Resultados da pesquisa por “morozov” – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Sun, 19 Jan 2025 22:19:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Resultados da pesquisa por “morozov” – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Os interrompidos sonhos aceleracionistas da cultura popular https://baixacultura.org/2024/05/16/os-interrompidos-sonhos-aceleracionistas-da-cultura-popular/ https://baixacultura.org/2024/05/16/os-interrompidos-sonhos-aceleracionistas-da-cultura-popular/#comments Fri, 17 May 2024 00:02:48 +0000 https://baixacultura.org/?p=15653  

A proliferação da inteligência artificial generativa tem nos feito, nos últimos meses, redobrar o interesse por um conjunto de ideias agrupadas em torno do nome aceleracionismo. O termo tem lastro na teoria e filosofia política há pelo menos uma década. Nos últimos anos, tem ganhado repercussão também a partir da busca recente de empresas de IA generativa, como a Open IA, por uma “Inteligência Artificial Geral” que vá substituir ou superar a capacidade humana de pensar. Isso implica também na popularidade de ideias semelhantes como a singularidade, popularizada por Ray Kurzweil, que relaciona o crescimento tecnológico desenfreado da “super inteligência artificial” à mudanças irreversíveis ​​na civilização humana.

Usado a partir de “The persistence of Negative”, artigo de Benjamin Noys de 2010, o aceleracionismo tem como premissa a aceleração das forças do capital como meio de desterritorializar o sistema capitalista. É uma heresia política: “a insistência de que a única resposta política radical ao capitalismo não é protestar, agitar, criticar, nem tão pouco esperar seu colapso nas mãos de suas próprias contradições, mas sim acelerar suas tendências ao desenraizamento, à alienação, à decodificação, à abstração”, na definição de Armen Avanessian e Mauro Reis na introdução do ótimo “Aceleracionismo: estrategias para una transición hacia el postcapitalismo

O livro, publicado pela editora argentina Caja Negra em 2017, compila vários textos ainda não muito conhecidos no Brasil, como o “Manifesto por uma Política Aceleracionista”, de Nick Srnicek e Alex Willians, “Meltdow” e “Crítica do Miserabilismo Transcendental” de Nick Land, “Reflexões sobre o Manifesto por uma política aceleracionista” de Antonio Negri , “O Aceleracionismo questionado desde o ponto de vista do corpo” de Bifo Berardi, “Red Stack Attack! Algoritmos, capital e a automatização do comumde Tiziana Terranova, “O labor do inumano” de Reza Negarestani, entre outros, inclusive o texto apresentado logo abaixo, de Mark Fisher.

Duas visões disputam o aceleracionismo. A primeira é a apocalíptica, elaborada principalmente por Nick Land, filósofo cocriador (ao lado de Sadie Plant) do CCRU (Cybernetic Culture Research Unit) – herético grupo de pesquisa/coletivo teórico criado em 1995 na Universidade de Warwick, do qual Mark Fisher fez parte. Mais tarde, Land se tornaria um dos principais ideólogos da extrema direita mundial, apoiador de Trump e até mesmo de Bolsonaro, mentor de gente como Mencius Moldbug e Peter Thiel, reza a lenda que auto-exilado em Shangai já há alguns anos – uma parte de seus textos entre 1987 e 2007 estão compilados no livro “Fanged Noumena”, de 2011.

Figura excêntrica, Land falava já em 1993 (no texto “Meltdown”) que os humanos são apenas “meat puppets” (fantoches de carne) do capital, um obstáculo a ser superado para que o capitalismo alcance seus objetivos transhumanistas de adquirir agência própria a partir da aceleração descontrolada das finanças e da Inteligência Artificial, rumo ao caos e a destruição do planeta. Esta visão anti-humanista e monstruosa, que parece sair de um filme de terror gore, nasce de “uma crítica ao tom celebratório às tendências desterritorializantes do capitalismo”, como afirmam Victor Marques e Rodrigo Gonsalves no posfácio à edição brasileira de “Realismo Capitalista”, de Mark Fisher, lançada em 2020 pela Autonomia Literária. Ela dobra a aposta em orientação a um futuro onde a humanidade se tornaria um entrave ao desenvolvimento do tecno-capital, uma ideia que, por mais estranha e grotesca que possa parecer, serve de pano de fundo hoje para gente como Elon Musk e sua obsessão com a colonização de outros planetas, e também para o “anarcocapitalismo” de Javier Milei, na Argentina. Land considera o tecno-capital como o verdadeiro sujeito da história, sendo a humanidade o seu hospedeiro e não seu mestre – um tipo de frase que poderia sair da boca do presidente argentino num programa ruim de TV transmitido por streaming, com Milei vociferando ferozmente ladeado por seus quatro cachorros clonados pela empresa PerPETuate a partir do DNA do Conan, seu enorme mastim inglês morto em 2017.

A outra visão em disputa do aceleracionismo seria aquela mais à esquerda, adotada por Fisher a partir de 2010, onde ela afirma que ser aceleracionista é, seguindo a máxima de Bertold Brecht, “não começar das coisas boas e velhas, mas das coisas novas e ruins”. Um “recuar para a frente”, mesmo que “através da merda do capital”, para adotar uma postura não contrária à tecnologia ou neoludista, como às vezes ecoa em certa parte da esquerda, mas sim uma que possa avaliar “que tipo de inovações técnicas podem ser apropriadas a serviço da emancipação humana”, como afirmam Marques e Gonsales no posfácio à Realismo Capitalista. Nessa visão, é forte a presença do imaginário do fim do trabalho, de longa tradição teórica (remetendo inclusive ao primeiro livro escrito pelo já citado Bifo, “Contra Il lavoro”, publicado em 1970) em que a inteligência artificial, por exemplo, poderia estar à serviço da humanidade, reduzindo o trabalho repetitivo e deixando as pessoas com mais tempo para o lazer, os cuidados e o prazer. Este imaginário utópico-otimista está presente em obras como “Pós-Capitalismo: um guia para o nosso futuro”, de Paul Mason (2017), publicado (e fora de catálogo) no Brasil pela Cia das Letras, e “Comunismo de Luxo Totalmente Automatizado”, de Aaron Bastani, lançado em 2022 pela Autonomia Literária.

O texto “Manifesto por uma política aceleracionista”, de Nick Srnicek e Alex Willians, é central nessa visão, pois sintetiza uma disputa de imaginário de futuro à esquerda, pós-capitalista, para também desnaturalizar a ideia do realismo capitalista de Mark Fisher em que o capitalismo virou o “padrão” com o qual nenhuma outra forma política estrangeira pode disputar. Como escrevem Srnicek e Willians, “o que o aceleracionismo promove é um futuro mais moderno; uma modernidade alternativa que o neoliberalismo é intrinsecamente incapaz de gerar”. Ainda que esse futuro pós-capitalista seja uma incógnita, é necessário tentar imaginá-lo para que se consiga mobilizar coletivamente uma renovação política, econômica e social na esfera do desejo. Algo que, hoje, a extrema-direita consegue fazer muito bem ao se apropriar do discurso “anti-sistema” ultraliberal e neorreacionário, idealizado por figuras como Land.

Aqui entra o conceito elaborado pelo CCRU de hiperstição, que fala da necessidade de inventar futuros ficcionais para que eles possam se tornar reais. Para Fisher, seria necessário pensar uma prática hipersticional comunista que, por sua vez, tivesse algo de pragmático, para que não caia na utopia vazia que nos deixa na posição cômoda de estar com as mãos limpas, mas inúteis – e derrotadas. No campo da disputa de imaginários tecnológicos, ainda que não associados ao aceleracionismo, o resgate da história do Cybersin, por Evgeny Morozov em “The Santiago Boys”, entraria nessa linha, ao relembrar os erros da tentativa de construção de um sistema técnico que ligasse dezenas de fábricas no Chile de Salvador Allende nos anos 1970 [a principal referência aqui é “Cybernetic Revolutionaries: Technology and Politics in Allende’s Chile”, de Éden Medina]. Poderíamos incluir aqui também o Cooperativismo de Plataforma e a sua potente ideia da posse das plataformas ser distribuída de forma coletiva entre seus cooperados, e também o “Oráculo de Tecnologias Transfeministas”, criado pela Coding Rights (por Joana Varon e Sasha Constanza-Chok, com ilustrações de Clarote), um projeto que fornece ferramentas para permitir um brainstorming coletivo sobre imaginários alternativos, mais inclusivos e diversos, em torno das tecnologias.

O texto abaixo, produzido em 2013 (quatro anos antes da morte de Fisher), se apresenta não como um programa de ações do aceleracionismo, tal qual o já citado “Manifesto por uma política aceleracionista”, mas como uma análise política da cultura – a cultura musical, como Fisher costumava gostar de trazer, mas também a comportamental. A partir da crítica musical e cultural de Ellen Wilis, Fisher analisa como a direita neoliberal individualizou os desejos coletivos que a contracultura abriu nos anos 1960 para, então, reivindicar esse novo terreno – e a partir daí, cooptar a contracultura e reduzir seus ideias libertários a “relíquias estéticas” destituídas de sua radicalidade política inicial.

