anarquismo – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Sat, 26 Feb 2022 14:46:24 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg anarquismo – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Estamos (re) lendo (2): Ideologia Californiana e Cypherpunks https://baixacultura.org/2022/02/26/estamos-re-lendo-2-a-ideologia-californiana-e-manifestos-cypherpunks/ https://baixacultura.org/2022/02/26/estamos-re-lendo-2-a-ideologia-californiana-e-manifestos-cypherpunks/#respond Sat, 26 Feb 2022 14:46:24 +0000 https://baixacultura.org/?p=13900

Enquanto o terceiro volume da coleção “Tecnopolítica”, coordenada pelo BaixaCultura e a Editora Monstro dos Mares, é editado, vamos lembrar a quem ainda não sabe dos outros dois.

A Ideologia Californiana”, de Richard Barbook e Andy Cameron, é o primeiro lançamento da “Tecnopolítica”. Escrito em 1995, é um ensaio que virou clássico nos estudos sobre a internet e suas implicações políticas, sociais e econômicas; nele, “Barbrook e Cameron definiam a tal ideologia como uma improvável mescla das atitudes boêmias e antiautoritárias da contracultura da costa oeste dos EUA com o utopismo tecnológico e o liberalismo econômico. Dessa mistura hippie com yuppie nasceria o espírito das empresas .com do Vale do Silício, que passaram a alimentar a ideia de que todos podem ser “hip and rich” – para isso basta acreditar em seu trabalho e ter fé que as novas tecnologias de informação vão emancipar o ser humano ampliando a liberdade de cada um e reduzir o poder do estado burocrático.”

Dois trechos:

“Em que seja por razões competitivas, todas as grandes economias industriais serão forçadas, mais cedo ou mais tarde, a conectar suas populações para obter os ganhos de produtividade do trabalho digital. O que é desconhecido é o impacto social e cultural de permitir às pessoas trocar quantidades quase ilimitadas de informação em uma escala global. Acima de tudo, o advento da hipermídia vai realizar as utopias da Nova Esquerda ou da Nova Direita? Como uma fé híbrida, a Ideologia Californiana alegremente responde a esta charada acreditando nas duas visões ao mesmo tempo – e não criticando nenhuma delas”

“Apesar do papel central desempenhado pela intervenção pública no desenvolvimento da hipermídia, os ideólogos californianos predicam um sermão anti-estatista de libertarianismo hi-tech: uma gororoba bizarra de anarquismo hippie e liberalismo econômico engrossada com montes de determinismo tecnológico. Em vez de compreender o capitalismo realmente existente, os gurus da Nova Esquerda e da Nova Direita preferem muito mais defender versões rivais de uma “democracia jeffersoniana” digital. Thomas Jefferson foi o homem que escreveu o inspirador chamado para a democracia e a liberdade na Declaração de Independência americana e – ao mesmo tempo – tinha como escravos cerca de 200 seres humanos”.

Os “Manifestos Cypherpunks” é a segunda publicação da coleção. É uma coletânea de textos escritos na época que a rede mundial dos computadores ainda engatinhava, entre o final dos anos 1980 até meados dos 1990, por pessoas que conheciam a fundo alguns aspectos dos aparatos técnicos que faziam funcionar a rede e queriam nos fazer ficar atentos a eles. Originários de uma vertente da cultura hacker mais afeita a ação política, em contraponto a outra mais ligada ao liberalismo empreendedor das startups do Vale do Silício, os cypherpunks tem suas ideias ainda muito presente hoje, principalmente em criptógrafos, programadores, ativistas e qualquer pessoa que acredita que a principal maneira de manter a privacidade na era da informação é com uma criptografia forte.

Um trecho do “Manifesto CriptoAnarquista”, de Tim C. May, 1992:

“Assim como a tecnologia da impressão alterou e reduziu o poder das guildas medievais e a estrutura do poder social, os protocolos criptográficos também vão alterar fundamentalmente a natureza das corporações e as interferências do governo nas transações econômicas. Combinado com mercados de informação emergentes, a criptoanarquia criará um mercado líquido, para todo e qualquer material que possa ser colocado em palavras e imagens. E assim, como uma invenção aparentemente insignificante como o arame farpado tornou possível o cercamento de vastas fazendas e territórios, alterando para sempre os conceitos de terra e direitos de propriedade na fronteira ocidental, também, a descoberta aparentemente menor de um ramo arcano da matemática se tornará o alicate que cortará o arame farpado em torno da propriedade intelectual”.

E outro do “Manifesto Cypherpunk”, de Eric Hughes, 1993, ambos presentes na edição:

“Devemos defender nossa própria privacidade se esperamos ter qualquer uma. Temos de nos unir e criar sistemas que permitam transações anônimas. As pessoas têm defendido sua própria privacidade por séculos com sussurros, escuridão, envelopes, portas fechadas, apertos de mão secretos e mensageiros. As tecnologias do passado não permitiam a privacidade forte, mas as tecnologias eletrônicas sim.”

Os dois tem bastante relação entre si e ajudam a entender muitas questões relacionadas a a internet que estamos vivendo hoje, como o poderio das big techs em nossas vidas, a importância da privacidade na rede e as formas de controle econômico do capitalismo hoje. Ambos estão disponíveis para download no BaixaCultura e para compra no site da Monstro dos Mares.

Baixar/compar “A Ideologia Californiana”
Baixar Comprar “Manifestos Cypherpunks”

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Fagulha com autonomismo & hackativismo https://baixacultura.org/2019/11/20/fagulha-com-autonomismo-hackativismo/ https://baixacultura.org/2019/11/20/fagulha-com-autonomismo-hackativismo/#respond Wed, 20 Nov 2019 10:34:00 +0000 https://baixacultura.org/?p=13083

Em 20 de novembro de 2019, no aniversário de 10 anos da morte do Daniel Pádua*, o Fagulha Podcast conversou com Leonardo Foletto e Desobediente (respectivamente, editor do BaixaCultura e agitador cultural e autonomista, a dupla que mantém o curso “Tecnopolítica e ContraCultura“) sobre autonomismo, Luther Blissett, hacktivismo, composição de classe, Bifo, as influências do autonomismo italiano no anarquismo contemporâneo, no hacktivismo, e nas formas de luta libertárias de hoje.

Dá para escutar e baixar em MP3 neste link.

O podcast traz uma tentativa, também, de aproximar o autonomismo do pensamento anarquista – mais precisamente, do que se convencionou chamar de pós-anarquismo, uma série de mudanças na forma de pensar e agir do anarquismo que se deu a partir do evento conhecido como “Batalha de Seattle” em 1999, quando da ocasião da reunião da OMC (do qual já falamos por aqui). Aliás: a edição seguinte do Fagulha podcast trata justamente desse momento histórico e traz como convidados Acácio Augusto e Camila Jourdan.

