Resultados da pesquisa por “stallman” – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Wed, 14 Sep 2022 23:40:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Resultados da pesquisa por “stallman” – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 A cultura livre é hacker e cooperativa em Porto Alegre https://baixacultura.org/2022/06/15/a-cultura-livre-e-hacker-e-cooperativa-em-porto-alegre/ https://baixacultura.org/2022/06/15/a-cultura-livre-e-hacker-e-cooperativa-em-porto-alegre/#respond Wed, 15 Jun 2022 23:39:46 +0000 https://baixacultura.org/?p=13989 Após quatro eventos on-line, o DigiLabour, por meio do Observatório do Cooperativismo de Plataforma, vai realizar o Seminário Presencial Cooperativismo de Plataforma e Políticas Públicas, presencial, em Porto Alegre/RS, nos dias 21 e 23 de junho, na UNISINOS campus Porto Alegre.

O evento, apoiado pela Fundação Rosa Luxemburgo, reunirá formuladores de políticas, trabalhadores, acadêmicos, movimentos sociais e outras instituições interessadas para discutir caminhos alternativos para o futuro do trabalho por plataformas no país. Entre os confirmados estão Leo Pinho (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil – UNISOL), Joana Varon (Coding Rights), Aline Os (Senoritas Courier), Márcio Pochmann (Instituto Lula), Renan Kalil (MPT-SP), Pedal Express, Movimento dos Trabalhadores Sem Direitos, Núcleo de Tecnologia do MTST, ITS Rio / Platform Cooperativism Consortium, Direção Nacional da CUT, Camila Capacle (Prefeitura de Araraquara), Miguel Rossetto (PT-RS),  Cooperativa de Trabalho dos Profissionais de Privacidade e Proteção de Dados (COOPRODADOS), representantes da Fundação Mundukide/Mondragon, entre outros.  As inscrições gratuitas, com direito a certificado, podem ser realizadas no site da UNISINOS.

No encerramento do evento, 23/6 às 18h, o “A Cultura é Livre: uma história da resistência antipropriedade” vai ser lançado –  pela primeira vez presencialmente, depois de alguns lançamentos online em meio à pandemia. Será no Sola Craft Bar, Rua São Carlos, 725, ao lado do Vila Flores, no bairro Floresta, região do “4º distrito” de Porto Alegre, com participação e apoio do vizinho hackerspace Matehackers. Teremos exemplares GRATUITOS para distribuição (limitada), a partir do apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, co-editora do livro. A proposta do papo do lançamento é dialogar sobre a cultura livre a partir do resgate histórico feito no livro (da cultura oral, impressa, proprietária, recombinante, livre e coletiva) e detalhar a relação do conhecimento livre com as práticas hackers – o software livre e a ideia de copyleft, que popularizaram o entendimento contemporâneo do que é cultura livre, estão ligadas diretamente à Richard Stallman, criador do software livre, por sua vez o “último dos verdadeiros hackers”, como diz o livro de Steven Levy [“Hackers – Heroes of The Computer Revolution”, obra fundamental para entender as raízes da cultura hacker nos Estados Unidos; dá pra baixar grátis a versão em inglês].

Como boa parte dos hackerspaces pelo mundo, o Matehackers tem o conhecimento livre entre seus princípios fundamentais – a começar pela documentação de suas atividades, no site (ainda que meio desatualizado), no uso e defesa do software e do hardware livre e nas práticas de livre compartilhamento em seus espaços físicos e eventos. Quem já passou pelo apartamento de duas salas, uma cozinha, um banheiro e uma sacada no primeiro (ou segundo?) andar do Vila Flores, sede do grupo desde 2014, sabe que a colaboração é dominante; ir com algum problema técnico para lá tentar resolver significa tornar um problema e a solução questões coletivas – e às vezes voltar com problemas muito maiores que os iniciais (especialmente aos sábados, tradicional dia de mais gente). A aprendizagem colaborativa, a sede pelo conhecimento (especialmente técnico, mas nem sempre), a valorização do saber fazer (mais do que ostentar, seja por títulos ou pela fala), a colaboração pela curiosidade de resolver um problema e a ideia de que muita coisa pode ser resolvida pelos computadores fazem parte do ethos do grupo – e também dos hackerspaces/hacklabs que ainda se baseiam nos princípios de uma ética hacker.

Entre outros eventos ligados ao conhecimento livre que o Matehackers participou, um vale destacar: foi o Dia da Cultura Livre na Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ), importante centro cultural da cidade, em 18 de maio de 2013. No dia, com organização da CCD POA e participação de vários integrantes do Matehackers, uma série de oficinas, debates e outras atividades teve como tema a cultura livre baseada em licenças livres (ou sem licença nenhuma). De design a música, de zines a RPG, foi uma pequena celebração da cultura livre e dos artistas que fazem uso dela. Algumas fotos abaixo:

 

Fanzines, cultura independente e compartilhamento com Jamer Guterres de Mello e Wender Zanon.

 

Alissa Gottfried, do coletivo Ecoaecoa, contando sobre a criação e utilização de MiMoSA’s como meio criativo para produção de conteúdos livres

 

Material de Divulgação do Dia da Cultura Livre em 18/5/2013

 

 

 

 

Material de Divulgação do Dia da Cultura Livre em 18/5/2013*

Mês passado rolou o debate em torno das tecnologias livre e o cooperativismo de plataforma, evento que encerrou a fase online da série de debates Cooperativismo de Plataforma e Políticas Públicas, organizado pelo Digilabour e Observatório do Cooperativismo de Plataforma e apoio da Fundação Rosa Luxemburgo.

[Já dá para assistir na íntegra esta mesa – abaixo – e as outras no canal do Youtube do Digilabour]

 

 

A programação completa do seminário:

 

 

21 de junho (terça-feira)

09h – Café e Boas Vindas

10h – Abertura institucional

10h30: Conferência de Abertura: Cooperativismo de Plataforma e Políticas Públicas: quais agendas construir?

Aline Os (Señoritas Courier)

Joana Varon (Coding Rights)

12h30-14h – Horário de almoço

14h – Coletivos e cooperativas de plataformas: quais experiências temos no Brasil?

15h30 – Exibição e debate: Documentário Señoritas Courier

16h-16h30 – Coffee break

16h30 – Sindicatos e cooperativismo de Plataforma

18h – Horário de Encerramento

 

22 de junho (quarta-feira)

09h – Café

09h30 – Workshop – Trabalho decente, cooperativismo de plataforma e políticas públicas

12h-14h – Horário de Almoço

14h – Apresentações de formuladores de políticas e movimentos sociais sobre cooperativismo de plataforma

16h – Coffee Break

16h30 – Apresentações de pesquisadores sobre cooperativismo de plataforma

18h – Horário de encerramento

 

23 de junho (quinta-feira)

09h – Passeio guiado a pé por cooperativas e Associação Cultural Vila Flores (encontro no centro de Porto Alegre, em lugar a ser definido)

12h-14h – Horário de almoço

14h – Discussão conjunta para produção de manifesto: Quais aprendizados sobre o futuro do cooperativismo de plataforma no Brasil?

15h30 – Lançamento do evento mundial do Cooperativismo de Plataforma (Platform Cooperativism Conference), que acontecerá em novembro no Rio de Janeiro

16h – Café

16h30 – Breve fala e convite: Tecnologias livres e cooperativismo de plataforma.

Leonardo Foletto (BaixaCultura/ LabCidade-USP)

17h – Fala de encerramento

18h – Happy Hour/ Lançamento do Livro “A Cultura é Livre: Uma História da Resistência Antipropriedade”, de Leonardo Foletto, em bate-papo com o hackerspace Matehackers.

O livro tem prefácio de Gilberto Gil e foi editado pela Autonomia Literária em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo. Os livros serão distribuídos gratuitamente no local (número limitado)

Local: Sola Craft Bar, rua São Carlos, 725, Floresta (4º Distrito), Porto Alegre-RS

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Entre livres e solidáries – ou [Re: Isso não é um manifesto: aberto e livre em reflexão] https://baixacultura.org/2021/03/29/entre-livres-e-solidaries-ou-re-isso-nao-e-um-manifesto-aberto-e-livre-em-reflexao/ https://baixacultura.org/2021/03/29/entre-livres-e-solidaries-ou-re-isso-nao-e-um-manifesto-aberto-e-livre-em-reflexao/#respond Mon, 29 Mar 2021 14:16:58 +0000 https://baixacultura.org/?p=13578

Imagem CC-BY por David Revoy <https://www.peppercarrot.com/en/article237/episode-2-rainbow-potions>

Ni! Concordando com o espírito geral do texto Isso não é um manifesto: aberto e livre em reflexão de Marina de Freitas e Saulo Jacques, igualmente publicado aqui no Baixa Cultura, me senti provocado a reagir a alguns pontos*.

A liberdade solidária do Software Livre

Os movimentos do que chamamos hoje “aberto e livre” estruturaram-se com raízes no Software Livre: a Wikipédia, onde uma licença GNU foi consagrada como a primeira licença para Recursos Educacionais Abertos; a cultura livre, onde es autoraes** das pioneiras licenças Arte Livre e Creative Commons se inspiram explicitamente no Software Livre; o acesso aberto, onde o arXiv surge num ambiente de físiques banhades na filosofia do projeto GNU; até tendências mais recentes em hardware e biotecnologias que já surgem num mundo científico onde o Software Livre e sua filosofia são incontornáveis.

O Software Livre, por sua vez, é fundado sobre a liberdade na sua conotação solidária, e sua filosofia – mais ou menos silenciosamente – permeia todos esses movimentos, tanto quanto neles estão presentes pessoas motivadas por seus aspectos éticos. A ideia de “ajudar seu vizinho” e a Regra de Ouro sendo centrais no argumento avançado por Stallman, devemos cuidar para não construir discursos como se isso não existisse, como se essas ideias estivessem ausentes desses movimentos, e evitar julgá-los por não solucionarem problemas que debordam seus objetivos, sob o risco de invisibilizar suas contribuições e apontar falsas soluções.

Há muito tempo se discutem e se organizam ações nas comunidades do livre sobre questões transversais como educação, inclusão, justiça. No Brasil, só para lembrar alguns exemplos, houve a histórica parceria entre os movimentos de software e cultura livres no tempo dos pontos de cultura, e desses com educação popular e inclusão social através de iniciativas públicas e privadas de metarreciclagem e capacitação digital, e discussões a respeito de questões de gênero em hackerspaces promovendo mudanças concretas. Se os resultados finais são aquém do desejado, como certamente são se olharmos pelo prisma da questão da participação feminina, não se trata de simples questão de ignorância, desatenção ou inação. A lição a se tirar é também que esses são problemas duríssimos e estruturais, que merecem continuar sendo pressionados mas que dificilmente se resolverão por iniciativa isolada dessas comunidades.

Num outro ângulo, apesar do texto de Marina e Saulo não falar nisso, ele traz à mente o argumento meio modinha de pensar em usar licenças para resolver problemas externos ao seu objeto, o que acaba sendo um baita tiro no pé. As licenças, em especial as licenças GNU, são um instrumento para avançar o objetivo social e solidário do Software Livre. Elas foram pensadas considerando essas dimensões mais amplas. Em particular, a escolha de não incluir outras dimensões, sociais ou culturais, nas licenças foi muito bem pensada e, ao meu ver, se mostra sistematicamente correta. O sentido da implicação no título do livro “Free Software, Free Society” é que uma sociedade livre depende de (i.e., implica) software livre, não o contrário. Problemas políticos se resolvem com política, não com gambiarras jurídicas ou técnicas. Uma sociedade livre se constrói com software livre, mas ele é só uma das exigências do princípio de liberdade solidária que a fundamenta.

O risco de dados abertos não pessoais

O argumento de que certo dados – outros dados que não os de vida privada – podem representar um perigo e não devem ser abertos não me parece proceder para além de uma visão de curto prazo e ao meu ver pouco estratégica. Se alguém acha que uma grande empreiteira não tem acesso a dados urbanos “secretos”, que o lobby ruralista não tem acesso a dados fundiários “restritos”, ou que uma grande farmacêutica não tem acesso a dados de biodiversidade “seguros”, esse alguém precisa se informar melhor. O mercado negro para dados e infiltrações é terrivelmente maior do que se discute. Se o valor for alto, tudo está disponível. A dinâmica real provocada ao se esconder dados é que es poderoses vão ter acesso a eles, enquanto o resto vai se iludir achando que os dados estão seguros. E o resultado disso é que a exploração será ainda mais ampla e irrestrita, pois ninguém estará ciente do perigo. Abrir os dados joga às claras os perigos, tão reais como incontornáveis, permitindo a mobilização política para remediá-los, seja com mais fiscalização, com compensações, ou até mesmo com a escolha de não se produzir certos dados. Mas uma vez que um dado foi produzido, vale o princípio de que não se esconde informação des poderoses. Há situações onde pode parecer possível ou muito necessário esconder informações, e nesses casos consideraria que isso se dê apenas no curto prazo enquanto se estrutura uma estratégia para sua abertura responsável, pois no médio prazo deve-se supor que, querendo ou não, eles estão acessíveis.