Nesse ponto, a esquerda dos final da década de 1990 e do início dos 2000, algo perdida após o altermundismo e a proliferação massiva da internet e das tecnologias digitais, passa a ser até mesmo anti-aceleracionista: “é reduzida a defender, sem competência, relíquias na forma de compromissos antigos (a social-democracia, o New Deal) ou a extrair um gozo tíbio de seu próprio fracasso em superar o capitalismo”, como Fisher escreve. Citando Wendy Brown, ele afirma que esta esquerda passa a buscar refúgio no familiar e no tradicional sem qualquer impulso para a frente ou orientação própria, um tipo de melancolia que contribui para o fracasso da cultura popular em gerar sonhos – inclusive estéticos – novos, que avancem radicalmente na direção de um “outro” ainda não existente. Daí vem a sugestão do aceleracionismo de Fisher em reforçar a necessidade também de um imaginário aceleracionista para a cultura. Ele, porém, não chega a apontar diretamente elementos desse imaginário, embora critique em outro texto (“Fantasmas da Minha Vida”, lançado no Brasil em 2022) o  “modo nostalgia”, expressão criada por Fredric Jameson nos anos 1980 para se referir aos cada vez mais comuns pastiches pós-modernos dos anos 1980 que se apegam à forma e as técnicas do passado. O “modo nostalgia” reverbera a sensação, compartilhada também por Bifo em “Depois do Futuro” (lançado no Brasil em 2019 e já comentado por aqui), de um “lento cancelamento do futuro”, ou da dificuldade de imaginar futuros na arte decorrente também do afogamento pela superoferta de informação libertada na rede.

Fisher provavelmente não tinha conhecimento dos avanços transfeministas, indígenas e afro futuristas das ações autônomas tecnológicas na América Latina, na África e na Ásia. Possivelmente também não conhecia o kuduro angolano ou o funk brasileiro, ritmos e estéticas musicais que, na nossa visão, apontam para o futuro – um futuro algo precário, muito remixador e globo periférico [como já falávamos em 2010!]. Um futuro que, mesmo olhando para o passado, traz elementos novos, talvez ainda não compreendidos o suficiente por uma classe intelectual política de esquerda. Ainda assim, a análise de Fisher é importante como diagnóstico e organização de caminhos possíveis para novos imaginários também tecnológicos – aceleracionistas ou não.

 

[Leonardo Foletto e Victor Wolfenbüttel]

“Uma revolução social e psíquica de magnitude quase inconcebível”: os interrompidos sonhos aceleracionistas da cultura popular 

Mark Fisher

Tradução: Victor Wolfenbüttel e Leonardo Foletto. Originalmente publicado no e-flux #46, junho de 2013

Vivemos um momento de profunda desaceleração cultural. As primeiras duas décadas deste século têm sido marcadas até agora por um senso extraordinário de inércia, repetição e retrospecção, estranhamente alinhado com as análises proféticas da cultura pós-moderna que Fredric Jameson começou a desenvolver na década de 1980. Sintonize o rádio em uma estação que toque as músicas mais contemporâneas, e você não encontrará nada que não pudesse ter ouvido na década de 1990. A afirmação de Jameson de que o pós-modernismo era a lógica cultural do capitalismo tardio representa agora um presságio ameaçador do (não) futuro da produção cultural capitalista: tanto política como esteticamente, parece que agora só podemos esperar mais do mesmo, para sempre.

Pelo menos por enquanto, parece que a crise financeira de 2008 fortaleceu o poder do capital. Os programas de austeridade implementados com tanta agilidade na sequência da crise viram uma intensificação – em vez de um desaparecimento ou diluição – do neoliberalismo. A crise pode ter retirado a legitimidade do neoliberalismo, mas isso serviu apenas para mostrar que, na falta de qualquer força contrária eficaz, o poder capitalista pode agora prosseguir sem a necessidade de legitimidade. As ideias neoliberais são como a litania de uma religião cujo poder social sobreviveu à capacidade de ter fé dos crentes. O neoliberalismo está morto, mas continua. As explosões militantes de 2011 pouco fizeram para perturbar a sensação generalizada de que as únicas mudanças serão para pior.

Women packaging the Beatles’ album Rubber Soul at the Hayes Vynil Factory, England. A number of Beatles vynils bore the sentence “Manufactured in Hayes.”

Para entender o que pode estar em jogo no conceito de aceleracionismo estético, talvez valha a pena contrastar o estado de espírito dominante em nossos tempos com o tom afetivo de um período anterior. Em seu ensaio de 1979, “The Family: Love It or Leave It” (A família: ame-a ou deixe-a), a crítica musical e cultural Ellen Willis observou que o desejo da contracultura de substituir a família por um sistema de criação coletiva dos filhos implicaria “uma revolução social e psíquica de magnitude quase inconcebível [1]”. É muito difícil, em nossos tempos de esvaziamento, recriar a confiança da contracultura de que tal “revolução social e psíquica” não só poderia acontecer, como já estaria em processo de desenvolvimento. A vida de Willis, assim como a de muitos da sua geração, foi moldada pelo embalo dessas esperanças e por depois vê-las murchar gradualmente à medida que as forças de reação recuperavam o controle da história. Provavelmente, não há melhor relato do recuo da contracultura dos anos 60, da ambição prometeica para a autodestruição, a resignação e o pragmatismo, do que a coleção de ensaios de Willis, “Beginning To See The Light. A contracultura dos anos 60 pode ter sido reduzida a uma série de relíquias estéticas “icônicas” – demasiado familiares, de circulação interminável, des-historicizadas –, despojadas de conteúdo político, mas o trabalho de Willis permanece como uma dolorosa lembrança do fracasso da esquerda. Como Willis deixa claro na introdução do livro, ela se via frequentemente em desacordo com o que considerava o autoritarismo e o estatismo do socialismo dominante. Embora a música que ela ouvisse na época falasse de liberdade, o socialismo parecia ter mais a ver com centralização e controle estatal. A história de como a contracultura foi cooptada pela direita neoliberal nos é familiar agora, mas o outro lado desta narrativa fala sobre a incapacidade da esquerda de se transformar face às novas formas de desejo às quais a contracultura deu voz.

A ideia de que os “anos 60 conduziram ao neoliberalismo” se complica se damos ênfase no desafio às estruturas familiares. Porque então fica claro que a direita não absorveu correntes e energias contraculturais sem deixar vestígios. A conversão da rebelião contracultural em prazeres de consumo capitalistas necessariamente ignora a ambição da contracultura de acabar com as instituições da sociedade burguesa. Uma ambição que, da perspectiva do novo “realismo” que a direita impôs com sucesso, parece ingênua e sem esperança.

A política da contracultura era anticapitalista, argumenta Willis, mas isso não implicava em uma rejeição direta de tudo o que era produzido no capitalismo. O prazer e o individualismo certamente foram importantes para o que Willis caracterizava como a sua “disputa com a esquerda [2]”. Contudo, o desejo de acabar com a família não poderia ser construído apenas nestes termos; tratava-se inevitavelmente também de formas novas e sem precedentes de organização coletiva (porém não estatistas). A polêmica de Willis “contra as noções correntes da esquerda sobre o capitalismo avançado” considerava, na melhor das hipóteses, apenas como parcialmente verdadeiras as ideias de que “a economia de consumo nos torna escravos das mercadorias, que a função dos meios de comunicação de massa é manipular as nossas fantasias, e que por isso atingiremos a satisfação pessoal com a compra de mercadorias do sistema [3]”. A cultura popular – e a música em particular – era um terreno de luta mais do que de domínio do capital. A relação entre formas estéticas e política era instável e incipiente – a cultura não apenas “expressava” posições políticas já existentes, mas também antecipava uma política por vir (que também foi, muitas vezes, uma política que nunca de fato chegou).

Ellen Willis reading ‟No More Fun and Games,” a Journal of Female Liberation. Courtesy of the Ellen Willis’ family.

O papel da música como um dos motores da aceleração cultural do final dos anos 50 até o ano 2000 teve a ver com a sua capacidade de sintetizar diversas energias, tropos [4] e formas culturais, tanto quanto qualquer outra característica específica da própria música. A partir do final dos anos 50, a música tornou-se a zona onde as drogas, as novas tecnologias, as ficções (científicas) e os movimentos sociais podiam combinar-se para produzir sonhos – vislumbres sugestivos de mundos radicalmente diferentes da ordem social existente. (A ascensão do “realismo” de direita implicou não apenas a destruição de formas particulares de sonho, mas a própria supressão da função de sonhar na cultura popular.) Por um momento, bem no coração da música comercial, abriu-se um espaço de autonomia para os músicos explorarem e experimentarem. Neste período, a música popular foi definida por uma tensão entre os desejos e imperativos (geralmente) incompatíveis dos artistas, do público e do capital. Sua conversão em mercadoria não era o ponto em que esta tensão seria sempre e inevitavelmente resolvida em favor do capital; em vez disso, as próprias mercadorias poderiam ser os meios pelos quais correntes rebeldes poderiam se propagar: “Os meios de comunicação de massa ajudaram a espalhar a rebelião, e o sistema gentilmente comercializou produtos que a encorajaram, pela simples razão de que havia dinheiro a ser ganho com os rebeldes que também eram consumidores. Num certo nível, a revolta dos anos 60 foi uma ilustração impressionante da observação de Lênin de que “o capitalista te venderá a corda para enforcá-lo [5]”.