Sobre o pós-anarquismo, cabe aqui algumas indicações dos nossos parceiros da editora Monstro dos Mares. A primeira é “Como o novo anarquismo mudou o mundo depois de Seattle e deu origem ao pós-anarquismo“, texto de Süreyyya Evren que detalha esses caminhos novos do anarquismo, principalmente sob a influência do pós-estruturalismo e do pós-modernismo; e o outro é “Políticas do Pós-Anarquismo“, de Saul Newman, que aprofunda a discussão sobre novos anarquismo a partir do pós-estruturalismo e também da Análise de Discurso e fala do momento e da problemática pós-anarquista. Ambos textos são parte do livro “Post-Anarchism, A Reader“, organizado por Süreyyya Evren e Duane Rousselle, publicado em 2011 e referências importantes para entender como se move o anarquismo hoje (e que você pode baixar aqui, de grátis). A seguir, dois trechos, do primeiro e do segundo, respectivamente:

“O anarquismo é amplamente aceito como “o” movimento por trás dos princípios organizacionais fundamentais dos movimentos sociais radicais no século XXI. A ascensão do movimento “antiglobalização” esteve ligada a um ressurgimento geral do anarquismo. Esse movimento foi colorido, enérgico, criativo, eficaz e “novo”. E o crédito pela maior parte dessa energia criativa foi para o anarquismo. O anarquismo parecia estar tomando de volta seu nome como movimento e filosofia política das conotações e metáforas de caos e violência. A estratégia da mídia corporativa de se concentrar exclusivamente na tática dos black blocs, infelizmente, não apenas reproduziu essas conotações, mas também ajudou a atrair mais atenção para os pensadores políticos e ativistas que entendiam o motivo de todo esse alarido. Por sua vez, surgiram trabalhos mais eruditos e políticos sobre o anarquismo e o novo “movimento”(EVREN, 2011)

O que torna esse movimento radical é sua imprevisibilidade e indeterminância – a forma como ligações e alianças inesperadas são formadas entre diferentes identidades e grupos que, de outra forma, teriam pouco em comum. Ao mesmo tempo em que esse movimento é universal, no sentido de invocar um horizonte emancipativo comum que constitui as identidades dos participantes, ele rejeita a falsa universalidade das lutas marxistas, que negam a diferença e subordinam as outras lutas ao papel central do proletariado – ou, mais precisamente, ao papel vanguardista do Partido. (NEWMAN, 2011).

Como falamos (Leonardo’s) no podcast, o autonomismo tem bastante referência no anarquismo, tanto que nos primeiros anos da década de 1960, mesmo reivindicando o marxismo nas primeiras revistas, os autonomistas foram chamados de anarcosociólogos, já que bebiam muito dos anarquismos italianos.

Fonte: Wikipedia

* Pra quem não conhece, saiba: Daniel Pádua foi um importante hacker e ativista brasileiro. Seu blog continua no ar e é um rico acervo do que se passava na internet brasileira entre 2001 e 2009. dpadua, como era conhecido, foi um dos idealizadores e articuladores da rede MetaReciclagem, trabalhou nos primeiros anos do MinC comandado por Gilberto Gil, na EBC e fomentou a articulação de muitos projetos de uma internet livre.

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Charlatanismo Revolucionário e a destruição do estado https://baixacultura.org/2019/09/06/charlatanismo-revolucionario-e-a-destruicao-do-estado/ https://baixacultura.org/2019/09/06/charlatanismo-revolucionario-e-a-destruicao-do-estado/#respond Fri, 06 Sep 2019 12:24:46 +0000 https://baixacultura.org/?p=12965

Há algumas semanas chegou em nosso email uma mensagem, de autor anônimo, perguntando se gostaríamos de publicar um pequeno livro sobre a mentira como estratégia de guerrilha contra o poder (mais precisamente, o Estado). Junto do e-mail, criptografado, veio dois anexos: um texto resumindo a obra, com o sugestivo nome “texto para blog” e o livro em PDF, intitulado “Uma Ode à Mentira para Destruição do Estado”. Achamos curioso; costumamos receber sugestões de pauta, pedidos para esclarecer algumas dúvidas (a maioria técnicas), fazer contatos, pedir zines, informações sobre os cursos, ou simplesmente comentários aleatórios criticando ou nos elogiando, mas nunca um email não assinado com um material completo para publicação.

Fomos ler o livro em anexo e nos pareceu interessante; bem diagramado, curto (70 páginas), havia uma série de referências à guerrilha da comunicação que trabalhamos em oficinas, cursos e textos para esta página, como Wu Ming, The Yes Men e Luther Blisset, e outras tantas citações ótimas, como de Malatesta, Chomsky, Ranciere e até Dairan Paul, que defendeu uma monografia sobre Luther Blisset já comentada por aqui. Havia ideias um tanto confusas (propositadamente?), mas outras sacadas e citações deveras interessantes; apêndices com um ótimo conto popular russo do século XX e outro conto de um escritor anarquista espanhol do século XIX. De autoria, algumas pistas: se tratava de um trabalho final de uma graduação, em artes visuais, de alguém que mora em São Paulo – percebe-se pelos agradecimentos da obra – e dois nomes: Patrik e Berth Pool, tido como autores da obra e que também assinava o outro arquivo enviado como anexo, “texto para blog”. Na rede, nenhuma referência a estes nomes, juntos ou separados.

Resolvemos publicar. Segue, abaixo, o conteúdo deste arquivo; ao final, a obra para download, de onde também tiramos as imagens que ilustram esse post.

“A partir da observação da capacidade do Estado em cooptar todas as formas de artes contra-hegemônicas para delimitar sua segurança, notou-se que uma das ações que as classes dominantes e o governo mais praticam é o ato de mentir. A mentira do Estado sustenta os ideais de nacionalismo, mascara o racismo e ilude o consumidor através da publicidade.

Diante do quadro de ascensão das forças neoliberais e fascistas no mundo na atualidade, e reconhecendo a necessidade de encontrar novas formas de ação contra essas potências – pois alguns métodos tradicionais de luta já são, em certo ponto, facilmente interrompidos pelo Estado – o livro enxerga na utilização da mentira pelos dissidentes desse sistema, uma capacidade de provocação ácida das autoridades.

Esse recurso abre caminho para a infiltração de outras ações rebeldes que miram a destruição do Estado. Portanto, parte da ideia do livro, não coloca como fim e tampouco pinta como salvadora a utilização da mentira como ação contra-hegemônica, mas ela resgata na história do mundo ações individuais e coletivas de natureza semelhante e estimula a exaltação da criatividade por uma perspectiva da rebeldia.

É importante ressaltar que a valorização da mentira neste livro se dá pelo viés de manifestação artística, onde os mentirosos são possíveis performers e suas mentiras podem se materializar em qualquer que seja a linguagem mais adequada para fazê-las explodir. É nesse ponto que se conclama a inversão do objetivo usual do ofício do charlatão – mentia anteriormente para manipular consumidores; agora, mente para desmascarar as mentiras do capitalismo.
Em um segundo momento do livro, reconhece-se a importância do ofício do contador de histórias nos processos educativos em espaços configurados ou não como instituições de ensino. O contador conta ficções, farsas, mentiras, mas isso não confere para suas narrativas uma problemática antiética, sendo que muitas vezes os contos carregam valores morais e éticos nesse ambiente lúdico propositalmente instaurado. As histórias são potentes. As mentiras também.

Sendo assim, a mentira pode ser reconfigurada pelos educadores – e aqui atribui-se uma reverência ao contador de histórias – a fim de se criarem ensejos de uma sociedade que não corresponda aos critérios do capitalismo. As mentiras podem inventar causos exemplares de reação dos oprimidos ao Estado e incitar a subversão criativa rumo a libertação dos povos, e serem contempladas seguramente por uma perspectiva da esfera da Educação.

Por fim, adverte-se aos interessados que este livro foi escrito para a consagração do ritual de formação de um curso de graduação em Artes Visuais. Sustentado pela descrição de performances mentirosas e literatura duvidosa, a pretensão da queda do Estado é reduzida metodologicamente à própria composição literária deste trabalho para efeitos comparativos a cargo do leitor. Nesse contexto, também não deixa de se fazer uma autocrítica ao reconhecer as limitações da mentira no espectro da transformação social, mas assente sobre sua capacidade de inflamação do espírito revolucionário entre os dissidentes do capitalismo.

