Estudo, espreita e experimentação: Tocaia
2025 só acaba quando termina: 19 de dezembro, na Ocupação 9 de julho (São Paulo), nasce uma revista e um coletivo
“Tocaia nasce como erva-daninha entre cultivos acidentais e gestos mais ou menos intencionais, perseguindo todo rastro de presença desobediente nos interstícios das grandes árvores soberanas: ali por onde rastejam as pequenas criaturas, os movimentos imprevisíveis, as associações impróprias, as pequenas antenas que antecipam grandes precipitações. É toca: arranjo sociotécnico estratégico de uma forma de habitar cuja fronteira entre interior e exterior opera como uma interface sensível – o dentro e o fora em constante relação transformativa . É também um estado de presença que espreita o inimigo ao mesmo tempo em que estuda a melhor forma de ataque diante daquilo que cada situação exige. Uma pequena ecologia aberta ao indeterminado, obstinada em conjurar qualquer perspectiva totalizante e transcendental, mas confiante na ação da partilha e na escala da polinização.
Tocaia é tanto um chamado como um gesto que cultiva a atenção a tudo que nos cerca; uma forma de habitar que não dispensa a hipótese do contra-ataque. Por isso propomos investigar os caminhos por meio dos quais seria possível reconhecer os bloqueios e as capturas que governam nosso tempo e imaginação. Mapear os inimigos sem abrir mão daquilo que nos torna capazes de agir. Tateando pistas dentro de uma névoa densa e com pouca visibilidade, nos perguntamos: quais formas de vida ainda estamos dispostos a criar e defender? Mckenzie Wark chama de baixa teoria (low theory) a prática de fazer teoria junto de um movimento, um coletivo, um estudo compartilhado, uma pequena conspiração. É a baixa teoria que nos move aqui.
Neste primeiro número, convocamos uma conversa aberta sobre o pensamento radical e os horizontes de transformação diante da aceleração da catástrofe planetária e tecnológica-informacional, produzida pelo ambiente digital-cibernético em que estamos imersos. Espreitamos a expansão da Megamáquina colonial, suas infraestruturas, códigos e artefatos, seus novos discursos tecnológicos e velhas formas de governar modulam a atenção, os regimes de sensibilidade, os engajamentos afetivos, as formas estéticas radicais. Trinta anos após a explosão da internet comercial, nossos sonhos de liberação foram capturados por novas formas de extração, vigilância e controle. A possibilidade da comunicação distribuída não é mais um problema; o que parece como pesadelo é a comunicação permanente, o ritmo que nos faz pulsar a batida do Capital de modo incessante, nos tornando disponíveis para ela. A máquina está em nós.
Se o capitalismo não teme a crítica, o que ainda pode sabotar seu funcionamento material, libidinal, maquínico? Não seria, então, possível pensar que nossa urgência não está em um programa ou em um novo desenho de organização, mas, antes, em uma forma de sentir – uma prática de atenção ou infraestruturas de liberação do nosso tempo para fazer emergir experiências de prazer e cumplicidade para uma vida não fascista? Um materialismo profundo cuja prática é a de concatenar as forças desobedientes que animam o mundo contra os modos de subordinação e os velhos/novos hinos do poder ou da produção? Prompts indomáveis. Uma recusa às formas de inteligência reduzidas ao imperativo da eficiência. A afirmação de uma inteligência terrestre voltada ao problema de fazer perseverar à vida em toda sua interdependência, imprevisibilidade e abertura.
Tocaia é como chamamos também uma política da autonomia que investiga coletivamente as possibilidades de bifurcação no presente: quais arranjos sociotécnicos podem sustentar autonomias para além de enunciados radicais? Como escapar do regime de visibilidade narcísico e da disponibilidade total? Como seria criar formas técnicas que favoreçam territórios de interdependência multiespécie? Quais formas de vida emergem nos interstícios dos circuitos de valor do tecnocapital? Como retomar um horizonte de transformação quando a digitalização se impõe como mediação ubíqua entre nossas práticas, relações, pensamentos, desejos e imaginação? Como partir da exaustão para afirmar coletivamente o que já não podemos suportar? O que nos vincula, afinal? Com que tipo de máquina nos compomos? Que outras máquinas ainda podemos criar e habitar?”
Trecho de apresentação da revista, pelo coletivo editorial desta edição: Alana Moraes, Henrique Parra, Fernanda Bruno, Leonardo Foletto e Pedro Ekman









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