Isso agora parece bastante otimista, uma vez que, como todos nós sabemos, não foi o capitalista quem acabou enforcado. O marketing da rebelião acabou sendo mais sobre o triunfo do marketing do que da rebelião. O golpe da direita neoliberal consistiu em individualizar os desejos que a contracultura abriu, e, em seguida, reivindicar o novo terreno libidinal. A ascensão da nova direita foi baseada no repúdio à ideia de que a vida, o trabalho e a reprodução poderiam ser transformados coletivamente – agora, o capital seria o único agente de transformação. O recuo de qualquer contestação séria à família é um lembrete de que o clima de reação que cresceu a partir da década de 1980 não foi apenas sobre a restauração de algum poder econômico estritamente definido: foi também sobre o retorno – no nível da ideologia, não necessariamente do fato empírico – de instituições sociais e culturais que pareciam possíveis de serem eliminadas na década de 1960.

No seu ensaio de 1979, Willis insiste que o regresso do familiarismo foi central para a ascensão da nova direita, que estava prestes a ser confirmada, em grande estilo, com a eleição de Ronald Reagan nos EUA e de Margaret Thatcher no Reino Unido. “Se existe uma tendência cultural que definiu os anos 70”, escreve Willis, “foi o ressurgimento agressivo do chauvinismo familiar [6]”. Para Willis, talvez o sinal mais perturbador deste novo conservadorismo tenha sido a aceitação da família por partes da esquerda [7] – uma direção reforçada pela tendência dos antigos adeptos da contracultura (inclusive ela própria) de (re)tornar-se à família, devido a um misto de exaustão e derrotismo. “Lutei, fiz minha parte, cansei de ser marginal. Eu quero entrar!” [8]. A impaciência – o desejo de uma mudança súbita, total e irrevogável; do fim da família dentro do tempo de uma geração – deu lugar a uma resignação amarga quando isso (inevitavelmente) não aconteceu.

Cover of The Alien Critic # 7, Nov 1973. Cover artist: Steven Fabian.

Agora podemos nos voltar para a controversa questão do aceleracionismo. Quero situar o aceleracionismo não como uma forma herética de marxismo, mas como uma tentativa de convergir, intensificar e politizar as dimensões mais desafiadoras e exploratórias da cultura popular. O desejo de Willis de “uma revolução social e psíquica de magnitude quase inconcebível” e a sua “disputa com a esquerda” sobre o desejo e a liberdade podem oferecer uma maneira diferente de pensar o que está em jogo neste conceito tão mal compreendido. Uma certa visão do aceleracionismo, talvez agora dominante, afirma que a posição equivale a uma torcida pela intensificação de qualquer processo capitalista, especialmente o “pior”, na esperança de que isso leve o sistema a um ponto de crise terminal. (Um exemplo disto seria a ideia de que votar em Reagan e Thatcher nos anos 80 foi a estratégia revolucionária mais eficaz, uma vez que suas políticas supostamente levariam à insurreição). No entanto, esta formulação é questionável, na medida em que assume aquilo que o aceleracionismo rejeita – a ideia de que tudo o que é produzido “sob” o capitalismo pertence integralmente ao capitalismo. Em contraste, o aceleracionismo sustenta que existem desejos e processos que o capitalismo dá origem e dos quais se alimenta, mas que não consegue conter. É a aceleração destes processos que empurrará o capitalismo para além dos seus limites. O aceleracionismo é também a convicção de que o mundo desejado pela esquerda é pós-capitalista – que não há possibilidade de retorno a um mundo pré-capitalista e que não há desejo sério de regressar a este mundo, mesmo que pudéssemos.

A artimanha aceleracionista depende de uma certa compreensão do capitalismo, melhor articulada por Deleuze e Guattari em Anti-Édipo (um texto que, não por coincidência, surgiu na esteira da contracultura). Na famosa formulação do Anti-Édipo, o capitalismo é definido pela sua tendência a descodificar/desterritorializar ao mesmo tempo que recodifica/reterritorializa. Por um lado, o capitalismo desmantela todas as estruturas, normas e modelos sociais e culturais existentes do sagrado; por outro, revive inúmeras formações aparentemente atávicas (identidades tribais, religiões, poder dinástico…):

“A axiomática social das sociedades modernas está contida entre dois polos, e não para de oscilar de um polo a outro. Tais sociedades, nascidas da descodificação e da desterritorialização, sobre as ruínas da máquina despótica, estão contidas entre o Urstaat, que bem gostariam de ressuscitar como unidade sobrecodificante e reterritorializante, e os fluxos desencadeados que as levam em direção a um limiar absoluto. Elas recodificam com toda a força, a golpes de ditadura mundial, de ditadores locais e de polícia toda-poderosa, enquanto descodificam ou deixam descodificar as quantidades fluentes de seus capitais e de suas populações. Elas estão contidas entre duas direções: arcaísmo e futurismo, neoarcaísmo e ex-futurismo, paranoia e esquizofrenia [9]”.

Esta descrição capta estranhamente a forma como a cultura capitalista se desenvolveu a partir da década de 1970, com a desregulamentação neoliberal amoral almejando um projeto de dessacralização e mercantilização sem limites, complementada por um neoconservadorismo explicitamente moralizante, que procura reavivar e reforçar tradições e instituições mais antigas. No nível do conteúdo proposto, esses futurismos e neoarcaísmos se contradizem, mas e daí?

“Nunca uma discordância ou um disfuncionamento anunciaram a morte de uma máquina social que, ao contrário, se alimenta habitualmente das contradições que provoca, das crises que suscita, das angústias que engendra e das operações infernais que a revigoram: o capitalismo aprendeu isso e deixou de duvidar de si, e até os socialistas deixavam de acreditar na possibilidade da sua morte natural por desgaste. As contradições nunca mataram ninguém [10]”.

Se o capitalismo é definido como a tensão entre desterritorialização e reterritorialização, entende-se então que uma forma (talvez a única) de superar o capitalismo seja remover os amortecedores da reterritorialização. Daí a notória passagem do Anti-Édipo, que poderia servir de epígrafe ao aceleracionismo:

“Então, qual solução, qual via revolucionária? (…) Retirar-se do mercado mundial, como Samir Amin aconselha aos países do Terceiro Mundo, numa curiosa renovação da “solução econômica” fascista? Ou ir no sentido contrário, isto é, ir ainda mais longe no movimento do mercado, da descodificação e da desterritorialização? Pois talvez os fluxos ainda não estejam suficientemente desterritorializados e suficientemente descodificados, do ponto de vista de uma teoria e de uma prática dos fluxos com alto teor esquizofrênico. Não retirar-se do processo, mas ir mais longe, “acelerar o processo”, como dizia Nietzsche: na verdade, a esse respeito, nós ainda não vimos nada [11]”.

A passagem é enigmática e provocadora – o que Deleuze e Guattari querem dizer ao associar o “movimento do mercado” com “descodificação e desterritorialização”? Infelizmente eles não explicam, o que tornou fácil para os marxistas ortodoxos enquadrarem esta passagem como um exemplo clássico de como 1968 conduziu à hegemonia neoliberal – mais uma capitulação da esquerda à lógica da nova direita. Esta leitura foi facilitada pela utilização desta passagem na década de 1990 por Nick Land para fins explicitamente antimarxistas. Mas e se lermos esta seção do Anti-Édipo não como uma retratação do marxismo, mas como um novo modelo para o que o marxismo poderia ser? É possível que o que Deleuze e Guattari delineavam aqui fosse o tipo de política que Ellen Willis defendia: uma política que fosse hostil ao capital, mas viva ao desejo; uma política que rejeitasse todas as formas do velho mundo em favor de uma “nova terra”; isto é, uma política que exigisse “uma revolução social e psíquica de magnitude quase inconcebível”?

Um ponto de convergência entre Willis e Deleuze e Guattari foi a sua crença comum de que a família estava no centro da política de reação. Para Deleuze e Guattari, talvez seja a família, mais do que qualquer outra instituição, a principal agência da reterritorialização capitalista: a família como estrutura transcendental (“mamãe-papai-eu”) assegura provisoriamente a identidade em meio e contra as tendências líquidas do capital, sua propensão a dissolver todas as certezas preexistentes. É por esta razão, sem dúvida, que alguns esquerdistas recorrem à família como um antídoto e escape ao colapso capitalista – mas isto é ignorar a forma como o capitalismo depende da função reterritorializadora da família.