Só para completar, sim, dados da vida privada são diferentes – não cabe expandir aqui, mas não é difícil entender que eles operam de outra forma.

A reatividade das tecnologias abertas

Também não concordo que as tecnologias abertas sejam particularmente reativas. No caso de softwares, grande parte das “inovações” proprietárias são inspiradas de inovações abertas, assim como vice-versa. De editores de texto a aplicativos de mensagem e plataformas de publicação, a maior parte das aplicações que usamos quotidianamente evoluíram entre o livre e o proprietário. Exceto pelo fato de redes livres serem principalmente múltiplas e de pequena escala, pois manter grandes serviços centralizados depende frequentemente da exploração de dados pessoais que contraria a ética do livre – e justamente aí temos uma imensa e intensa dinâmica de inovação para prover a integração de redes descentralizadas, conduzida por uma constelação de atores do livre.

A reatividade aparece assim como uma dinâmica intrínseca à inovação, e não particular às tecnologias abertas. Já em dimensões que não da abertura do código também pode se constatar algo semelhante, por exemplo o AirBnB – plataforma de capitalismo digital – não é nada além de Couchsurfing – plataforma de solidariedade digital – com um botão de pagamento. De modo que falar em falta de criatividade de tecnologias livres é vestir um falso estigma. O que tem de ser apontado são: a falta de ações e regulações favoráveis da parte de governos que montam imensas estruturas para subvencionar sistemas de “propriedade intelectual”; a falta de prioridade em contratos públicos para produção de bens públicos; a falta de apoio institucional via incubadoras tecnológicas e nas universidades etc.

O altermundismo dos comuns

Uma questão fundamental levantada no final do texto déles é a de não se reduzir inovação a automação. O mundo da inovação hypercapitalista, ou capitalista digital, está bem ciente dessa diferença, manifestada no culto da “inovação disruptiva”. No caso do mundo livre e aberto a dimensão altermundista, mesmo estando na sua raiz, parece não ganhar tanto destaque. Talvez por medo de estigma não-conformista e pelo fato de que o fazer livre em si, ainda que discreto, já contribui para ela. Então é preciso sim levantar a bola e espalhar a clareza de que as tecnologias livres são apenas uma parte da escolha de substituir a maneira como organizamos a sociedade por uma outra fundada em liberdade com solidariedade. Para isso, o início do texto déles muito acertadamente observa as desigualdades de participação nos privilégios que permitem usufruir plenamente dos comuns criativos, como a disponibilidade de tempo, de capital cultural e material. A luta da criatividade livre se confunde dessa maneira com a luta por uma sociedade mais justa e solidária, em especial para que as pessoas tenham competências para participar dos comuns, segurança para escolher não se submeterem a modos de produção excludentes, e tempo para exercerem suas liberdades.

Epílogo

O livre e aberto sempre trouxe consigo intenções éticas e emancipadoras. Não por acaso há, hoje e historicamente, um mútuo reconhecimento e permeabilidade com movimentos de mesma base: na cultura, na educação, na ciência, na alimentação, e mesmo na política. Dito isso, é preciso reconhecer que os caminhos que o livre oferece são sacrificados, no melhor dos casos requerendo um sacrifício na travessia para fora do mundo proprietário, tornando-os pouco acessíveis para quem não desfruta dos vistos privilégios facilitadores. Mas podemos ir além e reconhecer que isso se verifica também naqueles movimentos alinhados, e que da impossibilidade de submetermo-nos a múltiplos sacrifícios – na carência de múltiplos privilégios simultâneos – decorre a ausência da grande sinergia que esperamos.

Dessa forma, um próximo passo talvez seja criar um ecossistema interseccional que proponha um pacote de bens e serviços, os quais traduzam a filosofia livre-solidária num estilo de vida que possa ser adotado coletivamente por indivíduos organizados em células autônomas, porém federadas. Os ganhos em efeito de rede, de escala, e de compartilhamento não-rival gerando abundância, obtidos através dessa integração, podem abrir caminhos e no limite superar a necessidade de privilégios com a geração de riqueza não monetária circulante na própria rede. Assim, quanto vale uma assinatura conjunta de: serviços livres para comunicação e colaboração digital; suporte no uso de tecnologias livres; obras e eventos culturais livres; jornalismo independente; alimentos orgânicos de pequenes produtoraes; e formações com recursos educacionais abertos?

E se uma assinatura inicialmente mais cara, mas convergente adiante, incluir computadores e outros hardwares abertos, acesso à Internet associativo, energia de fontes não poluentes, e mesmo moradias ecológicas? E se com isso uma parte significativa des aderentes trabalhassem na própria rede que es provê da maioria de suas necessidades? Já dá pra chamar de anarco-socialismo?

Minha utopia é uma alquimia livre-solidária dissolvedora de sacrifícios e de privilégios. Olhando para a história, a busca da alquimia não nos permitiu transmutar tudo em ouro. Mas nos levou à físico-química com a qual produzimos diamantes a partir de poluição atmosférica.

Está bom o suficiente para mim. E para você?

[Ale “Solstag” Abdo]

* Este texto está publicado sob licença CC-BY.
** Este texto utiliza as normas de escrita epicena descritas em <https://poetica.cienciaaberta.net/sp/Usuário:Solstag/Língua_portuguesa_neutra_de_gênero>.

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Tecnologias radicalmente abertas https://baixacultura.org/2021/02/15/tecnologias-radicalmente-abertas/ https://baixacultura.org/2021/02/15/tecnologias-radicalmente-abertas/#comments Mon, 15 Feb 2021 20:29:21 +0000 https://baixacultura.org/?p=13396

Trabalhadora alemã na produção de ES 2655 mainframe na VEB Robotron, Alemanha Oriental, anos 1980. Fonte: Wikipedia

No nosso atual estado das coisas, o aparato – monstruoso – tecnológico precisa ser visível em sua integridade.

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Nossa BaixaCharla #5 tratou de Friedrich. A Kittler, teórico de mídias alemão, a partir de uma de suas obras mais importantes, “Gramofone, Filme, Typewriter”, publicada em alemão em 1986 e editada o Brasil pela primeira vez em 2019. A conversa foi entre Leonardo Petersen Lamha, doutorando em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense (UFF), e Leonardo Foletto, editor do BaixaCultura; o roteiro dos temas (mais ou menos) seguidos, com trechos da obra, está aqui. A conversa ficou gravada no YouTube (veja mais abaixo, na íntegra) e, com algumas edições e inserções musicais, virou também o primeiro podcast do BaixaCultura, já disponível em algumas plataformas de streaming a partir do Anchor, como o Spotify, que ainda é como as pessoas mais acompanham podcast. Alguns trechos, provocados pela charla, não necessariamente falados nela (alguns sim), estão neste post.

Uma genealogia possível da obra de Kittler parte, necessariamente, de Marshall McLuhan, e de Harold Innis, dois canadenses conhecidos a partir de Toronto. É a ideia de pesquisar as mídias não pelo seu conteúdo, mas por ela própria, os efeitos que elas causam. Kittler, porém, fala com mais conhecimento técnico que McLuhan; entra na carne dos aparatos, mostra diagramas e esquemas de como funcionam, traz elementos matemáticos e físicos que ajudam a dar clareza a como uma mídia veio a ser, e o que ela implica. Diverge ao inverter a máxima do teórico canadense: não são os meios de comunicação que são extensão do homem, mas o homem que é extensão da mídia. Como os teóricos franceses pós-estruturalistas que o influenciaram, tira a centralidade do humano – mas coloca na técnica e nas mídias, aparelhos que fazem as pessoas poderem se tornar obsoletas.

Mídia e técnica são diferentes para o autor alemão. A primeira processa, transmite ou armazena informação; a segunda não. Um machado, por exemplo, não processa informação, não corta um naco da realidade como as mídias fazem – é, portanto, uma técnica, um aparato técnico. As mídias transmitem, além do conteúdo, uma maneira de pensar, se comportar, pensar, relacionar. Internalizam, autonomizam e depois prescindem dos nossos sentidos. É o gramofone transformando som em sulcos;  o filme, imagens em celulóide (papel); o cinematógrafo, imagens em luz e sombra; a typewriter, o próprio ato de escrever em máquina. Todos a romper com o monopólio da escrita na percepção e construção da realidade a partir das inscrições do real em aparatos, máquinas, materiais. O gramofone, por exemplo: ao transmitir a realidade, um pedaço da realidade, a partir da transformação de um som em sulcos em cilindros (depois em discos), se torna uma técnica de criação de mundo. De que forma a realidade criada pelas inscrições do som em sulcos é diferente da anterior, monopolizada pela escrita como ferramenta de arquivo de informação e conhecimento? Como ouvir a voz em um aparelho afeta a memória?

Em Kittler, o passado parece à todo momento ficção científica. Na medida em que constroem outros mundos, cada vez mais complexos e diferentes daquilo que o humano chama de natureza, as mídias inventam narrativas baseadas nos aparatos técnicos: Ficção + Ciência. O controle artificial a que estas mídias são postas, a cargo de governos e empresas, traz sabor de distopia à estas histórias, sobretudo para quem vive a partir dos anos 2010 a intoxicação de informação potencializadas pelas redes sociais. Mas as tecnologias – e as mídias – foram desenvolvidas não para civis, mas para militares em contextos bélicos; poderíamos, no fundo, esperar diferente de algo que foi inventado para vencer as guerras, aniquilar os adversários, matar?

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Palestra de Kittler em 1989, três anos depois da publicação de “Gramofone, FIlme, Typewriter” em alemão. Fonte: monoskop.org

Em julho de 1999, uma palestra de Kittler chamada “Wizards of OS” deu origem ao texto “Science as Open Source Process“. Nesse texto/palestra, o alemão divaga sobre o impacto dos computadores na nossa sociedade, vai contra a propriedade intelectual, defende o conhecimento e o software livre, entre outros vários temas possíveis em três páginas de escrito. Um trecho, adaptado livremente da tradução em inglês de Peter Krapp.

Não foi por acaso que as garagens e salas dos “consertadores” (hackers) que estabeleceram as bases para empresas globais como a Intel e a Apple estavam e estão localizadas próximas ou mesmo no terreno de instituições como a Rand Corporation ou a Leland Stanford Junior University. A indústria da computação faz o que a Máquina de Impressão de Gutenberg fazia quando assumiu e industrializou a caligrafia da universidade medieval. Os headhunters da Microsoft espreitam em Stanford e em outras portas de departamentos de ciência da computação, pegam novos servos de programação com novos algoritmos e os espremem por cinco anos, até que os algoritmos se tornem proprietários e os programadores, com suas opções de ações, sejam dispensados antes da aposentadoria. O pior aspecto deste escândalo parece-me que ninguém fala sobre ele.

Outro trecho, sobre propriedade intelectual:

Uma commons law americana, cujo alcance se estende da Comissão Europeia à República Popular da China, tornou um conceito impossível de propriedade intelectual tão onipresente quanto inquestionável. Máquinas que, de acordo com a prova de Turing, podem ser não apenas todas as outras máquinas, mas igualmente todos os cálculos humanos, agora devem legitimar patentes e direitos autorais mais profundamente do que nunca. Máquinas que, de acordo com os resultados mais recentes, funcionam mais rápido e com mais eficiência quando não foram programados por programadores, mas por si próprios, devem pertencer aos humanos como propriedade privada – talvez por meio de um eufemismo para os interesses corporativos do capital.

A relação das consequências da “computer revolution” com o período medieval também se faz presente:

Quando a imprensa escrita e o estado-nação engoliram as tecnologias de mídia da universidade medieval, o conhecimento foi deixado praticamente intocado no nível do conteúdo. O armazenamento e a transmissão foram privatizados ou nacionalizados, mas o processamento de dados propriamente dito ainda era conduzido naquele belo e antigo circuito de feedback de olhos, ouvidos e mãos que escrevem. Foi isso o que mudou com a revolução do computador. As máquinas universais de Turing tornam especialmente esse processamento de dados tecnologicamente reproduzível. Elas fizeram com que as diferenças entre os conhecimentos sobre tecnologia, ciências naturais e humanidades desaparecessem progressivamente.

O texto, como o título sugere, pode ser lido como uma defesa da ciência – e das tecnologias – como processos que precisam ser abertos. Daí sua crítica ao sistema de patentes de software e a defesa do software livre, do GNU (criado a partir de Richard Stallman enquanto estava no MIT) ao Linux (desenvolvido principalmente pelo finlandês Linus Torvalds).

Todos vocês sabem melhor do que eu que a crítica a este sistema só pode ser prática. Observações teóricas ou históricas como a minha podem, no melhor caso, ajudar para que não se perca a visão geral entre todas as atualizações e benchmarks [dessa indústria]. No entanto, foi prático quando alguns programadores do MIT resistiram à venalidade e quando um estudante de ciência da computação na Universidade de Helsinque superou o medo generalizado de montadores e partidas a frio. É assim que o código-fonte aberto e o software livre são imediatamente conectados à universidade. Veja quanto “edu” está nos fontes do kernel Linux. É também assim que o futuro da universidade depende diretamente desses recursos livres.

