Comentários sobre: Cultura livre como liberdade positiva https://baixacultura.org/2024/08/29/cultura-livre-como-liberdade-positiva/ Cultura livre & (contra) cultura digital Fri, 30 Aug 2024 21:40:55 +0000 hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 Por: Ale Abdo https://baixacultura.org/2024/08/29/cultura-livre-como-liberdade-positiva/#comment-38437 Fri, 30 Aug 2024 21:40:55 +0000 https://baixacultura.org/?p=15712#comment-38437 Ni! Excelente texto da Mariana. Ótimos comentários, posso até dizer que faço minhas as tuas palavras ;D

No curso sobre o Futuro da Informação, lá nos idos de 2010 (quando nos conhecemos!), discutindo o Software Livre e a Wikipédia eu apresentava uma distinção entre acesso (transparência), contribuição (participação), e a arquitetura sociotécnica que potencializa e integra ambos (modularidade). Outra grande questão é a energia, os recursos e o tempo para essas atividades. Mas uma última é a motivação. Cultura livre para quê? Onde a cultura livre se encaixa no nosso modo de vida?

Se não vamos construir e contar nossas próprias histórias, criar novos imaginários, nos libertar da posição de indivíduos consumidores midiáticos, não precisamos de cultura livre. O progresso técnico-industrial garante que com o custo de um almoço por mês podemos passar todo o nosso tempo livre assistindo tanto superproduções enlatadas como clássicos cult. E mais, se esse tempo livre é mínimo, a questão dessa vontade nem sequer se põe: será o tempo de descansar na frente do streaming, do game, ou mesmo do leitor de ebook. Sem motivação e sem tempo, pensar uma produção cultural em escala que não seja uma mercadoria não é sequer uma possibilidade.

Diferente de outros comuns como o software livre, onde a expressão reificada (o software) integra uma lógica de produção dos “meios” e pode assim aproveitar-se da energia do sistema produtivo, desenvolvendo-se em dialética esquizofrênica com sua personalidade “código aberto/open source”, a cultura livre só pode existir dentro de um projeto político que trabalhe o desejo de viver uma “cultura viva”.

Dito isso, é preciso reconhecer que há muitas, muitas brechas que correspondem à ideia de cultura livre, que em termos jurídicos geralmente encontram-se às margens do direito autoral. Saraus de poesia/rap/slam, bandas de garagem, sites de fan-fiction, rodas de sampa, o pixo e o grafite, o live-coding, clubes de repente, grupos de RPG, vários elementos da cultura popular etc, além de universos inteiros de artes do corpo. Se o impulso por viver culturas livres não é generalizado, ele é bastante presente.

Mas é preciso observar igualmente que essas manifestações não competem em complexidade ou escala com as produções proprietárias. E isso enfim aponta para que o necessário, como você dizia, é o cuidado com a energia, recursos, tempo, e a arquitetura propícia, inclusive formas de organização adaptadas, para essas atividades. De novo, o sucesso dos pontos de cultura testemunha a favor. Por outro lado, é preciso assumir mais claramente a questão da motivação, do tipo de cultura que desejamos viver, que é o gancho político para podermos organizar esse cuidado, seja por meios estatais ou por meios comunitários.

Se não queremos viver num mundo onde um monopólio nefasto (pleonasmo) controla as expressões – personagens, cantos, histórias, imagens – que formam nossas memórias e identidades, as da nossa família e de nossa comunidade, então temos de investir em estruturar e financiar um circuito explicitamente dedicado a um modo de viver a cultura oposto ao proprietário. E nisso, as licenças não devem ser vistas como uma solução, mas apenas como um artifício na demonstração de que uma outra cultura é possível.

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