Animação – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Mon, 11 Mar 2013 14:29:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Animação – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 “Faça arte, não leis” – Entrevista com Nina Paley https://baixacultura.org/2013/03/11/faca-arte-nao-leis-entrevista-com-nina-paley/ https://baixacultura.org/2013/03/11/faca-arte-nao-leis-entrevista-com-nina-paley/#comments Mon, 11 Mar 2013 14:29:57 +0000 https://baixacultura.org/?p=9620 nina paley

Além de artista talentosa, Nina Paley é voz ativa na luta por uma cultura livre. A animação Sita Sings the Blues, seu primeiro trabalho lançado sob uma licença livre, foi um sucesso tremendo. Já foi vista e baixada centenas de milhares de vezes (veja e/ou baixe você também!) e abocanhou uns tantos prêmios. Sua tirinha mais recente, Mimi and Eunice, é uma deliciosa e provocativa incursão pelos problemas da propriedade intelectual. Desde 2009 é artista residente do site QuestionCopyright.org, onde escreve e desenvolve projetos ligados ao tema, e ainda tem um blog.

Nesta entrevista, concedida por e-mail, Nina fala ao nosso novo colaborador André Solnik – jornalista e fotógrafo formado pela PUCSP – sobre seu envolvimento com a cultura livre, dá suas impressões (negativas) sobre a lei de copyright e demonstra todo o seu desapontamento com as licenças Creative Commons. “Licenças são a solução errada. A arte é a solução. Faça arte, não leis”. O recado está dado.

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BaixaCultura: Quando começou seu interesse por cultura livre?

Nina Paley: Por um bom tempo eu achei que os termos de copyright eram extensos demais e a lei deveria ser revista, mas não tinha entendido realmente o que era cultura livre até outubro de 2008, depois de meses no circuito de festivais com a minha então ilegal animação Sita Sings the Blues*.

Cultura livre me parecia um conceito muito audacioso para que eu pudesse pensar sobre. Numa manhã, eu finalmente saquei – tornar livre meu trabalho seria melhor para ele – e passei o semestre seguinte preparando o lançamento livre e legal de SSTB. Isso aconteceu em março de 2009, quando por fim eliminei todas as licenças necessárias (e estúpidas) por US$70.000 pagos do meu bolso.

* A animação Sita Sings the Blues era ilegal pois continha músicas protegidas por copyright. O assunto foi tratado aqui no BaixaCultura há quase três anos.

BC: Explique resumidamente por que os artistas deveriam tornar livres suas obras.

NP: Do meu artigo How To Free Your Work:

Por que os artistas deveriam tornar livre seu trabalho? Para tornar mais fácil possível o seu compartilhamento – o mais fácil possível para que atinja olhos, orelhas e mentes – de modo que ele alcance um público. Para tornar mais fácil possível que o apoio deste público – inclusive monetário – chegue até o artista.

Proteções anticópia colocam uma barreira entre o artista e a maioria das formas de apoio. Ao remover as barreiras de copyright, o artista torna possível o recebimento – tanto diretamente quanto por meio de distribuidores – de dinheiro e de outros tipos de apoio, aumentando assim suas chances de sucesso.

BC: O Creative Commons lançou recentemente o rascunho final da versão 4.0 de suas licenças. Que mudanças você gostaria de ver? Você acha que as licenças consideradas não livres devem continuar a ser apoiadas pelo CC?

NP: O Creative Commons deveria parar de apoiar as licenças não livres. Que tipo de commons* é esse?

* O termo commons ainda não tem uma tradução para o português amplamente aceita. É algumas vezes traduzido como “comum” ou, ainda, “bem comum”.

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Sita Sings the Blues foi lançado com CC em 2010

BC: Embora elas provavelmente sejam as licenças alternativas mais conhecidas, ainda não gozam de uma popularidade comparável ao “todos os direitos reservados”. Por que será? Você acha que as pessoas ficam confusas com as muitas possibilidades oferecidas pelas licenças CC?

NP: A maioria das pessoas que usa licenças CC não entende o que elas querem dizer. Chamam todas elas de Creative Commons, como se isso significasse alguma coisa. O sistema modular do CC era uma boa ideia, eu vejo isso como uma experiência que valeu a pena ser realizada. Mas os resultados estão aí: não funcionou. O que temos agora é uma mistura de licenças incompatíveis, a maioria das quais não contribui para qualquer commons real e ainda aumenta a confusão e a desinformação.