O desfecho do texto sugere algo que, quando foi escrito (falado), Kittler estava praticando, ao se embrenhar nos computadores e ensinar programação  à crianças – depois ele abandonou essa atividade, mas isso é outra história.

“No futuro”, supõe-se que Bill Gates tenha dito recentemente em um memorando talvez não proprietário, mas ainda interno, “trataremos o usuário final como tratamos os computadores: ambos são programáveis”. Mas enquanto houver pessoas que sejam capazes de programar em vez de serem programadas, essa visão felizmente não terá futuro.

O teórico alemão a todo momento, direta ou indiretamente, faz um alerta: não confundir as tecnologias com as interfaces. Como consequência que é muitas vezes vendida como inevitável para nós, a construção de cada vez mais complexas tecnologias traz à reboque as interfaces, interpostos que apagam o funcionamento de algumas tecnologias (e das mídias) em nome de um maior e mais fácil uso e acesso a estas tecnologias por todos. Será mesmo inevitável viver com aparatos que não entendemos bem como funciona – e nem temos acesso ao seu código-fonte – em nome daquilo que estes aparatos nos facilitam, nos fazem fazer? será que fatalmente vamos viver intoxicados pelo que as “novas” tecnologias nos prometem sem termos feito o trabalho de entender como essas tecnologias vieram a ser, nesse momento histórico, com esses atores?

Outras perguntas que renderiam muitas conversas e publicações: É da natureza da máquina se esconder? Seria o papel da mídia desaparecer? Em nome de passar a mensagem, a mídia virar apenas mensagem, dar lugar somente aos seus conteúdos, se tornando invisível todo o aparato técnico-simbólico? Essa parece ser a ideia que muitos, mesmo de forma não intencional, propagam ao esquecer a forma pelo qual uma dada mensagem passa para poder ser veiculada em determinada mídia. Também parece ser um esforço da própria mídia (e do jornalismo): não destacar como funcionam, o seu modus operandi, tornar opaco a forma (e também o conteúdo) ao falar de tecnologias e mídias como também quando falam dos próprios fatos e de como os relatam – o esquecimento do como veio a ser parece ser intencional, embutido no método de fazer, jamais inocência.

Felizmente há gente como Kittler e outros tantos que continuam o esforço de tornar as tecnologias radicalmente abertas.

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Insurreição Popular e tecnopolítica para Cineclubes https://baixacultura.org/2020/11/26/insurreicao-popular-tecnopolitica-e-contracultura-digital-para-cineclubes/ https://baixacultura.org/2020/11/26/insurreicao-popular-tecnopolitica-e-contracultura-digital-para-cineclubes/#respond Thu, 26 Nov 2020 20:08:54 +0000 https://baixacultura.org/?p=13287

Você sabia que existe uma escola de audiovisual pública com vários cursos gratuitos de formação na área, entre eles um de cineclubistas? Também não sabíamos, até conhecer a Vila das Artes, ligado à Secretaria de Cultura de Fortaleza, no Ceará. Ainda ano passado, fomos convidados a participar de um evento aberto ao público realizado pela escola, mas devido a diversos contratempos não conseguimos.

Nesse ano, com a pandemia a nos mostrar as possibilidades expandidas de participação remotas, conseguimos estar presente no curso de Formação de Cineclubistas e Exibidores Independentes. Foram seis horas de um curso/disciplina que, com a sugestão da secretaria da escola, chamamos de “Insurreição Popular: Tecnopolítica e ContraCultura Digital para Cineclubes“. Nela, fizemos um resgate da cultura livre e de uma certa contracultura tecnopolítica para discutir desde a propriedade intelectual e a história de alguns aparatos técnicos de exibição de cinema e vídeo até as formas livres de produção e circulação de bens culturais. Com um público muito diverso, gente de Fortaleza mas também do interior do Ceará, Bahia e Santa Catarina – possibilidades que o online permite.

Na primeira aula, o percurso foi guiado pela pergunta: “Como chegamos até aqui?”. Depois da apresentação de todxs e da disciplina, tentamos responder a esta pergunta nos debruçando sobre a história dos aparatos tecnopolíticos de acesso, produção, distribuição e exibição de filmes: cinema, vídeos, televisão; até chegar a internet. Aqui está a apresentação que guiou essa fala.

Na segunda, chegamos nos softwares e nos computadores para falar de software e cultura livre. Voltamos ao século XVII para falar das origens capitalistas e liberais da propriedade intelectual (copyright e direito do autor), para então comentar sobre práticas anti-copyright no século XX – Dada, Detournament, Rap, sampler, etc – chegando ao copyleft e as licenças livres, Creative Commons, ArteLibre e outras licenças, comentadas a partir dessa apresentação.

Por fim, falamos de Cultura P2P e Contracultura digital a partir da internet: formas de circulação e distribuição de filmes na internet, compartilhamento de arquivos, download livre e pirataria, tecnopolítica e ciberativismo do conhecimento livre, entre outros temas correlatos que dizem respeito à questões de hoje e que tiveram como guia essa apresentação.

Os vídeos das três aulas estão logo abaixo. Foram editados para ressaltar a parte do conteúdo, cortando algumas apresentações e pausas comuns em um processo dialógico de sala de aula (mesmo online). Logo abaixo estão algumas das referências básicas usadas, todas elas disponíveis na Biblioteca do Comum, projeto que mantemos junto com o Instituto Intersaber para a disponibilização livre para download de obras ligadas à cultura livre, agroecologia, bens comuns, tecnopolítica, ciência cidadã, educação expandida, tecnologias sociais, entre outros temas.

REFERÊNCIAS (principais)

BELISÁRIO, A; TARIN, B (Org.). Copyfight: Pirataria & Cultura Livre. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012. Disponível em: http://www.bibliotecadocomum.org/items/show/39

COHN, Sérgio. SAVAZONI, Rodrigo (org.). Cultura Digital.br. Rio de Janeiro; Azougue, 2009. Disponível em: http://www.bibliotecadocomum.org/items/show/40

FCFORUM. Cultura libre digital. Nociones básicas para defender lo que es de todxs. Barcelona; Icaria Editorial, 2012. Disponível em: http://www.bibliotecadocomum.org/items/show/47

STALLMAN, Richard. Software libre para una sociedad livre (trad. principal aron Rowan, Diego Sanz Paratcha y Laura Trinidad). Madrid; Traficante de Sueños, 2004. Disponível em: http://www.bibliotecadocomum.org/items/show/48

GARCÍA GAGO, Santiago (org.) 10 Mitos sobre la cultura libre y el acceso abierto al conocimiento. Guatemala; Radialistas.net, 2014. Disponível em: http://www.bibliotecadocomum.org/items/show/45

LESSIG, Lawrence. Cultura livre: Como a grande mídia usa a tecnologia e a lei para bloquear a cultura e controlar a criatividade. São Paulo, Editora Trama Universitário, 2005. Disponível em: http://www.bibliotecadocomum.org/items/show/47

VVAA. Copyleft: manual de uso. Madrid; Traficante de Sueños, 2006. http://www.bibliotecadocomum.org/items/show/2

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Já passou da hora de repensar o movimento pelo aberto & livre https://baixacultura.org/2020/01/20/ja-passou-o-tempo-de-repensar-o-movimento-pelo-aberto-livre/ https://baixacultura.org/2020/01/20/ja-passou-o-tempo-de-repensar-o-movimento-pelo-aberto-livre/#respond Mon, 20 Jan 2020 14:11:35 +0000 https://baixacultura.org/?p=13093

Os últimos meses de 2019 foram de muita discussão dentro dos movimentos do aberto (que inclui principalmente software e dados, mas não só) e do livre – em especial, do software livre e da cultura livre. Nas últimas semanas, um texto publicado no Medium “A bee with a blog“, lançado em uma lista de emails de discussão por Mandy Hank, causou certo furor nesse grupo. Antes de ir ao conteúdo, cabe explicar um tanto do contexto que tem provocado esses debates, uma das muitas consequências que envolvem o investidor pedófilo Jeffrey Epstein e boa parte do mundo da tecnologia baseado na costa leste dos Estados Unidos, tendo como referência central o MIT [se você já conhece o caso pode passar para o tópico 2].

1. O EFEITO EPSTEIN PARA STALLMAN E LESSIG

Richard Stallman, criador do software livre

Epstein, como amplamente divulgado no mundo da tecnologia digital, morreu em agosto de 2019 em um aparente suicídio na cadeia enquanto enfrentava acusações federais gravíssimas de tráfico e exploração sexual. Os promotores federais em Nova York afirmaram que ele, que já tinha histórico de crimes sexuais, explorou e abusou sexualmente de dezenas de meninas menores de 14 anos entre 2002 e 2005. A partir de suas fundações, Epstein, havia financiado cerca de 7,5 milhões de dólares em projetos no MIT. Fez fortuna e ganhou fama como consultor financeiro, depois teve sociedade na New York Magazine e participação em fundos que investiram milhões em startups mundo afora. Era próximo de políticos como Bill Clinton e Donald Trump, entre muitos outros em vários lugares do mundo.

Logo após a morte de Epstein, e de forma algo semelhante ao movimento #metoo no cinema dos EUA a partir dos abusos do produtor Harvey Weinstein, várias denúncias e discussões relacionadas começaram a aparecer. Uma delas envolveu Richard Stallman, criador do software livre e do copyleft, uma das figuras mais importantes da história da computação. Em uma discussão sobre o tópico dos crimes sexuais numa lista de e-mail interna do MIT, Stallman sugeriu que “o cenário mais plausível” é que as vítimas menores de idade estavam “totalmente dispostas”. A condenável defesa da pedofilia por Stallman no tópico envolvia outro cientista do MIT, Marvin Minsky, em uma acusação de assédio sexual com a então estudante do MIT Virginia Giuffre, de 17 anos, que também foi vítima de Epstein. Em resposta a uma estudante que apontou que Giuffre tinha 17 anos quando foi forçada a fazer sexo com Minsky nas Ilhas Virgens, Stallman disse que “é moralmente absurdo definir ‘estupro’ de uma maneira que depende de pequenos detalhes, como em qual país estava ou se a vítima tinha 18 anos ou 17 anos.” [A Vice detalhou o caso aqui]

Por conta dessa declaração desastrosa, Stallman foi afastado do MIT, onde ainda era cientista visitante no Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artificial (CSAIL), e da presidência da Free Software Foundation (FSF), organização que ele criou em 1985. Em sua curta defesa, comentou que o que houve foi uma série de mal-entendidos. À frente da FSF, ele – figura genial, que muitas vezes esteve nestas páginas – era tido como uma pessoa problemática, com declarações preconceituosas e/ou desagradáveis que muitas vezes não representavam a comunidade do software livre. Também é diagnosticado com Síndrome de Asperger, uma perturbação do desenvolvimento caracterizada por dificuldades significativas a nível dos relacionamentos sociais e comunicação não verbal.

A polêmica com Stallman suscitou algumas discussões na comunidade da cultura e do software livre mundo afora. Uma delas foi a carta de Denis “Jaromil” Roio, CTO e co-founder da Dyne, uma organização que trabalha desenvolvendo aplicações com software livre para o mundo todo há quase 20 anos. Diz ele na carta, que circulou por diversas listas e grupos: “A era dos “ditadores benevolentes” em projetos de software livre provavelmente está chegando ao fim. E seremos aliviados e fortalecidos por isso: agora é a nossa vez de permanecermos fortes, unidos como um movimento, defender nossos valores sem comprometer e melhorar a qualidade de nossas interações. Agora é a nossa vez de reconhecer que, se um contexto é envenenado por bullying, machismo e comportamento sexista, não é apenas culpa de uma única pessoa, mas de todos aqueles que toleram e apoiam essas condutas.”

Lawrence Lessig, criador do Creative Commons

Por sua vez, outra figura importante no movimento da cultura livre, Lawrence Lessig, um dos criadores do Creative Commons e professor de direito em Harvard, se envolveu numa polêmica envolvendo o legado nefasto de Epstein. Ele entrou com um processo de difamação contra o The New York Times por uma entrevista que ele mesmo concedeu sobre o caso Epstein. A entrevista, publicada em setembro de 2019, tinha como título “Um professor de Harvard se dobra: se você pegar o dinheiro de Epstein, faça isso em segredo”. Ele afirma que a manchete deturpa sua entrevista, em que ele condena a doação, mas diz que “se você estiver indo pegar o dinheiro [de Epstein], é melhor torná-lo anônimo”.