Não é por acaso que a infame afirmação de Margaret Thatcher de que “não existe sociedade, apenas indivíduos” teve de ser complementada por “… e as suas famílias”. É também significativo que em Deleuze e Guattari, tal como noutros teóricos anti psiquiátricos como R. D. Laing e David Cooper, o ataque à família estivesse associado a um ataque às formas dominantes de psiquiatria e psicoterapia. A crítica de Deleuze e Guattari à psicanálise baseia-se na maneira como ela isola o indivíduo do campo social mais amplo, privatizando as origens do sofrimento no “teatro” edipiano das relações familiares. Eles argumentam que a psicanálise, em vez de analisar a forma como o capitalismo realiza esta privatização psíquica, apenas a repete. Também é notável que as lutas antipsiquiátricas retrocederam tanto quanto as lutas pela família: para que o sistema de realidade da nova direita fosse naturalizado, era necessário que essas lutas, indissociáveis da contracultura, fossem não apenas derrotadas, mas sim que desaparecessem.

Vale a pena parar aqui para refletir sobre o quão longe a esquerda está de defender com confiança o tipo de revolução que Deleuze e Guattari e Ellen Willis esperavam. A análise de Wendy Brown sobre a “melancolia de esquerda” no final da década de 1990 ainda capta dolorosamente (e de forma embaraçosa) os impasses libidinais e ideológicos em que a esquerda muitas vezes se vê presa. Na verdade, Brown descreve o que é uma esquerda anti-aceleracionista: uma esquerda que, sem qualquer impulso para a frente ou orientação própria, é reduzida a defender, sem competência, relíquias na forma de compromissos antigos (a social-democracia, o New Deal) ou a extrair um gozo tíbio de seu próprio fracasso em superar o capitalismo. Muito longe de estar do lado do inimaginável e do inédito, esta é uma esquerda que se refugia no familiar e no tradicional. “O que surge”, escreve Brown,

“é uma esquerda que opera sem uma crítica profunda e radical do status quo ou sem uma alternativa convincente à ordem existente das coisas. Mas talvez ainda mais preocupante, é uma esquerda que se tornou mais apegada à sua impossibilidade do que à sua potencial fecundidade; uma esquerda que se sente mais à vontade vivendo não na esperança, mas na sua própria marginalidade e fracasso; uma esquerda que está presa em uma estrutura de apego melancólico a um certo nicho de seu próprio passado morto, cujo espírito é fantasmagórico, cuja estrutura de desejo é retrógrada e punitiva [12]”.

Foi precisamente esta tendência esquerdista para o conservadorismo, a defensiva e a nostalgia que permitiram que Nick Land provocasse a esquerda dos anos 90 com o Anti-Édipo, argumentando que a “destruição criativa” do capital era muito mais revolucionária do que qualquer coisa que a esquerda fosse capaz de projetar agora.

Margret Thatcher supporting pro-market campaigners in Parliament Square, on the eve of polling for the common market referendum, 1975. Photo: A/P.

Não há dúvidas de que esta melancolia persistente contribuiu para o fracasso da esquerda em tomar a iniciativa após a crise financeira de 2008. A crise e suas consequências até agora justificaram a visão de Deleuze e Guattari de que “as máquinas sociais têm o hábito de se alimentar… das crises que provocam.” O domínio contínuo do capital pode ter tanto a ver com o fracasso da cultura popular em gerar novos sonhos como com a qualidade inercial das posições e estratégias políticas oficiais. Onde a cultura popular de vanguarda do século XX permitiu todos os tipos de ensaios experimentais daquilo que Hardt e Negri chamam de “monstruoso, violento e traumático… processo revolucionário de abolição da identidade [13]”, os recursos culturais para este tipo de desmantelamento do eu estão agora um tanto desnudados. Michael Hardt disse que “o conteúdo positivo do comunismo, que corresponde à abolição da propriedade privada, é a produção autônoma da humanidade – uma nova visão, uma nova maneira de ouvir, pensar, amar [14]”. O tipo de reconstrução da subjetividade e das categorias cognitivas que o pós-capitalismo irá implicar é tanto um projeto estético como algo que pode ser entregue por qualquer tipo de agente parlamentar ou estatista. Hardt refere-se à discussão de Foucault sobre a frase de Marx “o homem produz o homem”. O programa que Foucault descreve na sua explicação sobre esta frase (abaixo) precisa ser recuperado pela cultura caso se almeje alguma esperança de alcançar a “revolução social e psíquica de magnitude quase inconcebível” com que a cultura popular uma vez sonhou:

“O problema não é recuperar a nossa identidade “perdida”, libertar nossa natureza aprisionada, nossa verdade mais profunda; em vez disso, o problema é avançar em direção a algo radicalmente Outro. O centro da questão ainda parece estar na frase de Marx: o homem produz o homem… Para mim, o que deve ser produzido não é um homem idêntico a si mesmo, exatamente como a natureza o teria desenhado ou de acordo com a sua essência; pelo contrário, devemos produzir algo que ainda não existe e sobre o qual ainda não podemos saber como e nem o que será [15]”.

NOTAS

[1]: Ellen Willis, Beginning To See The Light: Sex, Hope and Rock-and-Roll (Hannover and London: Wesleyan University Press, 1992), p. 158.
[2]: No original, “quarrel with the left”. Ellen Willis, Beginning To See The Light: Sex, Hope and Rock-and-Roll (Hannover and London: Wesleyan University Press, 1992), p.16
[3]: Ellen Willis, Beginning To See The Light: Sex, Hope and Rock-and-Roll. Hannover and London: Wesleyan University Press, 1992.
[4]: No original, “tropes“, que significa literalmente tropo, mas que possui proximidade de sentido à metáfora.
[5]: Ellen Willis, Beginning To See The Light: Sex, Hope and Rock-and-Roll. Hannover and London: Wesleyan University Press, 1992, p.16.
[6]: Ibid., 150.
[7]: “On the left, family chauvinism often takes the form of nostalgic declarations that the family, with its admitted faults, has been vitiated by modern capitalism, which is much worse (at least the family is based on personal relations rather than soulless cash, etc., etc.).” Ibid., 152.
[8]: Ibid., 161.
[9]: Gilles Deleuze e Félix Guattari, O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia 1. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo; Editora 34, 2010. p.345.
[10]: Ibid., p. 202.
[11]: Ibid., p.318
[12]: Wendy Brown, “Resisting Left Melancholy,” Boundary 2 26:3 (1999): 19–27.
[13]: “Para muitas pessoas, de fato, a família é o principal se não exclusivo local de experiencia social coletiva, acordos de trabalho cooperativo, carinho e intimidade. Baseia-se nos commons, mas ao mesmo tempo o corrompe, impondo uma série de hierarquias, restrições, exclusões e distorções.” Tradução. de Clarice Pelotas. Antonio Negri e Michael Hardt, Commonwealth. Cambridge, MA: Belknap Press, 2009. p 339.
[14]: Michel Hardt, “The Common in Communism,” in eds. Costas Douzinas and Slavoj Žižek, The Idea of Communism. New York: Verso, 2010. p.141.
[15]: Michel Foucault, Observações sobre Marx (Nova York: Semiotext(e), 1991), 121.

 

 

 

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Bitácora del BaixaCultura https://baixacultura.org/main-home-espanol/ Sun, 17 Sep 2023 22:27:32 +0000 https://baixacultura.org/main-home-espanol/
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“Morozovpalooza”: cibernética, imaginário e soberania digital no Brasil https://baixacultura.org/2023/09/04/morozovpalooza-cibernetica-imaginario-e-soberania-digital-no-brasil/ https://baixacultura.org/2023/09/04/morozovpalooza-cibernetica-imaginario-e-soberania-digital-no-brasil/#comments Tue, 05 Sep 2023 01:21:31 +0000 https://baixacultura.org/?p=15327  

O bielorusso Evgeny Morozov, um dos principais pensadores de tecnologia da atualidade, visitou o Brasil nos últimos dias de agosto e nos primeiros de setembro. Para quem acompanha a discussão tecnopolítica no Brasil, isso não é uma novidade – é inclusive provável que, sendo morador de São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, você que lê este texto também tenha estado com ele e/ou tenha visto suas falas. Entre encontros fechados e abertos, só em São Paulo ele se reuniu com organizações da sociedade civil (articulado pela Coalizão Direitos na Rede), pesquisadores acadêmicos (USP, UFABC, PUCSP, FGV) da área de tecnopolítica, IA e soberania digital; movimentos sociais [Núcleo de Tecnologia do MTST e a equipe de comunicação do MST]; além de uma palestra pública [Desafiando o poder das Big Techs: soberania tecnológica e futuros digitais alternativos] a convite do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) no auditório da FECAP. Em Brasília, se encontrou com some of the coolest” deputados brasileiros, com o Ministro do STF Luís Roberto Barroso, a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, e sua equipe; com membros da Anatel, a Agência Nacional de Telecomunicações [veja neste vídeo disponível no YouTube]; além de dar outra palestra [Contestando o poder das Big Techs: soberania tecnológica e futuros digitais alternativo], agora na Faculdade de Comunicação da UNB. Sua tour ainda segue com (pelo menos) uma atividade no Rio [“How does any work get done in a city like this? And this is supposed to be winter!postou ele no Twitter junto de uma foto da Praia de Botafogo com Pão de Açúcar ao fundo]: uma entrevista e um seminário a partir do “The Santiago Boys” – seu último trabalho, um podcast de 9 episódios de 1h sobre a experiência do Cybersin, uma espécie de internet pré-internet criada sob o governo socialista de Salvador Allende no Chile nos anos 1970. A atividade foi realizada na sede da FGV e, além da entrevista, contou com um colóquio muito interessante com diversos participantes, entre eles Sarita Albagli (IBICT-UFRJ), Luca Belli (FGV CTS, organizador do evento), Marcos Dantas (UFRJ), Estela Aranha (Secretária especial de políticas digitais do Governo Lula) e Tatiana Roque (professora da UFRJ, hoje Secretaria de Ciência e Tecnologia do Rio).