Patrik e Bert Pohl


Uma Onde à Mentira como Destruição do Estado.

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O manifesto do círculo de poetas sampler de São Paulo https://baixacultura.org/2012/12/17/o-manifesto-do-circulo-de-poetas-sampler-de-sao-paulo/ https://baixacultura.org/2012/12/17/o-manifesto-do-circulo-de-poetas-sampler-de-sao-paulo/#comments Mon, 17 Dec 2012 15:11:42 +0000 https://baixacultura.org/?p=9504  

O círculo de poetas sampler de São Paulo foi um movimento criado no final dos anos 90 e início dos 2000 que se espalhou por diversas regiões da capital paulista. Veio, como muitos dessa época, na esteira do movimento punk e anarquista e se somou a nascente cultura digital (pelo menos no que diz respeito a que conhecemos hoje) para propor a ideia do remix, cut-up, também na literatura. Foi, talvez, um dos primeiros grupo organizados a falar disso abertamente no Brasil.

Abertamente? Sim, eles deixaram poucos textos sobre o tema, e o único que encontramos é o que publicamos abaixo: Manifesto da poesia sampler. Ali estão todas as influências (Burroughs, copyleft, Oswald de Andrade, Lautreamont, Roberto Piva, etc) para falar do esgotamento da linguagem e da necessidade de reapropiação do que já foi produzido até hoje ao invés da criação. Preceitos que, de alguma forma, se relacionariam com a escrita não-criativa de Kenneth Goldsmith e aparecem no MixLit de Leonardo Villa-Forte, entre outras iniciativas.

*

O manifesto (atenção: não confundir com o Manifesto da Literatura Sampler, de Fred Coelho e Mauro Gaspar, que tem 7 versões e em breve estará por aqui também) saiu no Rizoma, em 2002 – depois, foi compilado no ebook “Recombinação“. Continha uma introdução, em que se explica um pouco do círculo. Tudo muito caótico, mas que dá uma amostra do contexto anarquista da qual ele foi produzido.  Alguns trechos:

O círculo de poetas sampler de São Paulo foi criado na relação entre os cavaleiros templários e bruxas cidadãs, entre  sufraggetes e o movimento de poetas negros de Angola, entre @s escritor@s de Q e ladrões-ativistas do Leste Europeu, entre manifestantes anti-globalização no início deste século XXI, entre Seattle, São Paulo, Porto Alegre e Morro Agudo.

O Círculo de Poetas Sampler de São Paulo (tirado de um anagrama escrito pelo Bandido da Luz Vermelha na cadeia), está em todos os cantos. De marginais a altos postos do governo, infiltrados em movimentos de cultura digital picaretas e em espetaculosas palestras sobre o Nada. Este manifesto, escrito entre o IRC e pombos-correios se desmembrou em manifestações na qual o Círculo não impôs sua marca (mal de nossos tempos?), mas sim, subrepticiamente, subvertendo a retrô-subversão contemporânea que alia Estética e Poder de maneira tão vulgar quanto no início da Revolução Industrial.

Hoje pouco se sabe desse círculo e dos seus integrantes. Se ele ainda existe, é certo que deve ter se dissipado, ganhado outro nome ou se espalhado por governos, redes (Metareciclagem? THacker?), ou em movimentos de cultura digital picaretascomo diz a introdução. A publicação desse texto também é uma tentativa de achar alguma pista do paradeiro do círculo.

 

Manifesto da Poesia Sampler

“O plágio é necessário. O progresso o implica”
Lautreamont

Que as idéias voltem a ser perigosas.

Vivemos um momento de impasse poético (comecemos com frases de efeito). A poesia brasileira contemporânea está estilhaçada em todos os caminhos possíveis e sofre de uma falta de identidade sem parecer. A poesia brasileira contemporânea (que é bom frisar nem sempre é moderna) não sabe como se comportar. Não há mais (des)caminhos claros e definidos.

Queremos então aqui, levar ao máximo a falta de perspectiva, usar ao máximo a queda das utopias (política, existencial, artística) para apresentar a poesia sampler. A poesia sampler ou sampleadora é e se quer ser ilegal. Usando os princípios e termos da música eletrônica que literalmente rouba trechos de outras músicas para se compor, a poesia sampler rouba idéias, trechos, citações, põe palavras em outros contextos. A sua originalidade é a falta de tê-la.

O problema da linguagem é o cerne da poesia sampler. É a constatação do esgotamento total da linguagem, é a constatação de não ter mais saída para a linguagem, que já foi (des) (re) construída ao máximo. É se emaranhar no labirinto (in)finito das experimentações e das brincadeiras. É poesia irresponsável. É a volta da morte do Copyright (viva o Copyleft). É a volta da morte da autoria. É a volta do plágio. Como disse Lautreamont, o progresso o implica. A poesia deve ser escrita por todos.

A poesia sampler pode servir como uma ponte para uma possível nova poesia e novos poetas. Ela pega esses cacos que todos já destruíram e brinca com eles e os muda de lugar e os troca, os confunde, os cita, os leva ao extremo da brincadeira poética.

Saturação da informação. Não mais novidades. Contra o mercado de novidades, contra a globalização e a mercantilização da novidade. O pensador moderno precisa saber escolher a informação. O poeta moderno precisa deslocar as mesmas palavras que conhece há séculos para outros contextos. Nem mesmo essa idéia é novidade. A poesia sampler, felizmente, está fadada ao jornal de ontem. Duchamp desce das escadas nu.

Desabando, logicamente, em Oswald de Andrade, nosso grande poeta antropófago: “Tudo que não é meu me pertence”. Lema do poeta e base da poesia mais inventiva e criativa brasileira. Diferente da chamada linha evolutiva da vanguarda poética brasileira
fincada no concretismo, a poesia sampler não é original ou melhor não se quer (é aí que tá o ovo de colombo). É poesia de poesias ou melhor, poesia que tira outras poesias do contexto e as coloca com outros sentidos, outras características, outra vida, incorporando até novas palavras, tanto é a liberdade da poesia sampler.

A poesia sampler já nasce velha. É criminosa, é pagã, é lírica, é crítica, é publicitária. Como no poema de um dos poetas sampler escrito em cima de um dos poemas mais (re)conhecidos de Oswald de Andrade: Erro de Português. O poeta sampler subverte a idéia original do poema, ou melhor, encontra nele, uma possível (re)interpretação. Eis:

Erro de Brazileiro
O português
quando aqui chegou
as índias todas ele comeu
o problema é que
elas continuam gozando
até hoje

A poesia sampler leva a tradição pra outro lugar, usando-a, anarquicamente. É a contradição máxima que vivemos. É seguir a tradição, negando-a. Não há mais diferenças entre nada. Tudo pode ser usado. Guerrilha Cultural. Abalar os conceitos das afirmações. São poetas sem poemas. Esses conceitos, além de terem surgido com a música eletrônica, também são influenciados pelos grupos filosóficos anarquistas, principalmente por Luther Blisset e os artistas neo-dadaístas e os situacionistas. Somos todos.

Somos um. Somos nenhum. Não temos reflexo em espelho algum. Literatura pra nossa geração. Somos poetas burros escrevendo para uma geração burra. Assassinamos jornalistas culturais com poemas de Eliot. Somos o oco da oca tupiniquim interplanetária. Soy loco por ti, America. Vivemos a era do não-criador. Era do sampleador. Acumulamos citações como heróicos saqueadores de túmulos. Sempre voltamos ao mesmo ponto: não há nada de novo debaixo do sol. O que podemos fazer é mudar o sol de lugar (terminemos com frases de efeito).

