BaixaCultura

Mais amor que trabalho, mais preguiça que horário

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No começo de fevereiro eu republiquei o texto O escritor coletivo no Overmundo. A idéia era publicar semanalmente por lá algumas matérias escritas pro BaixaCultura, só pra fazer a informação circular. Digamos que não tenho sido muito pontual neste compromisso, mas isso é outro papo. Esse papo é o seguinte: eis que no meio de comentários entusiasmados de algumas pessoas que ouviam falar pela primeira vez no coletivo Wu Ming, um maluco escreve o que segue:

fazia tempo que não ouvia falar sobre essa onda, que eu conheci há uns bons 10 anos através do Luther Blissett. engraçado é que, naquela época, 98, 99, estes textos ainda não faziam muito sentido em um Brasil que se conectava pela lentidão da conexão discada. hoje, que temos mil e uma possibilidades de intervenção e diálogo on line, é a época perfeita para a retomada dessa conversa. revolução sem rosto, com gosto e coletiva, só porque juntinho é mais gostoso.

Fiquei curioso. Entrei no perfil do cara. Prazer, João Xavi. MC e documentarista. Tocou em Nurenberg ano passado. Historiador, escreveu Da Tropicália ao Hip Hop: Contracultura, repressão, e alguns diálogos possíveis. Tentei baixar o disco Alta Fidelidade (2007) pelo MySpace de João, link oficial pro 4Shared. Surpresa: link suspenso pela APCM. Nem liguei. Ouvi as faixas online e acabei descobrindo depois que dá pra baixar a bolacha no próprio Overmundo e na Trama Virtual. Descobri depois que João também não liga. Que anda preocupado com o que ainda vai fazer, mais do que com o que já fez.

alta_fidelidade

A vida no saculejo é assim. Marcamos um papo pelo msn. Eu furei. Levei mais de um mês pra aparecer. Mudança, e tal. Sabe como é. Quando rolou, a certa altura da conversa J.X. precisou desconectar. Depois disso outros desencontros. Um rapidíssimo segundo papo rolou apenas pra dizer que fui atrás da dica do Todorov, não encontrei O Homem Desenraizado mas A Literatura em Perigo é um barato. Depois nunca mais nos encontramos. Hoje, quando entrei no site do MC em busca de fotos para este post, dei de cara com o aviso: “levanta, sacode a poeira e manda a rima pra cima! Depois de três meses sem dar as caras por aqui estamos de volta. Chega de letargia, o momento é agora e o vamo q vamo nunca se fez tão urgente”.

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A vida no saculejo é assim. Correria, desencontros, “mais amor que trabalho/mais preguiça que horário”, como em Meu compasso, talvez minha música preferida das de João. Acabo de botá-la pra tocar novamente e penso no motivo pelo qual preferi publicar o papo sem edição, como segue, a vida no saculejo, sem filtro.

[Reuben da Cunha Rocha.]

reuben! diz:

salve joão!

.j x. diz:

opa, fala ai sangue

reuben! diz:

putz, cara, há quanto tempo eu marquei contigo e nada, hein?

reuben! diz:

rolou uma mudança pelo meio do caminho e eu sumi das coisas por aqui

.j x. diz:

verdade

.j x. diz:

mas relaxa, tô ligado que a vida é corrida

reuben! diz:

tu vai ficar por aqui, cara?

.j x. diz:

sim sim

reuben! diz:

ô, então vamo conversar um pouco

reuben! diz:

nasceu no rio mesmo?

.j x. diz:

então, eu não moro exatamente no rio, moro na baixada fluminense, sabe?

.j x. diz:

nasci aqui em são joão de meriti, uma cidade marcada pelos recordes mais sinistros possíveis

reuben! diz:

tipo?

.j x. diz:

maior densidade populacional da américa latina

.j x. diz:

recorde em hanseniase, aids, indíce de analfabetismo…

reuben! diz:

nossa

.j x. diz:

tem muita gente em pouco espaço, aí tudo que existe de ruim no brasil é amplificado por 20

reuben! diz:

imagino

reuben! diz:

nascido e criado aí por opção?