Quando Joi Ito, ex-diretor do MIT e amigo de Lessig, admitiu no ano passado secretamente receber cerca de US$ 800 mil de Epstein, Lessig assinou uma carta de apoio e argumentou que aceitar doações secretas era melhor do que lavar publicamente a reputação de um criminoso – embora ele tenha dito que aceitar o dinheiro de Epstein estava, em retrospecto, errado. Lessig está acusando o NY Times de “clickbait defamation” (difamação “caça-cliques”).

2. SERIA HORA DE “CANCELAR” O MOVIMENTO ABERTO E LIVRE?

AfroPhyton, uma das iniciativas que tem buscado pensar a equidade na tecnologia e no livre

Suscitado pelas recentes atitudes desses dois nomes é que o texto que falamos inicialmente, “Open is Cancelled”, surgiu. Nele, há uma critica à postura de figuras ligadas aos movimentos aberto e open, pessoas “tóxicas”, segundo o texto, com comportamentos atroz que “não devem ser entendidos como falhas pontuais de homens específicos, mas como um reflexo de falhas mais profundas na filosofia subjacente por trás do open”. Ela então aponta que “precisamos mais que software” e que é hora de repensar estas ideias com foco não somente na liberdade (de informação), mas também na justiça social.

O texto faz uma crítica que ignora certas atitudades de alguns grupos ligados ao livre & aberto em prol de mais justiça social. Como é o caso da comunidade KDE no Brasil, que adotou um código de conduta rígido contra qualquer tipo de discriminação; ou da recente ação da comunidade do Phyton, que aboliu os termos “master/slave” de sua linguagem de programação; ou ainda de iniciativas em prol de igualdade de gênero e raça que ocorrido Brasil e mundo afora, como o AfroPhyton, PyLadies, entre outras iniciativas ciberfeministas que já listamos por aqui – que, aliás, já parecem ter os preceitos de justiça social, equidade e igualdade como tão ou mais importantes que o do aberto & livre de informação. “Há a impressão de que nada tem funcionado e somente esse texto teve a clareza de ver e propor algo novo”, como apontou Fred Guimarães, integrante da comunidade KDE e da Rede de Produtoras Colaborativas. Fabianne Balvedi,  diretora do filme livre “Olhar Contestado” e pesquisadora de mídias livres, também integrante da Rede, aponta que “é meio aquela coisa de jogar fora a água suja do banho junto com a criança lavada, uma ofensa às pessoas do movimento que tentam manter ele ético”.

Ademais das críticas acima, das quais concordamos, e também da mistura de entendimento entre o livre e o aberto, movimentos que compartilham de alguns princípios mas apresentam bastante diferenças, o texto traz boas questões para se repensar estas duas áreas. Resolvemos traduzir algumas partes aqui abaixo para propor o debate em torno de um ponto central: não seria a liberdade de informação e a abertura do código princípios “neutros”? Ao não dar a devida atenção em quem está abrindo, de que forma e para quem, a oposição aberto X fechado não estaria “sugando o oxigênio” da discussão sobre justiça social e equidade na rede e ajudando a perpertuar preconceitos de raça, gênero e orientação sexual no mundo da tecnologia digital, como aponta a autora?

3. “O ABERTO ESTÁ CANCELADO”, A bee with a blog

“Os líderes [do movimento de código aberto] se mostraram moralmente falidos. A comunidade é tóxica. As licenças de direitos autorais e de software falharam em controlar os maus atores e no suporte aos criadores marginalizados. A teoria subjacente é falha e superficial. É hora de seguir em frente e criar uma nova onda de ferramentas éticas de gerenciamento de comunidade para quem produz código e conteúdo.”

Esta não é a primeira avaliação séria da comunidade aberta, mas devemos garantir que seja a última. É hora de construir um novo movimento, adequado para uma era de fascismo crescente e justiça climática. Um movimento que se centra em criadores e usuários [que foram] marginalizados [até aqui]. Um movimento baseado em uma teoria da mudança que não é infantil nem ingênua em sua ênfase em documentos legais formais. Um movimento que tenha por foco o desmantelamento de estruturas de poder e na construção de solidariedade entre diversos grupos.

Precisamos criar o que Sarah Mei chama de “software orientado à justiça”. Mas precisamos mais do que software. Precisamos de dados “orientados para a justiça”, educação “orientada para a justiça”, ciência “orientada para a justiça”, governo “orientado para a justiça” e acesso “orientado para a justiça” à literatura acadêmica.

Eu quero ver toda uma internet “orientada para a justiça”. Porque a realidade é que a menos que sistemas, tecnológicos e sociais, sejam construídos com as necessidades dos grupos oprimidos em primeiro plano, tudo o que construímos servirá apenas para reforçar as desigualdades existentes.

E sim, justiça é um conceito escorregadio, cujo significado depende do contexto e [pode ser facilmente] contestado – assim como “aberto”. Tudo bem. Precisamos ter essas conversas sobre o que justiça [e equidade] significa. Essas conversas são uma parte essencial [da construção de um] discurso cívico [na internet] vibrante, [um discurso] que foi suprimido pelo enquadramento de “aberto” versus “fechado” na conversa sobre justiça no mundo digital.

O movimento aberto como existe hoje não conseguiu criar um mundo melhor. Pior que isso: está tornando mais difícil para o resto de nós construir esse mundo. Os fracassos do movimento aberto não são apenas com seus homens ou com seus líderes. São mais profundos: partem do núcleo da ideologia subjacente ao movimento. O movimento sugou o oxigênio da sala por muito tempo.

O movimento aberto falhou quando centralizou o debate na liberdade sobre a justiça. Falhou quando colocou princípios abstratos acima das vidas humanas reais. Fracassou novamente quando a misoginia, o racismo e o colonialismo ficaram sem controle e sem contestação. Quando o movimento não conseguiu entender as estruturas de opressão e optou por enfatizar as soluções individuais para os desafios coletivos, fracassou. Ele falhou várias vezes quando optou por privilegiar um racionalismo bizarro e fetichizado sobre as experiências vividas de seres humanos corporificados.

O comportamento atroz e as palavras de homens como Lessig e Joi e Stallman não devem ser entendidos como falhas pontuais de homens específicos, mas como um reflexo de falhas mais profundas na filosofia subjacente por trás do open. Aberto como entendemos, vem da “Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, de Karl Popper. Popper definiu aberto dentro de uma estrutura colonialista e masculinista.

Profundamente enraizada nos mitos de progresso, primitivismo e com uma arrogância epistemológica de tirar o fôlego, a visão de Popper da sociedade aberta apresenta uma gaiola de ferro de dualismos que moldaram as conversas sobre tecnologia por tanto tempo que as barras se tornaram um elemento invisível.

Nosso compromisso com a abertura impediu nossa imaginação. Enquanto o problema for definido como um dos ‘encerramentos’ [fechamentos], os projetos abertos ficarão cegos para outras políticas, outras maneiras de conhecer e entender como nos organizamos, compartilhamos poder e como imaginamos nosso futuro compartilhado. A definição de “aberto” e “fechado” nos deixa sem as ferramentas necessárias para enfrentar o extremismo violento, a radicalização online, a crescente desigualdade e a catástrofe ecológica.

O potencial libertador da Internet – o potencial de organização comunitária e de construção de solidariedade horizontal – só pode ser realizado quando nos libertarmos do pensamento dualista e abraçarmos o complexo mundo moral em que vivemos. Mais do que isso, porém, agora estamos trabalhando em uma escala de tempo compartilhada, ditada por nossas emissões de carbono ainda em ascensão. Assim como não podemos enfrentar e eliminar a misoginia de nossos espaços sem novos pensamentos, também precisamos de novos pensamentos para descarbonizar e gerenciar uma transição justa.

Uma vez que o movimento aberto consiga se libertar dos dualismos vinculativos, podemos então aprender a pensar de maneiras criativas e flexíveis. O tipo de pensamento de que precisamos agora reconhece e respeita a sabedoria indígena e as formas de conhecimento. Entende que uma grande variedade de ferramentas analíticas e tradições epistemológicas têm valor. Em vez de confiar em um racionalismo estreito e severo, esse novo pensamento abraçará a complexidade incorporada das experiências humanas vividas.

O privilégio extremo de um tipo específico de racionalismo domina o movimento aberto e seu discurso há tanto tempo que outras formas de conhecimento praticamente desapareceram do nosso discurso. O tipo de pensamento de que precisamos agora reconhece e valoriza a emoção como um aspecto importante de como entendemos e conhecemos o mundo.

Ao nos libertarmos da estrutura binária do pensamento aberto/fechado e dualístico, criamos o potencial para comunidades onde a misoginia, o racismo e o colonialismo podem ser nomeados e desafiados. Criamos o potencial de tipos inteiramente novos de construção da solidariedade e de novos tipos de relacionamentos sociais – mediados pela Internet, mas enraizados na bondade, compaixão e respeito mútuo.

[Leonardo Foletto, com a colaboração e discussão de Sheila Uberti, Fabianne Balvedi, Mariana Valente, Fred Guimarães e Denis “Jaromil” Roio]

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Tecnopolítica & Contracultura em Porto Alegre https://baixacultura.org/2019/09/30/tecnopolitica-contracultura-em-porto-alegre/ https://baixacultura.org/2019/09/30/tecnopolitica-contracultura-em-porto-alegre/#respond Mon, 30 Sep 2019 12:48:02 +0000 https://baixacultura.org/?p=13011

A terceira edição do curso”Tecnopolítica e Contracultura” chega a Porto Alegre em Outubro, no querido espaço da APPH (Associação de Pesquisas e Práticas em Humanidades), no centro da cidade. Serão três dias de intensas trocas sobre um pensamento tecnopolítico que atravessa os autonomistas italianos da década de 1970, passa pela explosão de criatividade (e otimismo) dos 1990, é alimentado pelas ideias e princípios hackers dos 1980, 1990 e 2000 e chega na encruzilhada do final desta década de 2010 buscando entender o que deu errado no mundo digital e o que pode (deve?) mudar para que possamos sair da “ressaca da internet” que tanto comentamos.

Atualizamos a bibliografia com novas leituras e organizamos melhor as referências do curso, que como os participantes das outras edições já sabem, disponibilizamos ao final (em PDF).

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Tecnopolítica e Contracultura: um passeio pelo pensamento de anarquistas, autonomistas, hackers e outros rebeldes
24, 25 e 26/10, na APPH, em Porto Alegre.
20 vagas. Inscrições aqui – Estudantes e apoiadores/as do BaixaCultura no Apoia.se ganham desconto.
Evento no Facebook.
Quer fazer o curso mas não tem como pagar agora? Nos escreva que conversamos: info@baixacultura.org
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Se nos anos 1990, com o casamento do digital com a internet, enxergávamos enormes possibilidades de libertação (da informação de grandes grupos midiáticos, de liberdade de falar o que bem quiser, de criar tecnologias e mundos novos), hoje parece que estamos a lidar com consequências nefastas, representadas em uma palavra na moda nestes tempos: distopia. Nos descuidamos – ou não conseguimos? – prestar atenção na ascensão de plataformas globais de tecnologia, que por sua vez construíram bolhas de informação que confirmam pontos de vista, espalham mentiras e criam realidades alternativas que em muitos casos não há informação comprovada que consiga mudar.

Como podemos compreender o contexto tecnopolítico hoje? Que caminhos podemos apontar para discutirmos e transformarmos a política que sempre está junto na construção de tecnologias? A proposta desse curso é buscar algumas respostas para estas perguntas olhando para o passado e o presente e passear por alguns pensamentos rebeldes sobre a tecnologia desenvolvidos na segunda metade do século XX até hoje. Começamos pelos autonomistas surgidos no ‘maio de 68’ italiano que durou mais de uma década, com foco especial em Antonio Negri, Franco “Bifo” Berardi, Paolo Virno e Mário Tronti. Passamos pela explosão de novidades da arte e do ativismo digital dos anos 1990, com Wu Ming, mídia tática, altermundistas, Critical Art Ensemble, zapatistas e autores como Pierre Levy, Manuel Castells, Bifo (novamente) e Richard Barbrook; continuamos com os hackers, “paranóicos visionários”, e seus princípios éticos de transparência, liberdade e autonomia com as tecnologias, a partir das ideias de Richard Stallman, Pekka Himanen, Sérgio Amadeu, Eric Raymond, César Rendueles, Aracele Torres, entre outres; e chegamos até hoje, com a ascensão das redes sociais como principais espaços de discussão pública nas redes digitais e o fim da internet como a conhecemos nos 1990 e 2000, no que chamamos de “ressaca da internet”, com autores como Jaron Lanier, Bifo (de novo!), Evgeny Morozov, Shoshana Zuboff, Jonathan Crary e Trebor Scholz.

Esta é terceira edição deste curso-experimento; a primeira foi realizada em 2/2019, em São Paulo, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc e a segunda em 6/2019 na UFSM, em Santa Maria-RS.