Depois, “Morozovpalooza” vai ao Chile e a Argentina. No primeiro, vai debater seu podcast no país onde a história se passa – sua conferência por lá se chama “Utopia Cibernética en el Chile de La Unidad Popular” e vai coincidir com a abertura de uma exposição chamada “Cómo diseñar una revolución: La vía chilena al diseño”, organizada por, entre outros, Eden Medina, professora associada de STS (Science, Technoloy and Society) no MIT e autora de “Cybernetic Revolutionaries: Technology and Politics in Allende’s Chile”, lançado em 2011, talvez o primeiro livro a recuperar toda a história do Cybersin – e referência fundamental para o podcast de Morozov.

Estivemos com ele em  três ocasiões de São Paulo, com os três chapéus que o editor deste espaço carrega na vida. Inevitável pensar como às vezes precisamos (e até quando?) de alguém de fora, que circula por diversos países do mundo (e fala 8 línguas, inclusive o português), para potencializar encontros onde nos encontramos, nos escutamos e pensamos em formas de agir juntos, em prol de soberania digital, outros imaginários tecnológicos (e de mundo) e de uma inovação que de fato melhore a vida de muito mais pessoas. Sobre este último ponto, vale lembrar que movimentos sociais e coletivos (como o MST e o MTST) também fazem inovação, como fez a Tatiana Dias em seu relato sobre o encontro com os movimentos no The Intercept Brasil, citando Morozov: “As pessoas inovam, instituições inovam, acadêmicos inovam sem ter que depender de startups do Vale do Silício. Eu acho que normalmente não enxergamos a quantidade de inovação que realmente acontece ao nosso redor todos os dias. (..) “A inovação não é apenas competição capitalista. Ela pode ser guiada pela solidariedade, por problemas reais que as pessoas vivenciam”. E, nesse contexto, os movimentos sociais podem propor um contraprojeto para o modelo padrão neoliberal”.

 

SOBERANIA DIGITAL POPULAR

Encontro de Morozov com Núcleo de Tecnologia do MTST, integrantes do MST e ativistas em São Paulo

A vinda de Morozov proporcionou também uma janela para discutir, novamente, a soberania digital, agora na mídia tradicional e também no governo. Digo novamente porque quem acompanha este espaço e a discussão em torno da tecnopolítica e o software livre no Brasil sabe que essa é uma discussão antiga no país – e que foi atualizada, no contexto de hoje de desinformação e plataformização geral, também a partir Carta de emergência para a soberania digital, lançada na violenta campanha eleitoral de 2022. Os três primeiros pontos já dão uma mostra de como a carta aponta para o que Morozov anda dizendo em sua passagem pelo Brasil:

1- Criar uma infraestrutura federada para a hospedagem dos dados das universidades e centros de pesquisa brasileiros conforme nossa LGPD.

2- Formar, nessa infraestrutura federada, frameworks para soluções de Inteligência Artificial, seja para o setor público ou privado.

3- Incentivar e financiar a criação de datacenters que envolvam governos estaduais, municípios, universidades públicas e organizações não-governamentais, que permitam manter dados em nosso território e aplicar soluções IA que estimulem e beneficiem a inteligência coletiva local e regional.

A entrevista da Folha de S. Paulo aponta, já pelo seu título, exatamente pra isso: criação de infraestrutura pública. Um trecho: 

“Voltamos ao debate clássico sobre dependência e desenvolvimento que vem acontecendo nesta região desde a década de 1960. Mas, agora, a dependência pode se tornar cada vez mais aguda. Antes, quando você tinha que construir uma fábrica de carros, podia escolher entre empresas de vários países, Peugeot, Fiat, Volkswagen, General Motors e outras. Agora, as opções são bem mais limitadas —Amazon, Microsoft e Google, todas dos EUA. E se os EUA decidem que, por algum motivo, um país não é mais um aliado e passa a cobrar o dobro, triplo ou quádruplo do preço? Por isso fiquei muito encorajado quando reverteram a decisão tomada sob [Jair] Bolsonaro de fechar a fábrica de semicondutores Ceitec.

Quando se trata, por exemplo, de grandes modelos de linguagem, por que Sam Altman e a OpenAI fariam um trabalho melhor com IA generativa em português do que vocês? Se não houver um projeto que crie uma IA generativa de propriedade pública e que esteja no Brasil, tudo o que for de acesso aberto, criado com a ideia de beneficiar a humanidade, acabará beneficiando em grande parte a OpenAI. 

Uma organização brasileira tem se destacado nas discussões e práticas sobre o tema: o MTST, a partir do excelente trabalho realizado pelo seu Núcleo de Tecnologia. Segundo seus integrantes em texto publicado na Jacobin Brasil, “o coletivo reúne trabalhadores como engenheiros de software, designers e analistas de sistemas para bater de frente com a hegemonia ideológica do Vale do Silício no mundo da Tecnologia da Informação”. Atualmente, trabalha em três frentes: 1) desenvolvimento de softwares populares; 2) formação, especialmente a partir de cursos de programação a partir de métodos de educação popular com base em Paulo Freire; 3) discussões de políticas públicas em relação à tecnologia. Detalhes sobre o funcionamento do Núcleo de Tecnologia podem ser encontrados em uma cartilha sobre soberania digital produzida pelo movimento.

Encontro do curso de educadores populares em tecnologia do MTST, realizado em setembro de 2023 em São Paulo

Rafael Grohmann, que tem pesquisado o coletivo há algum tempo, escreveu no Outras Palavras que “o que o MTST tem feito é uma combinação de reapropriação de tecnologias em prol da classe trabalhadora, oportunidades de renda, organização de trabalhadores de diferentes setores e luta por soberania popular – tudo isso construído desde um forte movimento social. Um exemplo de como essas dimensões se encontram é o projeto Contrate Quem Luta. Um assistente virtual para WhatsApp conecta trabalhadores sem-teto a pessoas que precisam de serviços de trabalhadoras domésticas, caminhoneiros, pedreiros, pintores, e outras atividades da construção civil. Mais do que um GetNinjas do MTST, o Contrate Quem Luta é a concretização de uma tecnologia de propriedade de trabalhadores”. Há, claro, muito o que aprimorar nesse processo, a começar pelo uso do WhatsApp pra isso, uma empresa da Meta – que infelizmente está presente na maioria dos celulares do país e não raro é a única opção de comunicação, dado uma série de políticas erradas que culminam no Zero Rating praticado pelas operadoras que fornecem “zap grátis”. Mas o MTST sabe que o WhatsApp ser o primeiro passo para a organização não significa fechar tudo nele mesmo – inclusive para não intensificar dependências infraestruturais com as grandes empresas de tecnologia. O foco – e a força – reside na organização.

 

CYBERSIN E OS IMAGINÁRIOS POLÍTICOS

Escrevi nesse texto, com Daniel Santini e Joyce Souza, que Morozov nos lembrou que precisamos pensar para além da regulação das tecnologias digitais. Não que este debate não seja importante; é, mas sua chamada é para construir também alternativas para um mundo tecnológico, onde seja possível avançar com imaginários que criam uma mentalidade da relação do homem com a tecnologia para além das mediações neoliberais. “A regulamentação é importante, mas não podemos apenas discutir o que fazer com relação ao WhatsApp ou ao Facebook. Precisamos pensar o que fazer a respeito dessas enormes infraestruturas digitais que empresas privadas estão vendendo de volta às instituições públicas e aos cidadãos”, disse em entrevista à Folha de S.Paulo. Fala reiterada também em suas conversas entre uma caminhada pela Barra Funda (“não conheço nada dessa região, ele é pobre?’, perguntou, no que respondemos que ela está mais para “popular”) e um almoço pesado com Baião de Dois num boteco nordestino simples e gostoso da região.