Mas não podemos culpar o Creative Commons – o problema é a lei de copyright. Nada pode corrigi-la neste momento. Até mesmo a licença CC-0, que é uma tentativa valiosa de pular fora do copyright, não funciona na prática, como a minha experiência com o Film Board of Canada mostrou: mesmo após colocar “Sita” sob CC-0, seus advogados se recusaram a aceitar que o filme realmente estava em domínio público e me fizeram assinar uma liberação para que um de seus cineastas se referisse ao meu filme. Eu estarei para sempre sobrecarregada com uma papelada de permissões mesmo utilizando CC-0. Provavelmente vou continuar utilizando-a, é claro, mas não tenho nenhuma expectativa de que vá funcionar como deveria.

BC: A licença BY-NC-SA, apesar de ser não livre, é bastante popular. Por que isso ocorre? Quais são os principais problemas em utilizá-la?

NP: As pessoas estão bem intencionadas quando escolhem a restrição –NC (uso não comercial), mas ela faz exatamente o oposto do que se deseja. Elas querem “proteger” seus trabalhos da exploração abusiva de grandes jogadores corporativos, mas não percebem que eles AMAM a cláusula -NC, porque ela representa um monopólio comercial. Os grandes jogadores corporativos estão todos prontos para lidar com os monopólios comerciais: eles dispõe de advogados e departamentos de licenciamento. São eles que podem pagar para licenciar suas obras não comerciais. Seus pares, os jogadores pequenos, sem departamentos jurídicos e com recursos limitados, não podem. A cláusula -NC ferra mais seus colegas artistas e jogadores pequenos, enquanto favorece as grandes corporações.

A maneira de evitar a exploração abusiva é usar a licença CC-BY-SA, que é do tipo share-alike* e não tem a restrição -NC. Isso permite que seus pares usem o trabalho sem medo, desde que o mantenham livre. Os grandes jogadores corporativos, no entanto, não estão dispostos a liberar qualquer coisa livremente: se quiserem usar o seu trabalho, eles vão ter que negociar a renúncia da cláusula -SA. E, para isso, vão pagar. Funciona como um acordo de licenciamento qualquer: por X reais você renuncia à restrição -SA e permite que eles reutilizem seu trabalho sem qualquer contribuição à comunidade. Muitos licenciadores corporativos já me ofereceram tais contratos embora eu não tenha assinado nenhum porque sempre fui incentivadora do uso de licenças livres.

A única razão pela qual a licença BY-NC-SA é popular é porque as pessoas realmente ainda não pensaram sobre isso.

BC: “Como ganhar dinheiro” parece ser umas das principais preocupações que os artistas têm quando escutam alguém dizendo “torne livre seu trabalho”. Esse medo é justificado? Você recuperou todo o dinheiro investido em Sita Sings the Blues?

NP: Não, esse medo não é justificado. Mas sua pergunta é certamente tendenciosa: “Você recuperou todo o dinheiro investido em Sita Sings the Blues?”. Como se com copyright eu teria recuperado! Eu ganhei mais dinheiro com meu trabalho livre do que com restrições de copyright. Ponto. De onde as pessoas tiram a ideia de que colocando um © em alguma coisa isso magicamente irá gerar dinheiro? Não acontece assim. Se acontecesse, eu apoiaria plenamente o copyright e seria rica.

Copyright é um “direito de excluir”, não um direito de ganhar dinheiro. Você é livre para ganhar dinheiro sem copyright e, além disso, suas chances são bem maiores.

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Mimi and Eunice, tira de Nina Paley

BC: Você anunciou recentemente que SSTB está agora em domínio público. Embora agora você esteja finalmente livre de burocracias legais envolvendo copyright e essa mudança possa dar mais visibilidade ao seu filme, por outro lado isso pode favorecer o aparecimento de obras derivadas com licenças restritivas (por exemplo, um livro baseado em SSTB publicado com todos os direitos reservados). Como você coloca na balança essas consequências?

