BaixaCultura

Hackerspaces, makers e caixas-pretas em charla

A BaixaCharla #5 teve como convidado Joel Grigolo, sociólogo, integrante do Matehackers, hackerspace situado em Porto Alegre criado em 2012, e do Machinarium, laboratório criativo de projetos na área digital. O papo girou em torno de assuntos nos quais Joel transita e fala com naturalidade – e de forma crítica: cultura hacker, maker, conhecimento livre, faça-você-mesmo, Porto Alegre, questões tecnológicas, políticas e de ensino no Brasil, ciência, objetividade… Além do próprio Matehackers, espaço do qual Joel está desde os primórdios.

A charla foi gravada em 12 de dezembro de 2017 no próprio Matehackers, na sala do Machinarium e na outra sala que compõe o espaço do matehackers, com a parceria da Sheila Uberti na câmera. Diferente das anteriores, nessa optamos por não transmitir ao vivo; gravamos em uma câmera digital com melhor qualidade de imagem. Esta foi a última charla da primeira série de entrevistas, um ciclo focado em pessoas de Porto Alegre. Em fevereiro de 2018 começamos um novo ciclo de charlas, dessa vez com pessoas da cultura livre/hacker/digital de São Paulo.

Joel é um “fazedor” nato. Desde a infância gosta de abrir caixas-pretas, fuçar em eletro-eletrônicos, montar e desmontar para ver como funcionam. Mas caixas-pretas não dizem respeito só a objetos técnicos, mas também a sistemas, como a sociedade: daí um dos motivos que fez Joel parar nas Ciências Sociais da UFRGS, e lá se envolver com a cibercultura, o movimento estudantil e a economia solidária. Lá sacou que a universidade é engessada e hierárquica demais para fazer circular um conhecimento livre, então foi trabalhar na Prefeitura de Porto Alegre, depois emalgumas ONGs (participou da fundação de duas), em trabalhos dedicados à geração de renda para adolescentes e trabalhadorxs na cidade, em especial na região da Vila dos Papeleiros, uma área com diversos problemas de tráfico, sujeira e violência situado na região centro norte de POA, próximo à Rodoviária.

Nas instituições públicas e partidárias, se desgostou da hierarquia extrema, do apagamento da voz individual em nome de uma (suposta?) voz coletiva, que não dava a oportunidade de decisão do discurso. Em meados de 2011, descobriu uma lista de pessoas interessadas a montar um hackerspace na cidade, “um bando de gurizada”, nas palavras dele, que foi a base do surgimento do primeiro hackerspace do Estado, o Matehackers, ainda no espaço conhecido como Bunker, uma (depois duas) salas num prédio da Avenida Independência, centro de Porto Alegre. Ali muitas das ideias que Joel buscava se encontraram: um espaço coletivo, autônomo, focado em tecnologia, funcionando a partir dos princípios da cultura hacker e que, agora sim, tratava e fazia de fato conhecimento livre. “Hackerspaces nao existiriam se a academia cumprisse seu papel” é uma frase muito falada por ele que sintetiza essa busca, agora (parcialmente?) encontrada no Matehackers.

No final de 2013 e início de 2014 o hackerspace migrou para o Vila Flores, então começando a se articular enquanto um centro cultural (e um empredimento comercial focado na economia criativa). Ali o Mate começa a agregar gentes diversas e se torna a referência, no Vila e na cidade, em questões voltadas à tecnologia, cultura hacker, conhecimento livre. A organização não-hierárquica, a liberade de atuação, a inter (trans) disciplinariedade –  que atrai de jornalistas à programadores, de produtores culturais à técnicos em eletrônica, de anarquistas à apoiadores do Bolsonaro – e a propensão ao compartilhamento de ideias e saberes faz do lugar ser um inusitado e divertido espaço de diversidade e de educação, como as escolas poderiam ser. Faz-se realidade uma certa utopia de vida de Joel.

Mas que chato seria se uma busca de vida encontrasse um fim. E o Matehackers não é uma utopia, mas uma realidade que traz desafios cotidianos. Não há “modelo de negócio” nem renda fixa para o lugar, mas custos fixos sim: aluguel, luz, água, manutenção de equipamentos, etc. Não há ninguém para limpar o espaço, mas todxs devem se responsabilizar por isso – o que exige uma atenção diária que na maior parte do tempo as cerca de 20 pessoas que frequentam o lugar toda semana (mais os 60-100 que conversam nos canais online do grupo) não conseguem ter. Os desafios de pagar o aluguel, manter o espaço organizado & ainda ser esse lugar para compartilhar o conhecimento são frequentes, difíceis e reais, muito reais.

Joel sabe disso tudo, e a charla não podia deixar de de pincelar algumas ideias sobre hackerspaces, sobrevivência, ética, política, tecnologia. O pai do Fabrício (15 anos) e parceiro da Maria também exerce na conversa sua veia crítica & irônica, conhecida por todxs que vão ao hackerspace e se deparam com o cabeludo/barbudo em frente a um computador, fumando e/ou tomando uma cerveja.  Conhecedor profundo da cultura hacker e maker, ele não gosta da apropriação que no Brasil se faz dessa última. “É o único lugar que se traz os nomes, se despe eles completamente de seus significados originais e os torna hypes. Olha o caso da comida de rua: aqui é o único lugar que comer na rua se torna mais caro do que em restaurantes, sendo que o movimento surgiu justamente para ser o contrário!”. Felizmente, diz ele, passou o hype sobre a cultura hacker, o que faz com que os hackerspaces que existam hoje, por exemplo, não tenham esvaziado tanto assim o significado original presente nos princípios da ética hacker: “O movimento hacker assusta. Ele é disruptivo, e há uma disputa na sociedade por ele. Não posso nem botar “hacker” no nome de uma empresa porque pode ser considerado apologia ao crime. O próprio desconhecimento do que é hacker nos ajudou, no final das contas”.

Assista a conversa abaixo.

Oficina de Pizzas no Matehackers

mascote do Machinarium

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