Sala retrofuturista projetada para a Cybersin no Chile de Salvador Allende nos anos 1970. Fonte: Wikipedia

Por conta de lembrar dos novos imaginários para a internet é que ele recupera a história do Cybersin no Chile de Allende. O projeto, que nunca chegou a funcionar de fato, era ambicioso e revelador da forma como o executivo de Allende encarava o potencial tecnológico. A ideia passava por criar um sistema que permitisse ligar as dezenas de fábricas do estado chileno a um sistema central de controle — na sala retrofuturista da imagem logo acima— permitindo a coleta e o tratamento de dados em tempo real e tomadas de decisão apoiadas por um sofisticado software. Mas as questões que o podcast nos apresenta vão muito para além desta dimensão:

“Como sistema excêntrico de gestão cibernética, é louvável e interessante. Mas como uma forma de potenciar uma abordagem completamente diferente ao desenvolvimento industrial — feita de forma socialista, mas com a democracia presente — poderia ter-nos dado um equivalente à Coreia do Sul ou a Taiwan, ou a qualquer um destes países do Sudeste Asiático, que celebramos nos anos 70 e 80 como os centros de desenvolvimento tecnológico, só que com um modelo muito diferente, sem o autoritarismo militar de direita que o acompanhou”, comenta Morozov em entrevista à publicação portuguesa Shifter.

Morozov acredita que é necessário propor outras narrativas e mitos para se opor aqueles já bem conhecidos ligados ao empreendedorismo startupeiro do Vale do Silício. Daí também a escolha do podcast como produto final de sua investigação, mais palatável a audiências maiores do que um livro ou artigos em publicações jornalísticas, e também as negociações para transformar The Santiago Boys em filme.

Magaly Prado, jornalista e pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da USP, presente no encontro com acadêmicos já citado, recuperou um pouco de sua fala neste tema: “Eles [neoliberais startupeiros do Vale do Silício] também conseguiram produzir uma mitologia muito poderosa. Existe uma mitologia de que os ‘Chicago Boys’ fazem milagres econômicos e as pessoas continuam acreditando que isso é realmente um milagre de algum tipo”. Para Morozov, é uma questão de exercitar uma contramitologia de forma que as pessoas comuns possam se identificar, motivadas pela lógica do drama, com personagens envolventes. Desse modo, as pessoas podem “se identificar com o drama e a tragédia de uma forma com que você não consegue se relacionar com alvos abstratos”.

Em The Santiago Boys, ele quis contar a história de forma diferente. “Fui movido, enquanto intelectual público, por um conjunto de preocupações com o futuro e não apenas com o passado. E isso, claro, influencia a forma como leio o passado, porque leio o passado com a visão do presente e do futuro”, disse. O mapeamento deste universo durou mais de 2 anos, o primeiro dos quais numa investigação livre, muito antes de surgir o título que une todas as pontas. Morozov descreveu este processo ao Shifter como uma espécie de malabarismo, e nomeia alguns dos objetos principais deste truque: “Queria juntar a cibernética, a teoria da dependência, e a Guerra Fria, e daí fazer emergir uma história, sem perder de vista o Fernando Flores e o Stafford Beer como dois protagonistas principais deste tema coletivo.”

 

Stafford Beer em Santiago, Chile, em 1972. Crédito : Gui Bonsiepe, 2006

 

A CIBERNÉTICA E A COMPLEXIDADE DE STAFFORD BEER

Stafford Beer e a cibernética merecem um destaque a parte. Nas palavras do bielorusso, “na cultura popular a cibernética tornou-se I.A. Houve um esforço deliberado de pessoas como Marvin Minsky, e outros, para pegar na herança da cibernética e criar um paradigma completamente diferente em torno desta. E o que Minsky estava fazendo era uma continuação do trabalho de McCulloch, um neurofisiologista muito interessado no cérebro e que basicamente foi co-autor de um paper fundacional das redes neuronais”. Mas nessa época, havia também Stafford Beer. Figura excêntrica, de família nobre inglesa, adorador de empanadas e carrões, como lembra Morozov com alguma frequência no podcast, ele também era um grande teórico cibernético na época quando foi convidado por Fernando Flores, o outro dos principais “Santiago Boys” da história, para ir ao Chile. Beer tivera uma longa e ocupada carreira nos anos 1950 e 1960 na teorização e na aplicação dos métodos de gestão oriundos da cibernética. “Ele tinha uma ideia de como gerir uma fábrica de aço perfeita e trouxe-a para o Chile. Ali viu que podiam gerir, com o mesmo modelo, uma fábrica de fruta ou uma fábrica têxtil”, afirma Morozov em entrevista ao Shifter. 

Beer desafiou os limites da cibernética ao ponto de criar a sua própria disciplina, chamada Gestão Cibernética, “uma mistura estranha de investigação operacional, cibernética e controle estatístico de processos”. O nobre inglês via na estatística não só uma forma de olhar para o passado para informar decisões, mas como uma campo de simulação para possíveis futuros: “Não precisamos de reduzir a complexidade, podemos utilizar os computadores para a gerir”, dizia Beer, que deixou suas ideias em muitos livros, entre eles o excelente “Designing Freedom” (1974).

O cientista inglês acreditava que nem a complexidade tinha de ser rejeitada, nem o mercado tinha de ditar as regras e moldar a tecnologia. Em vez disso, a tecnologia poderia ser moldada de forma que a complexidade pudesse gerar para todos os envolvidos— e criar infraestruturas para fazer essa transição devia ser uma das prioridades.

Stafford Beer esquematizou assim, em 1973, algo próximo do que hoje conhecemos como Capitalismo de Vigilância. Fonte: Shifter

A TEORIA DA DEPENDÊNCIA E OS “VILÕES” DA HISTÓRIA

Em sua pesquisa sobre o Cybersin, Morozov voltou seu olhar para os anos 1960 e 1970 da América Latina e reconheceu a importância da Teoria da Dependência. Gestada na América Latina e popular nesse período, a partir de autores como André Gunder Frank, Rui Mauro Marini e Fernando Henrique Cardoso, a teoria entende que a caracterização de países como “atrasados” decorre da relação do capitalismo mundial de dependência entre países “centrais” e países “periféricos – algo que, agora, se dá também a partir das empresas do Vale do Silício, que assumiram um papel-chave em um novo jogo de relações de poder econômico, político e internacional, onde os governos se encontram cada vez mais reféns de suas soluções.

Uma das mensagens principais da teoria da dependência, segundo Morozov, é a de que o progresso tecnológico pode conter elementos reacionários. Que podemos ter tecnologias cada vez mais recentes, mais rápidas e mais brilhantes, mas que, no entanto, atrasarão o desenvolvimento económico de um determinado país e resultarão em problemas políticos e econômicos maiores – pelo menos para algumas regiões do mundo.

Trecho da reportagem do Shifter: 

“Os teóricos da dependência diziam que a industrialização, se for feita nos termos do norte global, acaba por criar dependências. Por criar a necessidade de comprar patentes, de pagar por direitos de autor e marcas registadas para que as fábricas funcionem” continua a sua reflexão, ilustrando como hoje os termos podem ser diferentes. “Se não construirmos a nossa própria tecnologia, vamos ter sempre tecnologia estrangeira. E isso foi essencialmente o que aconteceu antes e está a acontecer agora, com a Inteligência Artificial, a computação em nuvem, o 5G e todas essas infraestruturas dominadas por um punhado de players.”

Em The Santiago Boys, também há um “vilão” na história – ou a original big tech, como chamou Morozov: a ITT (International Telephone & Telegraph). Para além do conluio com as forças de inteligência dos Estados Unidos, Morozov relata as táticas de subversão usadas pela ITT ao apoiar os opositores de Allende. “Houve uma série de ataques terroristas. Por isso, as pessoas que agora pensam que estamos a viver a era do techlash, porque as pessoas estão a escrever tweets furiosos, ainda não viram nada sobre o techlash. O verdadeiro techlash é muito mais forte”, disse ao Shifter.

Durante toda a estada de Morozov pelo Brasil, algo pareceu evidente: não há soluções prontas, ou mágicas, para resolver a soberania digital, a dependência tecnológica e o desafio que às Big Techs trazem para o planeta hoje. Há alguns exemplos do passado, que trazidos ao contexto do presente podem dar alguma luz nos caminhos a seguir. O certo é que a capacidade que o bielorusso demonstrou nestes dias para ouvir e articular diferentes movimentos, pessoas e organizações nos lembra de elementos (soberania, autonomia, liberdade) que são importantes e inspiradores para tentar construir um futuro digital menos injusto e apocalíptico. 