NP: Bom, honestamente eu não me importo mais. Vamos apenas soltá-lo por aí e ver no que vai dar. Se alguma coisa terrível acontecer porque eu compartilhei meu filme livremente, irei aprender a partir disso. Mas eu acho besteira ficar se preocupando com o que as outras pessoas fazem e tentar controlá-las, especialmente com leis capengas. Até mesmo licenças livres do tipo share-alike necessitam das leis de copyright para serem aplicadas, e as leis de copyright estão irremediavelmente em frangalhos. Eu não quero validá-las ou apoiá-las de nenhuma forma.

Licenças não vão resolver nossos problemas. O que está resolvendo nossos problemas é o número crescente de pessoas que simplesmente vêm ignorando o copyright completamente. Em vez de tentar levar as pessoas a prestar mais atenção à lei, como o CC faz, eu prefiro encorajá-las a ignorar a lei e se concentrarem na arte. Licenças são a solução errada. A arte é a solução. Faça arte, não leis.

BC: Você também se interessa pelo movimento software livre? Algum de seus trabalhos foi realizado utilizando softwares livres?

NP: Eu estarei na 2013 Libre Graphics Meeting em Madri para discutir a construção de uma boa ferramenta de animação vetorial livre. Mais informações neste artigo: It’s 2013. Do You Know Where My Free Vector Animation Software Is?

BC: A sua próxima animação, “Seder Masochism“, também será colocada em domínio público?

NP: Estará sob CC-0 ou CC-BY-SA. Provavelmente sob CC-0, mas tudo depende do que vai acontecer com “Sita”. Se alguma coisa nos próximos anos me mostrar que não foi uma boa ideia tê-lo colocado em domínio público (o que eu duvido bastante), repenso a licença.

De qualquer forma, pouco importa qual licença eu vou (ou não vou) usar. Todo mundo deve ignorá-la e copiar o filme como quiser.

[André Solnik.]

 

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Sita canta o blues https://baixacultura.org/2010/03/18/sita-canta-o-blues/ https://baixacultura.org/2010/03/18/sita-canta-o-blues/#comments Thu, 18 Mar 2010 23:03:30 +0000 https://baixacultura.org/?p=2775

Esta cela costuma ser um freio pra muita criatividade. Novos e velhos filmes, músicas e livros são deixados de serem criados e consumidos pelo fato de que muito do que já foi feito estar ali dentro, inacessível e na maioria das vezes esquecido, mofando. Os prisioneiros só costumam ver a luz quando estão de pé se segurando nas barras até que cansam e vão para o fundo escuro e silencioso. O grande problema, além das grades, é o cadeado, cujo poder de liberdade é de quem tem as chaves, e não de quem produziu e deixou o que está aprisionado. Para abrir, só na base da fiança, quando se tem.

Quem quase foi vítima dessa prisão foi Sita, nascida de uma flor de lótus num lago.  Ela é personagem da epopéia Ramáiana, poesia clássica da mitologia Hindu, que conta a história dela com Rama, um avatar azul [!] de um dos deuses indianos. Acontece que Sita resolveu cantar uns blues  antigos na mais recente adaptação da história. Numa animação lançada há pouco mais de dois anos, as letras das músicas são interpretadas na íntegra pela personagem e se integram mui bien à narrativa original. Mas o “problema” por ela ter quase ficado presa era que as canções que Sita entoava só foram autorizadas para a cantora de jazz Annette Hanshaw. Quem foi ela? Ora, foi uma cantora que teve o auge de sua carreira em 1920, ou seja, quase um século atrás. Tudo que Hanshaw cantou naquela época ainda está atrás das grades do copyright, o que impossilita a reprodução em quaisquer meios audiovisuais públicos, como televisão, cinemas e teatros, sem que se pague os sagrados direitos do autor. Mesmo que esse autor já não exista mais e que haja a possibilidade de relembrá-lo.

E esse foi o empecilho enfrentado pela diretora da animação, Nina Paley, para conseguir distribuir sua arte, o filme Sita Sings The Blues. Paley teve que bolar um complicado esquema de negociação para liberar Sita da jaula. Os detentores dos direitos das músicas pediram 220 mil mangos para regularizar o filme. Paley pechinchou e o preço diminuiu para 50 mil doletas. A diretora teve que apelar então para um empréstimo e conseguir pagar o valor, na condição de que seriam produzidas no máximo 5 mil DVDs de cópias promocionais. Esse tipo de cópia geralmente é entregue a comentaristas, comitês de festivais e jornalistas, mas Paley pegou os arquivos dessas cópias, hospedou on-line e licenciou em Creative Commons 3.0, ou seja, qualquer pessoa pode compartilhar, distribuir, exibir à vontade. Só não pode vender, porque aí tem que pagar o pessoal das gravadoras.