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Ambiente digital de difusão: por onde circula a cultura online? https://baixacultura.org/2019/06/14/ambiente-digital-de-difusao-por-onde-circula-a-cultura-online/ https://baixacultura.org/2019/06/14/ambiente-digital-de-difusao-por-onde-circula-a-cultura-online/#respond Fri, 14 Jun 2019 17:00:11 +0000 https://baixacultura.org/?p=12855 *Fizemos esse texto eu, Leonardo Foletto, editor do BaixaCultura, e André Deak, diretor do Liquid Media Lab, professor da ESPM-SP e parceiro de longa data na CCD em SP, sob encomenda para um livro de uma pesquisa chamada “Panorama Setorial da Cultura Brasileira 2017/2018”. A proposta era discutir principalmente a circulação da cultura na internet nas últimas décadas, sobretudo dos 2000 pra cá. Fizemos então um panorama particular e afetivo de plataformas, serviços e redes por onde a cultura digital circulou nesses tempos. Nada muito sistemático e rígido, mas bem apurado e com fontes pra tudo. Ficou grandão, saiu no livro*, mas também está agora no site e aqui.

No princípio da web, eram os sites. Uma das coisas mais interessantes em 1994 era visitar o endereço das enciclopédias, como a Barsa ou a Britannica, e perceber que não era mais necessário ter uma parede cheia de livros gigantes, capa dura, pesados. Nove em cada dez reportagens diziam que então todo aquele conteúdo estava à distância de um clique.

Passados dez anos, no início do século 21, e já estava claro que qualquer instituição ou empresa que não tivesse um site não existiria. Ou melhor, não apareceria nas buscas, e não seria encontrada, portanto — o que dava no mesmo que não existir. Foi quando museus e institutos culturais começaram a tratar das suas fachadas digitais, com mais ou menos afinco. Alguns acervos levariam ainda mais de uma década para entrar na rede, sendo que a maioria deles segue ainda hoje sem ter nem mesmo um projeto de digitalização. Na verdade, a situação de penúria dos museus é bastante conhecida, mesmo antes de o Museu Nacional do Rio de Janeiro ser reduzido à cinzas em setembro de 2018.

De qualquer forma, a cultura nunca circulou apenas dentro de museus, institutos culturais e enciclopédias, mas nos lugares mais diversos. Durante a pavimentação digital da internet, conforme a infraestrutura era construída, a cultura também se mostrava em todos os cantos possíveis. Nesse texto trazemos detalhes de alguns desses cantos, em especial aqueles que que milhares de pessoas escolheram como os seus espaços para consumir, produzir e fazer circular cultura ao longo dos pouco mais de 20 anos de internet comercial no mundo. Acreditamos que contar suas histórias nos permite entender melhor como se deu o impacto de produzir e consumir cultura com a junção das tecnologias digitais e a rede mundial dos computadores.

WIKIPEDIA

São poucos os websites que foram tão discutidos e que geraram tanto debate sobre quebras de paradigmas quanto aquele criado por Jimmy Wales e Larry Sanger em janeiro de 2001. Em 2018 a Wikipedia tem mais de 43 milhões de artigos, sendo mais de 1 milhão deles em português, o que nos coloca apenas no 15º entre 298 idiomas em termos de quantidade de artigos. Em 2014, calcularam que seriam necessárias mais de 1 milhão de páginas, divididas em 1.000 volumes de 1.200 páginas cada, para imprimir o conteúdo que estava lá — ocupando cerca de 80 metros de estantes. A última edição em inglês da Enciclopédia Britannica foi distribuída em 32 volumes com cerca de mil páginas cada.

Muitos anos foram gastos em faculdades de jornalismo e metros de páginas de revistas e jornais discutiram se o conteúdo da Wikipedia era confiável, e se seria uma enciclopédia melhor ou pior que uma Britannica, em que ocorre a tradicional curadoria e revisão por pares acadêmicos. Em 2006 a revista Nature publicou o primeiro estudo em que comparava as duas enciclopédias, observando 42 artigos científicos de acordo com os padrões mais elevados, e concluindo que “a diferença de acuidade entre as duas enciclopédias não era particularmente grande” (BENKLER, Yochai, p.71 de “The Wealth of Networks” – PDF aqui).

O debate que até hoje às vezes se escuta é que “não são profissionais que editam a Wikipedia”. No Brasil, por conta do debate sobre o fim da necessidade do diploma de jornalismo para exercer profissionalmente a função, também circulou esse debate com o mesmo moto: “não são jornalistas profissionais que estão produzindo essas notícias”. Hoje, a defesa do “profissional” em detrimento do “amador” já não está na lista de prioridades do debate. No caso da Wikipedia, ainda, uma das conclusões mais interessantes é a de que se trata não de um produto, mas de um processo. Com sistemas complexos de debate sobre a validade das revisões, os artigos estão o tempo todo sendo reescritos e revisados. Ninguém duvida hoje que a Wikipedia seja um ponto crucial de distribuição de cultura, normalmente o primeiro lugar onde estudantes encontram informações sobre qualquer coisa.

O fato é que a possibilidade da produção colaborativa, coletiva, e a facilidade com que os meios de produção e distribuição cresceram nos primeiros 10 anos da web fizeram com que conteúdos culturais circulassem muito mais livremente do que jamais haviam circulado antes. Clay Shirky sintetizou bem em “Here Comes Everybody” (p.40, 2008) : “O futuro que a internet apresentou é a publicação em massa de conteúdos amadores, o que mudou o modo de compreender o que deveria ou não ser publicado. Antes, se a pergunta era ‘por que publicar isso?’, agora passou a ser ‘por que não publicar isso?’”

Esse fato mudou o cenário e o mercado de maneira bastante drástica. Jornais, outro ícone da cultura, antes tidos como o “pedágio” entre a informação e o leitor, perceberam que cedo ou tarde teriam que rever conceitos, porque os anunciantes não mais necessariamente teriam que colocar suas propagandas ali para serem vistos. Não demorou muito para a crise financeira chegar: “o Google deve ficar com 42% do mercado de anúncios digitais em 2018 nos Estados Unidos; o Facebook, a concorrência mais próxima, deve ficar com 23% do mercado de anúncios digitais”, segundo o Washington Post. Enquanto isso, os investimentos em anúncios impressos — e mesmo nos digitais, em empresas de jornalismo — seguem em queda. O New York Times, grande parâmetro para a imprensa mundial, que fez um movimento em direção a assinaturas digitais, anunciou em 2018 queda de mais 10% nos anúncios. E, apesar de ter funcionado o modelo de paywall para o NYT, isso não quer dizer que as pessoas estejam dispostas de modo geral a bancar o jornalismo em qualquer parte do mundo com o próprio bolso. Conforme apostava em 2009 Chris Anderson em “Free – o Futuro dos Preços“, “se é digital, cedo ou tarde vai ser grátis”.¹⁰

Praticamente ao mesmo tempo em que ocorria o impacto do digital nos meios impressos, com a livre circulação da informação e da cultura por cabos ainda sem banda larga disseminada (o 3G chegaria apenas na segunda metade da primeira década de 2000, o 4G no início da década de 2010), e com os celulares inteligentes também no início de seu processo de conquista mundial dos mercados (o primeiro Iphone é de 2007), vimos outro mercado cultural sofrer um abalo sísmico que mudaria os rumos de uma cadeia produtiva inteira. E o nome deste terremoto em específico era Napster.

NAPSTER, O PRIMEIRO DESAFIANTE DO COPYRIGHT NA INTERNET

Criado por Shawn Fanning e Sean Parker como um programa de compartilhamento de arquivos em rede P2P em 1999, o Napster protagonizou a primeira luta importante entre a indústria fonográfica e as então nascentes iniciativas de distribuição de informação (e cultura) na internet. A sacada de Fanning e Parker (que depois seria um dos primeiros acionistas do Facebook e ganharia a cara de Justin Timberlake no filme “A Rede Social”, de 2010) foi criar um software de interface gráfica amigável, facilmente baixável nos computadores rudimentares da época, para que qualquer pessoa pudesse buscar suas músicas, em MP3, por nome do artista, disco, faixas e até gêneros inteiros, e fazer o download de uma cópia para suas máquinas. Era o velho hábito de compartilhar músicas, popularizado desde as fitas K7, levado à uma escala global sem precedentes, facilitado por um formato que permitia ao mesmo tempo compartilhar a música e mantê-la consigo nos HDs, CDs e disquetes da época. Uma música em MP3 baixada no Napster era um “bem não-rival” [Imre Simon e Miguel Said Vieira, desenvolveram um conceito que detalha melhor este exemplo: “rossio não-rival], que poderia coexistir em diferentes cópias e ser obtida de forma gratuita, o que quebrava o sistema industrial que as grandes gravadoras mantiveram como o seu modelo de comercialização de produtos durante décadas, ao mesmo tempo em que não remunerava os autores das músicas agora encontradas em diversos computadores de jovens mundo afora. Problema na certa.

Um ano depois de ter sido criado, em 2000, o Napster se tornou uma empresa, com diversas versões de seu software sendo lançadas quase mensalmente, número de usuários quadruplicando a cada semana, chegando a um pico de 8 milhões de pessoas conectadas simultaneamente. Mesmo com o sucesso obtido, os processos das gravadoras por quebra de copyright fizeram o Napster fechar já em 2001. Um dos mais notórios desses processos foi o do Metallica, com seu baterista Lars Ulrich à frente, que manifestou diversas vezes sua indignação com as pessoas que escutavam suas músicas sem pagar, embora ele mesmo tenha assumido que fez isso alguns anos depois, como escrevemos aqui no BaixaCultura em março de 2019.

Apesar do site de trocas ter perdido a batalha judicial, as pessoas passaram a considerar que a troca — ou o download — de músicas era algo tão natural quanto navegar na internet. Outra coisa ficou clara nesse processo: quando os donos do Napster disseram ser capazes de impedir 99,4% de trocas de materiais protegidos por leis de direitos autorais, a outra parte (as gravadoras) disse que não era o bastante. Lawrence Lessig, advogado, um dos criadores de um conjunto de licenças mais flexíveis que o direito autoral (o Creative Commons), notou que “se 99,4% não é o bastante, então essa é uma guerra contra o compartilhamento de arquivos e não a favor do direito autoral”, como escreveu no livro “Free Culture”, de 2006, traduzido no Brasil como “Cultura Livre – Como a grande mídia usa a tecnologia e a lei para controlar a cultura e bloquear a criatividade“.

Lessig esteve no Brasil algumas vezes e foi próximo da gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, entre 2003 e 2008, durante o governo Lula. A licença que ele foi um dos inventores, Creative Commons, é uma variação do direito autoral que permite, de antemão, que outros utilizem a obra criada, sem permitir a ação de intermediários legais. Foi o conjunto de licenças que mais se popularizou mundo afora baseada no copyleft, um conceito jurídico usado pelo criador do movimento do software livre, Richard Stallman, para permitir que determinadas obras, como softwares, continuem livres.

Poucos sabem que o Brasil é pioneiro na mudança ocorrida em relação ao direito autoral na música, ao compartilhamento de arquivos, ao reposicionamento mundial da indústria musical. Em Belém do Pará, o tecnobrega, que surge a partir das tecnologias de sampler, uma mistura do brega tradicional com batidas eletrônicas, desde o início abriu mão de fazer dinheiro vendendo CDs. Em nome da livre circulação, em feiras de CDs “piratas” distribuídos pelos próprios autores para que camelôs vendessem a R$ 1 ou R$ 2, os músicos estavam mais interessados na formação de público. Assim, conhecidos por uma massa de fãs, podiam depois vender ingressos para shows e ganhar com apresentações em várias cidades, ao invés de tentar proteger sua obra e ganhar com o produto CD. Quanto mais circulasse a música, melhor.

“A ausência de aplicação de leis de propriedade intelectual contribui fortemente para a construção de um mercado com dinâmica muito diferente daquele da indústria cultural formal e tradicional”.

apontavam os pesquisadores Ronaldo Lemos e Oona Castro em livro de 2008 (Tecnobrega: O Pará reinventando o negócio da música), resultado de pesquisa de anos anteriores.

Um ano antes, 2007, dois fatos importantes ocorreram na história da indústria musical: o Radiohead lançou seu disco “In Rainbows” direto na rede para download no modelo “pague-quanto-quiser”, e arrecadou mais do que se vendesse ao preço normal da época; e Madonna, ao perceber que a venda de CDs não sustentaria mais os artistas como no século passado, assinou um contrato “sem precedentes” com uma produtora de shows, passando a se importar mais com a venda de ingressos do que com a venda de música.

Depois de a música se tornar livre, e com uma banda mais larga, que já permitia o download de arquivos maiores, foi a vez de outra indústria ver seus pilares abalados: as produtoras de vídeo. Mas Hollywood e toda a multimilionária indústria do cinema norte-americano não ficariam sentados vendo seus conteúdos escorrerem pelos torrents.

PIRATE BAY, A NAVE-MÃO DOS TORRENTS

Já é razoavelmente conhecida a história de que a Disney e a Universal Studios tentaram impedir o desenvolvimento do vídeo cassete, sob a alegação de que isso iria acabar com o copyright quando as pessoas gravassem programas de TV (aqui em detalhes). O caso Betamax, como ficou conhecido, foi vencido pela Sony, dona da nova tecnologia, em 1984, e nem a TV nem o cinema acabaram então.