Assinado pelo Círculo de Poetas Sampler de São Paulo

e terminemos com mais um poeminha:
“Quando nossos poetas vão cair na vida?
deixar de ser broxas para ser bruxos?”
Roberto Piva

 Créditos imagens: 1 (sampler), 2 (Bliss),
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Estamos Vencendo: resistência global no Brasil e no Mundo https://baixacultura.org/2012/02/02/estamos-vencendo-e-a-resistencia-global-no-planeta/ https://baixacultura.org/2012/02/02/estamos-vencendo-e-a-resistencia-global-no-planeta/#comments Thu, 02 Feb 2012 17:18:47 +0000 https://baixacultura.org/?p=5746

Bem antes de Charlie Shen adotar o lema “Winning” ou de Mark Zuckerberg pensar em criar o Facebook, um movimento profético se rebelava contra a falência de um sistema (financeiro, político) em pleno coração do capitalismo.

Este movimento – que no subterrâneo existe desde sempre, seja nas mãos dos anarquistas, do movimento estudantil ou dos punks, situacionistas e outras redes culturais – tomou de “assalto” as ruas da capital grunge, Seattle, em 30 de novembro de 1999, na reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), no que foi conhecido como a “Batalha de Seattle“.

Isso tudo tu já deve saber, pois explicamos brevemente neste texto. O que não falamos é que Seattle foi a ponta de lança de um movimento subversivo –  anticapitalismo, anti-globalização, ou o nome que se queira dar – que se espalhou pelo mundo nos anos seguintes. Especialmente no período de 2000 a 2003, cidades como Washington, nos EUA, Gênova, na Itália, Praga, na República Tcheca, Quebec no Canadá, e São Paulo, no Brasil, foram palco de manifestações contra as múltiplas facetas autoritárias/ maléficas que a $$, o preconceito e o individualismo podem trazer para a sociedade.

No Brasil, uma das melhores referências para entender o que aconteceu é o livro “Estamos Vencendo! – Resistência Global no Planeta“, de Pablo Ortellado e André Ryoki, publicado pela Conrad em 2004 na linda Coleção Baderna. Ele documenta, através das fotos do historiador Andre Ryoki, e reflete, com um texto do hoje professor da USP Pablo Ortellado, como se deram as manifestações “antiglobalização” em terras brasileiras, especialmente aquelas que ocorreram em São Paulo, Fortaleza, Belo Horizonte e Curitiba.

São as fotos do livro que tu encontra mais abaixo nesse post, colocadas em uma galeria do Picasa para facilitar a visualização. Clicando em cada foto, você é direcionado para o Picasa e poderá ver as fotos e as legendas originais que estão no livro.

Cartaz do Adbusters, que esteve em Seattle 1999 e Wall Street 2011

Qualquer semelhança de protestos no “coração” do sistema financeiro que foi (é) Occupy Wall Street não é mera coincidência. Como escrevemos anteriormente, existe (pelo menos) um elo que une estes dois momentos históricos: o Adbusters, revista/movimento anticonsumo com sede no Canadá, que esteve nas manifestações de Seattle em 1999 e convocou o Occupy Wall Street em 2011. [E que, em breve, vai ganhar mais destaque por aqui; aguarde].

Mas também há diferenças bem claras. Naomi Klein, escritora/ativista e autora de “No Logo” (traduzido aqui como “Sem Logo- A tirania das marcas em um planeta vendido“), livro essencial para entender o mundo hoje, fez um discurso no parque Zucotti, em Wall Street, em que ressaltou estas diferenças de alvo, tática e contexto – não sem antes afirmar que “amava” os manifestantes que ali acampavam. Publicamos o discurso na íntegra, em tradução do professor Idelber Avelar, e reproduzimos aqui os trechos em que ela traça o paralelo entre as diferenças entre os dois movimentos:

Em Seattle, em 1999, nós escolhemos as cúpulas como alvos: a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, o G-8. As cúpulas são transitórias por natureza, só duram uma semana. Isso fazia com que nós fôssemos transitórios também. Aparecíamos, éramos manchete no mundo todo, depois desaparecíamos. E na histeria hiper-patriótica e nacionalista que se seguiu aos ataques de 11 de setembro, foi fácil nos varrer completamente, pelo menos na América do Norte.

O Ocupar Wall Street, por outro lado, escolheu um alvo fixo. E vocês não estabeleceram nenhuma data final para sua presença aqui. Isso é sábio. Só quando permanecemos podemos assentar raízes. Isso é fundamental. É um fato da era da informação que muitos movimentos surgem como lindas flores e morrem rapidamente. E isso ocorre porque eles não têm raízes. Não têm planos de longo prazo para se sustentar. Quando vem a tempestade, eles são alagados.

Mas a grande diferença que uma década faz é que, em 1999, encarávamos o capitalismo no cume de um boom econômico alucinado. O desemprego era baixo, as ações subiam. A mídia estava bêbada com o dinheiro fácil. Naquela época, tudo era empreendimento, não fechamento.

Nós apontávamos que a desregulamentação por trás da loucura cobraria um preço. Que ela danificava os padrões laborais. Que ela danificava os padrões ambientais. Que as corporações eram mais fortes que os governos e que isso danificava nossas democracias. Mas, para ser honesta com vocês, enquanto os bons tempos estavam rolando, a luta contra um sistema econômico baseado na ganância era algo difícil de se vender, pelo menos nos países ricos.

Dez anos depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao redor do mundo.

Rodrigo Savazoni também lembra o discurso de Naomi e a relação Seattle 1999 Wall Street 2011 em um texto na revista Select deste bimestre (que entra no site na próxima semana), que também vale a leitura.

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Como diz o texto de divulgação de “Estamos Vencendo!”, “as fotos destacam três dimensões constitutivas desse novo movimento: a ação direta das ruas, a criatividade auto-expressiva das manifestações e a constituição de um novo tipo de coletividade onde a massa homogênea é substituída pela diversidade individualizada da multidão“. A maioria delas estão aqui abaixo, gentilmente cedidas por André Ryoki, a quem agradecemos imensamente. [O livro está em Copyleft].

“Sobre a passagem de um grupo de pessoas por um breve período da história”, texto de Pablo Ortellado que abre o livro, contextualiza de forma interessantíssima o que ocorreu nas ruas brasileiras daquele início de década passada. Traz inicialmente uma breve explicação de onde e como surgiu o movimento antiglobalização no Brasil – “da convergência de outros dois movimentos que surgiram ou re-emergiram nos anos 1980, o movimento estudantil independente e autogestionário e o movimento anarquista propriamente dito”.

Estas duas vertentes, continua Pablo, “convergiram, mais ou menos casualmente, atraídas pelos fascinantes acontecimentos de Seattle. Mas o movimento, claro, não começou em Seattle, como dizia o slogan das manifestações contra a ALCA em 2001. De fato, Seattle foi a vitrine midiática de um movimento que pode ter muitas origens, mas que, na sua vertente radical, remonta à inspiração da revolta zapatista em 1994 e à articulação dos dias de ação global em 1998.” [Para um estudo aprofundado dessas origens, ler Aproximações ao movimento ‘antiglobalização’“, do próprio Pablo]

A partir dessa contextualização inicial, o doutor em filosofia e hoje professor da USP Ortellado propõe reflexões sobre o movimento em torno de sete eixos: autonomia, anticapitalismo, redes, liderança, auto-expressão, mídias e alternativas. São páginas que todo movimento de hoje deveria ler para se fortalecer enquanto movimento e, principalmente, para aprender com as experiências anteriores, já que o texto é bem sincero e crítico quanto as agruras e maravilhas de se estar num convívio com pessoas diferentes de forma horizontal.