Agora, Nina Paley conta com o retorno da audiência para ajudar a pagar o custo do filme – de 80 mil dólares – e do empréstimo. Através de uma parceria com o ótimo site QuestionCopyright, Paley espera as doações do público – há inclusive um contador da porcentagem que falta para chegar no valor do empréstimo – e tem uma loja de vendas de produtos do filme, como  adesivos, bótons, camisetas, pôsters, dvds e cds da trilha sonora. Na imagem de cada produto, é indicado o quanto do valor será revertido para a autora. E segundo o site, as doações tem sido estáveis desde a liberação de Sita:

This is the opposite of the traditional “burst and fade” distribution model that so many works endure, dragged out of circulation prematurely to avoid competing with new releases from the same publisher. Because Nina’s film is audience-distributed, it’s in circulation forever, whenever and wherever people want to see it. And all those audience members are potential customers and donors, as the financial results bear out.

[Isto é o oposto do modelo tradicional de distribuição “estouro e desaparecimento” que suporta tantos trabalhos, deixados fora de circulação prematuramente para evitar competir com os novos lançamentos da mesma editora. Como o filme de Nina é distribuído pela audiência, está em circulação para sempre, quando e onde as pessoas quiserem vê-lo. E todos os membros da audiência são os potenciais clientes e doadores, como confirmam os resultados financeiros.]

A confiança nos usuários era tanta que foi criada uma página Wiki no site do filme. Ali estão disponíveis os links para as versões de vários tamanhos, os locais e datas das exibições pelo mundo afora, mais de 20 legendas diferentes, os audios dos comentários da diretora, além de sugestões, perguntas frequentes, curiosidades e leituras recomendadas. Aliás, o arquivo .srt da legenda em português está aqui, e foi feito por uma brasileira. Todas as versões do longa estão hospedadas no site Archive.org, que indica que o filme já foi baixado mais de 150 mil vezes.

E não é pra menos. O filme faz uma feliz comparação entre as dificuldades de relacionamento dos dois deuses hindus com uma situação amorosa parecida pela qual passou a diretora. O Ramáiana é contado resumidamente por três bonecos de teatro de sombras que vão improvisando o que sabem sobre a lenda, intercalados por  outras montagens, clipes musicais com as músicas de Hanshaw e partes que contam a história da separação de Paley. São quatro tipos distintos de animações combinadas numa comédia romântica musical. Uma arte muito bem detalhada, pois em apenas um trecho existem 15 elementos colados, como conta a diretora em um post de seu blog. Advertimos que há uma parte do filme que pode causar estranheza naqueles que não estão acostumados com o cinema indiano. Lá pelo meio dos 80 minutos de filme, descem umas cortinas e surge uma tela com a palavra “Intermission” e uma contagem regressiva de uns três minutos – tipo de cena comum em Bollywood, nome dado à poderosa indústria cinematográfica da Índia, e aqui colocada como homenagem. Durante esse tempo, os personagens aproveitam e vão no banheiro ou compram pipoca, costume dos espectadores locais durante esses intervalos. De resto, o enredo é um tanto normal para a maioria dos mortais espectadores.

Desde o lançamento, em 2008, o longa-metragem já ganhou 28 prêmios em festivais, de acordo com a página da Wikipédia. Outra produção da mesma autora que vem circulando já faz um tempo na rede é o videozinho de um minuto “Copying is not Theft” [Copiar não é Roubar], em que é explicado o conceito de que cópia não exclui, mas sim se soma ao que já existia, praticamente o mesmo conceito de outro video da mesma série chamado “All Creative Work Is Derivative” [Todo o trabalho criativo é derivado”].  E mais dez curtas estão planejados para Paley produzir na mesma linha.

Assim, Nina Paley está divulgando a milenar cultura indiana e os primeiros blues, compostos há 90 anos, obtendo junto reconhecimento, retorno financeiro e mais trabalho, mesmo depois de dois anos do lançamento de sua obra. Nada mal para a dona de um pássaro que por pouco não ficou preso dentro da gaiola.

[Marcelo De Franceschi.]

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