Assim, quando surgiu a nova tecnologia chamada torrent, uma evolução do P2P que agora quebrava os arquivos em partes mínimas e permitia a troca não apenas do arquivo completo, mas mesmo das pequenas partes sem que o usuário tivesse o arquivo completo, tornando o processo muito mais eficaz, um conglomerado de empresas de entretenimento mundiais, entre elas a própria Sony, entrou com um processo contra a Baía Pirata por quebra de copyright de milhares de arquivos de produtos culturais. Em 2009, na Suécia, os responsáveis que haviam criado e mantinham o site de trocas de torrents The Pirate Bay fazia seis anos perderam a causa, receberam uma multa recorde (8 milhões de dólares) e foram para a prisão (o que muitos consideraram bastante fora do comum e exagerado — o tribunal virou um filme documentário, The Pirate Bay AFK – Away From Keyboard, disponível no YouTube).

Porém, assim como o Napster, podemos dizer que venceram a “batalha na história”: as trocas de arquivos torrent continuam, ainda que em bem menor número do que antes, e mesmo o The Pirate Bay , o site que agregava links mas não hospedava os conteúdos protegidos por copyright alegados, se mantém na ativa, assim como diversos outros buscadores de torrents. Os responsáveis pelo site sueco, Frederik Neij, Gottfrid Svartholm Warg, Carl Lundstrom, Peter Sunde, estão soltos e tocando outros projetos — Sunde, inclusive, esteve muitas vezes no Brasil em eventos de cultura e software livre, como o Fórum internacional do Software Livre e o Conexões Globais, em Porto Alegre, além de ter criado, ainda em 2010, uma promissora plataforma de micropagamentos, Flattr.
O acesso à produtos culturais via P2P é uma prática comum na rede há quase duas décadas, mas ainda considerada, em sua maior parte, ilegal, o que a faz ser mais subterrânea do que outras e difícil de ser quantificável, já que não há dados atualizados e precisos sobre a quantidade de pessoas que se utilizam dessa forma para consumir cultura online.

Nos últimos anos, os torrents entraram numa nova era tecnológica: o streaming de arquivos. Não apenas a troca das partes se tornou possível, mas assistir a um filme em torrent, sem nem mesmo ter o arquivo completo baixado em seu computador, já é possível em algumas plataformas que mostraremos a seguir. Mas antes do streaming por torrents, vejamos os distribuidores de vídeo online que chegaram primeiro.

YOUTUBE, UM GIGANTE PARADIGMÁTICO NO CONSUMO ONLINE

Whindersson Nunes, 34 milhões de assinantes em seu canal (janeiro 2019)

Surgido em 2005, foi criado por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, então funcionários da PayPal que vislumbraram o crescimento da circulação de vídeos na rede a partir do aumento da velocidade de acesso à internet e a dos dispositivos móveis para elaborar uma plataforma que qualquer um pudesse publicar seu vídeo de forma fácil. Foi comprado pelo Google um ano depois por US$ 1,65 bilhões, um investimento gigantesco que consolidou o site como a principal plataforma de exibição e compartilhamento de vídeos na internet e uma “revolução na cultura participativa na internet”, como afirmaram Jean Burgess e Joshua Green em “YouTube e a Revolução Digital: como o maior fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade“, De 2009. É difícil de medir o tamanho da influência do YouTube na produção e no consumo de cultura online, mas alguns dados são importantes: é o 3º site mais acessado via web no Brasil em setembro de 2018 e o 2º do mundo nesse mesmo período, segundo dados da Alexa, empresa ligada à Amazon— os primeiros, em ambos os casos, é o Google (.com em 1º lugar mundial e 2º no Brasil, e .com.br o 1º aqui). O Android, sistema operacional mais utilizado em smartphones no mundo, vem em sua instalação padrão com o YouTube, o que significa que 85,9% dos dispositivos móveis vendidos no Brasil hoje trazem a plataforma de vídeos do Google, segundo dados do CanalTech.

NETFLIX, A REINVENÇÃO DA INDÚSTRIA NA CONSOLIDAÇÃO DO STREAMING

homepage Netflix de 1997

Talvez poucos se lembrem, mas a Netflix começou, ainda em 1997, como um serviço de aluguel de filmes em que você levava em sua casa os DVDs e depois retirava, tal como uma locadora. Durou 10 anos e em 2007 passou a oferecer streaming de conteúdos diversos, o início do que seria hoje um acervo online com mais de 124 milhões de assinantes no mundo, que ajudou a enterrou de vez o modelo de negócio de aluguel de filmes das videoocadoras — o Napster e os torrents já haviam começado este término, lembremos.

Em determinado momento, o Netflix percebeu que seria mais barato criar conteúdo pŕoprio do que licenciar conteúdos com direitos autorais pré-existentes para o mundo todo. Assim, começou a investir boa parte da sua receita em novas produções, com um detalhe: a escolha do que seria produzido é feita com base nas previsões do que seus usuários já gostariam de ver, mas ainda não existia na plataforma. O primeiro grande exemplo de sucesso dessa estratégia foi “House of Cards”, uma série sobre os bastidores da política institucional dos Estados Unidos lançada em fevereiro de 2013. Havia demanda por séries sobre política, com cenas de sexo, algo de violência. Claro, o algoritmo criado para coletar, processar e analisar os dados dos interesses dos assinantes não determina o sucesso de uma série — mas pode auxiliar ao menos a atirar no lugar certo. “Stranger Things”, série original Netflix lançada em julho de 2016, traz até hoje especulações (aqui uma delas) de que teria sido o primeiro caso de um produto audiovisual produzido a partir dos algoritmos de recomendação da plataforma, tamanho a quantidade de referências (dos anos 1980, sobretudo) que fizeram a série cair no gosto do público.

O fato é que, em 2018, podemos dizer que a Netflix é um dos principais lugares que as pessoas vão na internet (na web ou nos aplicativos em smartphones, tablets, smart TVs, ) para consumir cultura online. Virou a principal referência quando se fala de plataformas de streaming de conteúdo, ainda que esteja enfrentado a concorrência, cada vez mais acirrada, de plataformas como Hulu e Amazon Prime, e das criadas pelos outroras somentes canais de televisão, como Globo (Globo Play), HBO (HBO Go), ou operadoras de TV a Cabo (NET Now, Globosat Play), sem falar do já comentado YouTube, da Google Play e da Apple TV.

Para descrença daqueles que sempre baixaram seus conteúdos na internet (como os autores desse ensaio), o streaming virou realidade e não apenas uma tendência vaga que se imaginava com incredulidade em 2008, 2009. Milhares de famílias de classe média no Brasil tem o valor mensal para ter acesso às produções da plataforma como um dos gastos cotidianos da casa, como luz, água e internet, para não mencionar aqueles vários que dividem uma única conta, às vezes não necessariamente de forma legal. A indústria, e especialmente o Netflix, soube ouvir uma demanda de quem usava os torrents para ter acesso à diversas produções culturais mundiais: faça melhor que eu pago. Criaram uma plataforma com muitos produtos à disposição de forma fácil, numa interface amigável, já legendados e que funciona em diversos dispositivos, e com isso conseguiram tanto ganhar aqueles que tinham preguiça de baixar um filme e suas legendas como conseguiram legalizar o consumo cultural online, já que tudo aquilo que está no Netflix e seus concorrentes é disponibilizado de forma legal. Uma jogada de mestre, que contou com o considerável crescimento da velocidade na rede, com fibra óticas capazes de entregar mais de 100 Megabits por segundo de download e upload para muitos lugares do mundo, inclusive no Brasil.

Além de ser o principal serviço de streaming de produção audiovisual no mundo, o Netflix também influenciou outros projetos menores e igualmente importantes no Brasil.

O primeiro é o Afroflix, plataforma criada em outubro de 2015 traz produções que possuem pelo menos uma área de atuação técnica/artística assinada por uma pessoa negra. São filmes, séries, web séries, programas diversos, vlogs e clipes que são produzidos ou escritos ou dirigidos ou protagonizados por pessoas negras. Por enquanto só audiovisuais brasileiros. E o segundo é o Libreflix, projeto criado pelo jovem programador Guilmour Rossi, de Curitiba, uma plataforma de streaming aberta e colaborativa “que reúne produções audiovisuais independentes, de livre exibição e que fazem pensar” numa interface parecida com a de sua principal influência. A proposta do Libreflix, como eles mesmo comentam em seu FAQ, está diretamente ligada com a ideia de cultura livre, que defende a liberdade para modificar e principalmente distribuir obras criativas. Criado em 2017, o projeto não deixa de ser uma hackeamento do Netflix e da própria indústria do entretenimento online; se estes, como falamos, souberam bem se reinventar e legalizar o consumo audiovisual online na rede, o Libreflix mostra que os projetos desviantes e em prol da distribuição livre da informação sempre vão existir enquanto houver internet.

POP CORN TIME E STREMIO, OS TORRENTS AGORA TAMBÉM SÃO STREAMING

Pop Corn Time é um software livre, criado em 2014, com uma interface simples que permite assistir filmes ou séries compartilhando arquivos, mas sem necessariamente deixá-los no seu computador após serem vistos. Os próprios desenvolvedores tiraram o software de circulação quando foram ameaçados pela indústria do cinema, mas como era um software livre, foi copiado e replicado em inúmeras versões. Stremio é uma das versões, de 2016, que inclusive insere legendas de outros sites nos torrents.

Tanto uma quanto a outra representam uma outra forma de consumo e compartilhamento de produtos online: o streaming via torrents. São sistemas automatizados que rastreiam as partes dos arquivos torrents em diversos computadores mundo afora e que apresentam o arquivo completo para um usuário final a partir da soma das partes. É a junção do compartilhamento P2P com um player — um software de visualização de arquivos multimídia — num único produto, seja um site na web como um aplicativo a ser baixado em dispositivos móveis. Uma solução à margem da legalidade, como os torrents, mas com uma interface que lembra os melhores serviços de streaming, com os sistemas de recomendação, a imagem dos cartazes dos filmes e séries e outras facilidades que não são encontradas quando se procura um arquivo para baixar nos buscadores de torrent.

Entramos de fato num período de distribuição de áudio e vídeo em tempo real, sem a necessidade do download. Todas as perspectivas apontam que a transmissão de vídeo online é o futuro, o tráfego que mais aumenta na internet. Por exemplo: no Brasil, 84% das pessoas que usam internet assistem vídeos; entre estes, o consumo é de 38 horas por semana. Sete em cada 10 brasileiros tem um smartphone, e quase 90% deles consome audiovisual no celular, segundo pesquisa do Google. Produção audiovisual, sem dúvida, é a aposta para distribuição e consumo de cultura nos próximos anos.

REDES SOCIAIS,  DE COMUNIDADES DE NICHOS À MANIPULAÇÃO MASSIVA PELOS ALGORITMOS

Redes sociais existem desde que foi criado o mundo, mas as redes sociais online no Brasil tem um marco importante: o Orkut, uma plataforma que durou 10 anos — lançada em 2004, encerrada em 2014 — e que marcou a internet brasileira na primeira década do século XXI. Seu projetista chefe, Orkut Büyükkökten, engenheiro turco do Google, pensou no público norte-americano, mas acertou em cheio no brasileiro. O Brasil chegou a 30 milhões de usuários no auge da rede social, entre 2006 e 2009, antes de cair em vertiginosa queda com a ascensão do Facebook, lançada em 2004 mas só popularizada para milhões no final da década passada. Uma história conhecida por pouca gente no Brasil é que o estopim da explosão do Orkut no país teve como responsável o ativista da internet livre — e letrista da legendária banda Grateful Dead — John Perry Barlow. Ocorre que, no início, como estratégia, só entrava na rede quem tinha um convite. Orkut deu 100 convites a Barlow, que distribuiu estes convites quase todos a brasileiros que ele conhecia. A teoria de Barlow, um dos fundadores da Electronic Frontier Foundation, é que o Brasil seria uma sociedade em rede pronta para receber uma rede social, porque as redes sociais já existiriam no país de maneira analógica com muita força.

Sem entrar no mérito da razão do brasileiro aderir com tanta vontade às redes sociais, o fato é que o Brasil tem um uso diferenciado das redes. Mergulhou no Orkut, e depois no Facebook, com milhões de usuários que passam lá mais horas do que outros países.