Na parte que trata das redes, por exemplo, ele as diferencia conceitualmente de outras formas semelhantes de organização e aponta características dessa relativamente nova forma de se organizar que são as redes. Uma das características aqui abaixo:

“As redes não precisam se desfazer e refazer a cada oportunidade, elas podem simplesmente adquirir diferentes formatos e composições. Se num determinado momento, um grupo tem um desentendimento pontual, ele não precisa abandonar a rede, mas pode simplesmente não colaborar naquele ponto, da mesma forma que, em momentos específicos, a rede pode incorporar a colaboração extraordinária de novos agentes que se interessam apenas por uma ação específica. Isso significa apenas levar o velho princípio anarquista da livre-associação até a sua conseqüência lógica: a livre dissociação.”

Por questões de espaço (o texto de abertura tem 15 páginas!), não vamos publicar aqui a íntegra. Pela mesma questão de espaço, não publicamos também a cronologia que o livro faz dos acontecimentos da época. Mas todas estas partes que não são fotos e imagens do livro podem ser lidas, baixadas e compartilhadas neste link.

É uma referência histórica importante para entendermos o ativismo do intenso 2011 que passou e do transformador 2012 que está começando.

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DA NECESSIDADE DE CONTINUAR OCUPANDO AS RUAS

[Clique nas fotos para ver o restante da galeria.]

O31, 2002. No dia 31 de outubro de 2002, ministros dos países envolvidos com o projeto da ALCA reuniram-se em Quito, Equador, para mais uma rodada de negociações. Houve manifestações em todo o continente americano. Em São Paulo, os manifestantes organizaram uma passeata desde as escadarias da Casper Líbero na Av. Paulista até o Largo do Patriarca, no centro da cidade. No final do percurso houve distribuição de feijoada vegan para o pessoal que saía do trabalho.

 

SE EU NÃO PUDER DANÇAR, NÃO É MINHA REVOLUÇÃO

 

N9, 2001. Uma rápida parada durante o McLanche Feliz.


MULTIDÃO

J20, 2001


ANEXOS (documentos, panfletos e cartazes de algumas das manifestações que ocorreram no período)

Cartaz de estudantes da USP chamando ao I Fórum Social Mundial em Porto Alegre.

[Leonardo Foletto, Marcelo De Franceschi]

Crédito da imagem: 1 [we are winning] 2 [adbusters]
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https://baixacultura.org/2012/02/02/estamos-vencendo-e-a-resistencia-global-no-planeta/feed/ 3
Saudações, membros da OTAN. Nós somos Anonymous. https://baixacultura.org/2011/06/16/saudacoes-membros-da-otan-nos-somos-anonymous/ https://baixacultura.org/2011/06/16/saudacoes-membros-da-otan-nos-somos-anonymous/#comments Thu, 16 Jun 2011 16:09:23 +0000 https://baixacultura.org/?p=4359

E o Anonymous ataca novamente. O bravo e misterioso grupo de hackers-ativistas mandou, no dia 5 de junho, um sinal para a cada vez mais famigerada Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em forma de uma carta aberta – de mesmo título deste post – dirigida aos 28 países membros da organização.

Foi uma (das) resposta(s) a um rascunho de relatório publicado pela OTAN no começo do mês que citava o terrível Anonymous como um grupo que possa conter possíveis “terroristas”.

No documento de nome “Informação e Segurança Nacional“, o relator geral do Reino Unido, Lord Jopling, diz que “not everything carried out under the ‘transparency labelis necessarily good for the government and its people” – nem tudo realizado sob a “etiqueta da transparência” é necessariamente bom para o governo e seu povo, em tradução ligeira.

Além disso, o documento classifica o hacktivismo como uma ciber ameaça contra estados e, em particular, à OTAN. Destaca o Anonymous como o mais proeminente desses grupos, descrevendo sua ascensão em fóruns de imagens e seu apoio ao Wikileaks.

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=WpwVfl3m32w&w=480&h=390]

Uma carta do Anonymous, em 9 de dezembro de 2010

Mas os motivos cruciais geradores do texto foram dois: a invasão dos servidores da empresa de tecnologia de segurança HBGary em fevereiro; e os típicos ataques de negação de serviço (DDoS) ao site da Câmara de Comércio dos EUA em maio.

A primeira ação foi um contra-ataque à empresa que ajudava o FBI a identificar membros do grupo. O segundo ato foi uma consequencia do apoio da Câmara ao projeto PROTECT IP Act, que permitiria ao Departamento de Justiça estadunidense forçar mecanismos de buscas a bloquearem sites que infringissem o Copyright.

As investidas do Anonymous a sites de empresas, governos, políticos ou polícias em defesa da privacidade para os cidadãos e de leis de “propriedade intelectual” mais brandas estão resultando na caça de seus membros. É o que tem acontecido no Reino Unido, na Espanha e mais recentemente na Turquia, que busca instalar um sistema com filtros para o acesso à internet.

Mas é claro que não se desmembra assim tão facilmente uma rede sigilosa e descentralizada, sem líderes aparentes ou número determinado de integrantes, como o Anonymous. A batalha vai longe, pode escrever.

O texto da OTAN ainda conta um pouco sobre as origens do coletivo, que começou nos fóruns de imagens 4chan e 711chan, onde as postagens podem ser feitas de forma totalmente anônima. Segundo uma grande matéria do El País, eles só começaram a ser mais organizados a partir do site Why We Protest.

Uma das primeiras ações ocorreu em 2008, quando o foco dos “ataques” se deu sobre a Igreja da Cientologia. O motivo: a iniciativa da Igreja em remover um vídeo com uma entrevista de Tom Cruise, sob alegação de violação de copyright.  Como disse o grupo, “While the video itself was not enough to spark interest, the untamed aggression of the Church of Scientology to remove it did” – “enquanto o vídeo em si não foi suficiente para despertar interesse, a agressão selvagem da Igreja da Cientologia em removê-lo foi”, em tradução tosca.

[Nesse quesito, vale olhar a seção de liberdade de informação do site “Why We Protest”.]

Como o relatório da OTAN tinha afirmações anti-democráticas que vão de encontro a filosofia aberta do Anonymous, o grupo redigiu o texto no estilo do personagem que lhe empreta “rosto”: V, do filme V de Vinçançabaseado numa história em quadrinhos, inspirada na vida do soldado Guy Fawkes, uma espécie de Tiradentes inglês.

A mensagem, traduzida pelo caderno Link, se assemelha muito ao empolgante discurso do longa de 2006, e funciona quase como outros “editorais” do grupo – a carta endereçada à Mark Zuckerberg do Facebook, aos usuários da Internet e aos cidadãos do mundo, dentre outras.

Leia, reproduza, reflita, discuta.

“Em uma recente publicação, vocês destacaram o Anonymous como ameaça ao ‘governo e ao povo’. Vocês também alegaram que sigilo é ‘um mal necessário’ e que transparência nem sempre é o caminho certo a seguir.

O Anonymous gostaria de lembrá-los que o governo e o povo são, ao contrário do que dizem os supostos fundamentos da ‘democracia’, entidades distintas com objetivos e desejos conflitantes, às vezes. A posição do Anonymous é a de que, quando há um conflito de interesses entre o governo e as pessoas, é a vontade do povo que deve prevalecer. A única ameaça que a transparência oferece aos governos é a ameaça da capacidade de os governos agirem de uma forma que as pessoas discordariam, sem ter que arcar com as consequências democráticas e a responsabilização por tal comportamento.