.j x. diz:

pergunta engraçada, mas até tem uma galera que mora aqui por opção

.j x. diz:

mas acho que a maioria, e o caso da minha família se insere, mora por falta de opção mesmo

.j x. diz:

por parte de pai minha familia é preta, então vem daquela parada de ex-escravo… da parte de mãe é branca, e veio de miguel pereira, que é uma serra no interior do rio

.j x. diz:

vieram parar aqui porque é uma cidade colada no rio, onde rolam as famosas oportunidades de emprego

reuben! diz:

daí o esquema é morar aí e trampar na capital

.j x. diz:

sim sim, acho que isso é bem tipico daqui mesmo

.j x. diz:

e o lance aqui da baixada é aquilo, uma porrada de cidade dormitório

.j x. diz:

umas cidades com alguma, bem pouca industria, e uma mega população de fudidos que vieram de tudo quanto é canto do país, ou sequestrados da áfrica, e tentam sobreviver por aqui

.j x. diz:

o lado interessante é que isso forma um caldo cultural bem louco

reuben! diz:

acho q isso acaba salvando a metrópole

reuben! diz:

toda metrópole

reuben! diz:

culturalmente

reuben! diz:

o resto nada salva

reuben! diz:

hehe

.j x. diz:

hehehe pois é

.j x. diz:

é um encontro inusitado de gente diferente, com referências diferentes

reuben! diz:

tu trampa com jornalismo, é isso?

.j x. diz:

não, eu sou historiador de formação

.j x. diz:

mas, desempregado, comecei a escrever que nem um doido

.j x. diz:

mas nem tenho técnica de escrita nem nada

reuben! diz:

eu vi tua monografia

reuben! diz:

é um bom recorte

reuben! diz:

não te deu a impressão de q a contracultura se deslocou no eixo economico? pq a tropicalia, com toda a repressão, nunca foi periferia, foi um pessoal q veio pro centro e gradativamente foi se arrumando (de grana) com a música

.j x. diz:

não sei se a contracultura se deslocou totalmente, ainda existem “fenômenos” sócio artísticos da contracultura que são voltados para a classe média, o hardcore é um ótimo exemplo disso

.j x. diz:

o que acho que aconteceu, e isso é a tese central da monografia, é uma mudança de eixo da figura marginal

.j x. diz:

nos 60, 70 essa configuração marginal se dava por filiação política. rico ou pobre, playboy ou fudido, se você fosse comunista tava errado…

.j x. diz:

hoje não é por aí

.j x. diz:

não existe escolha

.j x. diz:

nasceu pobre, quer você pense como um capitalista, anarquista, socialista, ou nem pense!, tá fudido

.j x. diz:

vai ser marcado e perseguido pela polícia, pela exclusão que acontece em quase todas as instâncias da vida social e econômica

.j x. diz:

hoje o cara não escolhe ser marginal, ele é jogado no mundo sem chance dessa opção

reuben! diz:

mas e o contrário?

reuben! diz:

o cara q não nasce fodido e acaba apostando (acreditando e agindo de acordo) num discurso q nao é da sua classe?

.j x. diz:

sim, isso existe de fato. muita gente que conheci no movimento de ocupação urbana, por exemplo, é classe média ou alta. gente que estudou o bastante pra entender as desigualdades sociais e tem a sensibilidade necessária pra tentar mudar o quadro que vivemos de alguma maneira

.j x. diz:

mas acho que pouca gente faz essa ponte com maestria

.j x. diz:

porque na maioria das vezes, principalmente quando falamos do “mundo artístico”, essa conversa soa bem falsa

.j x. diz:

na militância política já rola de outra forma, às vezes

.j x. diz:

pelo menos, e acho que de certa forma isso já é um avanço em relação a geração 60/70, hoje existem menos pessoas de classe média tentando educar e salvar o povo

.j x. diz:

acho que as relações estão minimamente mais horizontais

reuben! diz:

fiquei curioso pra saber como tu acha q na militância política essa conscientização rola de forma diferente do q acontece com a “classe artística”

.j x. diz:

quis dizer que na arte, geralmente, o discurso que vem da classe média falando do outro acaba soando esquisito

.j x. diz:

e o que rolou com a galera da tropicalia foi uma configuração bem específica

reuben! diz:

sim

.j x. diz:

o gil era advogado, né?