Grupos de compartilhamento de produtos culturais, de discografias inteiras de artistas às obras completas de filósofos, já foram um dos principais motivos que fizeram os brasileiros passarem horas nessas plataformas, em especial no Orkut, onde o grande fluxo de informação se dava nos grupos, dos mais diversos assuntos possíveis, um mosaico de tão incríveis diversidades que, na época que começou a queda da plataforma criada pelo engenheiro turco, em 2011, alguns pesquisadores, como o brasileiro Ronaldo Lemos, chegaram a levantar a possibilidade de salvar a memória da plataforma dada à sua importância no Brasil. “Se a nossa Biblioteca Nacional tiver um mínimo de visão e conexão com o presente, deveria começar a agir já. É preciso preservar o conteúdo integral do Orkut, criar um espelho público do site que registrou boa parte do que aconteceu nessa incrível década passada”, escreveu Lemos em “Salvem a Memória do Orkut!“. Não houve interesse da Biblioteca Nacional nem de nenhuma outra instituição de memória brasileira nem internacional, e o que circulou no Orkut lá morreu.

A queda do Orkut e a ascensão do Facebook como principal rede social mundial, em 2018 com a impressionante marca de mais de 2 bilhões de usuários em todo o planeta, também marca o aumento de uma internet que, por falta de termo melhor, podemos chamar de “algoritmizada”. Com cada vez mais pessoas conectadas à internet, mais rastros digitais foram sendo deixados, o que permitiu a criação de algoritmos — processos que automatizam outros processos, à grosso modo — de monitoramento, cruzamento e apresentação de informações de nosso comportamento online. O resultado dessa mudança é amplamente conhecido: mais conforto para nós, que não precisamos mais nos esforçar para encontrar produtos e informação na rede, basta deixar as próprias plataformas sugerirem o que queremos a partir de nossos dados de navegação na web ou em aplicativos. E também mais facilidade para a manipulação de grandes massas de população através de métodos psicológicos baseados no comportamento online dos indivíduos, vide o escândalo da Cambridge Analytica, caso que mostrou ao mundo até que ponto o uso de big data — outro termo popularizado pós-Orkut — pode ser usado para influenciar eleições, seja a de Donald Trump nos EUA ou o processo do Brexit na Inglaterra.

Vale lembrar que, simultaneamente ao desenvolvimento e à massificação dos smartphones vimos surgir também uma infinidade de aplicativos para celular, os chamados apps. Atualmente, o maior uso que se faz dos apps está diretamente relacionado a redes sociais ou variações disso, grupos de troca de mensagens que podem ser considerados micro-redes sociais (às vezes com centenas de pessoas). A lista dos apps mais populares em 2017 tanto para Android quanto Iphone, no mundo, feita pela Fortune, incluía Whatsapp, Snapchat, YouTube, Facebook Messenger, Instagram, Facebook, Google Maps, Netflix, Spotify e Uber. Nos EUA, Twitter e Pinterest também integram a lista com o maior número de usuários ativos em 2018.

Para finalizar e resumir nossa discussão aqui, podemos dizer que a questão que dá origem a este ensaio, “por onde circula a cultura na internet”, talvez já não seja a maior preocupação atual, no entanto. A cultura e a informação em geral circulam mais pela internet do que jamais circularam antes, por múltiplos canais, produzidas em todas as partes, por todo mundo, com as mais variadas qualidades. Outras questões agora começam a ser formuladas. Quando o acesso é praticamente ilimitado, como encontrar qualidade? Como ter acesso à diversidade, dentro dos filtros-bolha? Quem fará a curadoria de tal massa cultural mundial? Quem programa os algoritmos que escolhem por você? Quem determina as sugestões que serão oferecidas a você pelas inteligências artificiais, e quais são os verdadeiros propósitos dessas sugestões? São as perguntas que, em 2018, dominam as pesquisas acadêmicas em múltiplas áreas (da computação à antropologia, da sociologia ao design) e dominam o noticiário mundial, preocupando todos aqueles que se importam em escolher o que consomem na rede mais do que serem escolhidos pelos próprios produtos a serem consumidos.

* O livro inteiro pode ser baixado aqui. É um livraço (em conteúdo e peso, rs) pra quem se interessa por cultura. Temos 10 exemplares, quem quiser um grátis nos escreva: info@baixacultura.org

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Tecnopolítica e contracultura – a estreia de um curso https://baixacultura.org/2019/01/17/tecnopolitica-e-contracultura-a-estreia-de-um-curso/ https://baixacultura.org/2019/01/17/tecnopolitica-e-contracultura-a-estreia-de-um-curso/#respond Thu, 17 Jan 2019 19:42:03 +0000 https://baixacultura.org/?p=12712
Se nos anos 1990, com o casamento do digital com a internet, enxergávamos enormes possibilidades de libertação (da informação de grandes grupos midiáticos, de liberdade de falar o que bem quiser, de criar tecnologias e mundos novos), hoje parece que estamos a lidar com consequências nefastas, representadas em uma palavra na moda nestes tempos: distopia.

Nos descuidamos – ou não conseguimos? – prestar atenção na ascensão de plataformas globais de tecnologia, que por sua vez construíram bolhas de informação que confirmam pontos de vista, espalham mentiras e criam realidades alternativas que em muitos casos não há informação comprovada que consiga mudar. Como podemos compreender o contexto tecnopolítico hoje? Que caminhos podemos apontar para discutirmos e transformarmos a política que sempre está junto na construção de tecnologias?

Para tentar fazer melhores perguntas e aproximarmos de respostas que nos convoquem pra ação, propomos esse curso: “Tecnopolítica e Contracultura“, que vai estrear no Centro de Pesquisa e Formação do SESC, em São Paulo, nos dias 11, 12 e 13 de fevereiro, das 14h às 18h, conduzido por o editor desta página, Leonardo Foletto, e Leonardo Palma, pesquisador independente, agitador cultural radicado em Santa Maria-RS, ativista da Rede Universidade Nômade e um profundo conhecedor da obra dos autonomistas italianos a partir da década de 1970. O curso busca resgatar um pensamento tecnopolítico em quatro momentos: 1) os autonomistas italianos da década de 1970;  2) pós-operaísmo, altermundistas, Fórum Social Mundial e mídia tática dos 1990; 3) hackers: paranóicos visionários, dos 1980, 1990 e 2000; e o 4) hoje, com a ascensão das redes sociais como principais espaços de discussão pública nas redes digitais e o fim da internet como a conhecemos nos 1990 e 2000.

Começamos nosso percurso pelos autonomistas surgidos no maio de 68′ italiano que durou mais de uma década. Falaremos do contexto de surgimento desse, digamos, movimento, sua construção no final dos 1960 com o importante papel das revistas (em especial, Quaderni Rossi, Clase Operaia, Primo Maggio) em tornar palpável a produção de subjetividade, por em circulação e entendimento certos conceitos e ideias; da articulação com a universidade (estudantes e professores) e com os operários das fábricas italianas; da construção de alguns aparatos sociotécnicos baseados nas ideias em circulação, como a Rádio Alice; e de como todo o fértil cenário contracultural estabelecido na Itália dessa época foi dissolvido, com a criminalização e o exílio de muitos de seus participantes. Trabalharemos nessa parte com autores e histórias de Antonio Negri, Franco “Bifo” Berardi, Paolo Virno, Maurizio Lazaratto, Mário Tronti, Giorgio Agamben, Silvia Federici, entre outrxs.

Passamos então para um segundo momento, final dos 1980 e início dos 1990, trazendo histórias, textos & aparatos do pós-operaísmo, altermundistas, net-art e mídia tática. A partir da saída de Negri da prisão (1983) e seu exílio na França, sua obra começa a ser redescoberta por uma esquerda ligada mais a Foucault, Deleuze e Guatarri do que aos “partidos” institucionalizados. Os Zapatistas de Chiapas, no México, recuperam os autonomistas italianos e praticamente inauguram um ciberativismo/hackativismo na então novata internet dos 1990, com ações na rede e fora dela que vão influenciar a potencialização do movimento altermundista e na Ação Global dos Povos, que explode a partir de 1999, em Seattle, e segue pelo menos até 2003. Essa rede pós-operaísmo está articulada com o nascimento do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, 2001; com um movimento potente de cultura digital (“networked cultures”) que propagou o conceito de mídia tática, muito propagado e trabalho no brasil dos 2000;  com coletivos como Luther Blisset, Wu Ming, Critical Art Ensemble; e com muitxs pesquisadores em torno da Nettime, lista de e-mails, até hoje ativa, que reúne alguns teóricos-práticos europeus da área, como Geert Lovink, Felix Stalder, John Holloway, Trebor Scholz, Bruce Sterling, entre outrxs.

Na terceira parte, miramos um grupo de fazedores e pensadores que atua em paralelo aos autonomistas e altermundistas, às vezes se relacionando com estes e em outras não: os hackers. Surgidos enquanto grupo de pessoas e uma (contra) cultura no final dos 1960, os hackers se propagam pelos 1970, com a criação da internet e o começo da popularização dos computadores pessoais, pelos 1980, com o movimento do software livre, do copyleft e via hackerspaces, laboratórios de garagem que serão a base de um movimento, em especial em sua versão européia e latino-americana, que pratica a (contra) cultura tecnológica a partir dos princípios da autonomia digital, da segurança da informação e das táticas antivigilências. Aqui, destacamos alguns textos, ideias e projetos de Richard Stallman, criador do movimento do software livre e ainda hoje preside de Free Software Foundation, Gabriela Coleman, Tatiana Bazzichelli, Eric Raymond, Richard Barbrook, Pekka Himanen, Chaos Computer Club, Julian Assange, Linus Torvalds, entre outrxs também brasileirxs ligados aos grupos da MetaReciclagem, Transparência Hacker, BaixoCentro, Casa da Cultura Digital.

No desfecho, falamos do espírito da “Ressaca da Internet” já comentado em texto por aqui, mas que aprofundaremos no curso. e dos tempos de “decomposição” que vivemos, onde cada vez mais o “autômato” está tomando toda nossa força de imaginação, como fala Bifo em recente palestra na Argentina, em Novembro de 2018. Bifo, aliás, é um dos elos entre todos s momentos do curso; está presente da Itália dos 1970 aos altermundistas dos 1990, ainda hoje ativo pensando, escrevendo e propagando a ideia de que não devemos nos acomodar com a ascenção fascista que nos cerca, em especial no Brasil e na América Latina, e que a força de nosso pensamento e do conhecimento é demasiadamente mais rica do que a que apresentada neste cenário brutal em que vivemos neste 2019.

Como aperitivo do curso, o vídeo de Bifo acima comentado está aqui abaixo e sintetiza algumas questões a serem abordadas entre 11 e 13 de fevereiro. Aos que não forem de SP, aguardem, montamos esse curso com muito estudo e gosto para circular em outras cidades também. Inscrições e mais informações no site do Sesc.

Créditos imagens: divulgação do curso; autonomismo italiano; altermundismo; hackers;

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Retrospectiva 2018 https://baixacultura.org/2018/12/27/retrospectiva-2018/ https://baixacultura.org/2018/12/27/retrospectiva-2018/#respond Thu, 27 Dec 2018 12:48:45 +0000 https://baixacultura.org/?p=12682

Na última edição do ano de nossa newsletter (já assinou?) em parceria com a CCD POA, fizemos uma retrospectiva de 2018 a partir das nossas 18 edições enviadas quizenalmente, entre abril e dezembro. Mais uma vez começamos uma tradição que não sabemos quanto tempo vai durar, mas desde o princípio do Baixa gostamos disso. Segue abaixo a recompilação mês a mês, com os links para as íntegras de cada boletím e a data do mês em que cada uma foi enviada. Ao final, apresentamos uma nuvem de tag com todas as 137 páginas de texto Arial 11 espaçamento simples que renderam as 18 edições dos boletins. Aguarde a próxima em 10 de janeiro de 2019, com novidades. Boa virada e que 2019 seja um ano potente!

abraços,
Leonardo Foletto,
editor do BaixaCultura

Abril (19)

Nossa news começou em abril com um tema que seria comum aqui até o final do ano: Ressaca da Internet, que depois viraria texto no BaixaCultura e no Outras Palavras. Também foi a edição em que comentamos o “vazamento” dos dados do Facebook via Cambridge Analytica, uma situação que criaria ainda diversas notícias no ano, como o depoimento de Mark Zuckerberg no Senado Americano, e desencadearia uma crise na maior rede social digital do planeta que não parece terminar em 2019. Falamos também do financiamento recorrente do BaixaCultura no Apoia.se, um primeiro experimento para tentar viabilizar a mídia alternativa digital sobre cultura livre & tecnopolítica, que continua firme e querendo ser maior – em dezembro de 2018 temos 42 apoiadores mensais, das quais agradecemos muito. A íntegra dessa edição primeira pode ser lida aqui.

Maio  (3, 10 – edição especial Cryptorave, 24)

Maio foi um mês com três boletins. A edição #2 (leia completa) teve um texto que, hoje, soa até mais instigante que antes – Que tal nós mesmos usarmos e agregarmos valor aos dados que produzimos na internet? E também começamos os inúmeros relatos sobre o dilema Google x Ética. Teve edição especial (leia aqui) com a cobertura da CryptoRave 2018, realizada em 4 e 5 de maio na linda Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Foi também momento de discutir ética e inteligência artificial e a moribunda neutralidade da rede nos EUA, em nossa edição #4 (leia completa). Já nos informes nossos, publicamos no BaixaCultura uma BaixaCharla com Rodrigo Savazoni e Geórgia Nicolau, do Instituto Procomum, em Santos, lugar a qual um dos que cá escreve nesse boletim, Leonardo Foletto, voltaria algumas vezes ainda em 2018 para documentar o processo da instigante Colaboradora; e o Diálogos Abertos #1, nosso programa de conversa por streaming, no qual falaríamos, é claro, do caso do Facebook (disponível aqui na íntegra).