Seu próprio relatório cita um perfeito exemplo disso, o ataque do Anonymous à HBGary (empresa de tecnologia ligada ao governo norte-americano). Se a HBGary estava agindo em nome da segurança ou do ganho militar é irrelevante – suas ações foram ilegais e moralmente repreensíveis. O Anonymous não aceita que o governo e/ou  os militares tenham o direito de estar acima da lei e de usar o falso clichê da ‘segurança nacional’ para justificar atividades ilegais e enganosas. Se o governo deve quebrar as leis, ele deve também estar disposto a aceitar as consequências democráticas disso nas urnas. Nós não aceitamos o atual status quo em que um governo pode contar uma história para o povo e outra em particular. Desonestidade e sigilo comprometem completamente o conceito de auto governo. Como as pessoas podem julgar em quem votar se elas não estiverem completamente conscientes de quais políticas os políticos estão realmente seguindo?

Quando um governo é eleito, ele se diz ‘representante’ da nação que governa. Isso significa, essencialmente, que as ações de um governo não são as ações das pessoas do governo, mas que são ações tomadas em nome de cada cidadão daquele país. É inaceitável uma situação em que as pessoas estão, em muitos casos, totalmente não cientes do que está sendo dito e feito em seu nome – por trás de portas fechadas.

Anonymous e Wikileaks são entidades distintas. As ações do Anonymous não tiveram ajuda nem foram requisitadas pelo WikiLeaks. No entanto, Anonymous e WikiLeaks compartilham um atributo comum: eles não são uma ameaça a organização alguma – a menos que tal organização esteja fazendo alguma coisa errada e tentando fugir dela.

Nós não desejamos ameaçar o jeito de viver de ninguém. Nós não desejamos ditar nada a ninguém. Nós não desejamos aterrorizar qualquer nação.

Nós apenas queremos tirar o poder investido e dá-lo de volta ao povo – que, em uma democracia, nunca deveria ter perdido isso, em primeiro lugar.

O governo faz a lei. Isso não dá a eles o direito de violá-las. Se o governo não estava fazendo nada clandestinamente ou ilegal, não haveria nada ‘embaraçoso’ sobre as revelações do WikiLeaks, nem deveria haver um escândalo vindo da HBGary. Os escândalos resultantes não foram um resultado das revelações do Anonymous ou  do WikiLeaks, eles foram um resultado do conteúdo dessas revelações. E a responsabilidade pelo conteúdo deve recair somente na porta dos políticos que, como qualquer entidade corrupta, ingenuinamente acreditam que estão acima da lei e que não seriam pegos.

Muitos comentários do governo e das empresas estão sendo dedicados a “como eles podem evitar tais vazamentos no futuro”. Tais recomendações vão desde melhorar a segurança, até baixar os níveis de autorização de acesso a informações; desde de penas mais duras para os denunciantes, até a censura à imprensa.

Nossa mensagem é simples: não mintam para o povo e vocês não terão que se preocupar sobre suas mentiras serem expostas. Não façam acordos corruptos que vocês não terão que se preocupar sobre sua corrupção sendo desnudada. Não violem as regras e vocês não terão que se preocupar com os apuros que enfrentarão por causa disso.

Não tentem consertar suas duas caras escondendo uma delas. Em vez disso, tentem ter só um rosto – um honesto, aberto e democrático.

Vocês sabem que vocês não nos temem porque somos uma ameaça para a sociedade. Vocês nos temem porque nós somos uma ameaça à hierarquia estabelecida. O Anonymous vem provando nos últimos que uma hierarquia não é necessária para se atingir o progresso – talvez o que vocês realmente temam em nós seja a percepção de sua própria irrelevância em uma era em que a dependência em vocês foi superada. Seu verdadeiro terror não está em um coletivo de ativistas, mas no fato de que vocês e tudo aquilo que vocês defendem, pelas mudanças e pelo avanço da tecnologia, são, agora, necessidades excedentes.

Finalmente, não cometam o erro de desafiar o Anonymous. Não cometam o erro de acreditar que vocês podem cortar a cabeça de uma cobra decapitada. Se você corta uma cabeça da Hidra, dez outras cabeças irão crescer em seu lugar. Se você cortar um Anon, dez outros irão se juntar a nós por pura raiva de vocês atropelarem quem se coloca contra vocês.

Sua única chance de enfrentar o movimento que une todos nós é aceitá-lo. Esse não é mais o seu mundo. É nosso mundo – o mundo do povo.

Somos o Anonymous.

Somos uma legião.

Não perdoamos.

Não esquecemos.

Esperem por nós…”

Crédito das Imagens: 1, video, 2, 3.

[Marcelo De Franceschi]

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Anais da Contracultura (1): Os Provos da Venturosa Amsterdam https://baixacultura.org/2011/02/07/anais-da-contracultura-1-os-provos-da-venturosa-amsterdam/ https://baixacultura.org/2011/02/07/anais-da-contracultura-1-os-provos-da-venturosa-amsterdam/#comments Mon, 07 Feb 2011 11:52:34 +0000 https://baixacultura.org/?p=4026

Dando início a mais uma sessão inconclusa do BaixaCultura, falamos agora de alguns interessantes causos (a maioria pré-digital) contraculturais que surgiram mundo afora no ruidoso século passado (XX) que ajudaram a humanidade ser um pouco menos careta.

Não poderíamos deixar de começar pelo Provos, um “movimento” que surgiu na Holanda da década de 1960 e é, em muitos aspectos, precursor e inspirador do famoso Maio de 68 na França (tema de um próximo texto, quem sabe) e da cultura hippie que se alastrou no final da década de 1960 e início de 1970. Nas palavras de Matteo Guarnaccia em seu livro Provos – Amsterdam e o nascimento da contracultura, lançado pela Conrad pela famosa coleção Baderna (e que serve de base pra esse post), “juntamente com os Beatles, Allen Ginsberg e Bob Dylan, os Provos foram um dos elementos decisivos daquela estranha operação de alquimia que, por volta da metade dos anos 60, produziu uma deflagração de consciências“.

Se são tão importantes assim, tu deve estar se perguntando como que (provavelmente) nunca ouviu falar deles. Nós de pronto te respondemos que a culpa é do idioma, o pouco disseminado holandês, língua em que a maioria dos registros do movimento foram deixados – salvo raríssimas publicações em inglês. A única publicação de fôlego (em português) que temos conhecimento sobre os Provos é o livro de Matteo Guarnaccia.

PROVOS?

O nome “Provos” vem da abreviação de provokatie (provocação em holandês). O “movimento” Provos, se é que podemos chamá-lo de “movimento”, nasce da apatia em que um mundo imerso na sociedade de consumo pode provocar em seus habitantes. O excesso de conforto, de segurança e o amplo acesso aos bens de consumo na Holanda da década de 1960 deixava tudo muito chato, careta, sem graça, conformado. Na busca eterna do graal anti-marasmo, alguns jovens holandeses, herdeiros bastardos da tradição anarquista, passaram a fazer o que lhes parecia mais interessante no momento: provocar. Provocar a sociedade de consumo, o poder civil organizado, a apatia das pessoas perante aos meios de massa. Provocar.