.j x. diz:

o cara é preto, baiano, mas teve acesso a alguns meios educacionais…

reuben! diz:

cara, ele trabalhava numa fábrica de pasta de dente, não era? eu tenho isso na cabeça

reuben! diz:

ah sim, ali é todo mundo surpreendentemente muito bem informado

.j x. diz:

não sei, não sei de verdade

reuben! diz:

isso é uma marca da classe média

.j x. diz:

o fato é que os caras tinham, de alguma forma, acesso a informação

.j x. diz:

o caetano é intelectualzão

.j x. diz:

já deu uma lida no blog dele? ele escreve coisas que 90% dos cantores criados em família rica (pode incluir ai a vanessa camargo, sei lá) são incapazes de pensar

reuben! diz:

já sim

.j x. diz:

o lance da marginalidade deles, tropicália, passa por essa condição de nordestino, de negro, da experimentação setentista mesmo (de uma nova sexualidade, religião, drogas…)

.j x. diz:

eles souberam muito bem jogar com isso

.j x. diz:

e quando eu falo jogar não é uma crítica

.j x. diz:

porque a gente sabe que todos estes aspectos ainda são marginalizantes

reuben! diz:

tabus, né

reuben! diz:

o alta fidelidade já saiu em disco?

.j x. diz:

sim, um lance que a gente aqui no sudeste banaliza porque parece que aqui vale tudo. mas ser assim ou assado, preto, homossexual ou sei lá o que, pode fechar muitas portas em várias situações pelo brasil afora

.j x. diz:

ainda não cara, ele saiu num cd tipo demo, que eu mesmo fiz e vendo por aí

reuben! diz:

cara, tu não tem ideia!

.j x. diz:

sim, tenho idéia

.j x. diz:

sabe que o subúrbio é uma parada sinistra né

.j x. diz:

como diria walter benjamin, subúrbio é uma dobra entre o moderno e o passado

.j x. diz:

tem internet a cabo, mil tecnologias de ponta, mas ainda abriga outras tantas tradições

reuben! diz:

é um troço que tá aí mas não faz parte

.j x. diz:

e isso também dá uma pirada na cabeça da galera daqui, que consegue se informar de várias paradas mas que vive num mundo marcado por estes tabus, tradições…

reuben! diz:

pode crer

.j x. diz:

no fundo, quem foge à regra por aqui acaba se sentindo como o homem desenraizado, tá ligado nessa idéia? é um livro de um malandro chamado todorov

.j x. diz:

tzvetan todorov eu acho

reuben! diz:

tô ligado no todorov

reuben! diz:

mas no trampo dele como linguísta

reuben! diz:

esse livro eu não conheço

.j x. diz:

eu li “conquista da américa” por causa da faculdade mas gostei tanto que acabei pegando esse “homem desenraizado”

.j x. diz:

é quase uma autobiografia

.j x. diz:

porque ele nasceu num país do leste europeu — desculpa a falha da memória mas não consigo lembrar qual agora –, mas se desenvolveu intelectualmente na frança

.j x. diz:

quer dizer, nasceu no auge da repressão das idéias e foi viver em paris, no meio daquela loucura de liberdade

.j x. diz:

ai o cara se sente desenraizado, porque depois de viver 20, 30 anos em paris ele volta pro país de origem e bate de frente com aquela coisa fechada

reuben! diz:

o milan kundera tem uma experiência parecida (não de voltar, mas de sair)

.j x. diz:

ai ele não é nem mais o todorov do leste europeu, só que em paris ele também não se sente pleno, porque ainda carrega alguns vícios da cultura que nasceu e as próprias pessoas o enxergam como um gringo

reuben! diz:

po, não conheço esse livro

.j x. diz:

recomendo

.j x. diz:

aqui no rio eu achei por cinco conto hehehe

reuben! diz:

inclusive sempre achei o todorov meio xarope, porque como linguísta ele é um matemático!

.j x. diz:

intelectual é foda né, europeu então…

.j x. diz:

mas no conquista da américa o trabalho dele é bem interessante

reuben! diz:

pô, tá anotado

reuben! diz:

tu viu o q aconteceu com o alta fidelidade?

reuben! diz:

no 4shared?

.j x. diz:

vi, putaria isso né?

