, que podem abri-lo em seus clientes de torrent e baixá-los, desde que o seu cliente esteja aberto e copiando o arquivo para eles. Percebe: como criador do arquivo, você acaba sendo também o primeiro seeder, e é importante manter o torrent aberto e copiando para outros pelo menos nos primeiros dias, para o arquivo se espalhar pela internet.

2) Hospedar o arquivo torrent na internet

Com o primeiro passo seus amigos já podem desfrutar do seu arquivo torrent. Mas digamos que você tenha uma biblioteca que quer compartilhar, como no Baixacultura, onde geramos um compilado de todos os livros que foram referência durante o curso “Tecnopolítica e Contracultura” e disponibilizamos online. Nesse caso, há (pelo menos) duas opções: deixar ele em repositórios de torrent, como a baía pirata mais famosa e resiliente da internet, o Pirate Bay; ou começar a semear imediatamente, deixando o seu computador (e os próximos que baixarem) como semeadores e guardiões do arquivo, como mostra a figura acima,
Para compartilhar um arquivo no Pirate Bay, então: 
Crie uma conta; no menu de navegação, clique em “Upload Torrent”; procure o arquivo torrent que tu queres subir no seu computador; crie um nome para o arquivo no site (exemplo: Biblioteca do Baixacultura) – este é o nome que as pessoas vão achar quando procurarem pelo arquivo no site; escolha uma categoria (vídeo, livro, software, música, etc.); marque a opção ou não de subir o arquivo anonimamente; se quiser, marque o seu arquivo em tags para ser mais fácil de encontrá-lo; escreva uma descrição amigável, de preferência dizendo quais arquivos estão contidos no torrent, qual a qualidade e formato do arquivo, etc.

Aqui também vale de, ao enviar o arquivo, deixar seu computador “semeando” o arquivo por um tempo, pelo menos até que outros “leechers” já tenham baixado e passem a semear também; quanto mais semeadores, mais rápido o arquivo vai ser baixado e em mais computadores ele estará.

3) Divulgar o link na internet

Agora que você já criou o torrent, subiu na rede, semeou para outros e viu que outros já tornaram semeadores do arquivo também, espalhe ainda mais! Divulgue para todxs que queiram acessar o arquivo, mostre também que é importante que eles deixem seus programas de torrent um pouco para semear também para outros.

Fácil, não?

[Victor Wolffenbüttel]
]]>
https://baixacultura.org/2020/02/18/como-compartilhar-conteudo-e-fazer-backup-por-torrent/feed/ 1
Internet hangover, spirit of time https://baixacultura.org/2018/09/13/internet-hangover-spirit-of-time/ https://baixacultura.org/2018/09/13/internet-hangover-spirit-of-time/#respond Fri, 14 Sep 2018 01:34:48 +0000 https://baixacultura.org/?p=15270 Originally published in Portuguese in September 2018

 

I write and follow the discussions, advances and setbacks of the internet and of what is conventionally called digital culture since 2008, when BaixaCultura was born. It has been 10 years and so much has changed in this period that I can point out not only specific issues, but a whole spirit of the time (as the Germans say, zeitgeist) that is different today. Which can be summarized in an expression that I have been using for some months now: “Internet hangover” (Ressaca da internet). We have deposited so many possibilities of freedom (independent information from major media groups, freedom to speak what we want, to create new technologies and worlds) that we have neglected, or failed, to pay attention to the rise of monopolies of technology companies, the construction of information bubbles that confirm points of view, and the increasingly real possibility of the Internet becoming cable TV, with the already proclaimed end of net neutrality. We have taken a extra-dose of optimism. And now – or rather, since at least 2016 – we are in the hangover phase, hostage to internet monopolies, the commercialization of any data left on the net, fake news arriving from all sides. Pure dystopia.

The curtailment of the internet by private companies like Google, Facebook, Amazon, and Apple is one of the main elements in building this spirit. What is left of the internet today if not the platforms, software and devices of these companies? For the majority of the Brazilian and world population, not much. About 70% of Brazilians access the web through their cell phones, and not infrequently, they only access services such as Facebook, WhatsApp, and Instagram when connected, all from the same company. There are other options from search engines to Google, for example (DuckDuck is the main one), and from smartphone operating systems to Android and Apple’s IoS, but look aside and see how many people actually use these alternatives? The internet is already today what many of us free internet activists feared it would be: a big walled garden, where increasingly the ones calling the shots on what and how to access it are large private companies based in the US.