Junho (7 e 21)

Em junho começamos a relatar mais de perto a votação da Lei de Proteção de Dados Pessoais, como se percebe na edição #5 (aqui na íntegra), que entre outros vários assuntos, traz um alerta sobre as mudanças no WhatsApp impostas pelo Facebook (e que abriram as portas para o caos dos impulsionamentos de “notícias”), divulga a interessante pesquisa de Bia Martins sobre os hackerspaces do Brasil e a polêmica compra do GitHub pela Microsoft. Devido a série de notícias e informações que publicamos à época e que de alguma forma põe fim a utopia de uma internet livre e neutra, nossa edição número #6 (íntegra aqui) teve como texto inicial “A distopia da realidade”, onde, entre outros tópicos, falamos que todo esse mundo de vigilância digital que vivemos hoje foi “previsto” pelos hackers e pelos ativistas mais antigos do software livre, como o próprio Richard Stallman – que sempre foram chamados de paranóicos… Não por acaso, nossa segunda edição do Diálogos Abertos debateu do fim da internet como a conhecemos.

Julho (5 e 19)

Julho foi o mês de, além de acompanhar as votações no congresso e a pauta tecnopolítica global, falar do caso da Abin e o seu desejo em ser a NSA brasileira e do insólito caso do “El Paquete Cubano”, como vocês podem ler na edição #7 da newsletter. Também foi mês de dar dicas de leitura, vídeos e bots para acompanhar, falar um pouco do machismo no mundo da tecnologia a partir de uma situação do 18º FISL (Fórum Internacional do Software Livre), de retomar o sempre pertinente assunto da reforma da lei de direitos autorais, e de divulgar os resultados da State of Commons, mapeamento anual de produtos licenciados em Creative Commons  ao redor do mundo, como vocês podem ler na edição #8 do boletim.

Agosto (2, 16 e 30)

Agosto teve três edições de nossa newsletter. Na primeira (#9), nos (re) perguntamos, dados às situações à época ocorridas, se a democracia estaria ameaçada pelo uso malicioso da tecnologia – mal sabíamos que nas eleições teríamos um caso para chamar de nosso nesse contexto… Falamos da epidemia das fake news e fizemos uma terceira edição do Diálogos Abertos justamente sobre isso. Também citamos as primeiras preocupações com aplicações indevidas da tecnologia de reconhecimento facial e novamente, Google x Ética. No BaixaCultura, fizemos uma “reportagem work-in-progress” (ou seja, sempre em construção) sobre as redes livres, trouxemos um relato do ESOCITE (Estudios Sociales de la Ciencia y la Tecnología) em Santiago do Chile e falamos de como o RSS pode ser usado para fugir dos algoritmos nada transparentes que selecionam as informações para nós nas redes sociais. Você pode ler tudo mais que informamos em agosto nas edições #10 e #11, com destaques para os vetos da nossa LGPD (ainda não derrubados, pois é), a culpa do zero rating na propagação das fake news e o lançamento do Fato jurídico da quinzena.

Setembro (14 e 27)

Na seara dos direitos digitais, em setembro tivemos duas notícias importantes vindas da Europa: a condenação do serviço de inteligência britânico GCHQ pelo programa de vigilância em massa das comunicações, prática revelada lá em 2013 por Snowden. E a aprovação, pelo Parlamento Europeu, do projeto de lei de direitos autorais chamado de “Copyright Directive”, que, se posto em prática, criará um cenário de restrição pesado de liberdade de expressão no Velho Continente, o que certamente respingará por aqui. Detalhamos ambas notícias na nossa edição #12, enquanto que na seguinte destacamos o aniversário (10 anos!) do BaixaCultura, apresentamos o Diálogos Abertos #4 com um bate-papo e uma apresentação de ferramentas para acessar uma internet livre e segura e comentamos sobre o perigoso projeto Dragonfly, um mecanismo de pesquisa feito pela Google sob medida para a China, com a censura já colocada desde o princípio. O projeto foi cancelado agora em dezembro, se tornando um ótimo exemplo de como ações de oposição às grandes corporações as vezes funcionam.

Outubro (11 e 25)

Em plena eleições brasileiras, nos perguntamos: como os bots arruinaram o click ativismo? Enxurrada de bots, perfis falsos de redes sociais, envio ilegal de mensagens de WhatsApp… as edições de outubro – a #14 e a #15 – trouxeram uma seleção de informações e comentários que foram influenciados pela batalha eleitoral que tivemos neste 2018. Mas não só: falamos também da possibilidade de criminalização da criptografia, trouxemos uma agenda só de eventos de tecnologia voltado para mulheres, via Ada.vc; no BaixaCultura, trouxemos um longo e importante texto de como pesquisar anonimamente com o melhor e mais seguro buscador na rede, DuckDuckGo, enquanto que realizamos, como co-organizadores ao lado da Data Privacy Brasil e da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), o Workshop Lei de Proteção de Dados Pessoais, em Porto Alegre.

Novembro  (8 e 22)

Se antes das eleições brasileiras já falávamos em distopia, depois, com a eleição de Jair Bolsonaro como presidente no Brasil e um congresso tomado pela bancada BBB (bala, boi e Bíblia) e outros péssimos governantes como deputados e governadores, aí a distopia virou mesmo realidade. Retomamos, tanto na #16 quanto na edição #17, a questão da dependência tecnológica que ameaça a democracia, assim como voltamos (ou melhor: nunca paramos de) a falar do Facebook, que agora passou a vender nossas mensagens privadas por 10 centavos. Também falamos de coisas boas: o Encontro de Cultura Livre do Sul, que reuniu cerca de 200 pessoas de toda a ibero-américa em 3 dias intensos de debates, rodas de conversa, exposições em videoconferências na rede que já estão todas disponíveis no link acima. E do(s) lançamento(s) do novo zine do BaixaCultura, “A Ideologia Californiana”, de Richard Barbrook e Andy Cameron, primeiro volume da coleção Tecnopolítica, editada em parceria com a Monstro dos Mares.

Dezembro (7)

Começamos o último mês do ano, este que ainda estamos enquanto você recebe esse boletim de informações por e-mail, um pouco cansados de tudo que passou nesse intenso 2018. Mas não deixamos de trazer notícias e análises importantes, como uma excelente matéria no El País que se pergunta: ainda é possível resgatar a essência da web como espaço aberto e neutro? Nela,  são apresentados o que alguns pioneiros (Tim Berners-Lee, Jaron Lanier, Douglas Rushkoff) tem trabalhado em projetos que buscam um retorno à essência da web como espaço aberto, gratuito, neutro, seguro e construído por todos. Na edição #18, falamos também das criptofestas que ocorreram no final do ano, em especial a CripTRA, em Maquiné-RS, que participamos com algumas rodas de debate sobre mídia, privacidade, criptografia e articulação de uma rede de apoio para a segurança na internet aqui no Sul.

O top10 das palavras mais utilizadas nas newsletter desse ano:
Dado: 341; Rede: 240; Internet: 237; Livre: 203; Lei: 199; Direito: 183; Ser: 175; Projeto: 171; Tecnologia: 169; Empresa: 165.
Essas palavras dizem algo para você? Talvez não muito, mas é interessante e divertido de “resumir” nossos textos em algumas palavras mais usadas.

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A internet sob ataque cada vez mais forte https://baixacultura.org/2018/02/22/a-internet-sob-ataque-cada-vez-mais-forte/ https://baixacultura.org/2018/02/22/a-internet-sob-ataque-cada-vez-mais-forte/#respond Thu, 22 Feb 2018 13:11:07 +0000 https://baixacultura.org/?p=12168

Estamos sendo todos vigiados, a internet é uma máquina de controle quase perfeita, nossos dados são o “novo petróleo” para empresas digitais, o Marco Civil foi desfigurado no congresso e na prática: a internet está sob ataque, e você sabe disso. A ideia improvável que uniu hackers, hippies, acadêmicos, militares e empresas nos anos 1960, e que se tornou uma realidade mundial na década de 1990, não é mais o que prometia ser. E ninguém sabe ao certo o que ela poderá se tornar, mas pelo menos ter um panorama do que está sendo feito hoje, neste quase final da segunda década dos anos 2000.

Todos os temas do parágrafo acima estão de alguma forma debatidos na mini-série “XPLOIT – Internet sob Ataque“, produção da TVDrone em parceria com a Actantes, TVT e Henrich Böll Stiftung, em 2017. Os seis episódios da série abordam “uma guerra silenciosa que acontece longe dos PCs, laptops e dispositivos móveis mas cujo o resultado interfere diretamente em nossas vidas online e offline”, como diz o texto de apresentação. Contou com a fala de um grupo de entrevistados que vai de Richard Stallman ao jornalista James Bamford, passando pela advogada Flávia Lefèvre, a jornalista Bia Barbosa (do Intervozes), a cientista social Esther Solano e o sociólogo e ciberativista Sérgio Amadeu da Silveira, e tem o mérito de introduzir qualquer pessoa em alguns meandros das disputas políticas políticas e econômicas que trazem consequências diretas em nossos diretos essenciais, dentro e fora do mundo digital. A direção de XPLOIT é de Fabrício Lima e a produção Executiva de André Takahashi. Vale destacar também que, no finald e 2017, receberam o prêmio de “Melhor Série de Documentário” no festival Rio WebFest.

Confira aqui abaixo (e na nossa BaixaTV) os 6 episódios da série

EPISÓDIO 1: Democracia Hackeada

O “Hackeamento” do Marco civil pelos poderes que deveriam zelar pelo estado democrático de direito e suas consequências direito uma democracia é o foco central do episódio. Há entrevistas com Sérgio Amadeu, Veridiana Alimonti, Bia Barbosa, Cristiana Gonzalez e Flávia Lefévre.

EPISÓDIO 2: Força Bruta

Neste episódio, fala-se da perseguição aos ativistas a partir das plataformas digitais, “23 do Rio”, o caso Balta Nunes e os ataques nos espaços periféricos. Entrevistas com Camila Marques, Esther Solano, Guilherme Boulos, Leonardo Sakamoto, de novo Sérgio Amadeu e Silvio Rhatto.

EPISÓDIO 3: Colonialismo 2.0

Como a concentração da infraestrutura da internet nas mãos de alguns países e empresas e a monocultura das grandes aplicações acaba desenhando contornos que lembram o período colonial entre os séculos XVI e XX, impondo uma dependência para seu funcionamento e restringindo a pluralidade sonhada pelos seus pioneiros. Com Carla Jancz, Rodolfo Avelino, Marina Pitta e Carlos Cecconi.

EPISÓDIO 4: Big Brother Big Data

Informações pessoais são o novo commoditie. E para desfrutar desse mercado valioso, empresas em todos os setores realizam uma caça indiscriminada de dados particulares em todo o mundo com consequências reais nas vidas das pessoas mesmo fora do ambiente digital. Planos de saúde recusados, crédito pessoal negado e produtos mais caros estão diretamente ligados à “listas de risco” baseada em uso de aplicativos ou bancos de dados de serviços e a compra e venda de bancos de dados – inclusive de serviços públicos. Diante disso, o congresso nacional vai cedendo ao lobby das corporações e protelando há quase 10 anos uma lei fundamental de proteção de dados pessoais. Falas de Rafael Zanatta, Sérgio Amadeu e Marina Pitta.

EPISÓDIO 5: Da liberdade ao controle

No seu início a internet era um universo de possibilidades. O navegador era uma janela para múltiplos espaços, pensamentos e invenções. Mas o mundo que conhecemos antes da rede mundial de computadores ser criada, não pode permitir que nada exista sem controle. E para um mundo de regras rígidas e relações de poder constituídas inflexíveis não pode permitir que um outro mundo espelhado nele possa existir de uma forma diferente. Assim, tanto corporações quanto Estados nacionais foram se apropriando, amarrando, restringindo e moldando a Internet. Mas nem sempre a Internet esteve sob controle. Houve uma outra internet que muitos já nem se lembram. Neste episódio tem Richard Stallman, Leo Germani, Pegs, Carlos Cecconi e Sacha Costanza-Chock.

EPISÓDIO 6: Resistência

A internet de hoje consegue agregar os piores pesadelos dos Estados totalitários com o ultra-liberalismo econômico. Controle da inovação, restrição do fluxo de ideias, guerra cibernética e caça aos dados pessoais dos usuários. Mas diante desse panorama, é possível resistir? Como e porquê vamos resistir? Entrevistas com Richard Stallman, Pegs, Leo Germani, James Bamford e Sacha Costanza-Chock.

 

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