Como nós (e ele) já escrevemos por aqui:uma política “pós-solucionista deveria começar acabando com o binário artificial entre a ágil startup e o ineficiente governo que limita nossos horizontes políticos. Se escolher um modo de vida (?) digital entre a versão neoliberal Made in Syllicon Valley ou a tecno-autoritária do Extremo Oriente são nossos únicos caminhos hoje, taí um sinal urgente de que precisamos ampliar nossos horizontes”.

**

PARA CONHECER MAIS SOBRE O CYBERSIN, vale ler também este texto na Jacobin escrita por Eden Medina, além do livro já citado “Cybernetic Revolutionaries: Technology and Politics in Allende’s Chile” (vai no link lá em cima para baixar o livro, mas não espalha).

 

Encontro de pesquisadores acadêmicos com Morozov, 30/8/23, na USP. Crédito: Agência de Comunicação, ECA-USP.

 

Morozov em reunião organizada pela Coalizão Direitos na Rede, com mediação de Ana Mielke, do Intervozes, e Leonardo Foletto. Crédito: Daniel Santini

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A ideologia do solucionismo tecnológico https://baixacultura.org/2020/05/04/a-ideologia-do-solucionismo-tecnologico/ https://baixacultura.org/2020/05/04/a-ideologia-do-solucionismo-tecnologico/#respond Mon, 04 May 2020 12:51:58 +0000 https://baixacultura.org/?p=13188

Ilustração: Ben Jennings/The Guardian

Desde meados de março, o novo coronavírus tem chacoalhado o sistema e mandado o capitalismo para a unidade de cuidados intensivos. Muitos pensadores têm manifestado sua esperança de que isso nos leve a um sistema econômico mais humano; outros alertam que a pandemia anuncia um futuro sombrio de vigilância estatal tecno-totalitária. O bierolorusso Evgeny Morozov, habitante frequente por aqui, avisa para um “policial bonzinho” nessa novela distópica apocalíptica de encruzilhada que vivemos hoje: a ideologia do “solucionismo”.

De origem no Vale do Silício, como bem apontado (e criticado) em “A Ideologia Californiana” (ainda temos o zine em estoque e enviamos na quarentena, procure saber), o solucionismo tem feito a cabeça de muita gente, sobretudo as elites dominantes. Ele se manifesta, por exemplo, numa questão como levantada por Morozov no texto, publicado em inglês no The Guardian e traduzido para o Outras Palavras (mais trechos abaixo): por que um governo investiria na reconstrução dos arruinados sistemas de transporte público, tendo a opção de simplesmente usar Big Data para criar incentivos personalizados para cada passageiro, a fim de desencorajá-los a fazer viagens em horários de pico?

O solucionismo tecnológico está intimamente ligado com o neoliberalismo. “Se o neoliberalismo é uma ideologia proativa, o solucionismo é reativo: ele desarma, desativa e descarta toda alternativa política. O neoliberalismo encolhe os orçamentos públicos; o solucionismo encolhe a imaginação coletiva. O maior objetivo do solucionismo é convencer o público de que a forma legítima de uso das tecnologias digitais é perturbar e revolucionar tudo — com exceção da instituição central da vida moderna: o mercado.”

O mundo está fascinado pela tecnologia solucionista; desde um aplicativo polonês, que exige que os pacientes com coronavírus tirem selfies regularmente para provar que estão dentro de casa, até o app chinês de avaliação da saúde em cores e códigos, que rastreia quem pode sair de casa. Governos têm procurado companhias como a Amazon e a Palantir para obter infraestrutura e modelagem de dados, enquanto Google e Apple unem suas forças para habilitar soluções de “preservação da privacidade” no rastreamento de dados.”

Em “Big Tech – A Ascensão dos Dados e a Morte da Política”, Morozov alerta que “o Vale do Silício destruiu a nossa capacidade de imaginar outros modelos de gestão e de organização da infraestrutura da comunicação. Podemos esquecemos os modelos que não se baseiam em publicidade e que não contribuem para a centralização de dados em servidores particulares instalados nos Estados Unidos. Quem sugerir a necessidade de considerar outras opções – talvez até mesmo modelos já publicamente disponíveis – corre o risco de ser acusado de querer “quebrar a internet”.

Ilustração: Sarah Grillo/Axios

[Estamos cegos pela ideia de que não há opção. Por todos os lados, a lógica do serviço mais cômodo faz com que os usuários comuns busquem cada vez menos dificuldades, e a famoso conceito da inclusão digital passa a ser deturpado: a inclusão é junto as Big Techs, e não ao digital. Falamos disso no BaixaCultura nesse pequeno tutorial de “Como compartilhar conteúdo e fazer backup por torrent”, uma opção que, además de técnica, é também política]

Uma das funções do estado solucionista é desencorajar programadores, hackers e aspirantes a empreendedores a experimentar formas alternativas de organização social. Que o futuro seja das startups não é um fato natural, mas um resultado político. Nessa perspectiva, empreendimentos baseados em tecnologia mais subversivos, que poderiam impulsionar economias solidárias, não baseadas no mercado, morrem no estágio de protótipo. Há uma razão por trás do fato de não termos visto surgir nenhuma outra Wikipedia nos últimos vinte anos.

Uma política “pós-solucionista”, conclui Morozov, deveria começar acabando com o binário artificial entre a ágil startup e o ineficiente governo que limita nossos horizontes políticos. A questão não deveria ser qual ideologia consegue aproveitar e domesticar melhor as forças da concorrência, mas de que instituições precisamos para aproveitar as novas formas de coordenação social e inovação oferecidas pelas tecnologias digitais. “Nossa primeira meta deve ser a de traçar um caminho pós-solucionista, que nos dê soberania pública sobre as plataformas digitais. Caso contrário, nos queixarmos sobre a resposta autoritária, porém eficaz, da China ao Covid-19, não será só patético, como também hipócrita”. Se escolher um modo de vida (?) digital entre a versão neoliberal Made in Syllicon Valley ou a tecno-autoritária do Extremo Oriente são nosso únicos caminhos hoje, taí um sinal urgente de que precisamos ampliar nossos horizontes.

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Como compartilhar conteúdo e fazer backup por torrent https://baixacultura.org/2020/02/18/como-compartilhar-conteudo-e-fazer-backup-por-torrent/ https://baixacultura.org/2020/02/18/como-compartilhar-conteudo-e-fazer-backup-por-torrent/#comments Tue, 18 Feb 2020 13:54:06 +0000 https://baixacultura.org/?p=13149

Fonte: Oficina da Net

Quando escrevemos o texto sobre como usar torrent e baixar conteúdo compartilhado grátis, pensamos nesse título como uma espécie de clickbait: queríamos que, em pleno 2019, o torrent fosse capaz de atrair novos usuários usando a velha tática de prometer alguma coisa grátis. Afinal de contas, o modus operandi da internet na última década se baseia nessa ideia, casada com um gerador de receitas oculto: eu te dou algo de graça e de fácil acesso e você nem desconfia do que me dá em troca – seus dados de utilização, usados para alimentar bases gigantes com diversas finalidades: aprimorar inteligência artifial, machine learning, publicidade direcionada e todo tipo de personalização com dados, que seja capaz de aprender e prever o comportamento humano, como bem já foi revelado sobre o modelo de negócios do Rappi, o qual usa a entrega de mercadorias (com operação deficitária) como fachada para seu verdadeiro objetivo, coletar uma vasta quantidade de informação sobre usuários para gerar mais comércio direcionado, mais segmentação produtiva.

Pensei: se estamos habituados a entregarmos nossas vidas de graça para algumas empresas de redes sociais ou serviços, em troca de contato com amigos, familiares, flertes, ídolos e rivais, por que não poderíamos usufruir do torrent para acessar qualquer arquivo que gostamos, de graça, através da cópia de arquivos entre máquinas? De muitos já ouvi que a barreira é efetivamente usar o torrent, baixar o programa e achar os arquivos, e entender por que às vezes ele baixa e às vezes não.

Pois bem, agora que já expliquei como funciona o programa, como achar arquivos, como interpretar o cliente de torrent e por que ele baixa ou não, posso explicar a segunda parte importante sobre usar torrent: como compartilhar arquivos, ou seja, como criar um arquivo torrent, hospedá-lo num repositório e semeá-lo. Escrevo então sobre como dividir aquilo que mais gostamos com outras pessoas, desde amigos até completos estranhos do outro lado do mundo, e geramos impacto real na rede, através da cópia. De lambuja, ainda subimos pra rede nossos arquivos, e assim que eles são copiados, estão disponíveis em outras máquinas, e tornam-se acessíveis em outros computadores da internet, gerando uma espécie de backup – desde que alguém semeie o arquivo, claro.