A partir dessa insatisfação contra um suposto “nada”, manifestações espontâneas e isoladas de performáticos contestadores da indústria e da propaganda começaram a “pipocar” aqui e ali na venturosa Amsterdam, que por ser um lugar mais do que especial merece um tópico a parte.

AMSTERDAM

Não é novidade que Amsterdam sempre foi visto como uma cidade de vanguarda, representante da exceção, durante séculos acolhida de ideias e pessoas não convencionais – de judeus foragidos da Península Ibérica (entre os quais, a comunidade de origem do filósofo Spinoza) aos huguenotes franceses, brigados com a maioria católica na França dos séculos XVI e XVII – e morada estilos de vida francamente liberais e anti-militaristas. Guarnaccia nos conta que encontrar um acordo sobre um modo de convivência para melhorar o próprio estilo de vida foi, desde sempre, uma necessidade dos moradores daquele aglomerado que foi se desenvolvendo ao redor de um dique (dam, em holandês) no Rio Amstel, sempre sujeito à inundações e sem qualquer barreira natural de defesa. A população teve que, literalmente,”sair do pântano”, o que demandou uma relativa criatividade de sua população para a busca de um bem-estar social.

Essa, digamos, criatividade natural do povo de Amsterdam, somado à atitude de abertura à ideias e pessoas extravagantes, tornou a cidade (a única capital do governo a não ser sede do governo, que se localiza em Haia) particularmente turbulenta, resistente ao poder de quem fosse e cenário propício para o surgimento de formas criativas e radicais de protesto/provocação, como os happenings do próximo tópico.

HAPPENINGS!

Desde o início da década de 1960, diferentes movimentos contrários a ordem social conviviam em Amsterdam: os Nozems, conhecidos como vândalos dos bairros populares ao redor do porto da cidade, um dos maiores do mundo; jovens anarquistas, ansiosos em se rebelar contra algo; os Pleiners, uma cambada que se vestia de preto e que buscava no jazz, na filosofia e na arte novas formas de ver o mundo, possuindo um gosto particular pela cultura francesa; além de “toda aquela fauna formada por artistas, exibicionistas, beatniks, estudantes que largaram a escola, marginalizados felizes, degustadores de LSD, sonhadores, vagabundos e poetas, que desde sempre constituem o ingrediente básico de toda revolução“, como diz Guarnaccia no livro.

Um tipo particular – e à época recém começado a ser chamado por este nome – de manifestação artística passou a ganhar a atenção de todos eles: o happening. [De forma muito didática e simplória, podemos dizer que o Happening é uma forma de fundir a arte com a vida diária, uma manifestação artística que pega elementos das artes visuais, das artes cênicas e da performance para criar situações artísticas em ambientes cotidianos como praças, ruas, parques, etc.]. Um desses muito “desocupados-artistas-exibicionistas”, Robert Jasper Grootveld (na foto abaixo), passa a liderar uma serie de happenings, se tornando o “mago” dos Provos e um dos pai bastardos de boa parta das revoluções acontecidas na década de 1960.

A primeira e mirabolante ideia de Grootveld é criar um templo antifumo, a Igreja da Dependência Consciente da Nicotina, onde passou a trabalhar em happenings contra o vício inconsequente da nicotina. Um exemplo: dezenas de “fiéis” entoava o mantra “cof, cof, cof, cof” pelo tempo e ruas próximas. Outro exemplo: Grootveld sai a pichar outdoors e cartazes com um “k” negro, inicial da palavra kanker (câncer). Mais um: o mesmo Grootveld sai pelas ruas de Amsterdam pedindo cigarro a todos que encontra. Em vez de jogar fora ou algo do tipo, ele fuma todos cigarros que consegue, virando uma chaminé de nicotina ambulante. Objetivo: mostrar, através de seu próprio corpo, o mal que faz o cigarro.

Dá uma olhada nesse enxerto do documentário “It’s a happening (1966)”, onde Grootveld explica/confunde/mostra seu happening:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=omb23Qm_RG8]

Com uma seita considerável de malucos à sua volta, o “mago” passa a liderar happenings que acontecem todo sábado, uma praça na Spui, ao redor da estátua de Lieverdje – obra do escultor Carel Kneuman, que representa um menino de rua –, doada para Amsterdã por uma indústria de tabaco (na foto abaixo). Grootveld pousa seus olhos nessa estátua e decide fazer ali, toda noite de sábado, seus rituais contra a pasmaceira geral: cerimônias que incluem dança, canto, teatro, jogos e discursos absurdos (frutos do movimento dadaísta), que terminam com uma imensa fogueira alimentada pelos curiosos e uma “congregação” de jovens.

Happening na Spui, centro de Amsterdam

Os encontros eram organizados sob o espanto geral da população e da polícia, que enxergava ali uma porção de baderneiros que deveria banir com truculência. Sempre que aparecia na Spui, a polícia era recebida com risos e dispersão; um dos “preceitos” nascentes dos Provos era a não-violência e a provocação, sempre mais importante que o revide.

Na Europa, já temos de tudo: televisão, liqüidificadores e motocicletas. Já que na China eles ainda não têm liqüidificadores, seu único objetivo é de os terem o quanto antes. Quanto chegamos a possuir tudo, eis que inesperadamente chega uma espécie de vazio”, Robert Jasper Grootveld

Das junções na Spui surgem outros “xamãs” anunciando mudanças – Roel Van Duijin, Rob Stolk e Luud Schimmelpenninck, que vão ser dos mais destacados líderes Provos.

PROVOS EM AÇÃO

As milhares de pessoas que se uniam em torno dos happenings de Grootveld passam a se reunir com cada vez mais frequência. A partir dessas reuniões, Roel Van Duijin e  Rob Stolk encabeçam a publicação de uma revista mensal, intitulada Provos – que começa como um panfleto colocado clandestinamente dentro de jornais conservadores, onde defendem uma conduta antisocial (contra o bem-estar holandês), o nomadismo, a arte, a ecologia, o fim da monarquia, dentre outras bandeiras. Através da publicação, os Provos conclamam os jovens a se unirem contra toda a sorte de alvos (carros, polícia, igreja, monarquia, sociedade de consumo, etc) e se colocam a favor do uso da bicicleta, da emancipação sexual, do homossexualismo, da maconha, do fim da propriedade privada e de qualquer forma de poder ou proibição.

As “bandeiras” provos dão origem aos Planos Brancos, uma série de textos veículados nas várias edições da revista Provos e que acabaram constituindo o grosso das ideias/ações do movimento para a cidade.  Alguns deles (ou todos) são extremamente avançados para o pensamento da época (e ainda para hoje), de modo que vale a pena resumir um pouco deles aqui abaixo:

_ Plano da Bicicleta Branca:
Iniciado por Schimmelpennick, o plano previa o fechamento do centro de Amsterdam para todos que andassem com veículos motorizados, incluindo motos. A ideia era fazer com que pelo menos 40% das pessoas usassem o transporte público da cidade. Táxis eram aceitos, desde que fossem movidos a eletricidade e que não passasem de 25 km/h. O plano previa a compra, pelo governo municipal,  de 20 mil bicicletas por ano, que deveriam ser espalhadas pela cidade para uso público. Como o plano não foi aceito pela prefeitura holandesa, o Provos resolveu tocar o plano à sua maneira; reuniram mais de 50 bicicletas, pintaram-as de branco e espalharam pela cidade. A polícia apreendeu as bicicletas, alegando que elas não podiam ser deixadas pelo município sem estar cadeadas, e as devolveu para os Provos, que buscaram uma solução criativa para o impasse: colocaram cadeados em cada uma e pintaram a combinação do cadeado em preto no corpo de cada bicicleta (como dá para ver na imagem acima desse parágrafo).