I remember, at the end of 2011, when I wrote a report on the fight for the defense of internet principles, such as net neutrality, based on Yochai Benkler’s speech at the opening of the Festival Cultura Digital.br this year. Even at that time, the questioning about the end of net neutrality and the growth of large monopolies was a current issue, although not with as much presence as today. At the time, I started the text with the question: “is it utopian to think of a democratic and free internet, without privileges of access and data traffic for any side, just as it was defined in the principles of the development of the internet?” From there, I told a story that I witnessed in class, in one of the many times I spoke about culture and free licenses for communication students, when a student asked if keeping the Internet free was not a utopia, or naivety. I answered, at the time, no: “The internet was created this way, as a decentralized and autonomous network. And we are not talking about a utopia, but a reality; the Internet today works this way”. Years later, was the student right?

In 2011, the fight for a free internet was less thankless than it is today, and I myself believed that we would be able, as a civil society, to keep the internet as it was created, or at least guaranteeing some of its basic principles such as neutrality. After almost seven years, I do a mea culpa.  I didn’t know – or didn’t want to believe, or didn’t want to write or speak publicly that I didn’t believe – that the big internet players would turn the internet into what it is today, a closed space where we are trapped in private algorithmic bubbles of which we know little or nothing about how it works. And only since a year ago, with Trump and Brexit, have we started to see the potentially harmful for politics of this arrangement between people and technical systems like Facebook and Google. Like many, I doubted and did not want to see that capitalism reinvents itself and appropriates everything it sees in front of it, including a network that was born a libertarian part like the Internet.

TED, that famous format of quick lectures recorded on video that has spread around the world, had one last major edition in April 2018 in Canada. Two speeches manifested this internet hangover zeitgeist. Jaron Lanier, one of the creators of the idea of virtual reality, musician and computer scientist. “We made a particular mistake in the beginning. The nascent digital culture believed that everything on the Internet should be public, free. At the same time, we loved our tech entrepreneurs. We loved this Nietzchian myth of the tech man who transforms the universe. How to celebrate entrepreneurship if everything is free? A model based on advertising. Google was born free, Facebook was born free. The ads in the beginning were for your local dentist or something. But the algorithms get better. And what started as advertising can no longer be called advertising. Today it is behavior modification. I don’t call these things social networks anymore. They are behavior modification empires. This is a global tragedy born of a gigantic mistake. And let me add another layer. In behaviorism, you offer a creature, a rat or a person, small gifts or punishments depending on what they do. In networks, social punishment and social rewards fill this role. You get all happy – ‘someone liked my stuff’. Consumers of these behavior modification empires get feedback on everything they do, they realize what works, they do more of it. And they respond more to negative emotions, because these trigger faster reactions. So even the most well-meaning people feed negativity: the paranoiacs, the cynics, the nihilists. These are the voices amplified by the system. And you can’t pay these companies to make the world better or to fix democracy because it is easier to destroy than to build. This is the dilemma in which we find ourselves.

The greatest danger facing democracy is that the revolution in information technology will make dictatorships more efficient than democracies. This was the statement that Folha de S. Paulo decided to highlight in the TED talk given by Israeli historian Yuval Noah Harari. To prevent the rise of fascism and avoid new dictatorships, the historian proposed that engineers find ways to prevent information from being concentrated in the hands of a few and make sure that distributed information processing is as efficient as centralized. “That will be the main safeguard of democracy,” he says.

You may not be new to Harari’s call to action. The question is the how-to or if it is possible to do it. In what practical ways can computer engineers make information processing more decentralized? Do they want to do this? Is it still possible to tackle the big information hubs of the social networks from small decentralized initiatives? Or should we focus our efforts – we and all those who are not engineers – on not allowing ourselves to be manipulated by those who control information? I bring here more questions than answers because, of course, everything is happening now; while we are trying to come out of the hangover, we keep asking questions and groping for principles of certainty in order to act soon. Or to act with more clarity, since many are already acting around the world.

[Leonardo Foletto]

 

]]>
https://baixacultura.org/2018/09/13/internet-hangover-spirit-of-time/feed/ 0