Antes de mergulharmos de cabeça na ação prática, ou seja, começar a criar e compartilhar arquivos torrent, gostaria de trazer uma ideia sobre o uso da tecnologia e o ponto em que estamos hoje, onde parece que nada aconteceu na internet antes dos aplicativos facilitadores. Especialmente àqueles que ainda não se convenceram de que vale a pena usar a tecnologia p2p para navegar na rede. O bielorrusso Evgeny Morozov, no seu ensaio Por que estamos autorizados a odiar o Vale do Silício, um dos textos publicados no Brasil no livro “Big Tech – A Ascensão dos Dados e a Morte da Política“, da editora Ubu, elabora: 
    
“[…] O Vale do Silício destruiu a nossa capacidade de imaginar outros modelos de gestão e de organização da infraestrutura da comunicação. Podemos esquecemos os modelos que não se baseiam em publicidade e que não contribuem para a centralização de dados em servidores particulares instalados nos Estados Unidos. Quem sugerir a necessidade de considerar outras opções – talvez até mesmo modelos já publicamente disponíveis – corre o risco de ser acusado de querer “quebrar a internet”. Nós sucumbimos ao que o teórico social brasileiro Roberto Mangabeira Unger chama de “a ditadura da falta de opção”: espera-se que aceitemos que o Gmail seja a melhor e única forma possível de usar o correio eletrônico e que o Facebook seja a melhor e única maneira possível de nos conectarmos em redes sociais.”
Em um país onde sete em cada dez brasileiros se informam pelas redes sociais, parece quase utópico imaginar o uso de torrent para dividir e consumir livros, revistas, filmes, séries, softwares, e qualquer tipo de arquivo que o usuário imagine compartilhar. E parte disso é porque estamos cegos pela ideia de que não há opção, como dito por Morozov. Por todos os lados, a lógica do serviço mais cômodo faz com que os usuários comuns busquem cada vez menos dificuldades, e a famoso conceito da inclusão digital passa a ser deturpado: a inclusão é junto as Big Techs, e não ao digital.
Então que viremos o jogo aprendendo a criar torrents!

Existem dois grandes passos no processo: criar o arquivo torrent e hospedar o arquivo torrent. Vamos abordá-los sob estes dois atos.

1) Criar o arquivo torrent

Fonte: Wikihow

Depois de decidir o que você quer dividir, seja uma pasta de músicas ou de fotos, um filme ou uma biblioteca de livros, entre no seu cliente de torrent (uTorrent, qBitTorrent, Transmission são alguns dos mais comuns, mas aqui tem uma lista recente com outros também) entre no menu Arquivo > Criar torrent.
Selecione a pasta ou arquivo, crie um nome, aponte onde deve ser salvo, aponte trackers (os rastreadores de arquivos, que mencionamos no artigo anterior) e gere o arquivo. Aqui uma lista de trackers que você pode usar, copiando os links e colando-os no espaço destinado a eles (como mostra a figura abaixo). Quanto mais melhor, pois mais deles vão encontrar o seu arquivo numa busca. 

Pois bem, aí está seu arquivo .tor! Você já pode enviá-lo para amigos, que podem abri-lo em seus clientes de torrent e baixá-los, desde que o seu cliente esteja aberto e copiando o arquivo para eles. Percebe: como criador do arquivo, você acaba sendo também o primeiro seeder, e é importante manter o torrent aberto e copiando para outros pelo menos nos primeiros dias, para o arquivo se espalhar pela internet.

2) Hospedar o arquivo torrent na internet

Com o primeiro passo seus amigos já podem desfrutar do seu arquivo torrent. Mas digamos que você tenha uma biblioteca que quer compartilhar, como no Baixacultura, onde geramos um compilado de todos os livros que foram referência durante o curso “Tecnopolítica e Contracultura” e disponibilizamos online. Nesse caso, há (pelo menos) duas opções: deixar ele em repositórios de torrent, como a baía pirata mais famosa e resiliente da internet, o Pirate Bay; ou começar a semear imediatamente, deixando o seu computador (e os próximos que baixarem) como semeadores e guardiões do arquivo, como mostra a figura acima,
Para compartilhar um arquivo no Pirate Bay, então: 
Crie uma conta; no menu de navegação, clique em “Upload Torrent”; procure o arquivo torrent que tu queres subir no seu computador; crie um nome para o arquivo no site (exemplo: Biblioteca do Baixacultura) – este é o nome que as pessoas vão achar quando procurarem pelo arquivo no site; escolha uma categoria (vídeo, livro, software, música, etc.); marque a opção ou não de subir o arquivo anonimamente; se quiser, marque o seu arquivo em tags para ser mais fácil de encontrá-lo; escreva uma descrição amigável, de preferência dizendo quais arquivos estão contidos no torrent, qual a qualidade e formato do arquivo, etc.

Aqui também vale de, ao enviar o arquivo, deixar seu computador “semeando” o arquivo por um tempo, pelo menos até que outros “leechers” já tenham baixado e passem a semear também; quanto mais semeadores, mais rápido o arquivo vai ser baixado e em mais computadores ele estará.

3) Divulgar o link na internet

Agora que você já criou o torrent, subiu na rede, semeou para outros e viu que outros já tornaram semeadores do arquivo também, espalhe ainda mais! Divulgue para todxs que queiram acessar o arquivo, mostre também que é importante que eles deixem seus programas de torrent um pouco para semear também para outros.

Fácil, não?

[Victor Wolffenbüttel]
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Tecnopolítica & Contracultura em Porto Alegre https://baixacultura.org/2019/09/30/tecnopolitica-contracultura-em-porto-alegre/ https://baixacultura.org/2019/09/30/tecnopolitica-contracultura-em-porto-alegre/#respond Mon, 30 Sep 2019 12:48:02 +0000 https://baixacultura.org/?p=13011

A terceira edição do curso”Tecnopolítica e Contracultura” chega a Porto Alegre em Outubro, no querido espaço da APPH (Associação de Pesquisas e Práticas em Humanidades), no centro da cidade. Serão três dias de intensas trocas sobre um pensamento tecnopolítico que atravessa os autonomistas italianos da década de 1970, passa pela explosão de criatividade (e otimismo) dos 1990, é alimentado pelas ideias e princípios hackers dos 1980, 1990 e 2000 e chega na encruzilhada do final desta década de 2010 buscando entender o que deu errado no mundo digital e o que pode (deve?) mudar para que possamos sair da “ressaca da internet” que tanto comentamos.

Atualizamos a bibliografia com novas leituras e organizamos melhor as referências do curso, que como os participantes das outras edições já sabem, disponibilizamos ao final (em PDF).

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Tecnopolítica e Contracultura: um passeio pelo pensamento de anarquistas, autonomistas, hackers e outros rebeldes
24, 25 e 26/10, na APPH, em Porto Alegre.
20 vagas. Inscrições aqui – Estudantes e apoiadores/as do BaixaCultura no Apoia.se ganham desconto.
Evento no Facebook.
Quer fazer o curso mas não tem como pagar agora? Nos escreva que conversamos: info@baixacultura.org
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Se nos anos 1990, com o casamento do digital com a internet, enxergávamos enormes possibilidades de libertação (da informação de grandes grupos midiáticos, de liberdade de falar o que bem quiser, de criar tecnologias e mundos novos), hoje parece que estamos a lidar com consequências nefastas, representadas em uma palavra na moda nestes tempos: distopia. Nos descuidamos – ou não conseguimos? – prestar atenção na ascensão de plataformas globais de tecnologia, que por sua vez construíram bolhas de informação que confirmam pontos de vista, espalham mentiras e criam realidades alternativas que em muitos casos não há informação comprovada que consiga mudar.

Como podemos compreender o contexto tecnopolítico hoje? Que caminhos podemos apontar para discutirmos e transformarmos a política que sempre está junto na construção de tecnologias? A proposta desse curso é buscar algumas respostas para estas perguntas olhando para o passado e o presente e passear por alguns pensamentos rebeldes sobre a tecnologia desenvolvidos na segunda metade do século XX até hoje. Começamos pelos autonomistas surgidos no ‘maio de 68’ italiano que durou mais de uma década, com foco especial em Antonio Negri, Franco “Bifo” Berardi, Paolo Virno e Mário Tronti. Passamos pela explosão de novidades da arte e do ativismo digital dos anos 1990, com Wu Ming, mídia tática, altermundistas, Critical Art Ensemble, zapatistas e autores como Pierre Levy, Manuel Castells, Bifo (novamente) e Richard Barbrook; continuamos com os hackers, “paranóicos visionários”, e seus princípios éticos de transparência, liberdade e autonomia com as tecnologias, a partir das ideias de Richard Stallman, Pekka Himanen, Sérgio Amadeu, Eric Raymond, César Rendueles, Aracele Torres, entre outres; e chegamos até hoje, com a ascensão das redes sociais como principais espaços de discussão pública nas redes digitais e o fim da internet como a conhecemos nos 1990 e 2000, no que chamamos de “ressaca da internet”, com autores como Jaron Lanier, Bifo (de novo!), Evgeny Morozov, Shoshana Zuboff, Jonathan Crary e Trebor Scholz.

Esta é terceira edição deste curso-experimento; a primeira foi realizada em 2/2019, em São Paulo, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc e a segunda em 6/2019 na UFSM, em Santa Maria-RS.

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