_ Plano do Cadáver Branco;
Propunha que, a cada morte por atropelamento em Amsterdam, o assassino em questão, sob escolta da polícia, deveria esculpir no asfalto os contornos de sua vítima com formão e martelo, numa profundidade de 3cm, e preencher o espaço com argamassa branca. Desse modo, diziam os Provos, “os outros aspirantes a assassinos tirarão o pé do acelerador por um instante, ao se aproximar do funesto local“.

_ Plano das Galinhas Brancas;

Buscava uma reorganização da polícia de Amsterdam e propunha a transformação do policial em um trabalhador social. Para isso, tinha como objetivos que  a) que a polícia andasse desarmada e de branco, b) que fosse submetida à Câmara de Veradores, e não à Prefeitura, c) que cada municipalidade tivesse o direito de escolher o Chefe de Polícia democraticamente. O nome”galinha” é usado porque era com esse termo (“kip“, em holandês) que os Provos se referiam aos policiais, tipo o “porco” usado para o mesmo fim no Rio Grande e acreditamos que em diversos estados do Brasil.

_ Plano das Chaminés Brancas;
Queria a cobrança de multa para quem poluísse o ar com substâncias radioativas e tóxicas e a construção obrigatória de incineradores, além da pintura de branco (é claro) das chaminés dos maiores poluídores.

_ Plano das Mulheres Brancas;
Exigia a criação de clínicas públicas que oferecessem, de grátis, conselhos e contraceptivos para mulheres a partir dos 16 anos. E argumentavam também, para o bem do controle populacional, que era imprescindível para a sociedade que as mulheres não casassem virgens, e sim que experimentassem bem antes de casar e ter filhos.

_ Plano das Moradias Brancas;
Propunham que o Estado interviesse na especulação imobiliária, freando-a, e que os prédios desocupados – enquanto estivessem na espera de algum ação de seus donos ou mesmo do poder público – fossem disponibilizados gratuitamente para habitação temporária de quem precisasse.

JOGO BOM É JOGO RÁPIDO

Material da Campanha Provos para a Câmara de Amsterdam

A partir do crescente sucesso da ação do movimento – particularmente depois do casamento real da princesa Beatriz e do ex-nazista Claus von Amsberg, em 10 de março de 1966, onde os Provos, com suas bombas de fumaça branca, tomaram a dianteira dos protestos –  o movimento deixou de ser “underground” e tiveram suas idéias assimiladas por grande parte da população holandesa. Dentro do movimento, articulou-se a criação de um partido político, cujos líderes seriam alguns dos dirigentes da organização, que acabam candidatos para a Câmara de Vereadores de Amsterdam, numa campanha que é puro Provos, com sutiãs & janelas pintados com o número 12 da chapa, decorações natalinas disfarçadas de propaganda, esculturas florescentes e bonecos coloridos divulgando o “12”. Mesmo com tamanho jogo anti-político, e atrapalhados pelo fato de que só maioires de 23 anos votavam na Holanda da época, os Provos conquistam 2,5% dos votos e conquistam uma cadeira.

De Vries (de branco), o galã Provo que virou vereador

Bernad De Vries (na foto, à direita) é o escolhido. Seu comportamento na câmara é exemplar: veste-se sempre de branco, ocasionalmente pintando o rosto e as mãos da mesma cor, anda sempre descalço e inicia suas falas com um sonoro arroto. É  prova de que os Provos não estavam interessados e/ou não sabiam o que fazer com o poder. A partir das eleições e da desistência da vida política por De Vries (que vai tentar ser galã de cinema, onde teve poucas chances), ocorreram divisões no movimento e os líderes acabaram optando pelo seu fim. Sob a alegação de que os Provos eram “um grande choque” enquanto eram considerados anti-sociais, porém, assim que o sistema começou a acolhê-los, seu real significado dissipara-se, o grupo optou pela dissolução.

Mas, como bons provocadores que eram, sua despedida não passaria em “branco”. Foi espalhado um Boato Branco, dizendo que as universidades americanas tinham interesse em adquirir os “arquivos provo“, documentos que na verdade não existiam. A Universidade de Amsterdam, temendo que o “tesouro sociológico” (basicamente uma caixa de papelão com todos os números de Provo) pudesse desaparecer além mar, rapidamente fez uma oferta que os provos não poderiam recusar. E assim, tão rápido quando surgiu, dissipou-se o movimento Provo.

REPERCUSSÃO

Segundo Guarnaccia, a Revolta Provo – que durou efêmeros 2 anos, de 1965 a 1967 – foi o primeiro movimento em que os jovens, como grupo social independente, tentaram influenciar a política, fazendo-o de modo absolutamente original, sem propor ideologias, mas um novo e generoso estilo de vida anti-autoritário e ecológico. Caminhando contra a corrente do “cair fora” beat, pensavam em descaradamente permanecer “dentro” da sociedade, para provocar nela um curto-circuito”. À diferença do maio de 1968 na França, que queria levar a imaginação ao poder, o Provo utilizou a imaginação contra o poder ; semearam, por meio de imagens, as sementes de um novo modo de vida, um dos meios mais poderosos de influenciar pessoas.

Os Provos amam a vida, sua cidade, Amsterdam, e seus habitantes. Encenam exibições de tosse em massa contra os cigarros, o símbolo mais ‘evidente’ do consumidor sem escolhas, escravizado (…) agem contra a destruição de árvores e contra os jornais que fazem lavagem cerebral nas pessoas. Invadem os caminhões que transportam os rolso de papel para impressão e em seguida os desenrolam como tapetes nas ruas de trânsito mais intenso. (…)
Planejam uma cidade sem automóveis e propõem bindes gratuitos e a distribuição de 70 mil bicicletas ao dispor de todos os cidadãos. Querem que os agentes de polícia se tornem assistentes sociais e que no lugar de armas carreguem sacos brancos cheios de doces e frutas a serem distribuídos aos transeuntes”, San Francisco Oracle, Yes Provos, No Yankees (fac-símile, org. Allen Cohen, Regent Press, 1991)

Provo é uma imagem

Alguns projetos dos Provos vingaram e ainda hoje fazem parte da rotina de Amsterdam, como as bicicletas brancas e a liberalização da maconha. Além disso, os Provos tem muita cupla da cidade ser conhecida como “A cidade das bicicletas” e ter, em 2006, quase 500 mil bicicletas para uma população de pouco mais de 750 mil habitantes. O que parece permanecer, sobretudo, é semente de um outro modo de vida na sociedade holandesa, manifestada em falas como a desse artigo do conservador Telegraph, reproduzido no livro de Guarnaccia: “A sociedade holandesa nunca se recuperou das loucuras hippies, do flower power e das viagens para fora da realidade provocadas pela droga. Enquanto todas as sociedades ocidentais foram trazidas de volta à Terra, a sociedade holandesa ficou nas nuvens”.

Links
_ Além do livro de Guarnaccia, outra referência fundamental é esta matéria da revista High Times de janeiro de 1990, de Teu Voeten;
_ Colocamos o “Provos – Amsterdam e o nascimento da Contracultura”, de Matteo Guarnaccia, na nossa Biblioteca, em versão scaneada;


Agradecimentos
_ Aos textos do Gambiarre.org e do JorWikiUSP, do qual muitos parágrafos desse post foram inspirados e/ou plagiados;

Créditos das Fotos
International Institute of Social History (1, 2,5,7, 8, 10);
_ High Times (4, 6, 9);
_ Larqdesign (3);
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