.j x. diz:

eu não tenho nem o direito de dar minha musica de graça

reuben! diz:

isso rolou com outras pessoas

reuben! diz:

a cérebro eletrônico lançou um ep dessa forma e tiraram do ar

.j x. diz:

ainda rola no trama virtual, mas muita gente resiste ao lance de ter que registrar pra fazer o download

reuben! diz:

eu resisto! hehe

reuben! diz:

mas tu vai botar de novo no 4shared?

.j x. diz:

cara, acho que não porque não tô mais afim de divulgar estes sons

.j x. diz:

tô fazendo coisa nova, que julgo muito melhor, daí acho um disperdicio de energia tentar divulgar as velhas de novo

reuben! diz:

tô ligado

reuben! diz:

então não vai rolar nem de lançar o disco

.j x. diz:

acho que não

.j x. diz:

mas já já vem coisa nova por aí

.j x. diz:

esse é o lance, não são discos na verdade

.j x. diz:

quer dizer, o próximo deve ser um disco

.j x. diz:

esse que tem aí na pista é uma demo

reuben! diz:

mesmo assim é uma velocidade acima da média, um disco atropelando o outro

.j x. diz:

é uma tentativa

reuben! diz:

e essa história de nuremberg?

.j x. diz:

pois é, outra doideira isso

.j x. diz:

totalmente por acaso

reuben! diz:

setembro, né?

.j x. diz:

mas deu trabalho essa parada

.j x. diz:

isso, fiquei na europa setembro e outubro

reuben! diz:

contaí

reuben! diz:

como q rolou o contato?

.j x. diz:

sabe o confronto, a banda de hardcore? eles vão sempre pra europa, já foram umas 4 vezes, e voltaram de lá repetindo que eu devia ir de qualquer jeito. que meu som tinha tudo a ver pra bombar por lá

.j x. diz:

daí eu fui devagarzinho catando contatos

reuben! diz:

até pintar o convite pro festival

.j x. diz:

isso, rolou através de uma brasileira que mora lá em nuremberg, a carol, uma baiana arretada!

.j x. diz:

ela organizou a festa e eu fui daqui fechando mais shows

.j x. diz:

tudo com gente já minimamente conhecida, o johnatan, que é meio brasileiro e meio francês, dj sangue bom do favela chic (que apesar do nome péssimo é um lugar bacana)

reuben! diz:

hehehe

.j x. diz:

cara, sei que isso é chato, mas tem como a gente continuar esse papo depois? hoje ou amanhã

.j x. diz:

tô me amarrando, mas não posso seguir conectado aqui agora

reuben! diz:

ô cara, sem essa de chato

reuben! diz:

tem erro não

.j x. diz:

demorô então

.j x. diz:

o papo tá manero!

reuben! diz:

vai nessa e bora se falando!

.j x. diz:

é só seguir o barco

reuben! diz:

tranquilo

reuben! diz:

abração!

.j x. diz:

valeu!

Comments:

  • Andre

    Entrevista massa. O Todorov é um matemático em suas análises, mas é referência pra trabalho acadêmico. Também não conheço os outros livro dele. Parecem ser legais. Entrevista bacana. Vou procurar o som pra sacar melhor. Abs reuben!

  • Sergio Carvalho

    Conversa e informação.
    Muito boa conversa, parabéns

    Serjão

  • Rogério Tomaz Jr.

    I-RA-DO!
    Firmeza, esse cabra!
    Curiosidade sobre preconceitos incutidos… com 11 anos (1987), respondi numa prova de História que D. Pedro tinha declarado a Independência na Baixada Fluminense, só de zoação mesmo, pois já tava passado de ano e queria tirar onda… lembro que usei a Baixada porque foi, naquele momento, o lugar mais sinistro que eu conhecia de ouvir falar… depois fui me tocar que cresci vendo a Globo detonar o Brizola falando da violência no Rio… (real, mas superinflada por causa dele)
    abraço!

  • Makely

    Reuben, matou a pau. Já to linkando o cara!

    Forte abraço

  • baixacul

    Makely: quando fui dizer pro João que a entrevista tava no ar a gente acabou batendo um papo mais longo e eu passei teus links pra ele também!

    Rogério: acho que tu vai curtir o disco, se ainda não conhece! E valeu pela memória sempre afiada.

    Sérgio: Valeu, cara! Apareça.

    André: Cabra sumido da porra! Acho que tu vai curtir o “Literatura em Perigo”.

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